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  • Crítica | Um Homem de Família (2000)

    Crítica | Um Homem de Família (2000)

    Um Homem de Família traz a história de Jack Campbell (Nicolas Cage), um bem-sucedido corretor milionário que em 1987, abriu mão da relação com sua namorada de faculdade, viajando rumo a Londres para uma vida bem diferente do que tinha até então. Na noite do dia 24 de dezembro de 2000, após receber uma ligação da mesma Kate que ele abandonou, ele segue seu dia normalmente, mas curioso a respeito de como poderia ser sua vida caso seguisse com ela.

    Essa é uma versão que tenta modernizar histórias natalinas, como Um Conto de Natal, de Charles Dickens, com pitadas referenciais ao clássico de Frank Capra, A Felicidade Não Se Compra. O lúdico invade a trama que até então parecia cínica e vaidosa, que em um momento de tédio e vazio existencial pensa nas alternativas que sua vida teve. A materialização da mudança, após o personagem interromper um assalto resulta em uma estranha fantasia que se vale até do arquétipo do negro místico, interpretado por Don Cheadle, e coloca o herói da jornada em situações bem distantes daquela rotina de antes.

    Cage já havia trabalhado com grandes diretores, ganhado um Oscar por Despedida em Las Vegas, além de protagonizar grandes filmes de ação como A Outra FaceA Rocha, ou seja, estava no auge de sua carreira. Brett Ratner era conhecido por seu trabalho nas comédias Tudo Por Dinheiro e A Hora do Rush, o que pode ter motivado Cage a participar do projeto, aliado a outras discussões existentes no roteiro de Um Homem de Família, como o próprio consumismo e a hipocrisia típica do período.

    A comparação entre às duas vidas de Jack é absurda, em uma ele tem a realização profissional, na outra é a completa ruína do ponto de vista financeiro. A lição que lhe é dada poderia ser curta, mas ele é individualista, obcecado por ter tudo de volta. Nem mesmo simples manifestações de afeto são encaradas por ele como algo normal. Ele é ríspido até mesmo com a sua filha menor, e demora a enxergar afeição nos pequenos momentos.

    A negação dele é tão intensa que faz o espectador perguntar se os primeiros momentos do filme não eram um devaneio, e se sua vida, na verdade, não é a de um homem ordinário, ambicioso, mas preso a uma rotina medíocre, agravada por uma crise de meia-idade.

    O drama é vagarosamente desenvolvido, e mesmo em meio a negação de Jack, a maior riqueza da trama ainda é a relação dele com Kate. Se Cage consegue apresentar uma boa versão do homem insatisfeito, Téa Leoni é deslumbrante visual e espiritualmente. Os poucos momentos que Campbell se permite ter prazer é quando está com ela, mesmo nas crises normais da vida adulta média, quando ele se enxerga como casal com a mulher que jurou amar e cuidar ele parece estar completo.

    A vaidade e teimosia do protagonista seguem grandes em todo o filme e sua tentativa em corrigir a rota mostra que ele dificilmente entenderá a lição que querem lhe passar. Ele só se vê como um homem de negócios. O compromisso que ele parece ter é com o dinheiro e somente isso.

    Para todos os efeitos, Jack é humano, e se nega a aceitar qualquer uma de suas versões. Quando tem a família, ele deseja a riqueza, e quando vê essa riqueza se aproximar, ele não quer perder Kate e tudo que veio dessa união. Ele não é iluminado, ao contrário, é burro e fútil, já Kate, na versão fantasiosa parece ser evoluída, e até no mundo dito real, parece ser mais generosa que seu possível par.

    Um Homem de Família é um conto sobre maturidade, sobre lidar com as escolhas que a vida oferece, como se permitir construir algo com quem ama, mesmo que esse dia-a-dia não seja repleto de luxos. A mensagem anticapitalista seria bem empregada, não fosse pelo final conveniente para os anseios dos personagens, e é uma lástima que um filme tão reflexivo termine tal qual uma comédia romântica água com açúcar. No entanto, o restante da jornada para chegar a essa conclusão é válida, afinal, Kate e Jack são apenas seres humanos, capazes de escolher mal seus próprios destinos, como qualquer um de nós.

    https://www.youtube.com/watch?v=vy5pt3FT5Tk

  • Crítica | Fuga à Meia-Noite

    Crítica | Fuga à Meia-Noite

    Fuga à Meia-Noite conta a historia de Jack Walsh, caçador de recompensas e ex-policial interpretado por Robert De Niro cuja única busca real é por dinheiro, de preferencia, o que vem de maneira fácil. O filme dirigido por Martin Brest e escrito por George Gallo não perde tempo, mostra ele em ação contra um bandido procurado, acompanhado de uma trilha de jazz de Danny Elfman que lembra um remete a música de Eric Clapton em Máquina Mortífera. O filme tem um humor próprio, é divertido e engraçado, especialmente pelo carisma de seus protagonistas.

    Eddie, o contratante dos serviços de Jack interpretado por Joe Pantoliano propõe a ele um trabalho que parecia ser simples, mas resulta em algo drástico: a escolta a um contador de Nova York até Los Angeles. Jonathan Mardukas (Charles Grodin) tem problemas com bandidos e com o FBI, fato que faz os dois lados da lei irem atrás de De Niro. Jack é engraçado, tem mãos leves, semblante fechado e não aparenta ser tão trapaceiro quanto de fato é.

    O filme é cheio de reviravoltas em seu roteiro, o contratante ao se sentir ludibriado tenta pegar seu alvo com outro mercenário, Jack aplica diversos golpes enquanto faz a transição de seu prisioneiro, o contador tenta subornar o encarregado de leva-lo e ate manipula a doação de gorjetas quando ele se serve em um restaurante. O filme é todo baseado em jogos de influências e é bastante inteligente dentro dessa proposta, seus personagens são reais, densos, mesmo quando aparecem rapidamente.

    Walsh é um sujeito com uma vida normal, tem problemas mundanos, dificuldade de lidar com aspectos pessoais de sua rotina, e mesmo a historia sendo breve, há algum nível de aprofundamento dessas causas, ainda que por meio de eventos inesperados e entrópicos. Essas e outras circunstâncias aumentam o caráter de comédia de erros que o filme apresenta, toda sorte de infortúnio ocorre com o policial aposentado, de modo que uma simples missão de transporte vira uma epopeia que brinca com o poder paralelo.

    De Niro e Grodin tem química, tem uma sinergia típica de amigos que se conhecem há muito tempo. Acompanhar a intimidade dos dois é gratificante, pois é quase uma síndrome de estocolmo só que invertida, já que Jack, o “sequestrador” passa a confiar em Jonathan mesmo que ele esteja em uma posição inferior, a despeito até da experiência e esperteza do agente.

    Os momentos finais são carregados de suspense, bastante tensos. A obra de Brest mistura elementos de filmes thriller, comédia de humor negro e claro, filmes de máfia. Fuga à Meia-Noite tem um De Niro bastante à vontade, apresentando facetas que são familiares em sua carreira ainda que com com temperos diferentes. Toda a jornada de Jack e Jonathan é digna de uma odisseia de Ulisses, voltada claro para o cinismo típico dos filmes de tiras dos anos oitenta, é um clássico esquecido de sua época.

