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  • Crítica | Coach Carter: Treino Para a  Vida

    Crítica | Coach Carter: Treino Para a Vida

    Thomas Carter é um diretor especializado em filmes inspiradores e motivacionais. Coach Carter: Treino Para a Vida é um longa que narra a história real de Ken Carter, um dono de loja de artigos esportivos, que assume a tarefa de treinar um time de basquete de sua antiga escola. O personagem icônico de Samuel L. Jackson é um homem rígido, com bastante entendimento do esporte e seu caráter transformador, dentro e fora das quadras.

    O filme é produzido pela MTV e já em seu início fala a respeito de Ty Crane, um jogador fictício do Colégio St. Francis que seria o próximo LeBron James. O drama é apresentado de uma forma rápida e apressada. A narrativa se vale de muitas liberdades criativas, e para uma história biográfica isso é bastante complicado.

    O time do Oilers é formado por alguns garotos jovens, como Jason Lyle (Channing Tatum); Damien Carter (Robert Ri’chard), filho do treinador; o latino metido com bandidos Timo Cruz (Rick Gonzalez); o promissor jogador Junior Battle (Nana Gbewonyo); o esperto e rápido Worm (Antwon Tanner); e claro, Kenyon Stone (Rob Brown) que tem que lidar com questões de paternidade não-planejada. Cada um deles tem um certo tempo de tela, e isso o torna arrastado em diversos momentos e se perca em meio a narrativa.

    Ao menos a abordagem não é simplista quanto a jornada, os jogadores variam entre o receio de sair do time e insubordinações, mas não é uma historia livre de percalços, e os métodos do treinador são constantemente contestados pelos alunos. Além disso tudo, Carter tem dificuldades extracurriculares, pois ele passa da simples função de técnico do time de basquete a educar seus jogadores. A intimidade desses calouros é pesada, alguns tem apenas no basquete uma alternativa para um futuro, como é com Battle e sua mãe, interpretada por Octavia Spencer, e toda a sequência entre a personagem e o professor é um bom exemplo de que não é só a postura dos meninos que é incorreta, e ele também tem que ceder em alguns pontos, dosando isso com suas cobranças contumazes.

    O filme gira todo em torno dos métodos, e mesmo com mais de duas horas de duração, mesmo com momentos dramáticos bem graves, há uma preocupação tão grande em adequar os garotos que boa parte da personalidade deles é tolhida. O fato deles terem que utilizar gravata nos dias de jogo conversa com uma postura que David Stern, ex-comissário da NBA empregou na liga profissional, como modo de reprimir o visual ligado a cultura hip-hop entre os jogadores, e essa escolha, pelo código de vestimenta é discutida até hoje como uma atitude preconceituosa do ponto de vista racial. Ter que esconder seu passado e cultura é no mínimo triste, e é um bocado complicado que um dos valores defendidos aqui seja algo semelhante.

    Coach Carter é um filme irmão de Duelo de Titãs, trocando obviamente o futebol americano pelo basquete, com ambos baseando-se em histórias reais. A MTV faz um serviço bem semelhante ao que os estúdios Disney fizeram, ainda que resulte em mais situações complicadas. Os momentos decisivos são bem diferentes em abordagem, mas até o momento agridoce das finais são utilizadas como forma de aprendizado.

  • Crítica | A Cabana

    Crítica | A Cabana

    A Cabana é um best-seller, escrito pelo canadense Philip P. Young, no ano de 2007. Curiosamente, foi uma história que não nasceu para ser publicada, já que Young a imprimiu para entregar aos seus filhos durante o Natal de 2005, pois se tratava de algo que ele escreveu para confortar a si mesmo. Contudo, após despertar o interesse de dois produtores, a história foi reescrita algumas vezes e foi rejeitada em todas as editoras religiosas que poderiam publicá-la, até que os dois produtores (ambos ex-pastores) em questão, Wayne Jacobsen e Brad Cummings resolveram abrir sua própria editora e lançarem o livro. A aceitação foi tamanha que atingiu, além do público alvo, pessoas de diversas outras religiões, além daqueles que não são “pessoas de fé”. Com isso, o livro foi traduzido para o mundo todo, além de figurar na lista de best-sellers dos principais meios de comunicação ao redor do globo o que rendeu, inclusive um desentendimento jurídico entre Young, de um lado e Jacobsen e Cummings, de outro, onde o escritor pleiteou na justiça royalties que não teriam sido repassados.

