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  • Crítica | Ava

    Crítica | Ava

    O elenco de Ava é de encher os olhos: Jessica Chastain, Colin Farrell, Geena Davis e John Malkovich. O diretor Tate Taylor ficou conhecido por bons trabalhos como Get on Up: A História de James Brown e Histórias Cruzadas, seu filme mais conhecido e reconhecido. Olhando dessa maneira, não tinha como dar errado. Só que deu.

    Na trama do filme, Jessica Chastain é uma assassina que passa a ter crises de consciência durante os trabalhos que lhes são designados. Devido a isso, ela é afastada das suas funções por seu superior, interpretado por Colin Farrell. Aproveitando a deixa, Ava retorna aos Estados Unidos para se reconciliar com a sua família. Porém, ao ser avaliada como um risco para seus empregadores, torna-se um alvo e passa a ser perseguida.

    Ainda que o trailer do filme desse todas as pistas de que ser mais um genérico do já clássico Nikita: Criada para Matar, dirigido por Luc Besson, o elenco chamativo despertou a curiosidade sobre o resultado final da película. O início até se mostra interessante, com uma cena da protagonista e um alvo dialogando dentro de um carro. Já ali fica estabelecida a instabilidade psicológica da protagonista e logo após, em uma sequência de recortes que mostram fatos extraordinários da vida de Ava nos créditos iniciais, são demonstradas as razões que a fazem estar daquela maneira. É um início promissor, mas rapidamente tudo desanda de maneira brutal. O filme se torna um emaranhado de clichês de gênero que são utilizados de maneira horrível. O roteiro de Matthew Newton é fraco, lotado de melodrama barato e situações absurdas que fazem o espectador ficar cada vez mais desinteressado pelo que está sendo exibido na tela.

    A direção de Taylor não ajuda em nada. Se ao menos sequências de ação eletrizantes fossem empilhadas, o filme poderia cumprir a função de direção escapista. Entretanto, o que sucedem são cenas mal ensaiadas de luta, principalmente uma que envolve Malkovich e Farrell, além de outras de ação que não empolgam em nenhum momento. Isso tudo fica mais comprometido ainda pelo final absurdo do filme, inacreditável de tão tosco e despido de sentido. As únicas coisas que salvam são as atuações, em especial a de Chastain. A atriz defende com unhas e dentes o seu papel, mesmo em um filme que é totalmente aquém do seu talento.

    Enfim, essa tentativa de misturar John Wick e Nikita infelizmente é bastante fraca, ainda mais em vista de quem se envolveu no projeto. Uma pena.

  • Crítica | Por Um Fio

    Crítica | Por Um Fio

    Em 2002, Joel Schumacher apelava para Stuey Shephard, um publicitário americano vivido por Colin Farrell, para exemplificar uma parcela da sociedade americana, além de desnudar a vida de um sujeito refém das aparências.

    Farrell era uma promessa em Hollywood, estava em início de carreira e com potencial para se tornar uma estrela, fato que obviamente ocorreu muito graças a Tigerland, filme anterior que trabalhou com o cineasta. Seu personagem se mete em um evento bastante simples, mas complexo do ponto de vista da narrativa cinematográfica. Durante o dia seu personagem é bastante atarefado, contudo sua rotina muda bruscamente no momento de descanso, ao fazer uso de uma cabine telefônica para ligar para sua amante. Após o término da chamada, o telefone toca e ele atende. O filme se desenvolve ao redor dessa ligação, com sua vida dependendo disso.

    Schumacher comanda bem todo o mise-en-scène. Stu, ao ligar para Pam (Katie Holmes), retira sua aliança como se negasse ali o matrimônio que contraiu tempos atrás com Kelly (Radha Mitchell). O desespero que ele expressa e a curiosidade o fazem ficar preso à cabine, esperando por mais informações vindas do desconhecido com quem fala, que aos poucos deixa claro conhecer todos os detalhes a respeito de suas intimidades e segredos mais profundos. A edição ajuda no senso de urgência, e aos poucos a sensação incômoda e claustrofóbica vinda do fato de se passar nesta cabine telefônica.

    Há na mentalidade do vilão, criado pelo roteirista Larry Cohen, semelhanças com o serial killer Jigsaw, da franquia Jogos Mortais. Ambos agem de forma a colocar a vítima em estado de choque, sem liberdade de escolha, onde a alternativa que cabe é simplesmente impraticável e dolorosa. A diferença básica entre a motivação dos dois personagens, é que em Por Um Fio o discurso se volta contra mentiras e falsidades que ajudam a compor quem é o homem moderno, enquanto Jigsaw é meramente um replicador de moralidade barata.

    Apesar de toda a proposta do filme ser simples, a química entregue pelos personagens é bastante intensa. Só há uma crença de que todo aquele drama é real graças a participação de cada um deles. Schumacher ainda aproveita para abusar dos closes, registrando todo o desespero, sadismo e urgência de cada um.

    O humor presente nas conversas entre o antagonista e Stuey tem um tom ácido, é praticamente impossível não achar todo esse teatro errático sensacional. A tentativa do publicitário, que se julga acima de tudo e mais esperto que todos, de descobrir a motivação do sujeito que liga para ele só não é mais torta e inútil do que a arrogância do vilão em pedir a perfeição inalcançável ao protagonista. No entanto, a prepotência do personagem é crível, já que boa parte das pessoas que convivem em sociedade são reféns do consumismo e tem necessidade de ter uma aparência de sucesso maior do que seus próprios êxitos.

    Apesar do desfecho ser um bocado oportunista, Schumacher traz à luz um filme repleto de suspense, e que em seu final, retoma o argumento inicial, sobre a aldeia global estar toda conectada. Embora essa pecha pareça alarmista, a mensagem não é de toda errada, e ainda abre precedente para que mais casos como esse ocorram em  um futuro próximo.

    https://www.youtube.com/watch?v=uCrc0v22y44

  • Crítica | Tigerland: A Caminho da Guerra

    Crítica | Tigerland: A Caminho da Guerra

    Em 1971 a opinião pública e as autoridades divergiam quanto ao apoio às tropas americanas que estavam no Vietnã. Muitos filmes antiguerra foram feitos nas décadas de 1970 e 1980, e alguns poucos valorizavam o esforço dos jovens alistados. Tigerland: A Caminho da Guerra, de Joel Schumacher, se localiza no território dos Estados Unidos em um campo de treinamento chamado Forte Polk, onde os soldados se preparam para ir a Tigerland, uma província no norte dos EUA que simula as condições climáticas do Vietnã.

    O início dá conta dos soldados rasos acordados no susto, onde os oficiais mostram seu poder apenas porque podem. Não demora a aparecer o recruta Rolando Bozz, de Colin Farrell, um sujeito debochado e insubordinado, que veste a máscara de anti-herói, enquanto seu companheiro de batalhão, Jim Paxton (Matthew Davis), vê o conflito como algo engrandecedor, formador de honra e legado. Os dois não teriam muito em comum, fora a indicação de livros e o amor por belas mulheres, mas acabam se tornando amigos e julgam que juntos seria mais fácil lidar com a guerra que se avizinhava.

    Os dias dos recrutas em treinamento variam entre poucos momentos de lazer e outros tantos onde o tédio reina, com a rigidez do treinamento causando stress e enfado (seja pela linha dura dos oficiais ou meramente pela aproximação da guerra). Aos poucos o quadro vai mudando e os personagens passam a agir fora da forma de arquétipo que apresentam no início. Bozz evolui da condição de rebelde sem-causa para alguém digno de admiração dos outros soldados e até inspirador em esferas de reflexão sobre o cunho do confronto.

    Essa foi a primeira parceria entre Farrell e o cineasta. O ator ainda brilharia no tenso Por Um Fio, mas aqui já se nota uma entrega absurda a um personagem repleto de camadas. Há muita contradição e tridimensionalidade em seu comportamento. Além dele, há um elenco de atores promissores, como Shea Wigham, Clifton Collins Jr. e Tom Guiry. Certamente é Farrell quem brilha mais, como o maestro em uma ópera, e por mais que evidentemente este filme não seja tão genial e impactante quanto Platoon, Apocalipse Now ou Nascido Para Matar, certamente tem sua importância na desconstrução que a cultura pop fez do conflito nas terras asiáticas, assim como ocorreu também com Pecados de Guerra, de Brian de Palma.

