Tag: Michael B. Jordan

  • Crítica | Sem Remorso

    Crítica | Sem Remorso

    Criado por Tom Clancy, o Ryanverse já foi adaptado para diversas mídias. Tudo começou com A Caçada ao Outubro Vermelho, filme que adaptou o livro homônimo que tinha o analista da CIA, Jack Ryan, como protagonista. Desde então, várias outras adaptações de livros para o audiovisual tem o personagem como central em suas histórias — recentemente um seriado do personagem chegou ao Amazon Prime Video.

    Ocorre que, nos livros, o escritor criou um universo muito rico com vários personagens interessantes que ganharam suas histórias próprias, tais como o esquadrão Rainbow Six (adaptado para uma longeva e bem sucedida série de games) e agora John Kelly, personagem de apoio de vários livros com Jack Ryan.

    Não é exagero dizer que Kelly é uma espécie de super soldado, pois nos livros ele é sempre mostrado como alguém extremamente competente e habilidoso. Isso o torna um dos personagens mais importantes que habitam o Ryanverse, presença recorrente nas obras literárias, tendo desenvolvido uma grande amizade com Jack Ryan à medida que vão trabalhando juntos. Devido a isso, Clancy detalhou sua origem no livro homônimo a esta adaptação, além de colocá-lo como personagem central em vários outros da linha principal do seu universo compartilhado, além de spinoffs, tais como Rainbow Six e os livros protagonizados por Jack Ryan Jr. Nos cinemas, antes de Michael B. Jordan encarnar o personagem, Kelly foi interpretado por Willem Dafoe em Perigo Real e Imediato, último filme da trilogia iniciada em A Caçada ao Outubro Vermelho e por Liev Schreiber no fracassado reboot do ano de 2001, A Soma de Todos os Medos.

    Na trama, após voltar de uma missão de resgate que quase terminou em desastre, Kelly tem sua casa invadida por um grupo de assassinos que mata a sua esposa e o deixa seriamente ferido. Acusado pela morte dela e envolvido em uma conspiração que vai aos altos escalões governamentais, Kelly parte em uma jornada violenta para descobrir quem matou sua esposa e expor toda a trama conspiratória.

    Roteirizado por Taylor Sheridan (A Qualquer Custo e Terra Selvagem) e Will Staples, e dirigido por Stefano Sollima (Sicario: Dia do Soldado), Sem Remorso difere dos filmes protagonizados por Jack Ryan na abordagem. Aqui o tom é muito mais pessoal, com todos os eventos gravitando em torno do protagonista. Mesmo em Jogos Patrióticos, filme estrelado por Harrison Ford em que Ryan se torna alvo da vingança de um terrorista irlandês, os eventos que se desenrolam dependem de outros aspectos da trama, desde a burocracia da CIA ao comportamento dos seus chefes. Aqui, a dinâmica é inversa: Kelly é a força motriz do filme e o seu entorno reage ao seu comportamento, tomando as ações a partir do que ele faz, fazendo a narrativa ser bem mais direta.

    Jordan demonstra mais uma vez ser um dos grandes atores da atualidade. Sua atuação confere profundidade emocional ao protagonista, evitando que ele seja somente uma máquina perfeita de matar. O ator é plenamente capaz de segurar um filme sozinho, pois une competência e carisma. Some-se isso à boa direção de Sollima, que consegue criar bons momentos de ação e tensão, tais como a fuga do prédio cercado, a sequência inicial de infiltração e o interrogatório onde Kelly incendeia um carro para conseguir informações. Além disso, nas sequências mais “burocráticas” que mostram os núcleos políticos e corporativos do filme, o diretor encadeia bem os eventos, deixando claro para o espectador o que está ocorrendo.

    Ainda que não seja um filme memorável, Sem Remorso é um eficiente thriller de ação com um bom roteiro de  Sheridan, direção segura de Sollima e uma ótima atuação de Jordan. Boa diversão e um bom ponto de partida para uma nova franquia.

  • Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Crítica | Fahrenheit 451 (2018)

    Rahmen Bahrani foi escolhido pelo canal a cabo HBO para conduzir a nova versão em longa-metragem do clássico distópico de Ray Bradbury, e a roupagem que ele dá buscar modernizar, não só em cenários, figurinos e efeitos especiais, mas também na abordagem de seus personagens. Guy Montag (Michael B. Jordan), que no romance Fahrenheit 451 é mostrado como um sujeito pacato, torna-se aqui um bombeiro popular, que busca fama e se torna uma micro-celebridade pelo trabalho que faz, além de estar sempre de olho em uma promoção.