    Como quase todo sucesso literário vira filme, com A Cabana não foi diferente.

    Mack Phillips, interpretado por Sam Worthington, é um pai de uma bela, perfeita e feliz família, que toda semana, sem falta, entregam parte de seu tempo para celebrar Deus e os ensinamentos das Escrituras nos cultos de sua congregação. Percebe-se que Mack está lá apenas para acompanhar sua esposa, Nan (Radha Mitchell), a mais religiosa entre os 5 membros da família. A identidade que Nan tem com Deus é tamanha que ela e sua filha menor o chamam de Papai, que seria algo mais carinhoso do que apenas “Pai”. Durante um fim de semana em que Nan precisa trabalhar, Mack leva seus filhos, os adolescentes Kate (Megan Charpentier) e Josh (Gage Munroe) e a pequena Missy (Amélie Eve) para passar o fim de semana acampando nas montanhas, junto de um lago como costumam fazer quase que sempre. Durante o camping, um dos adolescentes se afoga e ao sair para socorrê-lo junto de outras famílias, Missy é sequestrada e nunca mais é encontrada. Inclusive, vestígios de que a menina sofreu abusos e uma consequente morte foram encontrados numa cabana abandonada nas montanhas.

    Com esse terrível acontecimento, a história salta alguns meses no tempo e podemos perceber que a família foi destroçada pelo fato. Nan é a mais centrada no que se diz respeito à perda da filha, porém, Mack, Kate e Josh, simplesmente pararam com os sorrisos que tinham anteriormente para viverem uma vida de depressão e desgosto, cada um à sua maneira. As coisas começam a mudar quando Mack tira de sua caixa de correio um envelope com o seguinte recado: “te espero na cabana”. Atormentado por poder confrontar o assassino de sua filha, o protagonista não pensa duas vezes e embarca numa viagem que mudará a sua vida para sempre.

    Com essa premissa, rapidamente, a jornada de Mack vai muito além do que ele imagina, sendo que na verdade, ele acaba por encontrar Jesus Cristo, vivido pelo israelense Avraham Aviv Alush, que imediatamente transforma o local afetado por um tenebroso inverno numa bela, ensolarada e colorida floresta. Não demora muito para conhecermos Deus, representado de forma proposital pela figura feminina de Octavia Spencer, além da jovem Sarayu (Sumire Matsubara), que representa o Espírito Santo.

    O filme se estende por um longo período em que Mack, além de ajudar a Trindade nos afazeres domésticos (algo bem leve e lúdico uma vez que cozinha com Deus, faz serviços de carpintaria com Jesus e planta com Sarayu), os confronta, muitas vezes com ódio, sobre os por porquês de Deus ter deixado sua filha ser brutalmente assassinada. E é assim que conhecemos Sophie (Alice Braga), que coloca Mack numa emocionante situação. O filme oscila o tempo todo com as emoções do espectador. Num determinado momento arranca risos da plateia, sendo que, minutos depois, é possível ouvir choros na sala do cinema. Esse mix de sensações se deve ao roteiro leve de John Fusco, que tem em seu currículo, clássicos como A EncruzilhadaJovens Pistoleiros e mais recentemente era a mente por trás da série Marco Polo, da Netflix. Fusco usa tudo em seu favor e consegue fazer piada até com o fato de Jesus conseguir andar sobre a água. Também não podemos deixar de mencionar a direção do inexperiente, porém, competente, Stuart Hazeldine, que até então só tinha um único filme e não sentava na cadeira do diretor desde 2009.

    Como dito, o filme é longo e acaba por perder um pouco o ritmo. Nota-se que o segundo ato se estende demais com situações que podem ser consideradas desnecessárias e quase não deixa espaço para a conclusão, que, aparentemente, foi bastante acelerada na sala de edição. Ainda assim, A Cabana tem pouquíssimos aspectos negativos, mas deixa muito claro qual a mensagem que Young, Fusco e Hazeldine queriam passar, tanto no livro, quanto no longa metragem. E podemos dizer que a missão foi cumprida com sucesso. Vale destacar que o filme foi feito para todas as pessoas, uma vez que não existem momentos de “pregação”, mas, obviamente, é um filme que atinge um público específico.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Estrelas Além do Tempo

    Crítica | Estrelas Além do Tempo

    Existe uma propriedade que é muito interessante sobre todas as artes, traçando aqui um paralelo com a matemática e com as ciências, é que tem coisas que só uma ou duas pessoas no mundo são capazes de fazer. Simples assim. É questão de que as vezes só existe uma pessoa mesmo para realizar aquela obra. Porém se essas pessoas forem impedidas de realizar suas obras, o mundo como um todo se ficará mais pobre, e este é o caso de diversas mulheres e pessoas negras ao longo da história, que infelizmente foram sistematicamente apagadas e impedidas de nossa devida admiração.

