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  • Crítica | Ava

    Crítica | Ava

    O elenco de Ava é de encher os olhos: Jessica Chastain, Colin Farrell, Geena Davis e John Malkovich. O diretor Tate Taylor ficou conhecido por bons trabalhos como Get on Up: A História de James Brown e Histórias Cruzadas, seu filme mais conhecido e reconhecido. Olhando dessa maneira, não tinha como dar errado. Só que deu.

    Na trama do filme, Jessica Chastain é uma assassina que passa a ter crises de consciência durante os trabalhos que lhes são designados. Devido a isso, ela é afastada das suas funções por seu superior, interpretado por Colin Farrell. Aproveitando a deixa, Ava retorna aos Estados Unidos para se reconciliar com a sua família. Porém, ao ser avaliada como um risco para seus empregadores, torna-se um alvo e passa a ser perseguida.

    Ainda que o trailer do filme desse todas as pistas de que ser mais um genérico do já clássico Nikita: Criada para Matar, dirigido por Luc Besson, o elenco chamativo despertou a curiosidade sobre o resultado final da película. O início até se mostra interessante, com uma cena da protagonista e um alvo dialogando dentro de um carro. Já ali fica estabelecida a instabilidade psicológica da protagonista e logo após, em uma sequência de recortes que mostram fatos extraordinários da vida de Ava nos créditos iniciais, são demonstradas as razões que a fazem estar daquela maneira. É um início promissor, mas rapidamente tudo desanda de maneira brutal. O filme se torna um emaranhado de clichês de gênero que são utilizados de maneira horrível. O roteiro de Matthew Newton é fraco, lotado de melodrama barato e situações absurdas que fazem o espectador ficar cada vez mais desinteressado pelo que está sendo exibido na tela.

    A direção de Taylor não ajuda em nada. Se ao menos sequências de ação eletrizantes fossem empilhadas, o filme poderia cumprir a função de direção escapista. Entretanto, o que sucedem são cenas mal ensaiadas de luta, principalmente uma que envolve Malkovich e Farrell, além de outras de ação que não empolgam em nenhum momento. Isso tudo fica mais comprometido ainda pelo final absurdo do filme, inacreditável de tão tosco e despido de sentido. As únicas coisas que salvam são as atuações, em especial a de Chastain. A atriz defende com unhas e dentes o seu papel, mesmo em um filme que é totalmente aquém do seu talento.

    Enfim, essa tentativa de misturar John Wick e Nikita infelizmente é bastante fraca, ainda mais em vista de quem se envolveu no projeto. Uma pena.

  • Crítica | A Garota no Trem

    Crítica | A Garota no Trem

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    Existem inúmeras frases, de diversas autorias diferentes, que nos chamam à atenção para uma mesma reflexão: Não importa o ponto de partida ou o ponto de chegada. O que importa é o percurso.

    Em A Garota no Trem, adaptação para os cinemas do best-seller da autora Paula Hawkins, o caminho percorrido pela protagonista é tão importante que chega a figurar como uma das alegorias centrais da trama. Revelando não só o mundo pela perspectiva da personagem, mas também os seus próprios dilemas internos e a maneira como o mundo exterior provoca uma reação em cadeia no seu vício em álcool.

    Rachel, interpretada por Emily Blunt, mora de favor na casa de uma amiga e, diariamente, no caminho para o trabalho, observa a rotina dos moradores de duas casas localizadas próximas aos trilhos do trem. De dentro do vagão, ela vela a rotina das duas moradoras das casas, Anna e Megan, enquanto beberica as bebidas alcoólicas que camufla em uma garrafa de água. Em dado momento, uma das moradoras desaparece e Rachel se vê diretamente ligada ao caso, não podendo contar com sua memória falha para defender-se.

    A Garota no Trem é um filme de conexões. Tal qual num livro, cada demarcação temporal da fita nos revela uma nova camada de compreensão do plano geral do roteiro, acrescentando peça por peça em um quebra-cabeças que, embora pareça óbvio à primeira vista, se torna interessante pela maneira como o diretor trabalhou planos, perspectivas e, principalmente, os personagens. Nada rasas, cada uma das personas presentes na trama é um gatekeeper e guarda consigo segredos que ajudam a completar as lacunas iniciais da história.

    Em termos de técnica, a balança pende mais para o lado dos acertos. A trilha sonora é muito simples, dando espaço para os sons naturais do filme e crescendo somente nos momentos necessários. A fotografia escura do filme funciona, ao passo que dá o tom do mistério, mas não dificulta a experiência do espectador. Embora o trabalho da direção de elenco e dos coadjuvantes seja muito bem feito, fica evidente a supremacia de Blunt. A atriz entrega cenas memoráveis que certamente serão reconhecidas na temporada de premiações.

    A divisão capitular com alternância da primeira pessoa ajuda a explicitar múltiplos pontos de vista sobre os acontecimentos e oferece um certo dinamismo ao filme. Embora este seja mais um da vasta lista de tópicos que aproximam esta obra do aclamado Garota Exemplar, de David Fincher, é desonesto dizer que o filme dirigido por Tate Taylor não imprima originalidade. Diretor do igualmente bom Histórias Cruzadas, Tate precisou mergulhar nos escritos de Paula Hawkins e no universo feminino, majoritariamente presente no longa, para representar fidedignamente as características comportamentais que compõe as três mulheres centrais da história.