    Os fatores normalmente ditos como negativos no filme se dá com a fotografia saturada, quase emulando uma fita antiga da época da guerra achada em algum quartel, e certamente, um claro problema de ritmo e dinâmica narrativa, principalmente quando chegam a Tigerland. No entanto, todas as discussões que ele suscita e a construção ética de Bozz fazem do longa de Schumacher superar inclusive esses problemas, sendo possivelmente o filme que melhor desenvolve discussões sobre o modo de vida americano de toda obra do diretor, ao lado de Um Dia de Fúria. Tendo esse caráter de desconstrução ideológica, gera evidentemente muita reflexão sobre a necessidade da guerra e dos conflitos bélicos ao longo de nossa história.

  • Crítica | Dumbo (2019)

    Crítica | Dumbo (2019)

    Tim Burton há muito tempo não reprisa o bom cinema pelo qual ficou conhecido, e coube a Disney entregar-lhe um projeto que poderia faze-lo retomar a aura fantástica que começou a fazer em Edward Mãos de Tesoura, e o resultado final de Dumbo condiz demais com essa expectativa, conseguindo sabiamente fugir dos exageros que ele mesmo fez em Alice no País das Maravilhas, que foi uma das parcerias  mais recentes do diretor com o estúdio. O filme do elefantinho voador é emotivo, belo e transpira poesia.

    Evidentemente que liberdades  criativas precisaram ser tomadas, para tornar o clássico Dumbo de 1941 em um filme palatável não só para plateias mais novas, mas também para o novo formato, mas seja no roteiro de Ehren Kruger ou na direção de Burton há inúmeras referencias ao clássico, elementos como o trem que leva o circo dos Irmãos Medici ter um sorriso na frente, o uso das penas como combustível para o paquiderme (ainda que em uma espécie de Placebo), o uso de ratinhos amestrados para alegrar o filhote e os animais de espuma psicodélicos  estão lá, embora bem diferentes, e a repaginação deles é bem reverencial ao tom da versão antiga.

    No entanto a narrativa é mais feita pelos humanos e não pelos animais, e faz sentido, em especial por fortalecer um discurso de liberdade contra escravidão. Os dois plots principais funcionam muito bem juntos, tanto o dos animais que tem seus destinos decididos por humanos que são escrupulosos ou inescrupulosos de acordo com seu humor e necessidades básicas, há também os animais que apesar de lidar com o circo, tem personalidade própria, e é dada a atenção a ambos os núcleos, desenvolvendo mais obviamente a faceta que tem mais atores consagrados, ainda que eles tenham menos importância dramática que o animal “mágico” e as crianças que o cercam.

    Para muitos críticos da carreira de Burton é composta só de maneirismos, esse poderia soar como um filme seu sem parte de suas marcas, mas  isso não é verdade. O cineasta abre mão de um visual mais barroco, mas mantém parcerias com boa parte do seu elenco, como Danny DeVito (que repagina um personagem seu de Peixe Grande), Eva Green, Michael Keaton e Cia, além de ter consigo Danny Elfman fazendo uma das trilhas mais inspiradas de sua carreira, que dão o tom hiper fantástico necessária para todas as plateias embarcarem. É fato que o diretor está em uma coleira, e é bom que esteja, para não cometer os exageros que fez em Olhos Grandes ou O Lar das Crianças Peculiares, que não são seus piores filmes, mas ainda assim causam uma estranheza em quem gosta de sua obra anterior.

    Outra assunto que o realizador normalmente aborda e que é revisitado aqui são os problemas familiares, aqui representados pelo lado materno do parentesco, seja com a dupla de protagonistas infantis, Nico Parker e Finley Hobbins, que fazem respectivamente Milly e Joe Farrier, os órfãos filhos de Colin Farrell, que faz Holt, um veterano de guerra que adestrava equinos, além obviamente de Dumbo, que vê a Senhora Jumbo ser afastada de si por ser considerada louca. Em comum entre os dois plots, há a sensação de não pertencimento aquele lugar, ao circo dos Médici, não por falta de carinho dos que ali habitam, mas simplesmente porque eles não se encaixam ali apesar de serem formidáveis, mas tanto a jovem Milly não é circense, e sim uma cientista que quer dar vazão aos seus desejos, como os elefantes não se sentem bem no cativeiro.

    Ao menos em um ponto o filme não se diferencia muito da média, pois depende demais das coincidências para ter as reuniões de personagens que precisa. Elas soam irritantes de tão convenientes que são, mas nada que torne vã toda a jornada Dumbo, dos Holt e até do Circo Medici, que finalmente muda seu nome no final para algo mais justo. Cada um dos núcleos de desajustados, a sua maneira, alcançam o seu apogeu e seu modo mais justo de brilhar junto as luzes da ribalta, mesmo a menina que quer ser cientista atende seus próprios desejos de uma maneira que por hora, lhe serve. Ao final de Dumbo, não é só o pequeno elefante que consegue  alçar voo como uma borboleta, mas todos os  que foram agraciados pela sua convivência, e mesmo que não faça muito sentido o final adocicado da obra de Burton, ela condiz demais com a fantasia presente nos clássicos animados de Walt Disney nos anos quarenta e cinqüenta, e é uma versão ainda mais poetizada da obra de 1941.

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  • Crítica | As Viúvas

    Crítica | As Viúvas

    Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.

    Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).

    Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.

    Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.

    O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.

    As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.

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  • Crítica | O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus

    Crítica | O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus

    Não deixa de ser curioso um artista fazer um O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus. Todo cineasta tem um complexo de Deus bem forte norteando suas criações, de cabo a rabo, e Terry Gilliam, por mais maluco que possam ser suas crias, nunca foi louco o bastante pra negar isso. Apesar do seu filme de 2009 ter ganho fama pela morte de Heath Ledger durante as suas filmagens, e três atores terem entrado (de repente) no elenco para tapar o buraco que o astro deixou (no filme e na indústria americana, até hoje), é muito forte a necessidade de se construir um jogo simbólico que Gilliam extravasa em suas histórias, sempre habitando e se refugiando em universos paralelos e numa excentricidade muito própria, semi-organizada, semi-luxuosa e que pode muito bem estimular a paixão dos espectadores pelo onipotente mundo das artes.

    Contudo, não foi este o caso em 2009. Tínhamos um diretor aqui que adora mistificar seu ponto de vista em nítidos exercícios de fabulação com aparente total falta de responsabilidade com o real, e o factual. Uma parte técnica impecável (a direção de arte e os figurinos saltam aos olhos) e um elenco dos mais respeitáveis possíveis, numa orgia de surrealismo, brilho e cacofonia dos mais cafonas e bregas dos últimos dez anos. Um bom exemplo de pirotecnia moderna que deu certo? Across the Universe, um musical que justifica suas epifanias e todas as suas loucuras visuais com um bom senso e um bom gosto que Gilliam parece ter absoluta dificuldade em reproduzir, aqui. Isso vindo da mente de quem produziu Monty Python em Busca do Cálice Sagrado, um verdadeiro marco da comédia dos anos 70, e o ótimo Os Doze Macacos, talvez o seu melhor.

    Mas por quê? Crise criativa, talvez, ou apenas um projeto ambicioso demais e fora de hora de quem batalhou tanto pra adaptar Dom Quixote nas telas e se contentou no momento com isso. Uma pena! Gilliam é o típico arquiteto de grandes espetáculos que não decola em quase nada que propõe ultimamente, mesmo tendo uma visão corajosa mas sempre exagerando na plasticidade e na histeria acachapante para com o conteúdo e o visual das suas fábulas tão amalucadas. Aqui, temos um circo chefiado pelo misterioso Dr. Parnassus e que cuja grande atração merece o adjetivo: Um espelho, dos mais comuns, mas que permite enxergar e participar de outras dimensões “incríveis” adentrando num simples móvel de vidragem mágica.

    Todos os conflitos do filme giram, obviamente, em torno deste objeto e das inúmeras possibilidades que ele carrega em sua existência, mas o problema é um só: Gilliam não se chama Michael Powell. Aos que não o conhecem, Powell foi o que Gilliam, Tim Burton, Guillermo Del Toro e tantos outros de hoje em dia tanto querem ser, e nem com o avanço da tecnologia atual a seu favor conseguem: um legítimo mago da fantasia, capaz de unir inúmeras realidades e os mais diversos e belos sentimentos através do balé de uma bailarina púrpura, ou de uma escada banhada de sol que liga a Terra, ao céu. Nos clássicos do maestro inglês, a magia não é gratuita porque é profundamente acalentadora e sabiamente expressiva, enquanto que no filme de 2009, comanda-se os limites e as direções de uma fantasia colorida e sem sentido como quem comanda uma criança frenética perdida numa loja de doces, ou o Hulk durante um dos seus surtos urbanos devastadores.