    George Boole desenvolveu a álgebra booleana, uma álgebra utilizada para que computadores tomem decisões com um insight vindo de jogos que permeavam a cultura de diversos povos, em diversos países africanos, baseados em bits, tal qual o jogo de Búzios.

    Nos anos de alfabetização matemática meninas têm um desempenho superior ao dos meninos. Em país menos desiguais, é comum mulheres serem melhores em matemática, porém têm mais dificuldade de se afirmarem como inteligentes do que meninos. Apesar disso supõem-se que meninas não sejam tão boas em ciência e matemática. Apesar de o primeiro Computador, ENIAC, ter sido programado por um grupo de 80 mulheres, que em pouco ou nada foram reconhecidas. A atriz e inventora Hedy Lamarr foi responsável por inventar um sistema de comunicações para as Forças Armadas Americana, e que hoje chamamos basicamente de Wi-fi.

    Sendo assim, é notável que se possa observar a história de Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), um trio de mulheres afro-americanas, e o grupo de matemáticas calculistas do qual faziam parte no programa espacial da NASA, e que foram obrigadas a batalhar mais do que quaisquer outras pessoas na Agência Espacial para simplesmente terem a chance de se mostrarem capazes. Em determinado momento, ao se demonstrar descontente por ter sido interditada para o programa de engenheiros da NASA, que tão pouco aceitava mulheres, por conta de uma regra recente que exigia curso de pós graduação na Universidade da Virgínia, uma universidade que só aceitava brancos, ouve-se da supervisora interpretada por Kirsten Dunst, “Não posso abrir uma exceção para você, aqui ninguém tem privilégios”. A fala, tão comum na internet ganha aqui o lustro hollywoodiano e sua dramaticidade, o que pode afetar mais do que a realidade tão crua do dia a dia.

    O filme, porém, conta com uma estrutura bastante convencional, apoiando-se no fato de que só alguém sem coração se indisporia a torcer pela vitórias do trio, o filme estabelece que elas já estavam prontas, e pouco de suas personagens é desenvolvida, com exceção da personagem de Spencer, que passa por um arco de superação onde é obrigada a jogar com o sistema, tornando-se necessária e desenvolvendo um bonito conceito de sororidade. Tudo isso a partir de sua raiva e frustração acumuladas. As demais personagens têm momentos puntuais de discurso e desenvolvimento apenas, discursos esses que emocionam verdadeiramente, mas que acabam ficando dispersos por serem discursos usados como ferramenta para desenvolver outros personagens, em específico os personagens brancos e seus arcos de superação do racismo e machismos de suas estruturas pessoais e organizacionais. O que se vê é uma relação dissonante que gera uma dúvida problemática sobre o que estamos vendo, se é um símbolo de que o grau máximo de superação das pessoas de cor era a aprovação dos superiores brancos (Retratados aqui pelo figurino como variações de uma mesma coisa, com todos vestidos praticamente iguais, em oposição ao colorido das roupas das chamadas mulheres de cor), ou se esses superiores brancos na verdade encontraram em si pessoas melhores por conta do exemplo a que foram, pela primeira vez, expostos.

    Apesar da história ser imediatamente empática, o diretor Theodore Melfi faz uso de cenas um tanto mais melodramáticas, especialmente as que ocorrem no delivery de provocações de Katherine Johnson com o chefe de operações, interpretado de forma solene e caipira por Kevin Costner, que apesar de displicente com o bem estar das pessoas que o cerca, se mostra sempre justo e generoso, tomando atitudes bonitas e emblemáticas para tentar apagar as marcas que as estruturas “não preparadas para mulheres e pessoas de cor” faziam sobre a NASA. Porém a repetição dessas cenas faz com que percam sua força no resultado final. A trilha sonora composta pela parceria Hans Zimmer e Pharrell Williams não cumpre o que promete, sendo esquecida tão logo acendem-se as luzes.