    Montag é sempre acompanhado pelo Capitão Beatty (Michael Shannon) e há uma relação amistosa e de admiração entre eles, quase como mentor e pupilo. Os dois passam seu tempo entre exibições em escolas, na frente de crianças impressionáveis, além de perseguirem as pessoas que possuem livros. Uma das razões utilizadas para justificar a queima dos mesmos pelo Ministério é a automatização, que além de tornar objetos antigos como esses obsoletos, também tem substituído a mão de obra humana com as máquinas.

    A escolha do roteiro de Bahrani e Amir Naderi escolhe culpar o culto a tecnologia pelo estado de coisas distópicos do filme, e essa repaginação tinha tudo para ser válida e uma boa forma de atualizar o conceito. Nem há como dizer que no livro de Bradbury isso não estivesse um pouco presente, mas o modo como é conduzido ao longo dos pouco mais de 100 minutos do filme é bastante estranho. Aparentemente, os mais pobres não tem acesso a esse mundo futurista ao estilo Blade Runner (aliás as referências ao clássico de Ridley Scott são muitas, especialmente na casa do capitão, que parece demais os escritórios onde Deckard investigava) e sim bem antiquado, sem luxos ou uso de aparelhos  que possam facilitar  qualquer interação com o cotidiano.

    Behrani sabia que estava trabalhando com um produto bem conhecido da cultura popular, além do que a  primeira versão de Fahrenheit 451 lançada nos cinemas é considerado um clássico de François Truffaut, um dos mais populares e palatáveis de sua filmografia, e claramente faltou um pouco de maturidade ao traduzir o material literário. Há um pouco de sensacionalismo e simplismo no modo como Montag descobre a leitura, e em como Beatty o influencia a evoluir. Talvez esse seja o maior mérito do filme, pois consegue transmitir as sementes entre mentor e discípulo.

    Esse quadro muda um bocado quando Montag se envolve com a bela Clarisse (Sofia Boutella), uma moça que ele encontra como informante de Beatty. Ao perceber essa aproximação, o mentor passa a enxergar seu herdeiro como alguém perigoso, com disposição a ir onde ele não foi, e essa possibilidade é sugerida no livro, mas aqui é tratada como verdade absoluta.

    Shannon faz o vilão que habitualmente costuma entregar, semelhante ao que já havia feito em O Homem de Aço e A Forma da Água, mas não vai muito além disso, e de certa forma, é decepcionante ver o potencial desperdiçado, não tanto pelo seu desempenho, mas sim pelo que poderia entregar ao personagem. Os momentos finais desse do longe remetem, novamente, a Blade Runner de Scott, com belas paisagens sendo mostradas e uma sensação de libertação do mal, embora obviamente seja a consciência de Montag que vaga por ali, e não uma alternativa ao fim do mundo como na adaptação do livro de Phillip K. Dick, mas aqui, este tom não desautoriza todo o restante da  história, ao contrário do filme de Scott, ainda assim, a versão deixa a desejar.

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  • Crítica | Creed II

    Crítica | Creed II

    O retorno do herói é um tema batido na cultura pop, em especial no cinema, normalmente quando um filme de linguagem popular vai bem nas bilheterias é praticamente obrigatório ter uma continuação. Foi assim com a franquia Rocky, que teve cinco filmes, além de um sexto capítulo feito décadas depois. A decisão de ter uma continuação para Creed: Nascido Para Lutar foi natural e obviamente que havia um bocado de receio que Creed II não fosse uma aventura escapista que honrasse o primeiro filme de Ryan Coogler, e por mais que obviamente não seja tão bem construído narrativamente quanto o primeiro, o filme de Stevan Caple Jr é bastante emocionante, e vale toda a espera pela sequencia dos dias do Adonis Creed de Michael B. Jordan.

