Tag: Daniel Kaluuya

  • Crítica | Judas e o Messias Negro

    Crítica | Judas e o Messias Negro

    Judas e o Messias Negro é dedo na ferida, sem perder o controle. É fera ferida que não perde seu charme, nem seu brilho quando o bicho pega. Emulando toda a barbárie e o racismo institucional na sociedade americana de 1969, o filme registra muito mais que a luta de Fred Hampton, o líder do Partido dos Panteras Negras, para com o engajamento do povo negro em prol de sua sobrevivência diante da brutalidade policial, mas expõe com força impressionante o trauma vivido pelo grupo radical dos Panteras e a tensão dos seus embates em uma Chicago retratada quase como cenário sem-lei de faroeste, sob uma típica atmosfera política que sufoca qualquer um. Judas tece críticas externas e também internas ao movimento, sem diluir ou exagerar nenhuma causa ou consequência de suas ações coletivas, por vezes planejadas e as vezes desesperadas, nisso tornando-se, facilmente, um dos melhores filmes do ano de 2020.

    Drama caprichado, cuja base está na dualidade entre um “messias” que vive para conscientizar e limpar a dor dos seus, e o seu querido Judas particular (William O’Neal, um moleque informante do FBI infiltrado nos Panteras), temos aqui um contraponto moral estabelecido com total naturalidade e franqueza, sendo este grande parte da espinha dorsal do filme. Ousada, e direta ao ponto, a obra serve como um debate ficcional e histórico à questão: vale a pena combater fogo contra fogo? Se o radicalismo do grupo os levou à danação, a coragem e a determinação de homens e mulheres cansados de sofrer, por ser quem são, merecem ser lembradas contra a vitória de um estado higienista. Judas e o Messias Negro é sobre a força que nasce da humilhação, e do perigo de “viver” numa sociedade cujo racismo estrutural ameaça qualquer gota de melanina portada por um cidadão. Inevitável a revolta explodir, e Fred é o capitão do barco, ciente de que poderá ser apunhalado pelas costas a qualquer momento.

    Mas não há outro caminho, senão seguir. Ele(s), contra o mundo, anti-heróis deles mesmos, tentando construir uma realidade utópica mais justa, nos anos 60. Ao invés de rejeitar a violência e o suspense que brota de certas sequências, o diretor Shaka King assume com orgulho a bravura do seu protagonista, e entrega um filme sensível, poderoso e realista, mas jamais apologético e muito menos hipócrita perante os seus temas mais complexos, e ainda atuais. Daniel Kaluuya, de Corra!, entrega o melhor trabalho da sua carreira, ao carregar no olhar enigmático o pesar e as desilusões de um homem muito jovem, castigado, e que ainda sorri entre seus seguidores rumo ao bem-estar da sua raça, tão sonhado. Como seu contraponto nessa história de luta sem glória, Lakeith Stanfield é um nome cada vez mais respeitado em Hollywood, presente também na ótima série Atlanta, tendo aqui o papel de vilão arrependido, perdido na própria confusão. Na própria dor, e perseguição, por ser quem se é.

  • Crítica | As Viúvas

    Crítica | As Viúvas

    Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.

    Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).

    Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.

    Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.

    O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.

    As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.

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  • Crítica | Pantera Negra

    Crítica | Pantera Negra

    Filmes de super-herói é uma classe de cinema que evoluiu de um subgênero para praticamente um gênero, em especial após o ingresso da Marvel nas adaptações mais recentes de suas obras. Depois do que aconteceu em Blade: O Caçador de VampirosX-Men: O Filme e as continuações das duas sagas, o que se viu eram filmes que cresciam em investimento e em foco no publico não-nerd, com histórias que remetiam aos quadrinhos mas que tinham uma abordagem descontraída e divertida. Pantera Negra não foge à essa regra, ousa pouco, mas onde se aventura, acaba se saindo muito bem.

    O filme de Ryan Coogler se mune de arcos de histórias mais recentes do personagem vivido por Chadwick Boseman, não tanto em estrutura narrativa, mas sim em espírito. Ao contrário das primeiras versões do Pantera Negra, há uma enorme valorização do país onde T’Challa é soberano, sendo Wakanda uma nação próspera, que se utiliza de tecnologias que o restante do mundo não possuí e amplo desenvolvimento social, ainda que essas questões não sejam conhecidas pelo mundo externo. O fato disso não ser compartilhado com outras civilizações, especialmente no que diz respeito as nações subdesenvolvidas, é muito bem discutida no filme, em especial na motivação do vilão.

    O roteiro de Coogler e Joe Robert Cole é esquemático, mas não tanto quanto os de Dr. Estranho, Homem Formiga e Homem-Aranha: De Volta ao Lar, esse definitivamente não é um Homem de Ferro do John Favreau com protagonista negro. Os temas discutidos além de atuais, remetem a questões já denunciadas há tempos e conversa principalmente com toda a verve dos discursos de grupos de rap, por exemplo, como a quantidade exorbitante de crianças negras que crescem sem seus pais por conta de tragédias e as dificuldades que um jovem negro e morador do gueto tem de conviver com o poder paralelo do tráfico, e isso tudo se funde com a trilha sonora, repleta de canções que envolvem a cultura hip hop.