    E assim é Estrelas Além do Tempo. Um filme necessário, porém burocrático e sem criatividade, sendo uma peça tecnicamente inferior entre seus concorrentes ao Oscar deste ano, que seguem a sombra do brilhante e grande merecedor Moonlight: Sob a Luz do Luar, mas que conta com um elenco bastante competente para mostrar ao mundo o por quê se vê tão poucas mulheres geniais, e tão poucas mulheres negras geniais em nossa memória: Por que elas foram sistematicamente escondidas em porões, tiveram suas contribuições apagadas por protocolos constrangedoramente preconceituosos, obrigadas tomar café e água em jarras que ninguém queria tocar, e por que foram obrigadas a ocultar sua inteligência para evitar serem assim atacadas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

    Salvar

    Salvar

  • Crítica | A Série Divergente: Convergente

    Crítica | A Série Divergente: Convergente

    Convergente

    Seguindo o comportamento adotado por 9 entre 10 franquias que conquistaram algum sucesso nas telonas, A Saga Divergente – Convergente também optou por dividir o seu final em duas partes. O curioso é que, ao contrário dos pioneiros dessa prática, o longa-metragem dirigido por Robert Schwentke consegue estabelecer um arco dramático com início, meio e fim dentro da primeira metade deste último episódio da saga, dando até mesmo a sensação de que aquele poderia ser um ponto final digno para a história. O feito alcançado pelo diretor justifica um final em duas partes com honestidade, sem primar apenas pelo retorno financeiro decorrente das bilheterias.

    A trama leva o espectador de volta a Chicago, onde forças internas e externas influenciam os protagonistas a extrapolar os muros da cidade e tentar entender do que exatamente se trata esse mundo pós-apocalíptico em que vivem. Tris, interpretada por Shailene Woodley, reúne seu ‘grupo’ e, contra a vontade da liderança local, decide explorar o mundo além do muro. O que a coloca como inimiga de sua própria cidade e, ao mesmo tempo, uma intrusa no mundo exterior.

    É interessante chamar atenção aqui para os recursos visuais muito bem utilizados pela equipe de efeitos para ambientar esse universo. A realidade ‘fim do mundo’ da saga mistura ruínas e tecnologia de uma maneira muito crível, sobretudo levando em consideração o baixo orçamento do filme. Trata-se de um misto de CGI e efeitos mais práticos que compõe com eficácia o mapa da região. Uma Chicago em ruínas circundada por um deserto vermelho e inóspito.

    O primeiro ato do filme é quase que inteiramente dedicado a relembrar o contexto herdado do episódio anterior. E aí está um problema: perde-se muito tempo nessa ambientação, que poderia ser sanada de maneira assertiva em menos de dez minutos. Mais uma vez, a escolha aqui foi partir do pessoal para o coletivo, do psicológico para o tátil. Assim, a trama inicia com Tris tentando lidar com seus dilemas e buscando algum parâmetro para a nova ética e senso de justiça empregados pelo ‘governo’ vigente. Demora bastante até entendermos quando a história se inicia de fato e isso compromete o envolvimento do espectador.

    Ainda que em decorrência da pouca presença de suas personagens no texto original, é triste ver atrizes maravilhosas como Octavia Spencer e Naomi Watts subaproveitadas. Mas as atuações do filme variam de medianas a boas, sobretudo por conta da protagonista e de Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição). Já Theo James, que interpreta o rebelde Four, não conseguiu convencer como ator nos filmes anteriores e repete o mesmo feito nesta sequência. Os coadjuvantes entregam desempenhos honestos e conseguem sustentar o drama num bom nível.

    A ação em Convergente soa bastante rasa, quase pueril. Não são poucas as cenas, por exemplo, em que os personagens desenvolvem romances em meio a pontos clímax da história, aumentando o aspecto surreal – e isso não é um elogio – daquilo que está acontecendo na tela. Algumas tomadas parecem ser pensadas para agradar aos fãs, repetindo quase que ipsis litteris os conteúdos do livro que dá origem a trama (o famoso fan service). Justo, em se tratando de uma saga literária tão famosa, mas causa certo incômodo a partir do momento que atrapalha o andamento compassado da obra.