    O roteiro de Juel Taylor e Sylvester Stallone (baseado no argumento de Cheo Hodari Coker) não é tão inspirado quanto o primeiro, e perdeu o fator surpresa obviamente por não ser mais uma novidade, mas ele compensa isso com muita emoção ao longo das suas mais de duas horas de duração. O filme começa já com uma luta de Adonis “Donnie” Creed, finalmente vencendo o torneio na categoria dos pesos pesados. Em meio a decisões sobre seu futuro, onde deseja cortejar Bianca (Tessa Thompson) para finalmente casarem, ele recebe um convite, um desafio vindo da Ucrânia, de um lutador pouco conhecido, chamado Viktor Drago (Florian Munteanu), filho de Ivan Drago, o mesmo que assassinou seu pai dentro de um ringue na década de oitenta e que treinou seu filho para seguir seu legado e conseguir o que ele não conseguiu, o cinturão.

    Obviamente que esse confronto foge do pragmatismo que seria a trajetória de um campeão de boxe. Aqui há claramente um apelo ao sentimento de vingança puro e simples, de justiça custe o que custar, onde a aceitação de  Donnie só apresentaria possibilidade de perdas e nenhum ganho, tanto desportivamente como emocionalmente pois  muitas feridas poderiam ser abertas. Nesse ponto, o roteiro é extremamente previsível, tanto nas curvas dramáticas quanto nas reações emocionais de seus personagens, mas é tudo tão crível que essas obviedades não chegam a incomodar tanto.

    Rocky e Donnie são muito cúmplices e um dos acertos do diretor foi apostar nessas relações familiares e de parcerias, pois se crê bastante na relação não só de Rocky com Adonis, mas também no casal que é Bianca e Adonis e até no sentido de Balboa ser um conselheiro do casal, com ambos ouvindo seus ensinamentos além até do ringue.

    A participação dos personagens resgatados da saga Rocky é muito bem vinda. Dolph Lundgren mesmo não sendo um ator conhecido por ser dramaticamente bem dotado acerta em seu tom de pai carrasco e treinador severo, embora ainda haja um ranço pueril a respeito de como os derrotados eram tratados na União Soviética. Sua participação é muito bem explorada, e faz brilhar ainda mais a figura de Sly, que mesmo sem ter momentos de redenção forte como foi no primeiro Creed onde se recuperava de um câncer, ainda consegue emocionar demais ao ser a figura paterna de Donnie, sendo muito mais que o tio que ele tanto chama.

    A ideia de Adonis em voar solo é passada de maneira bem orgânica, e o jovem Creed finalmente assume as rédeas de seu destino, assumindo as consequências de seus atos sem ignorar os erros e acertos que comete não só nesse filme, como também no outro. Apesar de haver momentos em que as lições de moral abundam a historia, até esse tratamento é feito com um carinho e delicadeza muito grande por parte de Caple enquanto diretor. A escolha de entregar o filme a ele foi um grande acerto, pois como fez em The Land, seu filme anterior, a jornada do herói criado por Ryan Coogler é desenrolada de modo bonito, simples e em alguns momentos, até poético.

    Há toda sorte de clichês dos filmes Rocky, no entanto a abordagem deles é adorável, as lutas são eletrizantes, o senso de justiça dos personagens idem. O final é apoteótico, apela para a nostalgia mas não perde a mão e não abusa da pieguice, há muitos ecos de Rocky IV mas até  a sensação saudosa com o filme/propaganda que Sly dirigiu e protagonizou em 1985  não faz perder a identidade desse Creed II, que consiste em uma obra reverencial e que possui luz própria.

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  • Crítica | Pantera Negra

    Crítica | Pantera Negra

    Filmes de super-herói é uma classe de cinema que evoluiu de um subgênero para praticamente um gênero, em especial após o ingresso da Marvel nas adaptações mais recentes de suas obras. Depois do que aconteceu em Blade: O Caçador de VampirosX-Men: O Filme e as continuações das duas sagas, o que se viu eram filmes que cresciam em investimento e em foco no publico não-nerd, com histórias que remetiam aos quadrinhos mas que tinham uma abordagem descontraída e divertida. Pantera Negra não foge à essa regra, ousa pouco, mas onde se aventura, acaba se saindo muito bem.