  • Crítica | MIB: Homens de Preto

    Crítica | MIB: Homens de Preto

    O longa de Barry Sonnenfeld começa tímido em sua exploração psicodélica, com imagens de insetos voando pelas estradas americanas, batendo no para-brisas de um carro que carrega imigrantes ilegais. O roteiro engraçadinho de Ed Solomon resumiria em seus minutos iniciais os motes do filme, a questão da vida curta e sofrida dos insetos, a tentativa de entrar ilegalmente em um lugar desejável, e a interferência governamental nisso, tudo ao som da característica trilha de Danny Elfman.

    Produzido por Steven  Spielberg – em uma época em que suas produções tinham mais a ver com sua filmografia como diretor – MIB: Homens de Preto tem sequência com uma ação de Kay, personagem de Tommy Lee Jones neuralizando seu antigo parceiro, além  de um grupo de pessoas. Paralelos a isso, James, o policial do NYPD de Will Smith se mostra atlético, correndo atrás de um alienígena (cefalopóide), à paisana.

    Smith vinha de uma popularidade monstruosa, sua série Um Maluco no Pedaço ainda era largamente reprisada, além de sua participação em Independence Day, outro filme de temática alienígena. Seu personagem seria um candidato perfeito para a vaga da Homens de Preto, embora fosse bem diferente do K dos quadrinhos, e embora também tivesse um perfil diferente de J, seu mentor.

    O filme tem uma historia simples, mas brilha muito ao introduzir seus elementos. O personagem Edgar, vivido por Vincent D’Onofrio é  muito engraçado, sobretudo quando é tomado pela figura insetóide. Ele tem personalidade e conversa muito bem com o montante de figurantes que assassina. Os outros coadjuvantes também são divertidos, Linda Fiorentino faz a legista Laurel Weaver e passa muito mais ao público do que apenas o conceito de colírio aos olhos masculinos, assim como Rip Torn funciona bem como o chefe bufão que Zed é, aliás a escolha por mostrar Zed foi muito acertada, em detrimento do mistério de quem ele é nas HQs de Lowell Cunningham, e isso só funciona bem graças ao fato de Torn cair como uma luva aqui, exalando leveza e carisma.

    Toda a questão do recrutamento de J é muito bem orquestrada, e ela não demora muito a ocorrer. O ritmo do filme tem muitas semelhanças com outra adaptação de quadrinhos dos anos 90, o Maskara, consegue ser direto e sem enrolações, ao contrário dos filmes recentes de Marvel e DC. Pelo vidro dupla face, Kay observa seu pupilo, que é engraçado, espirituoso, inadequado e que arrasta a mesa de centro, interrompendo o silêncio. É por ser diferente que ele é selecionado, é preciso sangue novo e diferenciado.

    Sonnenfeld capta bem o clima da cidade cosmopolita, com muitas imagens panorâmicas de Nova York, é curioso como ele é bem local mesmo em uma historia que abre possibilidades  de muitos universos conviverem ali. O panorama político também é bem inteligente, ter de lidar com incidentes envolvendo membros da nobreza, ou com partos de refugiados é uma boa alternativa, mesmo que tenha um cunho humorístico nessa abordagem. Os bonecos mecatrônicos são excelentes, sobretudo o do bebê lula, assim como as excreções que solta. Há muita textura nas figuras aliens.

    Smith faz muito uso de humor físico, reclama da comida e bebida que recebe, finge rir de piadas mal encaixadas, zoa o físico de outros personagens. Isso faz com que a sua comicidade soe um bocado infantil, o que não é exatamente um equívoco, já que o MIB tenta ser um objeto universal. A melhor das piadas bobas que ele profere certamente são as novas memórias personalizadas que ele passa a dar para os neuralizados. Contra o seu personagem, reza também uma piada sobre tamanho peniano, vista na bronca que J tem com o fato de sua arma ser minúscula, mesmo tem um tiro estrondoso e um coice, a graça obviamente

    É simbólico como entre todos os vilões extra terrestres para os Homens de Preto enfrentar foi escolhido uma barata gigante, que representa um animal pequeno, nojento que causa muito asco nos humanos, um ser rastejante, que na Terra vive em lugares imundos, no lixo, e que reflete essa condição sendo um ser com complexo de inferioridade severo, além do que, mesmo sendo mutilado, ele ainda não está fora de combate, como a maioria dos insetos terráqueos são.

    Legal que, na despedida emocional entre os parceiros, Jay e Kay conseguem dar uma pausa, tomar um banho, para não ocorrer a ultima conversa entre eles sujos dos restos mortais de seu opositor (nem mesmo a personagem de Linda Fiorentino está limpa), e tal “erro” é obviamente bem aceito, uma vez que registra uma sequência bem emotiva, que mesmo apelando um pouco para pieguice, funciona como uma bela despedida, que obviamente seria contrariada pelas continuações, que não funcionam tão bem quanto este, mesmo com o retorno do diretor. Mib – Homens de Preto varia bem entre os gêneros comédia e aventura, transitando bem e brincando com os clichês da ufologia e paranoia com muita leveza e sem levar a humanidade tão a sério.

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  • Crítica | Dumbo (2019)

    Crítica | Dumbo (2019)

    Tim Burton há muito tempo não reprisa o bom cinema pelo qual ficou conhecido, e coube a Disney entregar-lhe um projeto que poderia faze-lo retomar a aura fantástica que começou a fazer em Edward Mãos de Tesoura, e o resultado final de Dumbo condiz demais com essa expectativa, conseguindo sabiamente fugir dos exageros que ele mesmo fez em Alice no País das Maravilhas, que foi uma das parcerias  mais recentes do diretor com o estúdio. O filme do elefantinho voador é emotivo, belo e transpira poesia.

    Evidentemente que liberdades  criativas precisaram ser tomadas, para tornar o clássico Dumbo de 1941 em um filme palatável não só para plateias mais novas, mas também para o novo formato, mas seja no roteiro de Ehren Kruger ou na direção de Burton há inúmeras referencias ao clássico, elementos como o trem que leva o circo dos Irmãos Medici ter um sorriso na frente, o uso das penas como combustível para o paquiderme (ainda que em uma espécie de Placebo), o uso de ratinhos amestrados para alegrar o filhote e os animais de espuma psicodélicos  estão lá, embora bem diferentes, e a repaginação deles é bem reverencial ao tom da versão antiga.

    No entanto a narrativa é mais feita pelos humanos e não pelos animais, e faz sentido, em especial por fortalecer um discurso de liberdade contra escravidão. Os dois plots principais funcionam muito bem juntos, tanto o dos animais que tem seus destinos decididos por humanos que são escrupulosos ou inescrupulosos de acordo com seu humor e necessidades básicas, há também os animais que apesar de lidar com o circo, tem personalidade própria, e é dada a atenção a ambos os núcleos, desenvolvendo mais obviamente a faceta que tem mais atores consagrados, ainda que eles tenham menos importância dramática que o animal “mágico” e as crianças que o cercam.

    Para muitos críticos da carreira de Burton é composta só de maneirismos, esse poderia soar como um filme seu sem parte de suas marcas, mas  isso não é verdade. O cineasta abre mão de um visual mais barroco, mas mantém parcerias com boa parte do seu elenco, como Danny DeVito (que repagina um personagem seu de Peixe Grande), Eva Green, Michael Keaton e Cia, além de ter consigo Danny Elfman fazendo uma das trilhas mais inspiradas de sua carreira, que dão o tom hiper fantástico necessária para todas as plateias embarcarem. É fato que o diretor está em uma coleira, e é bom que esteja, para não cometer os exageros que fez em Olhos Grandes ou O Lar das Crianças Peculiares, que não são seus piores filmes, mas ainda assim causam uma estranheza em quem gosta de sua obra anterior.