    Apesar dele ser um produto enlatado, e que não consegue fugir muito dos seus clichês, ele serve muito bem na função de desconstruir mitos e paradigmas hollywoodianos sobre qual é a identidade das pessoas que habitam a África. Os rituais de passagem da realeza são mostrados em detalhes bonitos, com o elenco principal e de apoio dançando com roupas coloridas e típicas, fazendo lembrar até boa parte das vestimentas dos rituais de religiões afro-brasileiras, como Candomblé e a Umbanda.

    Da parte do elenco, Boseman não compromete e consegue ir bem. Já a Nakia de Lupita Nyong’o é a personagem mais complexa e bem trabalhada, conseguindo reunir em si dois arquétipos diferentes, que de certa forma, espelham um pouco de T’Challa e Killmonger, de forma equilibrada e inteligente, unindo bem os ideais distintos. Danai Gurira e Daniel Kaluuya quando são exigidos mostram uma boa desenvoltura, embora o segundo merecesse mais tempo de tela e Letitia Wright que faz a irmã do novo rei também tem suas piadas bastante afiadas. O elenco mais velho, com Forest Whitaker e Angela Bassett também acerta na maior dos momentos, o destaque negativo é Michael B. Jordan, que apesar de ter um plano de fundo com problemas reais e ser um personagem implacável, sua interpretação por vezes soa bidimensional, e incapaz de expressar toda a raiva que carrega por ter sido rejeitado por aqueles que deveriam tê-lo acolhido. Ao final, ele ainda tem uma possibilidade de melhorar isso, mas o texto não colabora, se tornando mais um vilão bobo e sem sentido no universo cinematográfico da Marvel.

    As cenas pós-créditos envolvem interações entre wakandiano e o mundo exterior, e em todas as sequências eles aparecem como personagens soberanos, jamais de cabeça baixa e essa representação é muito poderosa e simbólica, por que praticamente tudo o que Coogler fez nesse Pantera Negra, remete a isso: quão positivo para uma criança ou jovem negro ter na cultura pop uma representação positiva e protagonista a respeito de quem ele é. Obviamente que é ingênuo acreditar que a partir daí acontecerá uma revolução e que todo o mundo se livrará dos seus preconceitos raciais, mas ainda assim é um avanço interessante dentro da indústria de cinema americana.

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  • Crítica | Corra!

    Crítica | Corra!

    Jordan Peele tem uma carreira bastante curiosa. Seu background como ator inclui uma porção de programas televisivos e filmes de comédia, indo das dublagens de Bobs Burguer, Frango Robô e American Dad, até os live action Key and Peele e MadTv. Após contribuir em alguns roteiros, Peele decide realizar seu primeiro filme como diretor, que seria Corra (Get Out no original)um filme de terror que utiliza elementos de discussão a respeito do racismo vigente na parcela conservadora dos Estados Unidos.

    Apesar de ter um caráter único, vê-se muitas semelhanças deste filme com Corrente do Mal, em especial pela condução de discursos contra questões progressistas atualmente em voga. O filme de David Robert Mitchell discorre sobre a sexualidade feminina e sobre os abusos que ocorrem tradicionalmente com mulheres, enquanto a vivência de Chris Washington (Daniel Kaluuya), um jovem negro que vai visitar a família de Rose Armitage (Allison Williams), uma moça branca que aparenta ter uma mentalidade em nada conservadora. Ao chegar no lugar, ele se depara com Dean (Bradley Whitford) e Missy (Catherine Keener), os pais da moça, que agem de maneira suspeita, cada uma a seu modo, causando estranhamento no rapaz.

    Ocorre então alguns eventos estranhos com o rapaz, que durante uma festa, é indagado pela maioria das pessoas sobre seus dotes físicos, sobre seus talentos com a câmera – uma vez que é fotografo – e sobre os hábitos de sua raça. Tudo ali causa estranhamento no sujeito e as atitudes dos visitantes são ditas como alvos de curiosidades, sendo na verdade atos puramente passivo agressivos, e causando no espectador uma reflexão importante, ainda mais se o público estiver disposto a repensar suas atitudes, de que todo o circo nonsense praticado por essas pessoas é também comum no cotidiano do homem moderno.

    A construção do suspense torna-se quase perfeita ao misturar os elementos que já foram estabelecidos nos trailers e demais materiais de divulgação. O uso de estereótipos raciais tem uma inversão de intento muito bem urdida, seja nos serviçais da casa dos Armitage, ou no amigo de Chris e alívio cômico visto em Rod (LilRel Howery). Peele toma cuidado para dar razões profundas para utilizar os arquétipos do negro servil e do negro engraçado, engrossando inclusive a questão central de ilusão hipnótica contra o pensamento de teoria da conspiração.

    Se apenas seguisse a premissa que aparentava até então, Corra já seria um filme muito rico em temática, pela quantidade de discussões que suscita, mas ele não se limita a ser um produto que levanta questões pontuais, mesmo que tenha um plot twist , que por sua vez, também  não soa desonesto e que causa espécie em quem o assiste. Mais do que isso, a direção de Peele é arrojada e suas cenas causam tanta tensão quanto a espera que seu roteiro sustenta ao desenvolver a descoberta da verdade, assim como não fica refém de suas viradas dramáticas e se valendo bem inclusive das partes humorísticas, além é claro de desconstruir qualquer possibilidade por parte de detratores mais retrógrados, que gostam de afirmar de associar o discurso de defesa contra preconceitos raciais como vitimistas ou paranoicos, uma vez que toda perseguição dita no script acontece todos os dias com a população negra.

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