    Nisso, tem-se uma imaginação concretizada na tela e regida pela vontade de explorar a loucura que reside na mente humana – tudo é válido, ao mesmo tempo que tudo é falso. O espectador comum pode até dizer que nem o país das maravilhas é tão caótico quanto esse imaginário que cabe no limiar de um espelho, e ele está certo! Arcando com o preço da incoerência de uma fábula que se desenrola aos tropeços, e que tenta ser um épico feito o maravilhoso Neste Mundo e No Outro, grande obra de 1946, tudo em O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus não passa disso: Escapismo furado e dos mais baratos e banais que o Cinema americano pode oferecer, entre suas ilusões milionárias. Fica a lição que, por mais que um autor mistifique os seus mundos e se ache apto a malabarizar seus elementos simbólicos e contextuais, criando inclusive novos e revitalizando sua assinatura de delírios imagéticos de filme em filme, toda megalomania suprema precisa e deve justificar sua essência e a sua razão de existir.

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  • Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Adjetivo duplo, então: Morbidamente cínico. O grego Yorgos Lanthimos conjura suas narrativas e perspectiva com uma excentricidade tola, e que se encerra nela mesma. Cineasta do vazio, como tantos que se proliferam numa velocidade impressionante (e que preocupa) no cinema pós-moderno, operando para as pós-verdades da era da web 3.0, a sua alegoria é da nulidade e o seu campo de análise é o vácuo que existe entre as pessoas, entre as coisas, ou mais precisamente aqui, entre o ceticismo que permeia a atualidade global (não acreditamos mais em lendas e nossos folclores giram em torno da tecnologia) e o credo nas nossas relações, rápida e igualmente pautadas em aparelhos que surgiram há pouco mais de duas décadas e redefiniram nosso olhar para o outro. Lanthimos parece ter um interesse fetichista por esse tema de sociedade global cyber impactada, e a cada filme seu, desde o bom Dente Canino até O Sacrifício do Cervo Sagrado, premiado em Cannes e tudo o mais, parece lapidar seu gosto apenas numa pegada diferente, sendo que não há profundidade aparente que o cineasta almeje tocar.

    Para tanto, delineia com delicadeza confundida por alguns espectadores com sensibilidade a história do intruso, no seio familiar. História velha ainda que bela, travestida aqui em território cirúrgico: Médico (Colin Farrell, na segunda parceira com o cineasta depois do controverso A Lagosta) que se orgulha em nunca ter ferido um paciente sequer deixa-se envolver, a si próprio, esposa e filhos com um jovem em pleno desenvolvimento de sua identidade psicopata. A atuação coletiva do filme primeiramente merece palmas, em especial a de Nicole Kidman, excelente quando acha motivação e se permite ser a grande diva de Hollywood que é, e a do jovem assassino em formação, Barry Keoghan, cuja verdadeira potência de seu personagem infelizmente por nós nunca é atestada, tal qual as outras personas afetadas pelo garoto, devido a morbidez vaidosa que a própria história respira e caminha, vacilante rumo a uma tragédia de indiscutíveis probabilidades de acontecer – e quando irrompe, mesmo assim é questionável o impacto que nos proporciona. Lanthimos, em momento algum tenta evitar isso, nos afogando consigo na sua letargia que não atinge, tirando breves átimos, toda a tal da hipnose pretendida.

    Há um quê às vezes subjetivo, e noutros instantes bem explícitos de A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, mas também certa alma de Stanley Kubrick, contudo sem o mesmo pedantismo histriônico de ambas as mentes, o que melhora as coisas de certa forma. Mas, novamente no Cinema de hoje em dia, é a abstração temática e a abordagem cínica proposital que acaba com tudo, e faz lembrar muita gente, incluindo eu mesmo, o quão insuportável ainda é assistir famílias “tragicamente desdobradas de forma morbidamente cínica”. Não é esse mesmo filme que Michael Haneke recicla, todo ano? Uma pena. Fica-nos a impressão, aliás, diante de O Sacrifício do Cervo Sagrado, de que estamos assistindo uma melancolia que serve apenas ao olhar pessimista de um autor para a sociedade que vive, ou melhor ainda, quem sabe estamos aqui a observar um De Olhos Bem Abertos assexuado, sem o Tom Cruise, com a mesma belíssima Nicole Kidman, sem rituais de irmandades secretas, trilha sonora alguma ou o apuro kubrickiano agregando diamantes ao storytelling. Se tirássemos tudo isso do maravilhoso filme de 1999, o último do mestre que ele nem teve a chance sequer de assistir montado, o que teríamos? A resposta, especialmente a Lanthimos, o apóstolo grego sobre o nada, poderia ser bastante cruel.

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  • Crítica | Roman J. Israel, Esq

    Crítica | Roman J. Israel, Esq

    O cinema de tribunal é um subgênero que fez muito sucesso nos anos 80 e 90, aliando personagens fortes, tramas complexas, conspirações e um senso de justiça e confiança no sistema que todo mocinho precisa ter para passar a mesma ideia para a plateia. Porém, em tempos mais complexos como hoje, onde as fundações das democracias e suas instituições são cada vez mais colocadas em xeque, talvez essa fórmula não funciona mais desse jeito.

    O novo filme do diretor/roteirista Dan Gilroy (responsável pelo excelente O Abutre) Roman J. Israel, Esq. traz Denzel Washington interpretando muito bem um cansado advogado homônimo que deu sua vida inteira para um escritório de luta pelos direitos civis junto de um colega, que falece, e agora sua firma iria ser diluída e incorporada por outra firma tradicional, representada por George Pierce (Colin Farrell), afinal, lutar pelos pobres e negros nos EUA aparentemente não dava dinheiro e a firma estava com déficit.

    Porém, o filme não traz para o debate o problema citado no primeiro parágrafo. Aliás, o seu maior problema é que ele parece muitas coisas. Parece que vai abordar a luta judicial pelos direitos civis, ou o cansaço de se dedicar uma vida a isso por parte de quem se propõe a realizar tal tarefa. As vezes parece que vai colocar em confronto as gerações que lutam por direitos civis, ou mesmo confrontar pequenas e honestas firmas contra os grandes escritórios. Ele tenta passar por tudo isso em diversas cenas sem sequência e sem sentido, mas no final tenta abordar unicamente a fragilidade humana através de uma ação do protagonista, que você também espera ter um desenvolvimento maior, mas que não acontece.

    Através de uma moralidade rasteira e um roteiro preguiçoso, acompanhamos toda a trajetória de Roman até tentar se adaptar a esse novo mundo, no que também ele ora parece aprender com seus erros, ora parece entrar em uma espiral ainda maior de ações sem sentido.

    No final, Roman J. Israel, Esq não entrega absolutamente nada ao espectador além de pequenos surtos de ideias que não são desenvolvidas, com uma tentativa de se colar tudo no final com um grande band-aid narrativo e uma música grandiosa, como se tivéssemos acabado de ver uma grande lição em algo ou alguém, mas o que sobra é um grande ponto de interrogação sobre a história, e especialmente, sobre porque Washington escolheu esse filme.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Adaptação do livro de Thomas Cullinan, O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled) se tornou para muitos o apogeu do cinema autoral de Sofia Coppola. A história se passa durante a Guerra Civil americana, acompanhando a rotina de um internato habitado apenas por mulheres, sendo a responsável por elas a figura de Miss Martha (Nicole Kidman), acompanhada de Edwina (Kirsten Dunst), residindo ali algumas meninas, entre elas, a mais velha Alicia (Elle Fanning), além de outras crianças. Um dia, uma das meninas encontra John McBurney (Colin Farrell), um soldado da União, com a perna ferida.

    A reconstituição da Virginia de 1864 é muito bem realizada. Os cenários e figurinos ajudam a decifrar a atmosfera, mesmo que não fosse dito a temporalidade da trama os costumes e o acervo visual tratariam de informar o espectador. Do ponto de vista técnico, a base desta versão áudio visual renova boa parte dos acertos da versão setentista dirigida por Don Siegel e protagonizada por Clint Eastwood. A grande questão são as motivações da trama e as atuações que cercam.

    O ponto alto da narrativa certamente é a participação de Dunst, que executa o papel mais maduro e repleto de nuances e complexidades. O flerte ocorrido entre ela e a figura do soldado ferido é o que certamente faz mais sentido e é melhor representado. O trabalho de atuação foge do maniqueísmo apresentado por Kidman, como também da redundância de Fanning. É curioso notar que ao longo dos anos, Dunst se tornou a parceira mais recorrente de Sofia, em uma comparação justa com Siegel e Eastwood.