    Outra assunto que o realizador normalmente aborda e que é revisitado aqui são os problemas familiares, aqui representados pelo lado materno do parentesco, seja com a dupla de protagonistas infantis, Nico Parker e Finley Hobbins, que fazem respectivamente Milly e Joe Farrier, os órfãos filhos de Colin Farrell, que faz Holt, um veterano de guerra que adestrava equinos, além obviamente de Dumbo, que vê a Senhora Jumbo ser afastada de si por ser considerada louca. Em comum entre os dois plots, há a sensação de não pertencimento aquele lugar, ao circo dos Médici, não por falta de carinho dos que ali habitam, mas simplesmente porque eles não se encaixam ali apesar de serem formidáveis, mas tanto a jovem Milly não é circense, e sim uma cientista que quer dar vazão aos seus desejos, como os elefantes não se sentem bem no cativeiro.

    Ao menos em um ponto o filme não se diferencia muito da média, pois depende demais das coincidências para ter as reuniões de personagens que precisa. Elas soam irritantes de tão convenientes que são, mas nada que torne vã toda a jornada Dumbo, dos Holt e até do Circo Medici, que finalmente muda seu nome no final para algo mais justo. Cada um dos núcleos de desajustados, a sua maneira, alcançam o seu apogeu e seu modo mais justo de brilhar junto as luzes da ribalta, mesmo a menina que quer ser cientista atende seus próprios desejos de uma maneira que por hora, lhe serve. Ao final de Dumbo, não é só o pequeno elefante que consegue  alçar voo como uma borboleta, mas todos os  que foram agraciados pela sua convivência, e mesmo que não faça muito sentido o final adocicado da obra de Burton, ela condiz demais com a fantasia presente nos clássicos animados de Walt Disney nos anos quarenta e cinqüenta, e é uma versão ainda mais poetizada da obra de 1941.

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  • Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    O brasão dos Van Garrett é o primeiro objeto que aparece no filme que Tim Burton conduziu em 1999, o mais gore, violento e mais repleto de elementos de terror de sua filmografia. Antes mesmo de qualquer fato, ele se auto referencia, mostrando um espantalho com cabeça de abobora assistindo um brutal assassinato por meio de decapitação. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça reúne elementos dos curtas do diretor, um bocado de Edward Mãos de Tesoura não só por conta de seu protagonista também ser Jonny Depp, mas também por perverter historias clássicas que tem elementos de Contos de Fadas.

    Depp vive investigador Ichabod Crane, que em 1799 é enviado ao condado bucólico de Sleepy Hollow (que também é o nome original do filme), para desvendar uma série de assassinatos estranhos. Lá, ele se depara com uma justiça morosa e pouco disposta a resolver a questão dos assssinatos. Já nesse inicio se nota uma direção de arte muito bem conduzida por Rick Heinrichs, que remonta muito bem o século XXVIII, além de uma fotografia de Emmanuel Lubezki que mira muito em tons acinzentados, ajudando a produzir no espectador uma expectativa de podridão em relação as pessoas que aparecerão no roteiro de Andrew Kevin Walker. Fora Crane, não há muito por quem torcer, nem mesmo para a mocinha.

    A musica de Danny Elfman também ajuda a estabelecer que aquela historia não é algo comum, e a abordagem barroca de Burton é ainda mais utilizada aqui, não só nas relações entre personagens, mas também no tom pessimista. Há a óbvia reverencia do cineasta aos filmes da Hammer, seja na escolha de personagens coadjuvante como Christopher Lee, assim como o modo de retratar as mulheres, com espartilhos e decotes super generosos, como eram as vampiras que cercavam o Drácula de Lee, ou as mulheres que viviam na época das cavernas, ou os penteados e perucas dos homens, com madeixas descuidadas e que parecem não serem lavadas nunca ou quase nunca.

    A figura do Mercenário/Cavaleiro sem cabeça é muito bem montada, seja nos flashbacks de 79 onde Christopher Walken aparece como um assassino assustador de dentes afiados manualmente só para parecer mais feio, ou na boca dos cidadãos supersticiosos que tem medo só de lembrar de sues feitos. A sensação de estar se assistindo uma historia mitológica já é estabelecida independente até quaisquer palavras, o visual diz por si só, assim como todo o misticismo dos habitantes do local.

    Toda a violência retida nos filmes do Batman e nos seus demais filmes pode finalmente ter vazão, finalmente podem ser postas em prática e a mistura de elementos faz muito bem ao filme. O ceticismo aberto do personagem principal, a beleza angelical unida a teimosia da mocinha Katrina Van Tassel de Cristina Ricci, o passado lúdico de Crane envolvendo sua bela mãe, os elementos de feitiçaria, ate o desempenho de Ray Park como o cavaleiro, tudo flui em uma harmonia única, e isso tudo é conduzido pelo caráter detetivesco de Ichabod, que faz as vezes de Sherlock Holmes mais covarde em alguns pontos.

    A cena em que Crane encontra uma bruxa, em que ela faz um movimento cortando a cabeça de um morcego vivo é bem visceral. Alias, há uma referencia bem curiosa, na cena que a mãe  de Ichabod, interpretada por Lisa Marie Smith é mostrada morta, pendurada em um sarcófago de tortura,o objeto em si lembra muito o que Bruce Wayne utiliza para escorregar em Batman: o Retorno, com o detalhe de que os espinhos são recolhidos quando o Morcego tem de entrar na caverna, evidentemente.

    O fato da vilã contar todo o seu plano é obviamente algo clichê e previsível, mas cabe muito bem dentro dessa historia que tenta remontar. Uma historia clássica precisa de bordões, e os engendrados em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça fazem o filme soar como um jovem clássico, que mesmo após vinte anos, ainda soa moderno, inteligente e bem construído, até seus exageros são charmosos e rivaliza com Ed Wood como o filme mais artístico e bonito de Burton, tendo a favor de si a força do seu final apoteótico e grotesco, que faz poetizar violentamente a obsessão do vingador decapitado, rumo ao inferno para onde ele já deveria estar há muito e não podia ir, já que era conjurado.

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  • Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    Crítica | Planeta dos Macacos (2001)

    A versão de Tim Burton para o clássico Planeta dos Macacos de Franklin J. Shaffner começa com uma música imponente, de Danny Elfman, e com uma abertura lindíssima, com vasos e objetos de artes cuja temática tem a ver com os símios que em breve aparecerão. O primeiro personagem vivo a ser mostrado é exatamente um chimpanzé de tamanho comum, que está dentro de um simulador. Pericles é cuidado por Leo Davidson, o cientista que Mark Wahlberg vive e faz as vezes de Charlton Heston que alias, faz uma ponta neste. Esse começo parece promissor, ao menos até mostrar Leo, e mesmo assim, a historia desandaria mais ainda depois.

    O ano da historia 2029 e o roteiro começa mostrando a estação Oberon onde Davidson trabalha, e é enviado ao vazio do espaço onde é pego em um vortex que o joga para outro lugar no espaço e aparentemente no tempo, e ele pousa em um planeta que vive em uma espécie de Era Medieval, mas habitado por macacos, que tem toda uma sociedade, dividida em castas, e que se munem de armaduras super estilizadas, com um roteiro de Mark Rosenthal, Lawrence Konner e William Broyles Jr. mais fiel ao menos em ambientação ao livro de Pierre Boulle do que o que Michael Wilson e Rod Serling fizeram em 68.