    O filme de Ryan Coogler se mune de arcos de histórias mais recentes do personagem vivido por Chadwick Boseman, não tanto em estrutura narrativa, mas sim em espírito. Ao contrário das primeiras versões do Pantera Negra, há uma enorme valorização do país onde T’Challa é soberano, sendo Wakanda uma nação próspera, que se utiliza de tecnologias que o restante do mundo não possuí e amplo desenvolvimento social, ainda que essas questões não sejam conhecidas pelo mundo externo. O fato disso não ser compartilhado com outras civilizações, especialmente no que diz respeito as nações subdesenvolvidas, é muito bem discutida no filme, em especial na motivação do vilão.

    O roteiro de Coogler e Joe Robert Cole é esquemático, mas não tanto quanto os de Dr. Estranho, Homem Formiga e Homem-Aranha: De Volta ao Lar, esse definitivamente não é um Homem de Ferro do John Favreau com protagonista negro. Os temas discutidos além de atuais, remetem a questões já denunciadas há tempos e conversa principalmente com toda a verve dos discursos de grupos de rap, por exemplo, como a quantidade exorbitante de crianças negras que crescem sem seus pais por conta de tragédias e as dificuldades que um jovem negro e morador do gueto tem de conviver com o poder paralelo do tráfico, e isso tudo se funde com a trilha sonora, repleta de canções que envolvem a cultura hip hop.

    Apesar dele ser um produto enlatado, e que não consegue fugir muito dos seus clichês, ele serve muito bem na função de desconstruir mitos e paradigmas hollywoodianos sobre qual é a identidade das pessoas que habitam a África. Os rituais de passagem da realeza são mostrados em detalhes bonitos, com o elenco principal e de apoio dançando com roupas coloridas e típicas, fazendo lembrar até boa parte das vestimentas dos rituais de religiões afro-brasileiras, como Candomblé e a Umbanda.

    Da parte do elenco, Boseman não compromete e consegue ir bem. Já a Nakia de Lupita Nyong’o é a personagem mais complexa e bem trabalhada, conseguindo reunir em si dois arquétipos diferentes, que de certa forma, espelham um pouco de T’Challa e Killmonger, de forma equilibrada e inteligente, unindo bem os ideais distintos. Danai Gurira e Daniel Kaluuya quando são exigidos mostram uma boa desenvoltura, embora o segundo merecesse mais tempo de tela e Letitia Wright que faz a irmã do novo rei também tem suas piadas bastante afiadas. O elenco mais velho, com Forest Whitaker e Angela Bassett também acerta na maior dos momentos, o destaque negativo é Michael B. Jordan, que apesar de ter um plano de fundo com problemas reais e ser um personagem implacável, sua interpretação por vezes soa bidimensional, e incapaz de expressar toda a raiva que carrega por ter sido rejeitado por aqueles que deveriam tê-lo acolhido. Ao final, ele ainda tem uma possibilidade de melhorar isso, mas o texto não colabora, se tornando mais um vilão bobo e sem sentido no universo cinematográfico da Marvel.

    As cenas pós-créditos envolvem interações entre wakandiano e o mundo exterior, e em todas as sequências eles aparecem como personagens soberanos, jamais de cabeça baixa e essa representação é muito poderosa e simbólica, por que praticamente tudo o que Coogler fez nesse Pantera Negra, remete a isso: quão positivo para uma criança ou jovem negro ter na cultura pop uma representação positiva e protagonista a respeito de quem ele é. Obviamente que é ingênuo acreditar que a partir daí acontecerá uma revolução e que todo o mundo se livrará dos seus preconceitos raciais, mas ainda assim é um avanço interessante dentro da indústria de cinema americana.

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  • Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

    Crítica | Creed: Nascido Para Lutar

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    O ano era 1976. Gerald Ford era o Presidente dos EUA após suceder Richard Nixon em decorrência do escândalo Watergate ocorrido anos antes. As políticas de bem-estar social começaram a apresentar um declínio que altera mudanças nas estruturas econômicas e políticas do país, culminando no modelo neoliberal aplicado por Ronald Reagan. Quatro anos antes, a Guerra do Vietnã havia chegado ao fim com a saída dos EUA, após forte pressão política da política externa e interna. Havia um sabor amargo na boca dos americanos e uma descrença do seu poderio e hegemonia frente ao mundo, aliado ao contexto de uma possível guerra nuclear, a qual poderia ocorrer por qualquer movimento em falso de uma das principais potências do século XX que tinha o mundo como um tabuleiro de xadrez. Se isso não fosse o bastante, o país enfrentava uma forte recessão, desemprego e inflação, criando um cenário de instabilidade e crise interna. É nesta conjuntura em que Rocky: Um Lutador é forjado por Sylvester Stallone, e por diversas vezes este cenário, e a própria história de Stallone, se mesclaria a personagem de Balboa e não mais saberíamos diferenciar o criador da criatura.