    A Saga Divergente – Convergente – tem inúmeros acertos em relação aos seus ‘concorrentes’, sobretudo Jogos Vorazes, que não conseguiu manter a mesma mescla de entretenimento e cunho político em seus quatro episódios. Embora a história aqui seja relativamente mais simples que a da série de filmes baseada nos livros de Suzanne Collins, os roteiristas conseguiram moldar com bastante habilidade as tramas e subtramas, criando um longa-metragem competente, ainda que lhe sobre didatismo e falte contundência.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Insurgente

    Crítica | Insurgente

    Divergente - Insurgente- poster

    Segunda parte da trilogia escrita por Veronica Roth, a sequência de Divergente, lançado há apenas um ano, chega aos cinemas revelando a urgência de produções-pipoca com bilheteria garantida, mesmo que uma trama sem fôlego seja um ponto crítico.

    Como resumo dos fatos anteriores, um vídeo institucional em que a líder, Jeanine Matthews (Katie Winslet), apresenta ao povo, pontua os preceitos básicos desta série distópica na qual a sociedade é divida em facções de acordo com os dominantes psicológicos de cada um: altruísmo (abnegação), amizade (generosidade), audácia (coragem), franqueza (sinceridade) e inteligência (erudição). Entre eles, há quem não se encaixe em nenhuma destas categorias: são os Divergentes, considerados párias por não se adequarem às divisões da sociedade, e por isso são retirados do sistema.

    A trajetória de Tris segue em Insurgente com maior pressão psicológica pelos fatos sucedidos anteriormente. A personagem compreende que representa uma exceção dentro de seu universo, mas não sabe como agir de fato para modificá-lo. Difícil não equipar esta heroína com a personagem central de Jogos Vorazes, Katniss Everdeen. Afinal, narrativas contemporâneas focadas em futuros distópicos com jovens como grandes salvadores têm sido uma tendência literária e, por consequência, cinematográfica. Katniss e Tris possuem personalidades distintas, mas a composição de Tris é feita de maneira menos intensa do que a da outra franquia, resultando em uma empatia proporcional ao carisma e urgência que a atriz Shailene Woodley trabalha em seu papel.

    Tris não soa como uma ameaça urgente ao sistema de governo como Katniss, bem como seu povo parece satisfeito com o sistema de facções. Sendo assim, uma eventual mudança parece seguir mais a vontade interior da garota e do grupo de Divergentes do que um aclame geral da população. Reconhecendo que a personagem central tem pouco carisma, Roth e, consequentemente, os roteiristas Brian Duffield, Akiva Goldsman e Mark Bomback desenvolvem uma intriga sobre um artefato antigo que traria uma mensagem dos fundadores. Porém, para abri-lo é necessário a presença de um divergente. É natural que a única pessoa capaz de abrir o dispositivo seja Tris. O elemento de predestinação é mais um argumento que prova a falta de força desta história que precisa de um incentivo extra para criar conflitos entre os supostos bandidos e mocinhos.

    Mesmo este conflito com uma possível mensagem reveladora é estranho, pois a princípio a garota deseja destruir o artefato e depois desvendá-lo, mesmo que para isso quase perca a vida. Além do argumento frágil, as cenas de ação são bem simples, sem nenhum bom aproveitamento do recurso da terceira dimensão, além dos óbvios e já intoleráveis ângulos de cena que explicitam a imersão com objetos indo de encontro a tela. Mesmo com uma boa verba para produção, nenhuma cena de ação se destaca, e a bonita e potencialmente interessante cena do pôster nem mesmo está presente, sendo uma provável boa cena cortada da produção.

    De qualquer maneira, a última parte está em fase de adaptação para os cinemas e, seguindo a tendência atual, será dividida em duas partes, exibidas uma a cada ano. Difícil saber se haverá tanta história necessária para a produção de mais dois filmes, visto que nesta segunda parte há um vazio que enfraquece ainda mais a trajetória da personagem principal e seu grupo divergente.

  • Crítica | Expresso do Amanhã

    Crítica | Expresso do Amanhã

    Expresso do Amanhã

    Os filmes sobre futuros pós-apocalípticos já constituem um gênero próprio no cinema. Por inúmeras razões diferentes, o planeta Terra já foi destruído e deu origem a diversas histórias sobre seus sobreviventes. Baseado na graphic novel francesa Le Transperceneige – escrita por Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette –, Expresso do Amanhã é o mais inventivo e surreal exemplar surgido nos últimos tempos.