    O grande problema do filme é a caricatura em que ele se insere. Há um exagero e uma mão muito pesada de Burton. As atuações são ou genéricas ou histriônicas, como a de Tim Roth fazendo o vilão Thalos, um chimpanzé inteligente e agressivo, que tenta impor sempre sua vontade através da força. Há momentos risíveis e referencias escabrosas, reunidas juntas, como uma cena em que um casal está se preparando para transar e a fêmea – na verdade, Nova, interpretada por Lisa Marie até então esposa de Burton –  dança para seu marido, em uma dança de acasalamento terrível, ou jovens macacos que imitam roqueiros punks, de jaqueta, fato que mistura linhas temporais ou referências visuis distintas demais para conviverem juntas. Alem do que, os humanos (que falam, contrariando a ideia de que seriam muito inferiores aos macacos) ao fugirem conseguem entrar em algumas casas, como se as mesmas não tivessem qualquer proteção, trancas ou algo que os valha. Mesmo em épocas bíblicas há relatos de utilização de algum método de segurança para proteger a moradia do povo de saques ou furtos.

    Os atores tiveram um trabalho árduo de preparação, para emular de maneira completamente bípede alguns dos movimentos animalescos típicos, mas até esses falham, pois em alguns momentos são utilizados e em outros tantos, não. Além disso, há uma grande banalização dos momentos do clássico, com as frases que foram icônicas, em especial as ditas pelo personagem de Heston, tem seu sentido invertido, e não por algum motivo válido, pois parecem apenas piadas de mal gosto.

    As lutas entre o exercito símio e os humanos tentam ser emocionantes, mas tem coreografias estranhas, e a sequencia como um todo é bagunçada, e tem um evento meio Deus Ex Machina ali, que debocha dos mitos  que o filme tentou estabelecer e banaliza o todo, mostrando Semos – na verdade, Pericles – como um macaquinho adestrado que é soberano diante dos outros inteligente e capazes de dividir uma sociedade inteira. É tudo muito conveniente, e a tentativa de falar sobre religião esbarra em uma abordagem rasa e meio simplista.

    Há momentos grotescos no filme, incluindo ai  o confuso final, que faz referencia mais ao livro de Boulle e tenta (em vão) soar mais poderosa que a do clássico sessentista. Toda a questão sobre o desfecho e a estátua de Thade no lugar de Abraham Lincoln é terrível, seja a crença de que ele conseguiu reativar a Oberon mesmo jamais tendo contato com esse tipo de tecnologia, ativando a rota para a Terra repovoando o planeta com símios ou levando em conta que a nave de Leo errou a rota e voltou ao mesmo planeta em que se passa o filme inteiro, qualquer uma dessas teorias ou outras possuem furos e não constituem um final poderoso como o filme quis soar, o que é uma pena, pois esse Planeta dos Macacos de Tim Burton tinha um claro potencial. A declaração de Burton sobre essa sequencia foi presunçosa – O final parece não ter lógica, mas tem. O objetivo é fazer você usar ambos os lados do cérebro ao mesmo tempo – e destaca o quanto o realizador estava fora da realidade ao analisar seus próprios méritos.

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  • Review | The Flash (1990)

    Review | The Flash (1990)

    Seguindo na esteira do longa do Batman, de Tim Burton, tendo inclusive o mesmo Danny Elfman como um dos compositores da trilha sonora (junto a Shirley Walker), a série The Flash estreou em setembro de 1990, com o desconhecido John Wesley Shipp vivendo o corredor escarlate Barry Allen – ainda que na época o detentor do manto do herói fosse Wally West. A personalidade do herói reunia uma mistura de elementos de ambos, tendo a mesma profissão e pano de fundo de Allen e um pouco da personalidade engraçadinha de West.

    Como no filme protagonizado por Michael Keaton, os primeiros momentos do piloto dirigido por Robert Iscove mostram uma Central City de arquitetura baseada em elementos barrocos, além de uma direção de arte e fotografia que constroem uma aura extremamente sombria à noite, remetendo a filmes noir, curiosamente, durante o dia, parece que estamos em outra cidade.

    Trazido por Danny Bilson e Paul de Meo, através da produtora Pet Fly, essa não teria sido o único produto da dupla envolvendo personagens heroicos ou dos quadrinhos. Em 1992, os produtores também criaram Human Target, baseada nos quadrinhos de Len Wein e Carmine Infantino também da DC Comics, e um ano antes escreveram o roteiro de Rocketeer, de Joe Johnston, baseado no personagem criado por Dave Stevens. A intenção de ambos escritores sempre foi desenvolver heróis de ação, cada um com um cunho escapista diferenciado, e foi assim também com Trancers, que mais tarde ganhou algumas continuações, e que para muitos seria o precursor do Robocop. Fato é que a dupla quase nunca conseguiu dar prosseguimento a esses projetos, assim como Flash a maioria deles não se tornaram produtos longevos, exceção feita a série Viper, que teve uma versão em 94, com 10 episódios, e um revival em 97 que durou três temporadas.

    Um dos pontos mais marcantes do programa certamente é o uniforme do protagonista. A roupa que parecia feita de camurça foi projetada por Robert Short, o mesmo que assinou a maquiagem oscarizada de Os Fantasmas Se Divertem, de Tim Burton, a questão é que a maioria das cenas de ação ficavam risíveis, pois o traje brecava a mobilidade do personagem, que era conhecido por ser o mais rápido dos super-heróis. O piloto custou U$ 6,5 milhões, cada episódio 1,6 mi e o fato de ser caríssima passou a pesar contra ela, quando enfim entrou em rota de colisão com séries famosas do mesmo horário, como Cosby Show e Os Simpsons pela Fox. The Flash teve dificuldades enormes de ser vista por quem não fazia parte do nicho dos fãs de quadrinhos de super-herói.

    Já no segundo episódio, há um caso entre Dr. Carl Tanner (Stan Ivar) e Christina McGee (Amanda Pays), onde o primeiro se torna um monstro e demonstra qual é a potência visual do programa de TV. Os efeitos especiais não chegam nem perto de impressionar, são piores que os de Superman – O Filme, um filme com orçamento grande, mas que foi feito doze anos antes. Em Ghost in the Machine, nono episódio, há uma exploração temática como a de Beware the Gray Ghost da animação Batman The Animated Series, lançada anos depois, tendo em comum a brincadeira com um seriado antigo de televisão sendo esse o principal mote de ambos os capítulos. Claramente o desenho de Bruce Timm e Paul Dini referenciam este, dadas as enormes semelhanças e o clima nostálgico em ambos, além de ter uma boa base visual nos produtos noir.

    No episódio The Trickster duas coisas importantes acontecem, o retorno da detetive Megan (Joyce Hyster), personagem interessante, além de ser uma boa candidata a par romântico do herói. Mark Hammil também dá as caras como o vilão Trapaceiro. Enquanto faz o alter-ego do bandido James Jesse (ou Giovanni Giuseppe), ele é um bufão, ainda que discreto, vestido com fantasia de mágico, mas quando coloca seu traje, que aparenta muito a customização que Jim Carrey faria para o Charada, em Batman Eternamente que viria ao ar quatro anos depois, inclusive repetindo o delírio ao final, em que o vilão diz ser na verdade o herói.