    Creed: Nascido Para Lutar não poderia ser diferente. O sétimo filme da franquia concebida pelo astro nos anos 1970 faz jus ao filme original sem desrespeitar seu próprio caminho. Os elementos conjunturais do primeiro filme se modificam, mas a crise global e o clima de incertezas e inseguranças permanecem, com as características típicas do do século XXI, tornando o novo longa uma bela releitura do filme de 1976. O ainda iniciante Ryan Coogler, responsável por Frutivale Station: A Última Parada, sabe utilizar muito bem a fórmula da série a seu favor e tem um talento natural para posicionar sua câmera e contar histórias de underdogs – azarões, personagens excluídos e à margem da sociedade.

    O longa se inicia por meio de um flashback que introduz o protagonista Adonis “Donny” Johnson (Alex Henderson) no início de sua adolescência em um centro de detenção juvenil de Los Angeles, internado por conta de pequenos delitos e do seu comportamento agressivo. Sua infância se resumiu a saltar de orfanatos e casas de detenções para menores. No entanto, sua vida muda completamente após receber a visita de Mary Anne Creed (Phylicia Rashad), que lhe diz ser filho ilegítimo de Apollo Creed (Carl Weathers), seu falecido marido e ex-campeão peso pesado de boxe.

    Os anos se passam, Adonis (Michael B. Jordan) permanece com Mary Anne na mansão construída nos áureos tempos em que Apollo era vivo, e divide seu tempo em tentativas abortadas de uma carreira empresarial e lutas clandestinas no México aos finais de semana. A genética paterna fala mais alto e Adonis decide se dedicar exclusivamente ao boxe, apesar do desgosto de sua mãe, e parte para Filadélfia para tentar convencer um velho amigo de seu pai a treiná-lo e tentar provar a si mesmo que faz jus ao legado de seu pai.

    Se para Donny é difícil carregar o peso de seu sobrenome e seu passado, o fardo é dividido e compartilhado entre seu treinador, Balboa, já que o ringue não tem mais espaço para seu corpo cansado. O tempo o venceu. E o tempo, tema tão caro para Stallone nos últimos anos, novamente retoma como um dos pontos-chave para o desenvolvimento de Rocky no longa. Em seu primeiro diálogo com Donny, ele é questionado do motivo de Apollo ter perdido a luta realizada entre eles tantos anos atrás, “Foi o tempo que o venceu. O tempo derruba a todos. Ele é imbatível”, responde Rocky. Novamente ficção e realidade se misturam na vida do astro.

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    As construções dos relacionamentos existentes em Creed: Nascido Para Lutar se alicerçam principalmente na relação entre treinador e aluno. Há uma doçura existente na presença desses personagens e o florescimento da relação se dá de maneira gradual, graças ao talento de ambos,  Stallone certamente entrega a melhor atuação de sua carreira até então, andando em uma linha tênue e encantadora de resignação, com a chegada da velhice, e o desejo e a esperança de se ver novamente no jogo, nem que isso se realize na figura de seu discípulo. A importância das relações é impressa também na personagem de Tessa Thompson, Bianca, uma jovem cantora que se envolve com Adonis. 

    Se os relacionamentos são importantes para a construção e a verossimilhança dessas personagens, são nos detalhes que o filme cresce, como em pequenos momentos de Rocky subindo a colina e conversando no túmulo de Adrian e Paulie; na divertida cena de manifestação física de nervosismo de Donny pedindo para que retirassem suas luvas minutos antes de sua primeira luta pois precisava ir ao banheiro; ou mesmo na intimidade do jovem lutador ouvindo músicas e fazendo tranças em Bianca. Apesar de Bianca possuir um problema de perda de audição progressiva, isso não toma um caráter melodramático para a trama. A doença existe e não é tratada como um ponto de virada simbólico dentro do roteiro, apenas como um fato na vida da personagem.