    A questão que mais chama a atenção em O Estranho Que Nós Amamos é o roteiro, que em dados momentos apresenta uma evolução lenta e gradual, como nos filmes de época, e se desenrola de maneira apressada a partir do ponto de ruptura da história original. A postura em especial do militar que está alojado na casa das mulheres muda repentinamente, e tanto a aceitação das mulheres da casa quanto a rejeição por parte delas também varia muito rápido. Isso não seria um problema, dado que tais mudanças ocorrem via trauma, a questão é que a condução dos fatos também ocorre de maneira veloz. Não se tem tempo para digerir as mudanças ocorridas naquele cenário, de modo que as personagens, inclusive as meninas mais novas, seriam extremamente frias, calculistas e munidas de uma força de caráter muito baixa. O impacto dessa possível revelação acaba sendo aplacado por essa condução controversa na construção da tensão.

    O argumento reduz algumas das boas discussões propostas no texto original, e carece de um ritmo mais adequado com os dramas propostos. No início a exploração da interação da figura externa naquele mundo se mostra acertada, seu maior problema decorre da mudança de tom existente na obra. Há também algumas licenças do texto em relação a questões que eram urgentes na literatura, como a escravidão do povo negro, ignorada nesta versão para apresentar a dicotomia entre as sete mulheres e o homem que elas recebem. Apesar de conseguir retirar alguns bons momentos de seus intérpretes, a direção de Copolla peca em outros aspectos, especialmente no desenvolvimento e o equilíbrio emocional da história, fato que faz decepcionar um pouco em relação a expectativa criada em cima de um dos vencedores do Festival de Cannes passado.

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  • Crítica | Presságios De Um Crime

    Crítica | Presságios De Um Crime

    Presságios de Um Crime - Poster

    Pensado inicialmente para ser uma sequência de Se7en: O Sete Crimes Capitais, Presságios de Um Crime rodou durante muito tempo nos noticiários de cinema nos últimos anos. O projeto foi atrelado a diversos diretores ao longo do tempo, com rumores fortes apontando, em meados de 2005, que Paul Verhoeven finalmente tiraria o filme do papel. Bruce Willis e Morgan Freeman chegaram a ser apontados como protagonistas, mas, como podemos ver, nada disso aconteceu. No final das contas, o roteiro foi filmado pelo brazuca Afonso Poyart – diretor de 2 Coelhos – e o elenco encabeçado por Anthony Hopkins.

    Na trama, o eterno Hannibal Lecter interpreta John Clancy, um médico com poderes psíquicos que vive em isolamento após a morte de sua filha. Ele é recrutado por seu grande amigo e agente do FBI Joe – interpretado por Jeffrey Dean Morgan – para auxiliar em uma série de mortes perpetradas por um serial killer que não parece seguir nenhum tipo de padrão para escolher suas vítimas. Ainda que relutante, Clancy aceitar ajudar seu amigo e se une a ele e a sua cética parceira Katherine, vivida por Abbie Cornish, para tentar prender o assassino.

    Percebe-se de início todo o senso estético de Afonso Poyart. O diretor filma com uma minuciosa atenção a todos os detalhes que compõem o ambiente onde acontece cada cena. É interessante perceber como cada cenário de crime possui uma “temperatura de cores” de acordo com o momento de cada vítima. No que diz respeito à relação dos personagens, existe uma atenção especial em demonstrar a tentativa do protagonista em se manter sempre distante, mesmo do seu amigo. Porém, ao começar a se aproximar da agente Katherine, o diretor brasileiro não consegue esconder a falta de química e sincronia entre Hopkins e Abbie Cornish. Na condução de algumas sequências de ação, o diretor também faz um bom trabalho, principalmente na primeira hora de filme. Entretanto, na sequência final Poyart acaba errando a mão, além de ser extremamente prejudicado por efeitos especiais ruins.

    O roteiro do filme começa interessante, mas ao longo do tempo vai perdendo força e passa a sucumbir a soluções fáceis ou que já foram utilizadas em películas de histórias semelhantes. A maneira como o assassino, interpretado por Colin Farrell é introduzido, é bem interessante e remete a uma cena do filmaço Fogo Contra Fogo, dirigido por Michael Mann e estrelado por Al Pacino e Robert DeNiro. Há ainda um grave problema de mudança de tom no terço final da obra. A forma como o “complexo de Deus” do assassino é apresentado por ele é bem interessante, porém poderia ser melhor trabalhada. Ele conta tudo de uma maneira parecida com o que fazem os vilões dos filmes de 007, deixando pouco espaço para a imaginação do espectador ou para uma possível surpresa. Enquanto durante todo o tempo o filme exibe um trabalho de investigação com pitadas sobrenaturais de maneira sóbria, ao se aproximar do filme tudo isso é substituído por um tom histérico que destoa completamente de tudo que gere algum tipo de apreensão, mas somente uma vontade de que o final chegue logo antes que o filme se torne constrangedor.

    Anthony Hopkins claramente atua em piloto automático, tendo pouquíssimos momentos de brilhantismo. Abbie Cornish e Jeffrey Dean Morgan, intérpretes da dupla de agentes do FBI que procura o personagem de Hopkins, defendem com dignidade seus papéis e funcionam bem quando estão juntos. Porém, somente Morgan funciona em dupla com Anthony. Quando chega a vez da lindíssima Abbie contracenar com o veterano, as coisas não funcionam tão bem assim. Colin Farrell chega a beirar a caricatura, mas é verdadeiramente o melhor do elenco em cena. Ainda que tenha pouco tempo em tela, ele consegue roubar o filme para si. Seu olhar enlouquecido e sua inquietação constante o transformam em um personagem assustador.

    Não dá pra saber se todo o tempo que demorou a ser produzido e as inúmeras vezes que o roteiro foi reescrito afetaram a qualidade do projeto, mas Presságios de Um Crime não foi a estreia dos sonhos do brasileiro Afonso Poyart. O resultado final é um filme irregular, que possui alguns poucos bons momentos.

  • Crítica | O Lagosta

    Crítica | O Lagosta

    The Lobster 1

    The Lobster é um filme que funciona fundamentalmente para quem é afeito à filmografia de seu diretor, Yorgos Lanthimos, realizador dos anteriores Alpes e Dente Canino, inclusive reprisando grande parte dos conceitos dos produtos citados. A sinopse do longa é bizarra, fazendo valer conceitos como apatia, concessão e obediência sem discussão.

    A primeira metade do roteiro de Efthymis Filippou funciona quase perfeitamente, gradativamente revelando uma sociedade distópica, baseada em um sistema insano de repressão a quem não possui um par matrimonial, que captura os divorciados e solteiros para alocá-los en um hotel, onde todos teriam 45 dias para conseguir encontrar seu par, sob a pena de, ao final do prazo, ser transformado em um animal. A história é narrada a partir do olhar de David (Colin Farrell), que escolhe para si a possibilidade de virar uma lagosta.

    O esforço para não transmutar faz com que os alocados no hotel tentem achar aspectos em comum, para finalmente formar um par e se ver livre do destino terrível. As instruções dentro da pousada reforçam o maniqueísmo, simplismo e o discurso de ódio, evocando a cultura de estupro, funcionando bem como paródia da banalização comum aos tempos atuais, onde qualquer falácia torna-se automaticamente válida, somente para fortificar argumentos sem base e veracidade.

    Apesar de discutir a comum dependência humana mútua, The Lobster pouco acrescenta, e utiliza-se de um argumento que piora ainda mais ao revelar que a resistência ao regime também vive sob os mesmos preceitos imbecis, demonstrando que não há fuga minimamente aceitável, ainda que em paralelo com o quadro político mundial. Ainda assim, é demasiado simplista para um filme que busca ser irônico. A narração executada por Rachel Weisz ajuda a desmistificar ainda mais o texto que, a priori, deveria evoluir o destaque aos defeitos do estado atual.

  • Review | True Detective – 2ª Temporada

    Review | True Detective – 2ª Temporada

    true-detective-2a-temporadaEm julho do ano passado, após o término da primeira temporada de True Detective, o reconhecimento em torno da série de Nic Pizzolatto atingiu seu ápice. A obra foi avaliada com qualidade, e seu trabalho foi potencializado ao máximo. Conforme apareciam anúncios sobre o segundo ano da série, surgia o tradicional questionamento sobre a possibilidade da nova história superar a primeira, ainda que houvesse nesta equação um novo fator inexistente na história de Marty e Rust: a expectativa do público. Em meio a este questionamento sobre a qualidade da obra, a abordagem dos fãs se modificou naturalmente. A série não era mais um produto inédito.