    Dirigido pelo coreano Bong Joon-ho, responsável pelo maravilhoso O Hospedeiro, o filme tem como ponto de partida uma catástrofe ambiental que ocorre após um experimento fracassado que tinha como finalidade acabar com o aquecimento global e acabou dizimando praticamente toda a vida do planeta. Os poucos sobreviventes do evento cataclísmico vivem a bordo do Snowpiercer, um trem que roda todo o planeta em ciclos de 365 dias. Dentro da composição, há um desigual sistema de classes sociais em cada vagão. Porém, a classe mais pobre, que habita os vagões de trás, não está nada satisfeita com as condições que lhes são impostas e prepara uma revolução.

    Geralmente, existe uma certa dificuldade em unir estilo e conteúdo. Bong Joon-ho consegue com maestria essa união. O coreano é um craque e alguns diretores hollywoodianos deveriam aprender com ele. Na sequência da batalha com os encapuzados de machadinha, Joon-ho faz um magistral uso da câmera lenta sem em nenhum momento diluir a brutalidade do momento. Minutos depois, filma de maneira crua o prosseguimento da luta, usando o ponto de vista dos homens de capuz e seus óculos de visão noturna. Mais ainda, o diretor consegue transformar o trem em um personagem do filme, em vez de fazer dele um simples cenário. Outro ponto positivo é que em nenhum momento as emoções dos personagens são negligenciadas e nenhum close é gratuito. Tudo isso é filmado em um constante clima claustrofóbico.

    A cenografia do filme é muito interessante. Cada vagão tem uma “personalidade própria”, mesmo os mais simples que aparecem logo no início. Alguns são muito curiosos e belos, como o “vagão aquário” e o “vagão horta”. Entretanto, aquele que representa uma escola é especialmente perturbador. Os mais abastados são dotados de luxo, porém retratam a decadência da alta sociedade, numa clara analogia ao mundo real.

    O elenco do filme também é ótimo. Chris Evans faz o líder hesitante da revolução, em uma interpretação contida, mas marcante. Destaque para a cena em que ele expõe o que acontecia no trem no início da viagem. O ator faz um monólogo repleto de emoção sem cair na pieguice ou na canastrice. O veterano John Hurt interpreta com a habitual competência um ancião habitante do trem que serve como uma espécie de líder dos mais pobres e mentor de Evans. Song Kang-ho interpreta o homem que criou o sistema de portas do trem e é mantido prisioneiro. Sua atuação é completamente alucinada, já que seu personagem se viciou em uma droga chamada Kronol. Porém, quando é necessário que o tom seja mais dramático, Song não decepciona. Sua filha Yona, também viciada, é feita por Go Ah-sung em uma atuação que se assemelha a de Kang-ho. Ed Harris e Jamie Bell, respectivamente o idealizador da locomotiva e o fiel escudeiro do protagonista, entregam interpretações competentes, ainda que diferentes. Enquanto o primeiro consegue expressar bem a megalomania de seu personagem, o segundo demonstra muito bem toda a inquietação e a melancolia de seu papel, capaz de sacrificar tudo por seu melhor amigo, o protagonista (Chris Evans). Mas, o maior destaque é Tilda Swinton. Irreconhecível como uma espécie de chefe de segurança do trem, sua interpretação caricata ajuda a ressaltar o quão doentia a personagem é.

    Com um roteiro interessante e surreal executado com maestria por seu diretor, Expresso do Amanhã talvez seja o mais criativo filme de temática pós-apocalíptica que apareceu no cinema nos últimos tempos. Ficção científica de primeiríssima qualidade que merece todos os elogios que recebeu.

  • Crítica | Fruitvale Station: A Última Parada

    Crítica | Fruitvale Station: A Última Parada

    Fruitvale Station

    Ambientado na primeira década do novo milênio – em 2007, como os modelos antigos de celulares demonstram – Fruitvale Station: A Última Parada começa com uma filmagem amadora, prenunciando o principal ponto da trama e tentando emular visualmente a mensagem escrita antes dos créditos iniciais de que aquele é um filme baseado em uma história real. Oscar Grant (Michael B. Jordan) é um jovem pai de família que não consegue transmitir a mínima segurança para os seus. Sua esposa, Sophina (Melone Diaz) não confia nele por suas infidelidades conjugais – e tem razão nisto, visto que busca reincidir no erro, o sustento da casa também é comprometido, uma vez que ele foi mandado embora do emprego precário que ele tinha, e que se via impelido a vender drogas para sobreviver.