    A confiança de Stallone em, pela primeira vez, entregar o roteiro da série Rocky para terceiros se mostra uma escolha acertada, o texto de Coogler e Aaron Covington compreendem a essência de Rocky e as nuances contidas na personagem desde sua concepção. O trabalho de direção é impecável, seja na sutileza em retratar esses pequenos universos como também para apresentar os ringues, e isso fica claro na primeira luta profissional de Adonis. Em um plano sequência de tirar o fôlego, a cena transporta o espectador para dentro do ringue, com toda a visceralidade e brutalidade existente em uma luta de boxe.

    Coogler demonstra um nível de maturidade alto e realiza a transição entre o cinema independente e o cinema de grande estúdio sem perder sua assinatura. Enquanto isso, Stallone se reinventa, desconstrói para se reconstruir. Embaixo do brucutu que nos habituamos a ver por tantos anos – e que tanto insistiu em nos mostrar – existe um ator comprometido na composição de um personagem fragilizado, com uma mensagem universal de que a vida sempre nos deixará de joelhos, pouco importando o quão duro sejamos capazes de bater, cabendo a nós aguentarmos os golpes e seguirmos em frente.

  • Crítica | Quarteto Fantástico

    Crítica | Quarteto Fantástico

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    Há um boom de filmes baseados em histórias em quadrinhos desde o renascimento da espécie como gênero, que se iniciou lá com X-Men. A ideia era excelente: tratar o filme de super-heróis como um gênero dentro do outro, e assim haveria abertura para que Bryan Singer fizesse uma bela Sci Fi com elementos de ação, necessária ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica deste tipo de filme. Na mesma época, Homem-Aranha de Sam Raimi trouxe uma certa pureza aos super-heróis ao trabalhar temas típicos dos personagens de quadrinhos como responsabilidade, caráter, bondade e sacrifício — abordagem que se repetiu poucas vezes, como em Homem de Ferro, Vingadores e nas continuações de Homem-Aranha. Porém não era possível fazer isso com todo e qualquer material, e estabelecer gêneros maiores e então encaixar a mitologia do super-herói parecia uma decisão mais bem acertada. Christopher Nolan fez seu suspense policial numa Gotham City sem a aura mágica a qual normalmente se observa na cidade, e deu certo elevando o nível dos filmes de super-heróis para patamares mais ousados. Com os direitos de diversos personagens da editora Marvel nas mãos, a Fox buscou completar sua fatia do bolo com Demolidor – O Homem sem Medo e Quarteto Fantástico, ambos nada bem-sucedidos.

    Eis que aparentando novos rumos e visões depois do excelente X-Men: Primeira Classe, o estúdio enfim encontrou sentido para seus personagens. Precisando fazer algo para não perder os direitos sobre eles, resolveu que era hora de reiniciar o Quarteto Fantástico nos cinemas. Para a missão contratou o promissor Josh Trank (Poder Sem Limites) que, após este filme, estaria à frente de um dos filmes do universo Star Wars da Disney, e faria segundo suas palavras, um Sci Fi com referências de David Cronenberg, pitadas de horror e algo totalmente diferente do usual. Como parte de suas decisões artísticas o elenco seria formado por talentos inquestionáveis de uma nova geração que conta com Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição), Michael B. Jordan (Fruitvale Station) nos papéis de Senhor Fantástico e Tocha Humana, e trataria de uma nova geração de também cientistas que estão agora no mundo com a missão de consertar as gerações passadas que destruíram ou renegaram. A genialidade de Reed Richards/Senhor Fantástico contrasta com sua inexperiência e cria um interessante personagem que nunca conseguiu se impor corretamente, mas que tem em si a sede por compreender o mundo à sua volta e que assim segue com a resiliência devida. Após ser descoberto pelo cientista Storm em uma feira de ciências, Richards tem a chance de fazer a diferença no mundo.

    Quando quase nada poderia dar errado, boatos sobre brigas no estúdio e a sorrateira substituição de Trank por Mathew Vaugh (X-Men: Primeira Classe) para “consertar” o filme surgiram por toda a internet, denunciando que ou o resultado teria ficado ruim, ou o estúdio queria na verdade uma outra coisa. O resultado das possíveis confusões se vê na tela em um filme sem foco, estrutura ou originalidade, e que de tão genérico é possível ter vislumbre de praticamente qualquer filme de super-herói recente, desde o recente Homem-Formiga, até O Homem de Aço. Não haveria muitos problemas caso esses vislumbres tivessem relação com os pontos fortes dos filmes citados, porém se percebe apenas a soma dos mais variados clichês recentes do cinema, como a ação artificial baseada em efeitos visuais fosforescentes. Está tudo lá como uma espécie de mapa mental das convenções de gênero que poderiam ser inseridas no filme, mas sem o filtro de qual combinação fazer.