    É curioso que, ainda que existam momentos bastante conservadores na retratação da figura feminina, o filme consiga se colocar muito bem em relação ao emergente – e muito bem vindo – elemento girl power tão presente na produção cultural atual. Aliás, a função social está aqui muito bem representada. Abordando temas como relacionamentos abusivos, alcoolismo e gaslighting – forma de abuso psicológico onde o homem distorce fatos fazendo com que uma mulher duvide da sua própria memória e sanidade mental –  A Garota no Trem transcende o entretenimento atrelando ao seu texto ácido e crítico a explanação de pautas de suma importância em nossa sociedade e uma exposição da fragilidade e da perversão que residem nos relacionamentos contemporâneos.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | James Brown

    Crítica | James Brown

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    O começo da cinebiografia dirigida por Tate Taylor deveria emular o suingue e sensualidade de seu objeto de análise, com um Chadwick Boseman caminhando pelo backstage rumo a mais uma apresentação, onde o poder de sua música e a sua persona seriam mais uma vez testados e aprovados pelo público. Todos os fatos mostrados após a apresentação têm em comum as aparições meteóricas do Pai do Funk pelo interior de seu país e no Vietnã, motivando as plateias formadas por soldados ávidos por qualquer possibilidade de alento e de lembranças de casa.

    Boseman mergulha tão fundo em seu personagem que em alguns momentos soa caricato, já que o próprio James Brown gostava de apresentar-se como um personagem, como o arquétipo do negro que não teme em se pôr em pé de igualdade com os brancos. Tal característica é bem mostrada na revolta causada no cantor ao tomar ciência de que aquela não seria a última atração em uma noite de shows, nos idos dos anos sessenta.

    O método narrativo do roteiro de Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, destacando os momentos distintos da vida e carreira de Brown, imita o modo dionisíaco e desregrado dos dias do cantor, cuja temporalidade se confunde com sua conturbada personalidade. Há um cuidado excessivo do roteiro em não parecer mais uma versão branca de um filme sobre negros, como foi acusado no lançamento do filme anterior de Taylor, Caminhos Cruzados. Demonstrar tal viés através de uma fala categórica no filme faz lembrar a obviedade das biografias assinadas por Ron Howard, dono do estúdio que produziu a obra.

    As origens, com a confusa família que abandonou James e o seu passado cristão pentecostal, são mostradas como a principal influência para a música que Brown criaria anos depois, repleta de metais e movimentos pélvicos. Acima de tudo, assinala-se a predileção de James em falar diretamente ao público negro, mesmo que em muitos momentos ele tenha que se dobrar aos desejos dos brancos, seja dos empresário e donos de gravadora, seja das plateias, servindo de brinquedo. É curioso notar como a edição de cenas funciona quase sempre com uma passagem em que mostra sua revolta com os “poderosos”, os quais impunham um estereótipo racial para depois mostrar um pouco do passado de sofrimento.

    O olhar de Boseman para a câmera emula a qualidade do cantor, portando-se de frente à multidão. Seu objetivo era entreter as plateias, especialmente as pessoas que sempre tiveram dificuldade em consumir qualquer produto cultural que tivesse amarras com as suas origens. Há outros reclames, ligados ao feminismo e à discriminação sexual, algumas vezes apresentados de modo natural, mas a maioria esmagadora das ações é bastante panfletária, o que deixa o centro da discussão mais pobre, apesar da grande importância do discurso.

    Ao mostrar os pecados de Brown, há uma complacência da câmera, que esconde o personagem antes das agressões que desfere em sua esposa, violência causada pelo machismo comum aos homens de sua época. A mensagem de integração acaba rivalizando com a figura de astro pop dividindo os holofotes da ribalta, em uma tentativa de exibir uma faceta mais política do ícone musical, sob um viés poucas vezes explorado pela mídia à época em razão da forte censura a qualquer manifestação do cidadão americano de pele escura.

    Os últimos 40 minutos são dedicados a explorar a luta de Brown contra seus demônios, figuras de seu passado, tanto os que colaboraram para seu sucesso quanto aqueles que abandonaram o cantor. O mergulho à mente do homem por trás do mito é um bocado atabalhoado, exibido de modo emocional e igualmente desequilibrado. O final acaba resumindo a maioria do filme, que carece de um ritmo minimamente condizente com as qualificadas fotografias e caracterizações da época. O formato, picotado entre as épocas de sucesso do astro, garante uma sensação semelhante a de uma montanha-russa sentimental, mas o formato ainda não estava amadurecido o suficiente.

    Apesar de ter alguns bons momentos com os personagens periféricos, especialmente com Nelsan Ellis como Bobby Byrd e Viola Davis interpretando a mãe do artista, falta um maior aprofundamento nos coadjuvantes para focar na boa atuação de Boseman, que segue enfraquecida graças à falta de estofo do cenário em volta do biografado. James Brown é um filme que contém momentos muito interessantes e inspirados, mas que conta com um formato problemático, deixando-o com um aspecto morno, nem quente e nem frio, cuja digestão normalmente é problemática tanto para o espectador mais incauto quanto ao anticonservador.