    A comunicação de Oscar é feita quase sempre por telefonia, através de ligações em meio ao translado de suas viagens e das mensagens de texto que troca com seus conhecidos. A tecnologia é muito presente em seu cotidiano e é um signo bastante reprisado pela lente. É como se este fosse incapaz de falar por si só, de usar a própria voz e identidade para se comunicar, o tempo inteiro ele precisa terceirizar o seu discurso, não se permitindo envolver com nada e ninguém, mesmo quando a proximidade se mostra necessária.

    Assim que tal condição de distanciamento é confrontada, é mostrada uma cena do seu passado, revelando que ele foi um ex-presidiário, e que essa vivência o marcou, não só pela óbvia experiência de se viver enjaulado, mas pela ausência física dos momentos especiais no crescimento de sua filha Tatiana. Sua relação com a sua mãe Wanda (Octavia Spencer) também não é das melhores, seus primeiros diálogos são por telefones, um meio frio, ele tem dificuldade em conversar com ela olho no olho, talvez temendo ter a sua verdade finalmente explicitada.

    A câmera segue o protagonista, num ritmo quase documental, usando Oscar como avatar de uma condição deveras comum nas comunidades carentes americanas. A realidade do negro e pobre é explicitada, tudo para eles é mais difícil, desde a simples admissão empregatícia, até a missão de se manter livre de problemas com a lei. Oscar é um menino com idade adulta, sem freios de maturidade típicos de sua idade, mas mesmo em meio a sua falta de senso, ele consegue ver que sua tentativa de mudar de vida é frustrada graças aos seus próprios erros. Ainda assim, ele não consegue ser completamente sincero com ela, mesmo que através de olhares, ele demonstre querer sê-lo.

    Apesar de muita reticência, o casal decide passar a virada de ano na cidade, em São Francisco, e partem para a sua diversão, em uma noite que prometeria uma farra, ainda que moderada, visto que seria feita pelo par de casados. Tatiana tenta impedir seus pais de irem, por ter ouvido tiros no lado externo da casa, a realidade dos infantes incluía a violência e temeridade de perder os entes queridos a qualquer momento graças a voraz fúria das ruas. Oscar não parece se assustar com tais coisas, pois ele é parte – ou já foi, de acordo com a imagem que tenta impor – desse universo.

    A curva dramática para o evento fatídico só seria mostrada decorridos dois terços do filme. Após se meterem em uma briga num vagão de trem, Oscar e seus amigos são levados para fora do carro, onde sofrem uma coerção dos profissionais de segurança que em seu despreparo, os tratam como criminosos, aos olhos dos passageiros “brancos”, não acostumados a toda a truculência retratada em tela. O protagonista é alvejado, e ao se dar conta disto, ele só consegue proferir que é pai de uma menininha.

    O que acontece após estes fatos é uma série de eventos, em que os médicos tentam salvar a vida do ex-presidiário. A câmera passa por toda a fiação dos aparelhos que tentam mantê-lo vivo, grifando mais uma vez o quanto a mecânica é presente na subsistência de Oscar Grant, também determinando que estar por si só não garante que ele se salve, uma vez visto seu crítico estado de saúde.

    O retrato pintado ao final é triste por ser real, e não é complacente com o público, mostrando a reação emocionada daqueles que queriam bem o personagem central da história, que não por acaso foi executada pela atriz com maior poder dramatúrgico. O desfecho é pródigo em demonstrar o quão devastadora pode ser a perda, mesmo para quem convive com casos semelhantes todo os dias, sem tentar isentar o indivíduo alvejado, mostrando-o cruamente, como uma pessoa que falha e erra, mas sem muita perspectiva ou possibilidade real de mudança. Em seu primeiro longa-metragem, Ryan Coogler consegue trazer uma trama que é muito equilibrada em pintar um quadro realista e passar uma sensação de emoção conflituosa, sem cair no clichê de transformar a vítima do mau trato em um inocente, e vítima também das circunstâncias e da sociedade.

  • Crítica | Histórias Cruzadas

    Crítica | Histórias Cruzadas

    Logo no quadro inicial de Histórias Cruzadas, somos apresentados à personagem Aibileen Clark (Viola Davis, espetacular). Naquele momento, uma das primeiras frases ditas por ela define exatamente como é a sua vida e as das outras domésticas que surgirão ao longo do filme.

    “Eu sou uma empregada, minha mãe foi empregada e minha avó foi uma escrava caseira”, ela diz.