    Flash tem problemas durante o programa, ele sofre com stress, tendo preocupações comuns que envolvem o fato de ter uma vida dupla. Esse tipo de questão mais adulta geralmente não era estabelecida em produtos desse gênero, e a humanização é valida, mas a  boa intenção fica só na premissa, pois não há muito aprofundamento além da citação a essas problemáticas, e só citar é muito pouco.

    Na parte final do ano, são mostrados personagens famosos, como o Capitão Frio (Michael Champion) e o Mestre dos Espelhos (David Cassidy), mas bastante distantes de suas versões dos quadrinhos e pouco dignos de nota. Em outros momentos, mostra-se alguns cientistas loucos genéricos que criam clones de Barry, só conseguindo fazer um mais bem elaborado após colherem o sangue do herói – esse trecho é bastante risível pela forma como se conduz essa coleta. A cópia de Flash é chamada de Pollux – o vilão ganha uma roupa quase idêntica ao do herói, alterando apenas as cores de vermelho para azul -, e ele foge para criar confusões em um parquinho, em uma cena que lembra o furacão que Zod causa em Superman II, ainda que aqui seja mais comedida, por conta do custo elevado da cena original.

    A maior parte das aventuras do seriado não fugiam muito do usual, até porque seria ainda mais custoso produzir uma série de quadrinhos nos anos noventa, que tinha ainda menos recursos financeiros que hoje. Tal qual As Aventuras de Lois e Clark, série romântica que iria ao ar em 1993, essa também não poderia utilizar muitos dos personagens das HQs. Tanto é assim que quando o Trapaceiro aparece, de novo, em seu julgamento, ele está utilizando seu traje de vilão, como se isso fosse algo normal. Neste ponto ele consegue ser ainda mais afetado e histriônico do que na sua primeira aparição.

    Os cenários vão ficando cada vez mais mal feitos com o aproximar do fim da série, parecem como os vistos em produções infantis da TV Cultura. Nos últimos capítulos a falta de investimento se torna ainda mais gritante pela falta de qualidade do programa quando retorna a participação de Hammil como Trapaceiro. Sua imitação do Coringa de Cesar Romero faz ele se assemelhar demais ao palhaço que protagoniza o clássico da dublagem amadora brasileira Feira da Fruta, ainda que ele não seja nada sacana e também não tenha uma personalidade realmente marcante. Seus momentos finais são vergonhosos, o que é uma pena, pois Hammil sempre foi um artista icônico.

    John Wesley Shipp tem carisma, mas só isso não sustenta uma produção como essa. As intenções por trás de The Flash são as melhores possíveis, mas na prática não se agradou a praticamente nenhum dos nichos, nem o público geral, muito menos quem acompanhava os quadrinhos na época, que normalmente, estariam ávidos por ver o Wally West escrito por Mark Waid em tela, que começava a brilhar pouco tempo depois da exibição do programa. Ao menos, no começo, Bilson e de Meo conseguiram trazer uma aura soturna sobre o personagem, mas deixou de ser funcional pelo fato do herói nunca ter tido características soturnas como as do Batman. Ele não era melancólico, e sim otimista e as vezes engraçado, e esse caráter foi pouco capturado nesta versão, ainda que Shipp se esforçasse para melhorar isto.

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  • Crítica | O Estranho Mundo de Jack

    Crítica | O Estranho Mundo de Jack

    Animação não-convencional dos estúdios Disney, O Estranho Mundo de Jack reúne elementos dos personagens criados por Tim Burton que habitam uma cidade temática de Halloween para contar uma história musical sobre o feriado natalino. Henry Selick se vale de efeitos comuns em duas dimensões e um bocado de stop-motion para introduzir esse novo universo, que apesar de ter momentos interessantes para as crianças, também reúne elementos típicos dos filmes de terror clássicos.

    Em meio a criaturas fantasmagóricas, lobisomens e toda sorte de outros mortos-vivos, se apresenta Jack Skellington, dublado por Chris Sarandon. O jovem esqueleto se mostra enfadado de todo ano preparar todos os eventos apenas para a comemoração do Halloween em outubro, até que em meio as suas cantorias – protagonizadas pela voz do compositor Danny Elfman, que também dubla outros personagens – Jack decide se aventurar pela floresta em busca de novas experiências.

    Trazer o natal as criaturas monstruosas tem um preço, de quase descaracterização de todo o cenário gótico existente. Apesar de não haver muita complexidade nos personagens, há um conflito válido entre os que não entendem o intuito de Skellington. O desenrolar dos fatos pós-decisão de levar à frente o natal é engraçado e grotesco na medida certa, brincando inclusive com o conceito de susto infantil, uma vez que os presentes macabros que Jack distribui assusta os adultos, e não as crianças que consideram cabeças decepadas e restos mortais como objetos comuns.

    Quando foi lançado, a Disney ficou com medo de ter sua marca associada a uma criatura tão horrenda quanto o protagonista, e por isso colocou o filme no selo da Touchstone, mais tarde mudando isso, trazendo o personagem para o seu hall da fama, como era merecido. O final de O Estranho Mundo de Jack remete ao resgate às origens e retorno ao status quo, basicamente para referenciar a necessidade de se preservar sua própria essência. A demora com que isso ocorre é válida para que se valorize o que acontece consigo, e a tradução que Michael McDowell faz a partir do poema de Burton ajuda a detalhar e enriquecer a história, apresentando um conjunto de eventos que faz valer sua atmosfera tragicômica.

    https://www.youtube.com/watch?v=LuvdeINbNhM

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  • Crítica | Batman: O Retorno

    Crítica | Batman: O Retorno

    Após o sucesso da primeira empreitada de Tim Burton a frente das histórias do homem-morcego – em Batman – finalmente a Warner e seus produtores deram carta branca para o diretor e criador dar vazão a sua visão a respeito do cruzado encapuzado e o cenário ao redor, em especial o espírito que de certa forma, rondava Gotham. Se em Edward Mãos de Tesoura, ele critica fortemente a postura hipócrita e excludente dos suburbanos, a vez agora é a de analisar a ganância e egoísmo dos moradores das grandes cidades.

    Batman: O Retorno não tem os nomes de Michelle Pfeiffer e Danny DeVito antes do herói Michael Keaton, mas é certamente é um filme sobre seus antagonistas, Mulher-Gato e Pinguim, além é claro do vilão especialmente convidado, Max Shreck (Christopher Walken). O prelúdio se passa anos antes do presente da trama, com os Coblepott abandonando seu filho recém-nascido, basicamente por conta de sua aparência monstruosa. Antes de ser abandonado, o bebê come o gato da família, para só então ser jogado em um cesto, indo direto para os esgotos da cidade.

    No tempo corrente, a cidade do morcego sofre com a assombração de um bandido ligado a aves, uma lenda urbana que logo se mostra real, ao aparecer em meio ao discurso do pretenso Papai Noel da cidade, o magnata Shrek. A gangue do circo que acompanha o chefe do crime tem mais semelhanças com o Coringa, de Jack Nicholson, do que com o Pinguim. Wayne prossegue na batcaverna, entediado, a espera da chegada do batsinal. Bruce não tem vida, nada mais o entretêm, exceto quando está vestido com o objeto de seu medo, sempre na tentativa de vingar a memória de seus pais.

    Família também é a palavra chave quando se fala Pinguim e Shrek, o homem deformado que mora com os excluídos da cidade e com seus próprios pinguins – por mais bizarro que possa ser terem aves invernais em um esgoto – raptam o magnata a fim de chantageá-lo, ameaçando declarar o seu envolvimento com despejo de dejetos tóxicos, em troca ele tentaria tornar a figura pitoresca do rotundo e baixinho antagonista em algo palatável e amável.