    Embora o terceiro ato seja terrivelmente problemático, os dois primeiros têm dificuldades de conectar e trazer seus protagonistas para o centro da história e da ação, pois não consegue localizar a importância dos personagens à trama. Quem sofre particularmente com isso são os personagens Ben Grimm/Coisa (Jamie Bell) e Sue Storm (Kate Mara), que não podem contar nem mesmo com a grande qualidade de seus intérpretes, já que eles não têm espaço para atuar e são sufocados por exigências meramente performáticas e banais, além de inseridos na obra como pura convenção.  Para resolver este deslocamento, boa parte das soluções são apressadas e amadoras. A solução para dar alguma substância aos personagens é fazendo deles contrapontos das intenções do governo para o uso de suas habilidades, o que seria ótimo caso isso representasse alguma consequência para a trama, o que não foi possível, em muito pela metragem do filme – apenas 100 minutos. Aos demais personagens, resta como motivação para a maior parte de suas ações a necessidade de reconhecimento parental, porém este recurso perde-se em sua frivolidade por ser aplicada a praticamente todos os personagens, mesmo àqueles cujo desenvolvimento não ressoa.

    A falta de perigo, urgência ou gravidade é outro ponto fraco deste filme. Nem mesmo mortes recebem o impacto que merecem, como se o filme se apressasse para uma resolução numa tentativa de subir o ritmo rapidamente e assim criar o clímax. Ao perder-se sobre o que gostaria de mostrar, cria um segundo filme ao iniciar o terceiro ato e isso deixa óbvio que decisões foram tomadas no decorrer da produção e que essas decisões alteraram o material e ideia inicial, levando do Sci Fi com toques de terror prometido (e parcialmente entregue até então) a uma aventura boba de resolução fácil como nos filmes anteriores e alguns pares recentes do cinema de super-herói. Tal desconexão se vê inclusive na edição, que insere e retira personagens de lugares quase que teletransportando o elenco em cortes tão secos que chegam a perder o espectador por um segundo até que este se localize novamente, além de utilizar os recursos mais primários de passagem de tempo que poderiam existir.

    As boas interações do início do filme são desconsideradas com seu decorrer, dissolvendo os laços criados sem reconectá-los ao final, demonstrando uma certa falta de empatia com aqueles personagens. Neste ponto, é difícil de entender o porquê do espaço em tela para Victor Von Doom (Toby Kebbell), se sua participação efetiva como vilão seria apenas burocrática, desperdiçando um visual interessante e cenas de demonstração de poder corajosas. Ao fim, pela falta de sua presença, Doom não exerce o papel de vilão, ou seja, aquele que incita a situação para que o herói haja. Aqui, nenhum papel é bem definido com relação a uma estrutura usual de vilão e herói, adquirindo-a apenas ao final, quando o resultado destoa do desenvolvimento.

    Se o clima e personalidade são muito bons e as pequenas ousadias do roteiro têm capacidade de aliviar a tensão quando surgem, as dificuldades de relacionar suas qualidades ou de lidar com o número de personagens ressaltam sobre seus pontos positivos gerando uma obra no mínimo desconjuntada (que não chega a ser sempre terrível). Quando somada ao complicado terceiro ato, que além de curto e apressado representa uma outra estética e dinâmica de todo o resto, torna-se complicado olhar com mais afeto as licenças tomadas por personagens e trama.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Fruitvale Station: A Última Parada

    Crítica | Fruitvale Station: A Última Parada

    Fruitvale Station

    Ambientado na primeira década do novo milênio – em 2007, como os modelos antigos de celulares demonstram – Fruitvale Station: A Última Parada começa com uma filmagem amadora, prenunciando o principal ponto da trama e tentando emular visualmente a mensagem escrita antes dos créditos iniciais de que aquele é um filme baseado em uma história real. Oscar Grant (Michael B. Jordan) é um jovem pai de família que não consegue transmitir a mínima segurança para os seus. Sua esposa, Sophina (Melone Diaz) não confia nele por suas infidelidades conjugais – e tem razão nisto, visto que busca reincidir no erro, o sustento da casa também é comprometido, uma vez que ele foi mandado embora do emprego precário que ele tinha, e que se via impelido a vender drogas para sobreviver.