    Tudo nas vidas daquelas mulheres negras gira em torno dessa realidade: a conformidade com a condição imutável de que suas existências se resumem a trabalhar nas casas de patrões brancos, preparando suas refeições e cuidando de seus filhos.

    Elas estão ali para servir. São uma parte invisível das famílias de seus empregadores. Mas uma parte que jamais é totalmente aceita. Afinal, são mulheres. E pior: são negras – a característica imperdoável para os brancos que viviam na cidade de Jackson, Estado do Mississipi, ao longo dos anos de 1960, local e época nos quais a obra se desenrola.

    “Histórias Cruzadas” trata de dois temas difíceis: a total incapacidade de mudar o rumo da própria vida e a estupidez humana ao segregar um semelhante apenas pela cor da sua pele. No entanto, mesmo lidando com assuntos áridos, a película é uma obra simples, direta e – pelo menos na maior parte do tempo – leve. E talvez essa simplicidade seja sua maior qualidade.

    O roteiro é linear. A história é clara, bem como o posicionamento de cada um dos personagens que a compõem.

    Na trama, somos apresentados à Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone). Aspirante à jornalista e escritora, ela consegue um emprego no jornal local. No entanto, por ser mulher e viver numa cidade racista e sexista, a jovem consegue apenas escrever uma pequena coluna dedicada a donas de casa na qual lhe cabe apenas dar às leitoras dicas de limpeza doméstica.

    É nesse contexto que Skeeter e Aibileen se aproximam – a partir daí, a jovem branca que quer ser escritora percebe que a empregada pode ser a fonte da matéria-prima necessária à realização de uma grande reportagem: contar como é a vida das empregadas naquela sociedade segregacionista a partir do ponto de um ponto de vista até então inexplorado – o das próprias domésticas.

    Ambas – Skeeter e Aibileen – estão infelizes: a primeira quer claramente ir além dos limites da cidade e provar que uma mulher pode ser muito mais que uma caçadora de maridos, atividade para a qual praticamente todas as moças de Jackson são treinadas desde muito jovens. Já a segunda, tem a dor da morte de um filho e a amargura imposta pelo preconceito atravessadas na garganta. Ela precisa colocar para fora os absurdos cometidos em nome da separação provocada pela segregação.

    Absurdos, esses, que são bem retratados por meio da ação mais simples que se possa imaginar: ir ao banheiro – ou seja, até mesmo o mais corriqueiro dos atos pode ser utilizado para demonstrar como brancos tratavam negros dentro daquele contexto. Cabe ressaltar a maneira honesta como o diretor Tate Taylor retrata a hipocrisia dos moradores do subúrbio norte-americano daquele período: por trás das cercas brancas, gramados verdes e bem aparados, encontros sociais e lares aparentemente perfeitos, é possível ver, mesmo no menor dos gestos, o ódio e o desprezo que as pessoas que viviam ali sentiam pelos negros.

    Essa visão segregacionista é incorporada pela personagem Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) – tradução literal da América racista, branca e protestante.

    Seu mundo, no entanto, está prestes a ruir. Discretas intervenções feitas pelo diretor por meio de reportagens de TV assistidas pelos personagens mostram a evolução que os direitos civis nos Estados Unidos experimentavam naquele momento. A luta pela igualdade comandada por Martin Luther King e o assassinato do presidente John Kennedy contextualizam a história dentro daquele período e deixam ainda mais claro que as coisas estavam mudando.

    E a própria Hilly será vítima de uma das maiores ações de vingança e Justiça mostradas no cinema nos últimos tempos. Protagonizada por sua ex-empregada Minny (Octavia Spencer, excelente), a cena em questão se vale de uma, digamos, metáfora “orgânica” para mostrar do que ela realmente é capaz.

    Atenção também à bela performance de Jessica Chastain (A Árvore da Vida), que interpreta a personagem Celia Foote e carrega sua construção com altas doses de inocência, desprendimento e sensualidade involuntária.

    “História Cruzadas” é um daqueles filmes simples – e não simplórios – que nos lembram o quanto situações insanas podem estar mais próximas do que imaginamos – até dentro de nossos lares.

    Insanidades como acreditar que o valor de uma pessoa pode ser medido pela cor da sua pele.

    Insanidade como fechar os olhos para o fato de que, no fim das contas, todos pertencemos à mesma raça: a humana.

    Texto de autoria de Carlos Brito.