    Composta como uma antologia policial, é natural que esta nova trama fosse diferente da primeira. A única constante é a vertente policial desenvolvida pelos roteiros de Pizzolatto; qualquer outra semelhança não é possível de ser definida a longo prazo. Antes do lançamento da segunda temporada, foi divulgada a sinopse baseada numa narrativa urbana, focada em quatro personagens que trabalham o conflito existencial em cena, dessa vez simbolizado pelo contraste entre conduta moral e o mundo merecido pelos homens (em contraposição à bestialidade dos seres da outra história).

    Como na trama anterior, a história é apresentada em oito episódios, mantendo a brevidade narrativa em contraste com as séries com vinte episódios, em média, da televisão aberta. O autor segue a tradição dramática, fundamentada desde a Grécia Antiga, ao dividir sua história em três atos distintos, sendo comumente definidos por: 1. Exposição das personagens e informações para o público situar-se; 2. Desfecho ou clímax, com parte do conflito sendo resolvido; e 3. Desenlace – o final do conflito, normalmente previsto pelo público devido à antecipação do desfecho ou clímax, sendo o primeiro ato apresentado nos quatro primeiros episódios, e o segundo e terceiro ato com dois episódios cada. Esta conceitualização é fundamental para compreender a base de sua história e os recursos narrativos desenvolvidos em cena – e também um fato primordial para o desfecho.

    Além da divisão em atos, a estrutura narrativa policial segue como cerne da história. Mesmo de maneira modificada, adequando-se à linguagem cinematográfica, cada temporada da série se desenvolve como um espécie de romance narrativo, contendo as estruturas de um romance policial. Motivo pelo qual uma análise pontual de um episódio pode evidenciar aspectos distintos de outro. Cada ato narrativo se apoia em um enfoque diferente.

    O primeiro e maior ato se estrutura, portanto, como uma apresentação, introduzindo personagens e suas histórias internas, além de marcar o primeiro acontecimento que será a base para o desfecho: um assassinato político. Neste início, o público compreende a essência de cada personagem para que no segundo ato – quando a investigação, de fato, transcorre – saibamos quem é cada um deles no falso jogo de confiança que o autor desenvolve, fazendo-nos ter simpatia maior ou menor por certas personagens. Não à toa, estamos à meia-luz, sem saber se as figuras retratadas são boas ou más. Como um romance, a obra cresce aos poucos, sendo natural a demora para atingir pontos máximos, um conceito coerente com a vertente da narrativa noir: o crime não é necessariamente o centro, mas sim o universo à sua volta e as personagens que o investigam.

    A veia política pulsa fortemente ao posicionar o crime como centro unificador de personagens com camadas diferentes. É a morte que explicita a intriga e constrói a investigação no segundo ato (após um primeiro ato finalizado de maneira brilhante, com um intenso tiroteio). A sociedade que cerca tais personagens reflete a ganância humana. Neste aspecto, a pequena cidade de Vinci é um literal reduto de podridão sustentada pelo desenvolvimento industrial e comercial. Ao ambientar a trama em um local inteiramente dominado pela paisagem metálica, Pizzolatto conduz o público a compartilhar sua visão. Eis uma cidade reunindo o pior de nós, parece nos dizer.

    O segundo ano situa-se após um salto temporal, com as consequências do bem filmado tiroteio, mas mantém qualquer esclarecimento no vazio. A urbanização substitui o misticismo rural. Nesta construção, o inimigo não é aparente, mas sim uma massa anômala formada por invisíveis homens corruptos. A visão niilista permanece, porém, em vez de um personagem, é desenvolvida dentro de uma ambientação desoladora. Um paradoxo delicado quando, para desvendar um crime, um grupo de policiais deve agir como uma equipe secreta, evitando vazamentos. Os supostos heróis permanecem ocultos, enquanto o império do crime segue ativo.

    Como o engano faz parte fundamental da história, observamos com mais clareza o caráter das quatro personagens centrais neste segundo momento: em maior ou menor grau, homens com leves desvios, mas que ainda se mantêm opostos ao faminto ambiente corrupto. Os vícios em drogas, sexo ou na violência moldada pela vida são a parcela humana destes heróis, um recurso que os aprofunda em camadas – gerando identificação do público –  ao mesmo tempo que revela a escolha de um caminho alternativo. O terceiro ato representa o desenlace dessas escolhas.

    Mesmo que cada personagem principal seja formado por uma trajetória específica, todos possuem o mesmo padrão comum: são vítimas de uma culpa anterior que desejam exterminar. Velcoro se modifica após o crime que não deveria ter cometido; Bezzerides vive à sombra de um trauma da infância, destacando o fato de não ter tido medo do acontecido; Woodrugh nega sua homossexualidade; enquanto Frank, o mais socialmente errático deles, com um passado miserável deixado para trás, com ambição e violência, pune-se por não ver a ruína de seu império. Momentos anteriores e decisivos na vida de cada um que moldaram o caráter. São homens tentando equilibrar a balança da vida, tentando o caminho do que consideram bem diante do que fizeram de mal anteriormente, mesmo que cada conflito interno seja dúbio.

    O desfecho condiz com a visão devastadora do mundo: ninguém se salva, exceto os corruptos e o crime. Novamente, representa uma tragédia contemporânea no sentido mais literal da palavra, próxima do conceito grego de tragédias clássicas. A morte é constante como destino final neste tipo de drama, porém sempre deixa um sobrevivente para contar a história, função denotada a Bezzerides, que simultaneamente carrega o símbolo de esperança, com o nascimento do filho, e de mensageira. No entanto, tais signos são apenas um alívio diante de um pesado desengano. Mesmo poupada da morte, a tragédia permanece em seu destino como representação deste mundo revirado. Bezzerides é condicionada a viver em fuga, fora de seu país natal.

    Os outros três personagens perecem diante de um mal maior do que eles. Em um mundo estruturado conforme nosso merecimento, a existência de três personagens parcialmente bons é errática e desigual. A morte os coloca de volta a inércia, anula sua trajetória heroica enterrando-os sobre a amorfa selva de concreto. A linearidade narrativa é coerente com seu estilo. Não há conspiração, nenhum homem responsável por todo o mal. A mensagem é amarga, com poucos sinais de esperança. Uma guerra perdida.

    A antologia narrativa chega ao seu segundo arco mais madura, transitando em um polo diferente do primeiro ano. Sem o chocante impacto de Carcosa, ainda mantém a densidade e a força de uma grande série contemporânea.  Ainda que não saibamos como será a próxima história de Pizzolatto, é certo que a visão de um universo desencantado estará presente.

  • Crítica | Miss Julie

    Crítica | Miss Julie

    Miss Julie 1

    Adaptado da peça de August Strindberg, Miss Julie é uma das muitas versões do conto, dessa vez capitaneada por Liv Ullman, que se mune de sua vasta experiência nos palcos para dar forma a famosa obra dramatúrgica. A história de Miss Julie envolve uma Irlanda em 1890, narrando uma trama de sedução e amores proibidos, ocorrido a partir das ações da personagem título, vivida pela cada vez mais linda Jessica Chastain. Logo no início é mostrado o outro ponto desta equação, o serviçal dedicado e hábil Jean (Colin Farrell), que chega a grande casa e se dirige ao cômodo de serviços, não se envolvendo com a realidade burguesa dos donos da casa.

    O paradigma visto e revisto em milhares de novelas globais é mostrado sob um viés invertido, como o homem em uma posição degraus abaixo do ser feminino, curiosamente despertando a comicidade de uma peça antiga ter mais paralelos com a realidade do que os dramas chauvinistas vistos no horário nobre da televisão brasileira.

    A transição entre completos desconhecidos e possíveis amantes ocorre muito rapidamente, fruto da vaidade desvairada de Miss Julie, que não pensa em nada além de seus próprios instintos e desejo. A vestimenta azul que usa faz grafar ainda mais sua pele alva e sedutora, produzindo em sua persona algo irresistível ao olhar e ao toque, mas ainda assim, Jean resiste bravamente nos primeiros momentos.