    Enquanto isso, Selina Kyle é uma frustrada secretária de Shrek, uma mulher que se esconde atrás de seu uniforme de garota desinteressante um apetite voraz e uma vontade de vencer escondida pela monotonia do cotidiano e pelas humilhações que passa diariamente com seu patrão. Após, perceber o mal que o empregador faria a Gotham, sugando energia da cidade ao invés de gerar, ela é brutalmente assassinada, e na queda, é pega por um grupo de gatos, que após lamber suas feridas, e de alguma forma inexplicável, fazem ela retornar, anárquica e completamente maluca. Ao retornar para sua casa, ela repete a cena de introdução, dessa vez debochando do quão repetitivos sãos seus dias, e após um ataque de fúria que a faz destruir seus bichos de pelúcia e esticar um pedaço de couro, ao ponto de conseguir cobrir seu corpo magro em um traje pra lá de fetichista, que lembra muito aqueles usados em rituais de bondage. Toda essa sequência é pontuada por uma música tema poderosa, mais uma vez orquestrada por Danny Elfman.

    Aos poucos, é construído em volta do Pinguim uma aura de normalidade. Ele descobre seu nome real, Oswald, e a partir daí a reação do povo é favorável a ele. O burburinho dos cidadãos soa completamente artificial e pueril, em mais uma demonstração gráfica do quão falsa é a base da sociedade moderna e não só a parte mais abastada. Em torno do bandido antagonista que DeVito executa  é mostrado um humanoide de hábitos rudimentares, quase selvagens, tanto que Maximilian se aproxima dele oferecendo um peixe cru, além dele responder ao assessor da campanha com uma mordida no nariz, que faz o sujeito jorrar sangue. Suas vestes em casa são imundas, e ele parece estar sempre coberto de óleo.

    A farsa não demora a ser descoberta, basicamente porque o personagem por mais insano e complexo que pareça, ainda assim é elemental e arquetípico, precisando sempre relembrar que é um vilão, um vilão que sente prazer em subjugar seu adversário heroico, no caso específico, o morcego. A fotografia de Stefan Czapsky compõe um quadro interessante junto a direção de arte de Bo Welch, tanto os cenários externos, cobertos de neve quanto as luzes contrastando com os ambientes fechados ficam lindos quando registrados pela cuidadosa câmera de Burton. A arquitetura também evoluiu, agora a cidade esfumaçada dá lugar a um lugar repleto de estátuas enormes, como se fossem parte de um circo enorme, o mesmo que Oswald Pinguim comanda. O apreço pelo expressionismo do diretor fica evidente.

    Batman: O Retorno resgata elementos bíblicos para mostrar o terror da nova criatura de ódio criada para este capítulo, primeiro relembrando a tentativa de sacrifício dos primogênitos que ocorreu no livro do Êxodo a fim de matar Moisés, depois com um sacrifício do homem mau junto aos seus amigos incondicionais, que são os pinguins polares segurando bombas, semelhante ao que Abraão faria com Jacó, seu filho. A ideia de animais pilotando bombas é bastante ridícula, no entanto, a desculpa para mostrar novos equipamentos do Batman é muito bem-vinda, especialmente no que tange o veículo anfíbio do personagem, pois como lembrava o letreiro da série dos anos sessenta, essa é uma aventura escapista, que se parece e tem aroma das revistas em quadrinho antigas, fiel principalmente as HQs do período pós segunda guerra mundial onde os absurdos eram maiores, apesar do personagem ser tipicamente urbano e sem poderes.

    Os trinta minutos finais são dedicados a finalmente fechar os arcos dos vilões, com a derrocada do Pinguim, que mais uma vez termina um ciclo sendo rejeitado, com Selina indo de encontro a Max para também ter sua vingança do homem que quase a matou e do herói percebendo tudo atônito, passivo e impotente. Em alguns momentos, Burton esquece que o heroísmo deveria recair sobre Wayne e sua real identidade, isso talvez porque o diretor queria fazer filmes episódicos, como eram os quadrinhos de linha, onde em alguns momentos o personagem título triunfa e em outros, apenas sobrevive. Infelizmente essa jornada foi interrompida, e o cineasta daria lugar à direção de Joel Schumacher, em Batman Eternamente, tendo quase todos os elementos plantados sumariamente ignorados nos filmes seguintes.

    A neve que cai sobre o agora viúvo Bruce Wayne é a mostra singela de que o seu destino também ocorre graças a sorte e ao acaso, mostrando mais uma vez o herói sofredor ao não poder contar com sua amada ao lado, e nesse ponto, o texto de Daniel Waters e Sam Hamm não poderia ser mais fiel a lenda do Batman, um personagem trágico em essência.

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  • Crítica | Edward Mãos De Tesoura

    Crítica | Edward Mãos De Tesoura

    Uma das obsessões de Tim Burton são os contos de fadas. Ele já havia participado de Teatro de Contas de Fada, com um episódio sobre o conto de Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa, mas ainda carecia de algo original em formato longa-metragem, e um pouco depois do sucesso que foi o seu Batman, ele viria com o lúdico Edward Mãos de Tesoura, um filme que se vale da nostalgia e de uma América que apesar de um pouco idealizada, reúne muita realidade em torno de sua história escapista.

    Os primeiros momentos se assiste uma avó já bastante idosa colocando sua neta para dormir, e para que ela possa finalmente descansar, a senhora conta uma história passada, em um subúrbio sem nome – as gravações foram em um bairro pacato, de Tampa, Flórida – cujas casas e lugares tem cores gritantes ou pastéis. Nesse lugar, a vendedora e mãe de família Peg Bogg (Dianne Wiest) bate de casa em casa, inconvenientemente tentando vender seus produtos, até que depois de ser ignorada por todos os vizinhos, ela encontra um castelo, cujo jardim é todo decorado com belos arbustos personalizados.

    A casa aparentemente abandonada é na verdade lar de um sujeito diferente, que vive nas profundezas da escuridão, vestido de couro, de cor pálida e com pequenas cicatrizes no rosto. Esse é Edward, vivido pelo ator em ascensão Johnny Depp, antes de toda badalação que o faria ser um intérprete mecânico de seus arquétipos. Peg decide retirar o rapaz de sua solidão e levá-lo para morar com sua família, ignorando até mesmo o seu potencial destrutivo, uma vez que Edward tem lâminas de tesouras no lugar das mãos.

    A adaptação de Edward ao mundo comum é curiosa, já que ele jamais havia tido qualquer contato com outras pessoas que não o seu criador. O filme se mostra gradual em demonstrar a ambientação do personagem neste novo mundo, e nesses primeiros momentos os eventos mais engraçados são a chegada de todas as donas de casa que querem saber quem é o novo visitante na casa dos Bogg, o fato do rapaz dormir em um  colchão de água que é um objeto bastante frágil tendo em vista suas mãos, e a primeira cena do jantar em família, onde os demais não entendem muito bem quem ou o que ele é.

    Burton filma os carros saindo das casas pelo alto, quase todos em fila, referenciando um método e rotina compartilhado por absolutamente todos. Os moradores daquele vilarejo são exatamente iguais, e não fogem nunca do usual. Edward é diferente, o único capaz de aprender coisas novas, e ele não demora a se soltar, mostrando a Bill (Alan Arkin), pai da família o que ele é capaz de fazer com uma simples planta a ser podada.