  • Crítica | Histórias Cruzadas

    Crítica | Histórias Cruzadas

    Logo no quadro inicial de Histórias Cruzadas, somos apresentados à personagem Aibileen Clark (Viola Davis, espetacular). Naquele momento, uma das primeiras frases ditas por ela define exatamente como é a sua vida e as das outras domésticas que surgirão ao longo do filme.

    “Eu sou uma empregada, minha mãe foi empregada e minha avó foi uma escrava caseira”, ela diz.

    Tudo nas vidas daquelas mulheres negras gira em torno dessa realidade: a conformidade com a condição imutável de que suas existências se resumem a trabalhar nas casas de patrões brancos, preparando suas refeições e cuidando de seus filhos.

    Elas estão ali para servir. São uma parte invisível das famílias de seus empregadores. Mas uma parte que jamais é totalmente aceita. Afinal, são mulheres. E pior: são negras – a característica imperdoável para os brancos que viviam na cidade de Jackson, Estado do Mississipi, ao longo dos anos de 1960, local e época nos quais a obra se desenrola.

    “Histórias Cruzadas” trata de dois temas difíceis: a total incapacidade de mudar o rumo da própria vida e a estupidez humana ao segregar um semelhante apenas pela cor da sua pele. No entanto, mesmo lidando com assuntos áridos, a película é uma obra simples, direta e – pelo menos na maior parte do tempo – leve. E talvez essa simplicidade seja sua maior qualidade.

    O roteiro é linear. A história é clara, bem como o posicionamento de cada um dos personagens que a compõem.

    Na trama, somos apresentados à Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone). Aspirante à jornalista e escritora, ela consegue um emprego no jornal local. No entanto, por ser mulher e viver numa cidade racista e sexista, a jovem consegue apenas escrever uma pequena coluna dedicada a donas de casa na qual lhe cabe apenas dar às leitoras dicas de limpeza doméstica.

    É nesse contexto que Skeeter e Aibileen se aproximam – a partir daí, a jovem branca que quer ser escritora percebe que a empregada pode ser a fonte da matéria-prima necessária à realização de uma grande reportagem: contar como é a vida das empregadas naquela sociedade segregacionista a partir do ponto de um ponto de vista até então inexplorado – o das próprias domésticas.

    Ambas – Skeeter e Aibileen – estão infelizes: a primeira quer claramente ir além dos limites da cidade e provar que uma mulher pode ser muito mais que uma caçadora de maridos, atividade para a qual praticamente todas as moças de Jackson são treinadas desde muito jovens. Já a segunda, tem a dor da morte de um filho e a amargura imposta pelo preconceito atravessadas na garganta. Ela precisa colocar para fora os absurdos cometidos em nome da separação provocada pela segregação.

    Absurdos, esses, que são bem retratados por meio da ação mais simples que se possa imaginar: ir ao banheiro – ou seja, até mesmo o mais corriqueiro dos atos pode ser utilizado para demonstrar como brancos tratavam negros dentro daquele contexto. Cabe ressaltar a maneira honesta como o diretor Tate Taylor retrata a hipocrisia dos moradores do subúrbio norte-americano daquele período: por trás das cercas brancas, gramados verdes e bem aparados, encontros sociais e lares aparentemente perfeitos, é possível ver, mesmo no menor dos gestos, o ódio e o desprezo que as pessoas que viviam ali sentiam pelos negros.

    Essa visão segregacionista é incorporada pela personagem Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) – tradução literal da América racista, branca e protestante.

    Seu mundo, no entanto, está prestes a ruir. Discretas intervenções feitas pelo diretor por meio de reportagens de TV assistidas pelos personagens mostram a evolução que os direitos civis nos Estados Unidos experimentavam naquele momento. A luta pela igualdade comandada por Martin Luther King e o assassinato do presidente John Kennedy contextualizam a história dentro daquele período e deixam ainda mais claro que as coisas estavam mudando.

    E a própria Hilly será vítima de uma das maiores ações de vingança e Justiça mostradas no cinema nos últimos tempos. Protagonizada por sua ex-empregada Minny (Octavia Spencer, excelente), a cena em questão se vale de uma, digamos, metáfora “orgânica” para mostrar do que ela realmente é capaz.

    Atenção também à bela performance de Jessica Chastain (A Árvore da Vida), que interpreta a personagem Celia Foote e carrega sua construção com altas doses de inocência, desprendimento e sensualidade involuntária.

    “História Cruzadas” é um daqueles filmes simples – e não simplórios – que nos lembram o quanto situações insanas podem estar mais próximas do que imaginamos – até dentro de nossos lares.

    Insanidades como acreditar que o valor de uma pessoa pode ser medido pela cor da sua pele.

    Insanidade como fechar os olhos para o fato de que, no fim das contas, todos pertencemos à mesma raça: a humana.

    Texto de autoria de Carlos Brito.