    O espectro de sexualidade piora com a adição de álcool a interação de ambos, gerando não só momentos tórridos sexuais como aumentando o caráter de discussão, tanto do abismo entre a classe de ambos personagens, quando a hipocrisia e idiossincrasia do abuso de poder, que começa na questão econômica e termina em um embate sexista. A discussão a respeito da fidelidade conjugal também se intensifica, agravada pelo ranço da rejeição e da inveja clara, motivado pela disparidade de beleza entre Miss Julie e Kathlen (Samantha Morton), a esposa de Jean.

    A frieza e crueza no tratamento com a vida inverte o seu interlocutor, o que permite a Chastain dar mostras de um over action soberbo, que não recai sobre vícios dramatúrgicos pueris. O desespero visto em suas feições gera empatia no público, que imediatamente apoia  seu desespero e se apieda de sua alma. A boa condução de Liv Ullman faz até a ausência de talento de Farrell tornar-se suportável, já que sua interpretação serve de escada ao papel de sua patroa.

    A encenação que a realizadora propõe, depende fundamentalmente de seu elenco, e o eco da experiência de Liv Ullman nos palcos é visto em cada gesto de sua personagem principal, abrilhantado claro pela forma exuberante de Jessica Chastain, em mais um papel que desafia suas capacidades dramatúrgicas.

    Se não bastasse o absurdo que é o nível das atuações, as cenas finais contém um grafismo visual absurdo, com cores sobressaindo sobre a paisagem, lembrando o quando o cenário deveria ser subalterno e efêmero ante a existência, ante a vida. O sangue predominando sobre a água faz lembrar o quão pode ser curta a subsistência do ser humano, além é claro da continuidade do universo e da natureza independente da aparição do indivíduo, grafando a grandiloquência de Gaia em relação ao bicho homem. Miss Julie fala em diversos níveis, e serve a múltiplas interpretações de conteúdo.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe

    cartaz-quero-matar-meu-chefe

    A tônica do discurso de Nick Hendricks (Jason Bateman) reprisa-se na “fatalidade” dos outros dois protagonistas, cuja única diferença é na dor causada por seus “superiores”. O foco da edição modernosa, cuja narração muito acrescenta ao conteúdo, é uma ode ao desconforto, um conformismo moderado, mas incomodado com algo básico: os desmandos de seu chefe, o autoritário Steve Wibie (Kevin Spacey). A causa do infortúnio de Dale Arbus (Charlie Day) é sua consultora, uma dentista fogosa chamada Julia Harris, vivida por Jennifer Aniston, exalando sexualidade para o pobre rapaz que quer manter-se fiel ao seu compromisso. As agruras de Kurt Buckman (Jason Sudeikis) não são exatamente relacionadas ao seu chefe, mas ao filho mimado e megalomaníaco deste, Bobby Pellitt (um Colin Farrell fazendo o melhor papel de sua vida), que repentinamente torna-se o responsável pela empresa em razão da doença de seu pai.

    O trio de atraentes homens de meia-idade tem uma autêntica encruzilhada dramática: trabalhar em suas respectivas carreiras em ambientes hostis, cujas oportunidades de crescimento são escassas, não importando seu alto nível de comprometimento e esforço em realizar um bom trabalho.

    Apesar dos múltiplos repertórios e das diferenças de personalidade que incorrem a cada um deles, na essência, o mesmo destino catastrófico recai sobre a existência deles. Dos sacripantas que ordenam a miséria na vida dos funcionários exemplares. A escolha básica deveria ser entre manter suas dignidades intactas, saindo do serviço e da miséria financeira, mais calamitosa ainda em tempos de crise, o que inviabiliza qualquer chance de saírem de seus postos. A única alternativa é fugir completamente da norma padrão, contratando um assassino de aluguel para se desfazer do incômodo que os acomete.

    Claro que, em se tratando de três espécimes sem qualquer experiência, o simples ato de procurar alguém para fazer o trabalho sujo teria que ser aventuresco, repleto de situações nonsenses. Após fracassar algumas vezes em arranjar um assassino, o trio é orientado a verificar os hábitos de seus mandantes para eles mesmos cometerem homicídio, com a responsabilidade trocada de acordo com o vínculo empregatício dos homens. Todo o estratagema é uma desculpa para se inserirem na intimidade completamente louca dos excêntricos próceres.

    As referências farsescas a filmes clássicos são diversas, desde Pulp Fiction até a despretensiosa comédia Trovão Tropical. A histeria causada pela falta de traquejo de Nick, Dale e Kurt só não é mais engraçada que todo o entorno de Bobby Pellitt. Nenhum aspecto de sua desfaçatez é minimamente aceitável para uma pessoa adulta. Todo o conjunto de ações de Bobby revela uma personalidade machista e fajuta, caricata ao extremo, tão ignóbil que ele se torna extremamente engraçado.

    O carisma dos “vilões”, tal como a completa falta de confiança que Harken sente de si mesmo e da esposa, faz de Quero Matar Meu Chefe um filme diferenciado. A experiência de Seth Gordon em comandar comédias televisivas faz com que ele seja a escolha perfeita para fazer transitarem suas piadas em núcleos diferentes, dando o mesmo nível de importância para cada uma das causas. O carisma, roteiro e loucuras da trama fazem com que a obra seja muito superior às comédias que percorreram os cinemas em 2011.

  • Crítica | Um Conto do Destino

    Crítica | Um Conto do Destino

    um conto do destino

    Nova Iorque, 1895. Nesta época e local ambienta-se a história rememorada pela narradora, que a inicia com uma releitura do mito de Moisés, usando a cidade americana como o oásis da perfeição, o lugar onde o rebento do casal de protagonistas poderia viver a despeito de tudo: da deportação de seus pais imigrantes (motivada pela tuberculose) e da irrealidade dos fatos e acasos, que influi diretamente no destino da criança, solta em alto mar e sobrevivendo à tragédia. Há um tanto de fantasia em Um Conto do Destino, de Akiva Goldsman.

    As salas palaciais, grandiosas e suntuosas guardam espaço espiritual para que a luz mágica atravesse-as e faça delas cenários semelhantes aos dos clássicos da Disney. Até os personagens são simples, mas não necessariamente vazios, lembrando os arquétipos presentes nos contos infantis. A fotografia de Gary Capo — acostumado a filmes grandiosos, como O Último Samurai, Missão: Impossível 2, Além da Linha Vermelha  flagra ainda mais o caráter de conto de fadas da história amplificado pelos cenários da neve, com cores frias, em contraste com os corpos dos personagens, de cores quentes. A direção de arte de Peter Rogness também é competentíssima, sua experiência em dramas que equilibram emoção e beleza exuberante (Tão Forte e Tão Perto) certamente pesaram na escolha deste para trabalhar no filme.

    Peter Lake (Colin Farrell) é o filho da promessa, mas, por ser descapitalizado, tem de roubar para conseguir seu sustento. No entanto, ele em momento algum é retratado com a máscara da vilania, pelo contrário, salienta-se sua necessidade de fazer os crimes ao mostrar a miséria que vivencia e os milagres que o mantiveram vivo. A honra do personagem é tamanha que um alazão branco de capacidades homéricas aceita ajudá-lo em sua jornada — argumento semelhante aos presentes que Perseu recebeu de Atena —, referência  que se torna óbvia no decorrer da película. Russel Crowe faz o maligno “deformado” Pearly Soames, o vilão de intenções escusas que busca a morte do injustiçado herói, guardando um poder enorme e uma fúria sanguinária, a qual nem sempre é vista em histórias de princesas. A mocinha é Beverley Penn, feita pela bela ruiva Jessica Brown Findlay (de Downton Abbey), que não parece ter ligação com a nobreza mas cujos desejos e desígnios são ligados à honra e dedicação ao sonho, ao infinito e a um mundo ideal. Mesmo que, a priori, o repertório visual e o roteiro lembrem uma história infantil, a trama não poderia ser mais voltada para o público juvenil e adulto, não por tratar temas espinhosos, mas sim por subverter os clichês de fairy tales e associá-los a questões mundanas, como a guerra de classes.

    No pôster do filme, em tradução livre, diz-se que “esta não é uma história de verdade, esta é uma história de um amor de verdade“, como se em nome de mostrar tal sentimento ganhando a vida todo o restante fosse perdoado, até  mesmo a filmagem do impossível e a transposição do realismo, pois a poesia do amor é maior que a frágil barreira da verossimilhança. A realidade pode ser enfadonha e desinteressante quando comparada ao incomensurável tamanho do apego ligado ao sentimento eterno. Os exageros dramáticos do casting não são capazes de destoar do espírito da obra, nem mesmo o over-acting de Will Smith que faz o aprisionado Lúcifer, o qual, demonstrando que o mal é reduzido ao menor denominador comum, é levado à fácil associação ao mito maniqueísta cristão.