    Burton sempre foi conhecido por ser um diretor que ignorava o trabalho dos roteiristas e esse certamente é exceção à regra. O argumento é assinado por si e Caroline Thompson (com roteiro de Thompson), e a forma como é mostrada a origem do protagonista, sem apelos grandiosos, com flashbacks econômicos, que mostram um cientista já idoso – Vincent Price, ídolo de Burton – chamado apenas de O Inventor, que tem o sonho de dar sentimentos as máquinas que o ajudam na fabricação dos biscoitos e demais doces de natal. A sua sina é parecida em essência com a de outros cientistas, com a diferença clara de que não há ganância nele ou uma vontade incontrolável por poder, ao contrário, ele é um sujeito altruísta, e passa essa condição a Edward.

    Por incrível que pareça, a pessoa que menos explora Edward é justamente a pessoa que o rejeitou de início, a bela e jovem Kim (Winona Ryder), ao se assustar com o sujeito ocupando seu quarto. A família se aproveita de suas habilidades com tesouras para decorar os jardins da vizinhança, tosar os cachorros das madames e até replicar a excentricidade dessas donas de casa também em seus cabelos. Esse quadro muda quando a menina cede a pressão de seu namorado, para que convença Edward para ajudá-lo a assaltar um lugar, se tornando então um pária para toda a comunidade.

    A proximidade com o natal vem junto com um evento curioso, que é o de revelar a total hipocrisia do povo suburbano, que passa a culpar o elemento externo por tudo de ruim que houve naquela vizinhança. Essa dicotomia torna-se um evento inteligente do texto, já que o pregado em cantatas e teatros natalinos é a solidariedade e união suprema entre os povos, e não o preconceito que se vê aqui. Os corais que entoam os temas de Danny Elfman ajudam a restabelecer a magia do conto, mesmo após a enxurrada de hipocrisia e demonstração da podridão da alma humana, presente no discurso preconceituoso e ressentido dos vizinhos. A cena em que o personagem principal faz uma escultura no gelo é fechada com um acidente em que ele corta Kim, logo no momento em que os dois finalmente começam uma conexão sentimental. Ferido emocionalmente, ele age de maneira instintiva e foge, causando pequenos transtornos pelo caminho, assim como no romance de Mary Shelley, sobre o monstro de Frankenstein.

    Edward Mãos de Tesoura possui uma singeleza e sensibilidade ímpar em sua historia, realizando uma fantasia com tons modernos que mesmo atualmente segue poderosa em essência.

    https://www.youtube.com/watch?v=__dB7t0853U

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  • Crítica | Liga da Justiça

    Crítica | Liga da Justiça

    Um agradável retorno a esperança e ao conceito do herói clássico, dessa vez de verdade, e pela primeira vez em muito tempo, levando em conta obviamente a exceção de Mulher-Maravilha. Esse é o resumo das sensações pós apreciação de Liga da Justiça, filme de Zack Snyder que sofreu algumas alterações de Joss Whedon, que aqui, é creditado como corroteirista junto à Chris Terrio. É um esforço fútil tentar descobrir de qual dos dois diretores é o mérito pelos pontos positivos do longa, mas certamente esse é um dos produtos mais redondos dentro da filmografia de Snyder.

    A história começa quase que imediatamente após os eventos de Batman vs Superman: A Origem da Justiça, com a queda de Superman (Henry Cavill). A primeira cena do longa é uma gravação amadora, de crianças registrando uma ação do herói antes de sua morte, numa clara alusão a necessidade que o mundo tem de encontrar nos heróis os avatares da esperança. A mensagem é clara, direta e até um pouco pueril e óbvia, ainda mais por se tratar de um filme de herói de quadrinhos, mas que era absolutamente necessária, em se tratando desse universo cinematográfico construído por Snyder e David S. Goyer.

    Aliás, a saída de Goyer parece ter ajudado a simplificar muita coisa, uma vez que toda a problemático dos heróis inconsequentes é deixada de lado. Em alguns pontos, a busca por algo mais simples e maniqueísta pelo lado bondoso é tão absolutamente repetitivo que parece ser este um filme de Christopher Nolan – que aliás, ainda assina como produtor executivo. Não há a inteligência ou discussões adultas como em Batman – O Cavaleiro das Trevas ou Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas há um ideal por trás dessas questões, ainda que haja claramente uma influência de dois filmes da concorrente editorial da DC, em especial Vingadores e Vingadores: A Era de Ultron, não só pelo conjunto de piadas, envolvendo Barry Allen (Ezra Miller) e Aquaman (Jason Momoa), mas também por toda coordenação que o Batman de Ben Affleck faz, funcionando como um misto de Nick Fury com Amanda Waller, ainda que guarde todas as suas próprias características.

    Mais uma vez Gal Gadot apresenta a personagem mais altiva e forte do filme, sendo a dona da cena na maior parte dos momentos, subvertendo qualquer possibilidade de ter o papel diminuído por ser uma mulher. Sua experiência como amazona de quem ouvia bastante sobre as lutas com os para-demônios do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds) foi fundamental não só para a simples trama, como também para explicar aos personagens masculinos como aconteceram as batalhas mais antigas. A sequência da explicação é bastante curiosa, pela quantidade enorme de referencias ao universo DC, com bastante fan service.

    Falando em agradar fãs e nostalgia, a música que Danny Elfman compôs para o filme beira a perfeição. O resgate do tema ouvido em Batman de 1989 e a utilização da versão que John Williams compôs para Superman – O Filme ajudam mais uma vez a resgatar o ideal heroico. Se ficasse apenas nessas músicas, haveria um problema, mas não, os embates físicos também funcionam, e tirando um outro problema de efeitos visuais, quase toda a interação física entre os personagens funciona, seja na tradicional luta entre eles, bem como nas investidas que dão em direção ao antagonista e a captura das caixas maternas, que é o artigo que o Lobo quer para reaver todo seu potencial.

    Os personagens coadjuvantes são pouco utilizados, o que é comum, já que esse é o um filme para apresentar o quinteto em ação. A Lois Lane de Amy Adams talvez seja a mais acionada, mas do lado do Morcego tanto Alfred (Jeremy Irons) quanto Gordon (J.K. Simmons) estão bastante a vontade, em seus papeis. Da parte dos outro heróis, a Mera de Amber Head pouco aparece, e só serve para aguçar a curiosidade em torno dos atlantes, já o Dr. Silas Stone (Joe Morton) tem uma participação maior, fato que ajuda o espectador a se afeiçoar mais pelo drama de Vic Stone/Cyborg de Ray Fisher. Ele aliás é o maior expoente positivo em matéria de efeitos especiais do filme.

    É incrível como o filme consegue dizer tanto em pouco mais de duas horas de filme. Há desenvolvimento dos fatos anteriores, conflito entre personagens, reaparecimento de heróis antigos, reunião dos vigilantes tudo em um ritmo que praticamente só peca no começo. Não há enormes ousadias, nem narrativamente nem dramaticamente, e como é um produto de Zack Snyder já se espera o velho uso do slow-motion, dessa vez não tão exaustivo quanto em 300 ou Watchmen.

