Tag: William Wheeler

  • Crítica | Rainha de Katwe

    Crítica | Rainha de Katwe

    O acaso e a democracia em caráter alegórico determinam, de maneira resumida, o relato sobre a história real de Sophia Mutasi, uma menina analfabeta, de apenas 11 anos, moradora de uma das regiões mais pobres da capital de Uganda, Kampala. Rainha de Katwe é uma produção da Disney com colaboração da ESPN – outro canal de seu conglomerado – que explora uma delicada e interessante análise sobre a construção do esporte na África e como a participação de mulheres resulta em uma emancipação inclusiva.

    William Wheeler, o roteirista, sentiu a necessidade de esculpir personagens femininas fortes, mas sem desnivelar a tons tendenciosos e maniqueístas. Portanto, entregou liberdade interpretativa para a estreante Maldina Nalwanga, que faz Sophia, e para Lupita Nyong’o, que encena a mãe viúva Harriet. A partir da inclusão do xadrez como objeto de foco no filme, o roteiro contorna situações de tensão e escarne, popularizando o conceito democrático do jogo – ponto positivo para o treinador Robert (David Oyelowo), que para instigar os jovens pobres a participar do jogo, destaca que pode ser a chance para não só mostrar à classe mais abastada da região e do país que é bom no jogo, mas que existe e que é escondido pela desigualdade.

    A direção é da indiana Mira Nair, erradicada nos Estados Unidos. Aqui, ela diversifica a pluralidade de paisagens e culturas do país para evidenciar a existência do povo daquela região, sem apelar a uma perspectiva exótica. Aliada à direção de fotografia de Sean Bobbit, os conflitos internos de Phiona são catalisadores para os embates nos tabuleiros, afinal, como contestar a vida que se segue, sendo que ela pode ser alterada a qualquer momento, para além do próprio alcance?

    Portanto, a narrativa do filme, como muitos contos – próprios ou não – da Disney, é evocar histórias de superação e equiparação além da singularidade daquele universo. Toda a igualdade, todas as chances por uma oportunidade de vencer e sair do anonimato imposto por sociedades e seus braços, são manifestadas em diversas maneiras e claro, quando é sobre um esporte, é um evidente ponto democrático. Quantas pobrezas foram esquecidas ou amenizadas quando se chega em casa de madeirite com comida para dois meses? E quantas dúvidas sobre a dúvida foram esclarecidas pelos mestres, pelos tutores e depois, por si mesmo? Sophia é uma heroína de sua família, de seu povo, e de si mesma.

    Texto de Adolfo Molina.

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  • Crítica | A Vigilante do Amanhã: Ghost in The Shell

    Crítica | A Vigilante do Amanhã: Ghost in The Shell

    Recentemente, M. Night Shyamalan disse que a onda de remakes e continuações em Hollywood está perto do fim. Tal declaração ocorreu quando o diretor divulgava seu novo trabalho autoral, Fragmentado e esse palpite certamente não alcançou A Vigilante do Amanhã: Ghost in The Shell, produção dirigida por Rupert Sanders e que já vinha sendo prometida a muito tempo. Cercado de polêmicas a respeito da mudança de etnia da maioria dos personagens, tal aspecto passa longe de ser o  maior defeito de concepção do produto.

    Sanders repete qualidades e defeitos de seu filme anterior Branca de Neve e o Caçador, mais uma vez trazendo um visual belo com um texto pasteurizado e repleto de clichês. Sua abordagem resgata alguns dos elementos do anime de Mamoru OshiiO Fantasma do Futuro, com referências inclusive ao background do diretor de animes, além de manter parte da essência do mangá Masamune Shirow através de fan-services ora pontuais ora gratuitos, no entanto, falta sutileza no tratar dos assuntos chaves.

    A personagem principal é chamada de Major e é interpretada pela celebridade Scarlett Johansson. A atriz está bem quando se exige dela um talento dramatúrgico, ainda que em alguns momentos sua performance aparente preciosismo, culpa evidentemente do roteiro de Jamie Moss e William Wheeler. O texto escolhe investir em uma discussão mais óbvia e obsoleta sobre a questão da alma e espírito sobre a inteligência artificial. É nessa transposição da linguagem tipicamente japonesa para uma visão mais ocidental, vista nas refilmagens dos Estados Unidos, que mora o principal demérito do longa. A questão filosófica de vida inteligente é minimizada para uma questão individual, no caso, relacionada a heroína da trama.

    A centralização narrativa é tanta que quase não sobra substância para os outros personagens explorados. Batou (Pilou Asbaek) por exemplo é um dos personagens mais queridos da franquia, mas soa como um sidekick de luxo. De positivo há o trabalho de Juliette Binoche como a Doutora Ouelet, Takeshi Kitano como o chefe Aramaki e o surpreendente Michael Pitt, que rouba a cena quando aparece, como Kuze. No entanto, a motivação dos três personagens em momento nenhum se justifica e se torna quase tão risível quanto a performance e background do vilão clássico, Cutter (Peter Ferdinando), antagonista que torna a experiência aborrecida.

    Apesar de não ser tão brilhante quanto a dos outros filmes, a trilha sonora casa bem tanto com o visual cosmopolita que remete à Blade Runner quanto com as sequências de ação. Para quem é fã da saga de Motoko Kasanagi e todo o universo de Ghost in The Shell há algumas referências básicas e pontuais, como cenas filmadas de maneira idêntica, uso de nomes importantes da saga além de uma preocupação por parte da direção de arte, que conseguem retratar com qualidade um cenário futurista cyberpunk capaz de se diferenciar até dos filhos da série como Matrix.

    É curioso que o título brasileiro Vigilante do Amanhã se distancie tanto do nome original, exceto pelo subtítulo em inglê. A sensação após o filme é a de se apreciar algo diferente dos materiais anteriores. Não é uma adaptação ofensiva  – ainda mais graças a toda reverência as obras de Oshii e Shirow – mas acrescentando bem pouco a franquia como um todo, uma vez que a temática é tão modificada que parece outra história, em um roteiro de qualidade baixa principalmente ao forçar o trama para uma possível continuação.