    O desenvolvimento da narrativa é tão articulado aos conceitos básicos da moral contidos nos contos de fadas que seu cunho moralista faz a mocinha sucumbir após entregar-se de corpo inteiro ao amor de sua vida, ato de consequências definitivas. A época pedia um findar trágico que abalou a percepção de Peter Lake sobre a vida, jogando-o num limbo desmemoriado e fazendo de sua imortalidade uma vivência de sofrimento na busca de uma musa que não mais existe.

    A trama é levada à contemporaneidade, e a magia do não envelhecimento de Lake só é questionada por uma das filhas dos novos tempos, Virginia — feita por Jennifer Connelly, estonteante como sempre —, a qual não compreende toda a consentaneidade que acometeu a época do início da película, não sabendo como as coisas eram mais simples e menos “discutíveis”. A modernidade destruiu um pouco a percepção do que é possível e do que não é, da possibilidade de milagres acontecerem, mas o encontro entre Lake e ela é o primeiro indício de que tal máxima pode mudar. A tangível condição médica de Abby (Ripley Sobo), a pequena menina cancerosa, também ajuda a derribar a fé de Virginia, mas é este o gatilho que faz Peter Lake retornar às suas atividades como o herói da jornada, levando-o, inclusive, a reencontrar os seus antigos aliados mesmo na urbana Nova Iorque.

    A cavalaria de Soames mudou: ele está fortemente armado e paramentado com as tecnologias contemporâneas, e sua obsessão como guardião de limiar, por fazer o destino do herói encantado algo trágico, prossegue. Em determinado momento, parece que o intuito do mal ganharia mais uma vez a batalha, ampliando a aflição e a dor do mágico protagonista, mas, como na maioria dos contos que inspiraram Um Conto do Destino, o final reúne uma mensagem edificante, igualitária e otimista, de amor correspondido e de encontro dos amantes.

    A estreia de Akiva Goldsman no cinema é emotiva, mas equilibrada, não caindo no pecado do pieguismo e evidenciando uma história que contém muito das suas influências, enquanto artista, de forma reverencial e enxuta.

  • Crítica | Pergunte Ao Pó

    Crítica | Pergunte Ao Pó

    pergunte ao po

    Após realizar roteiros de filmes clássicos, como Uma Rajada de Balas e Chinatown, Robert Towne ganhou notoriedade e passou a dirigir filmes sem o mesmo sucesso que tinha como escritor, evidentemente. Após uma parceria com Tom Cruise em três obras  A Firma, Missão: Impossível e Missão: Impossível 2 ­ , o ator o ajudou como produtor executivo do longa metragem, capitaneado por Towne e baseado no laureado romance Pergunte ao Pó, de John Fante.

    A direção de arte e a fotografia fazem da película uma fita demasiadamente leve, muito diferente do clima arenoso e enevoado do texto original. A iluminação chapada não ajuda a captar as variações das ações individualistas de Arturo Bandini, que pioram de situação graças à atuação de seus intérpretes. No auge da canastrice, Colin Farrel faz o escritor/narrador da história, e desde o início parece um pastiche, um deboche do alterego de Fante. Nem mesmo as suas interações com o seu oikos são interessantes, uma vez que são todas mecânicas.

    Camilla Lopez é feita pela voluptuosa Salma Hayek, que seria uma boa escolha para o papel se não atraísse os olhos dos homens ávidos de modo tão óbvio e latente. A beleza que era anunciada no livro como exótica, em tela é exuberante e nada sutil, o que claramente fere a essência da personagem. Tal conjectura não seria um grave problema de adaptação caso o entorno da personagem compensasse, especialmente pelo ambiente meio depressivo, mas isto não ocorre. Nem a nudez da atriz é valorizada de maneira plena, uma vez que ela é feita em meio à neblina. Um desperdício lastimável.

    Não há muito espaço para nuances ou foco necessário para explicitar a degradação do ethos do escritor vaidoso. O roteiro e as ações prescritas nele foram mal trabalhadas e executadas de modo sistemático e rotineiro, parecendo algo genérico, tão vazio e sem substância quantos os piores produtos para os cinemas dos anos 50.

    A duração de sua exibição é deveras prolongada, as tomadas se repetem uma a uma, e a sensação de quem vê o filme é de que há absoluta redundância nos dramas tratados em tela. Ao menos as divagações de Bandini, ao felicitar a si mesmo por seus feitos, chega perto do pedantismo típico do personagem, sendo este o ponto mais próximo do espírito da obra original. Farrell é um ator limitado, de trabalhos irregulares, que até consegue impor alguns poucos arquétipos em seu trabalho de atuação, mas tem dificuldades sérias em representar pessoas com interesses conflitantes, quanto mais um sujeito que tem claras dificuldades em manter a psiquê saudável, caso de Arturo Bandini. A inabilidade de Towne em conduzir a película também não coopera para que o ator mostre-se à vontade no papel.

    Os últimos 40 minutos contém uma virada de cunho açucarado na história, com Bandini finalmente tomando coragem e levando sua amada para morar com ele. No entanto, ao invés de dar vazão aos conflitos presentes em seu espírito arredio, ele pratica ações melodramáticas, como em uma autêntica comédia romântica, onde o “felizes para sempre” predomina, ainda que de modo efêmero, mostrando que a eternidade da máxima não é real. As falhas de Arturo que eram um dos pontos bons da história  são deixadas de lado para mostrar um romance insípido e de tom sentimental, nada condizente com o resto da história.

    A ideia de Towne de impor uma tentativa de alívio na existência sofrida de Camilla e Bandini seria interessante se o roteiro desse continuidade a ela, mas isto não ocorre. A tentativa de redenção do protagonista é falha e tão tosca que em certos momentos ela parece ter sido realizada por outra pessoa. Até a narração é interrompida de modo esquizofrênico: a história é contada sem ela durante grande parte da fita, para, enfim, voltar próximo do anúncio dos créditos.

    O filme não funciona, não sabe escolher um lado, também não é uma adaptação boa e tampouco atinge o objetivo de ser um romance água com açúcar; pelo contrário, é penoso e pesaroso de assistir a ele, mesmo para as duas parcelas do público que tenta alcançar. A separação do casal acontece de modo diferente do original, menos simbólico e mais literal, quase que explicando para o incauto espectador o que ele precisa entender: que as almas aflitas dos dois amantes não podem ficar juntas graças ao destino.

    Mais uma vez Towne cai no erro de mudar o foco de um modo que não combina com a proposta que ele mesmo impôs, uma vez que o cerne de Bandini parece completamente modificado, não só em relação à essência do romance, como também à lógica proposta no roteiro. John Fante merecia melhor sorte na adaptação de sua obra, algo minimamente condizente com a qualidade de seu texto, mas este Pergunte Ao Pó não apresenta aspectos necessários para tanto, sendo fraco e  vazio em todos os pontos que procura abordar.

  • Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    Crítica | Walt nos Bastidores de Mary Poppins

    saving mr banks

    Durante 20 anos, Walt Disney (Tom Hanks) tentou adquirir os direitos de Mary Poppins, da escritora australiana P.L. Travers (Emma Thompson), que sempre se recusou a vendê-los receando que Disney fizesse “um de seus desenhos bobos”. Entretanto, a crise financeira faz com que ela tenha que negociar. Desta forma, Travers viaja até os Estados Unidos e passa a trabalhar juntamente com a equipe escolhida por Walt Disney para que Mary Poppins chegue às telas. Minuciosa e com muita má vontade, ela começa a encontrar problemas de todo o tipo. Como o contrato lhe dá o direito de cancelar a cessão dos direitos caso não concorde com a adaptação, Disney e sua equipe precisam aceitar seus caprichos para que a produção saia do papel.

    O título nacional não poderia ser mais impreciso. Provavelmente no intuito de facilitar a vida da maioria dos espectadores que não faz ideia de quem seja Mr. Banks — personagem de Mary Poppins —, conseguiram errar duplamente ao rebatizar o filme. Primeiro porque Walt Disney não é o protagonista, como o título faz pensar; segundo porque não se passa nos bastidores de Mary Poppins, mas sim antes do início de sua produção, mais especificamente durante a escrita do roteiro adaptado. No entanto, esse é o menor dos problemas do filme.