    A comunicação de Oscar é feita quase sempre por telefonia, através de ligações em meio ao translado de suas viagens e das mensagens de texto que troca com seus conhecidos. A tecnologia é muito presente em seu cotidiano e é um signo bastante reprisado pela lente. É como se este fosse incapaz de falar por si só, de usar a própria voz e identidade para se comunicar, o tempo inteiro ele precisa terceirizar o seu discurso, não se permitindo envolver com nada e ninguém, mesmo quando a proximidade se mostra necessária.

    Assim que tal condição de distanciamento é confrontada, é mostrada uma cena do seu passado, revelando que ele foi um ex-presidiário, e que essa vivência o marcou, não só pela óbvia experiência de se viver enjaulado, mas pela ausência física dos momentos especiais no crescimento de sua filha Tatiana. Sua relação com a sua mãe Wanda (Octavia Spencer) também não é das melhores, seus primeiros diálogos são por telefones, um meio frio, ele tem dificuldade em conversar com ela olho no olho, talvez temendo ter a sua verdade finalmente explicitada.

    A câmera segue o protagonista, num ritmo quase documental, usando Oscar como avatar de uma condição deveras comum nas comunidades carentes americanas. A realidade do negro e pobre é explicitada, tudo para eles é mais difícil, desde a simples admissão empregatícia, até a missão de se manter livre de problemas com a lei. Oscar é um menino com idade adulta, sem freios de maturidade típicos de sua idade, mas mesmo em meio a sua falta de senso, ele consegue ver que sua tentativa de mudar de vida é frustrada graças aos seus próprios erros. Ainda assim, ele não consegue ser completamente sincero com ela, mesmo que através de olhares, ele demonstre querer sê-lo.

    Apesar de muita reticência, o casal decide passar a virada de ano na cidade, em São Francisco, e partem para a sua diversão, em uma noite que prometeria uma farra, ainda que moderada, visto que seria feita pelo par de casados. Tatiana tenta impedir seus pais de irem, por ter ouvido tiros no lado externo da casa, a realidade dos infantes incluía a violência e temeridade de perder os entes queridos a qualquer momento graças a voraz fúria das ruas. Oscar não parece se assustar com tais coisas, pois ele é parte – ou já foi, de acordo com a imagem que tenta impor – desse universo.

    A curva dramática para o evento fatídico só seria mostrada decorridos dois terços do filme. Após se meterem em uma briga num vagão de trem, Oscar e seus amigos são levados para fora do carro, onde sofrem uma coerção dos profissionais de segurança que em seu despreparo, os tratam como criminosos, aos olhos dos passageiros “brancos”, não acostumados a toda a truculência retratada em tela. O protagonista é alvejado, e ao se dar conta disto, ele só consegue proferir que é pai de uma menininha.

    O que acontece após estes fatos é uma série de eventos, em que os médicos tentam salvar a vida do ex-presidiário. A câmera passa por toda a fiação dos aparelhos que tentam mantê-lo vivo, grifando mais uma vez o quanto a mecânica é presente na subsistência de Oscar Grant, também determinando que estar por si só não garante que ele se salve, uma vez visto seu crítico estado de saúde.

    O retrato pintado ao final é triste por ser real, e não é complacente com o público, mostrando a reação emocionada daqueles que queriam bem o personagem central da história, que não por acaso foi executada pela atriz com maior poder dramatúrgico. O desfecho é pródigo em demonstrar o quão devastadora pode ser a perda, mesmo para quem convive com casos semelhantes todo os dias, sem tentar isentar o indivíduo alvejado, mostrando-o cruamente, como uma pessoa que falha e erra, mas sem muita perspectiva ou possibilidade real de mudança. Em seu primeiro longa-metragem, Ryan Coogler consegue trazer uma trama que é muito equilibrada em pintar um quadro realista e passar uma sensação de emoção conflituosa, sem cair no clichê de transformar a vítima do mau trato em um inocente, e vítima também das circunstâncias e da sociedade.