    O excesso de licença poética é, sem dúvida, o maior problema. Ao contrário do que é mostrado, Disney e Travers nunca tiveram um relacionamento amigável. Na realidade se odiavam publicamente, não só antes, mas principalmente após o lançamento do filme — não, Travers não aprovou o resultado final, diferentemente do que o desfecho lacrimoso do filme quer fazer acreditar. Ela odiou o filme e se arrependeu pelo resto da vida por ter cedido os direitos a Disney.

    Tom Hanks encarna o papel de um senhor simpático porém muito diferente da realidade, já que Disney sempre foi conhecido por seu temperamento competitivo, quase hostil. Travers, reconhecidamente uma senhora de temperamento difícil, é retratada como uma solteirona ranzinza e “do contra”, bem menos amarga e intragável do que como definiam seus próprios familiares, e mais humanizada pela interpretação de Emma Thomson. Percebe-se aí o “efeito Disney” dos personagens, minimizando tanto os aspectos negativos de suas personalidades quanto o conflito entre dois temperamentos difíceis.

    As conversas entre Travers, o roteirista Don DaGradi (Bradley Whitford) e os músicos Richard e Robert Sherman (Jason Schwartzman e B.J. Novak) certamente não tiveram o mesmo tom divertido e quase gracioso mostrado no filme. Além disso, o roteiro quer induzir o espectador a acreditar que a intransigência de Travers quanto à cessão dos direitos não se devia às suas reservas quanto à padronização da indústria cinematográfica — a autora não queria que Mary Poppins fosse apenas mais um filme padrão Disney. Com uma quantidade excessiva — e irritante — de flashbacks, o roteiro insiste que sua intransigência tinha algo a ver com um trauma do passado. Os trechos da infância de Travers, que se alternam com sua estadia em Los Angeles, são por vezes confusos e comprometem a fluidez da narrativa, e parecem nitidamente escritos com a intenção de emocionar o público a cada dez minutos.

    Enfim, o filme serve mais como um lembrete de que Mary Poppins está prestes a comemorar 50 anos do que como uma obra comemorativa dessa data, já que essa nova produção não é nem marcante nem memorável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.

    Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.

    Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).

    Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.

    A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Demolidor

    Crítica | Demolidor

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    Nos primeiros minutos de um documentário, que acompanha o primeiro disco desta versão de diretor, um dos editores faz comentários a respeito de sua metragem. Diz que para o lançamento do filme a opção foi reduzir um pouco da ideia original, deixando-o mais ágil e com mais cenas de ação, diferentemente da ideia do diretor, Mark Steve Johnson, que procurava algo mais denso e fluido, com momentos para explicações e um pouco menos de ação.

    Este pequeno trecho simboliza a diferença entre um editor pago para realizar um filme blockbuster sem se importar com sua qualidade e outros que tentam, mesmo em filmes neste formato, manter uma base narrativa.

    Demolidor foi a primeira adaptação de quadrinhos a ser um sub-produto dos sucessos anteriores. Pouco dinheiro foi investido no projeto, cuja missão primordial era um arrecadamento médio. Sem mais ganas, o resultado desse pensamento se tornou nada promissor. O descompasso é tão claro que o fraco diretor lançou sua própria edição do filme, com minutos a mais, tentando melhorar a fraca história e recuperar um pouco de sua imagem perante os fãs de quadrinhos.

    Mesmo trabalhando com um material bruto inexpressivo, seu trabalho tem um ganho positivo em relação ao original, mas nada excepcional. Os erros desenvolvidos na trama estão concentrados em sua estrutura. Nenhuma edição poderia salvá-la.

    A começar pela obtusa escolha do elenco — como colocar o gordinho Ben Aflleck para fazer o ágil Demolidor quando, por ator cogitado na época, Matt Damon seria mais indicado para o papel até fisicamente. Sem deixar de lado excessos de liberdade poética, transformando o rei do crime em negro e o Mercenário, grande vilão do Homem Sem Medo, em um patético personagem nas mãos de Colin Farrell, que despontou em um filme de Joel Schumacher e, depois de entregar mais uma atuação competente, vem desapontando desde então.

    Com um pouco mais de duas horas de duração, a nova edição deixa a trama mais explicada, tentando se aprofundar no drama de Matt Murdock. Mas a falta de credibilidade que Affleck passa, de um cego canastrão, não dá espaço para que se compreenda seu heroísmo.

    É lamentável que um personagem tão excelente como Demolidor tenha sido o escolhido para ser o primeiro filme B de quadrinhos, elemento parecido com o que aconteceria com o Quarteto Fantástico mas, dessa vez, voltado ao entretenimento familiar.

    Murdock é o herói que possui uma das carreiras mais estáveis nos quadrinhos, com sagas memoráveis, além de ser carismático. Nas telas virou uma mistura insossa de senso comum e de atores mal selecionados, que culminam na Electra Natchios de Jennifer Garner.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.

  • Crítica | O Vingador Do Futuro

    Crítica | O Vingador Do Futuro

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    Na onda interminável dos remakes hollywoodianos, chegou a vez de uma das maiores pérolas das traduções brasileiras, O Vingador do Futuro (tudo a ver com o nome original, Total Recall). Não vou entrar em comparações com o clássico de 1990 dirigido por Paul Verhoeven, pelo simples motivo de que não o vi, shame on me. Mas não precisa ser nenhum gênio pra deduzir que a nova versão já sai perdendo ao colocar Colin Farrell no papel que foi de Arnold Schwarzenegger.

    Num futuro não tão distante, uma guerra química tornou inabitável a maior parte do planeta. Os dois únicos locais povoados são a Federação Unida da Bretanha e a Colônia (Oceania). Superpopulação é apelido, e na segunda área há um movimento de resistência contra o Estado opressor da primeira, exigindo direitos iguais para os explorados trabalhadores. Nesse cenário, Quaid é um operário atormentado por uma rotina maçante e sonhos recorrentes nos quais é alguém importante. Buscando um escape, ele vai até um local chamado Total Recall, que implantará em sua mente memórias falsas a título de “férias”. Porém, antes que o procedimento comece, ele é atacado por agentes do governo e a correria começa.

    Correria, aliás, é a definição do filme. Apesar de bem executadas, as cenas de ação são inúmeras, permeadas por breves momentos de respiro. Meio na linha Michael Bay de ser, o que inevitavelmente acaba cansando lá pelo meio da história. O diretor aqui é Len Wiseman (da franquia Anjos da Noite e Duro de Matar 4.0), na melhor das hipóteses apenas competente na parte visual, mas sem qualquer brilho. E isso se reflete nesse novo O Vingador do Futuro, que sugere potencial para ter um algo a mais, algum conteúdo, mas de cara já opta por se dedicar inteiramente à ação desenfreada.

    A crítica social é de um capitalismo tão agressivo que evolui pra um novo imperialismo, mas isso fica apenas como um raso pano de fundo. Os aspectos de sci fi são mais dignos de nota, apesar de estarem presentes somente na ambientação. Os cenários urbanos são muito interessantes, uma extrapolação da nossa própria realidade em termos de moradia, trânsito e cidades cosmopolitas. Nada original, porém: é fácil encontrar elementos de Blade Runner Minority Report. Não por acaso, todos inspirados em contos de Philip K. Dick. Outra possibilidade do filme seria uma discussão sobre identidade, realidade e ilusão, subconsciente e o diabo a quatro nesse viés psicológico. Os próprios trailers e pôsteres sugerem isso – que é incrivelmente mal trabalhado! Em momento algum surgem dúvidas sobre a veracidade da situação do protagonista, e tudo se resume a algumas frases soltas dignas de filosofia de biscoitos da sorte.

    Dentre os atores, Farrell se esforça, mas a seriedade do papel o impediu de usar sua melhor faceta, a de canalha irônico canastrão. Jessica Biel está apagadíssima, Bill Nighy faz pouco mais que figuração, e o vilão vivido por Bryan Cranston ficou muito abaixo do potencial do ator. O destaque vai mesmo para a esposa do diretor, a linda e maravilhosa Kate Beckinsale. Como uma vilã incansável, cachorrona e determinada a ferrar o herói, ela rouba a cena ao definir o que é uma “ex-mulher”. Antes que me acusem de machista ou coisa parecida, é o filme que sugere isso, gerando um humor que não decidi se foi ou não involuntário.

    No fim das contas, O Vingador do Futuro versão 2012 serve apenas como uma boa distração entre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge e Os Mercenários 2, e dificilmente será lembrado como um destaque dos gêneros ação ou ficção científica.

    Texto de autoria de Jackson Good.