    Ao final de Liga da Justiça a sensação que se tem é que esse é muito mais sóbrio e equilibrado que os episódios anteriores, e que a experiência com Mulher Maravilha finalmente colhe bons frutos, já que esse foi de fato o primeiro filme a estabelecer essa ideia do herói clássico como parâmetro básico, só assusta o quando que os produtores, em especial Geoff Johns, que veio da editoria de quadrinhos a fim de tentar consertar todos os defeitos do início da empreitada do visionário diretor e sua trupe. Agora, o esperado é que venha uma nova leva de filmes da DC, de tom mais leve, menos ambicioso e até medíocres, o que obviamente não justifica todos os graves defeitos de Homem de Aço e sua continuação. Há de se atentar para as cenas pós créditos, fato que ajuda a aproximar demais esse produto dos vistos a partir da Marvel Studios, em especial a que ocorre após o termino de todos os créditos, restando então a esperança de que esse seja um pontapé para uma nova fase de filme, como um Vingadores às avessas, já que aqui há de ser a gênese de uma fase e não fim dela.

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  • Crítica | Darkman: Vingança Sem Rosto

    Crítica | Darkman: Vingança Sem Rosto

    Em 1990, doze anos antes do primeiro Homem-Aranha, Sam Raimi traria aos cinema um filme com muitos elementos de quadrinhos em um produto carismático e caricato na medida. Darkman: Vingança Sem Rosto começa com um prólogo, mostrando o passado de Peyton Westlake (Liam Neeson), um cientista que descobriu a fórmula para produzir pele sintética. Não demora até que surjam interessados para tomar o seu trabalho e fazer proveito financeiro dele, assassinando então o personagem, que milagrosamente sobrevive apesar de ser dado como falecido, se escondendo nos subterrâneos da cidade, graças a sua aparência grotesca.

    Após ocorrer o crime, ele decide lançar mão da própria invenção para desbaratar os planos dos bandidos, se fazendo passar pela maioria, obviamente com uma restrição, já que a imitação de pele só dura 99 minutos consecutivos quando é exposta a luz. Raimi dá vazão a um gore moderado, mostrando Weslake coberto de chagas e ataduras, com Neeson agindo como um bufão enlouquecido na maior parte do tempo, em uma performance divertidíssima, que por sua vez remete ao ocorrido nos seriados das antigas matinês.

    O clima de sensacionalismo é devido a dois aspectos principais, sendo um o modo que Raimi filma as situações ocorridas com o protagonista e com os que estão nos seus arredores, como também a direção de arte, que apela para um clima cartunesco. O suspense também é pontuado pela música de Danny Elfman, que dão a dose final para a equação de Darkman casar com perfeição com todo o clima pulp proposto.

    Raimi consegue entregar um filme conciso até em seus exageros visuais e temáticos, com um belo exemplar que ajudaria e muito a formar os clichês do sub-gênero dos filmes de super-heróis, ainda que tenha aqui uma carga autoral muito maior e um clima que remete demais ao ideário de filmes de terror do qual o diretor era especialista, provando também a versatilidade do cineasta em contar outros tipos de história, sem necessariamente se ver preso a sua zona de conforto.

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  • Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    50 tons o filme 1

    O novo filme de Sam Taylor-Wood inicia-se com a rotina matinal de Christian Grey (Jamie Dornan). Após uma corrida, o personagem toma banho e escolhe as roupas para mais um dia de trabalho, com gravatas que retomam o título cinza. O evento quase consegue desvirtuar a atenção da trama ruim que seria apresentada, a história mundialmente conhecida, sucesso da “literatura” de E. L. James, Cinquenta Tons de Cinza. O prédio da companhia é belo, imponente, e por si só já intimidaria a calada estudante Anastasia Steele (Dakota Johnson), que precisa entrevistar, a pedido de uma amiga, o bilionário de boa aparência.

    Mais do que as roupas de trato fino e da aparência impecável, é a insensibilidade de Christian que gera na moça a impressão de que ele seria diferente de tantos outros homens de seu cotidiano. As salas grandes de cor branca também servem para desviar a atenção espiritual do seu “herói”, que abruptamente começa a se interessar pela intimidade da moça que o encara, em uma construção de relação boba e ainda mais mecânica do que a vista no livro.

    Aos poucos, forma-se uma atmosfera de conto de fadas pós-moderno, onde o príncipe ignora completamente a boa aparência da princesa, e ainda assim tem êxito em cooptar a atenção da amada. No entanto, os meios para alcançar esse encantamento é quase todo formado por situações constrangedoras e falas cafonas, típicas não de um homem erudito, e sim de um conquistador barato encontrado em cada bar, balada ou esquina das grandes cidades. Suas táticas de intimidação também são invertidas, já que ele usa seu dinheiro e recursos para reforçar o aspecto de homem maléfico.

    Após quase assinar um termo de confidencialidade sem ler o que está escrito nele, Anastasia mergulha em um quarto secreto, após o anúncio de Grey dizendo que “não faz amor, e sim fode com força”. No cômodo, ela vê toda sorte de brinquedos e apetrechos sexuais, ecos de uma vida mimada, cujos gostos e desejos jamais foram negados, quando a negativa não é um estado comum ou objeto aceitável.

    O auxílio visual faz momentos entediantes do livro tornarem-se dinâmicos e até aceitáveis. Grande parte da personalidade estúpida e infantil de Ana é suprimida na fita, e ela mostra muito menos rubor, por exemplo, depois dos elogios de seu primeiro parceiro sexual. No entanto, são comuns as cenas de um constrangedor romantismo, distante demais do posicionamento de dominador que Grey tenta passar.

    A beleza da nudez da Dakota Johnson faz o filme destacar-se além do ordinário comum do livro, mas não o bastante para superar o enfado que é acompanhar a lenta sedução do casal, que em termos bem conservadores tenta emular os momentos eróticos de Sete Semanas e Meia de Amor. As cenas de discussão dos termos são realizadas sob uma luz avermelhada, e tenta, em vão, sexualizar o momento, exibindo um mau gosto atroz.

    As cenas de prazer através da dor são flagradas de modo bastante conservador pela câmera, com dificuldade enorme de chocar o espectador mais antiquado e desagradando a quem vê a sexualidade como um assunto que não é tabu. O medo do choque prossegue, com a nudez pouco contemplativa de Anastasia e praticamente nenhuma sobra do corpo de Grey para o público feminino. Essa abordagem invertida em relação ao público alvo da sedução mostra inabilidades em representar fantasias e fetiches, algo que piora ainda mais nas cenas que apresentam primeiro o incômodo da moça em ter sua liberdade invadida, e depois em momentos de risadinhas constrangedoras após voar em aviões caríssimos, exibindo uma faceta bastante fútil da personagem.

    As atuações super mecânicas fazem o combalido roteiro ser ainda mais tedioso, incapaz de gerar qualquer empatia. Sequer a trilha sonora, repleta de músicas boas, consegue surpreender. Todas as faixas exibidas primam pela previsibilidade e superficialidade. As cenas em que o chicote vibra na pele da protagonista não possuem nenhuma indicação de que há sangue. Falta humanidade ao drama que é proposto, não há alma ou sentimento em quaisquer ações filmadas, nem mesmo o asco e a repulsa são bem retratadas.

    O abrupto e incômodo fim do livro é reiterado na fita, com uma cena repetida no final, claro, com sentido diferenciado. O trabalho que Taylor-Wood pouco conseguiu salvar do péssimo objeto literário em que se baseou concentra-se nos mesmos problemas éticos e defeitos sexistas e machistas. O roteiro ruim foi criticado até pela criadora da ex-fanfic, e consegue não vulgarizar, mas também não permite quase nenhuma parcela de erotismo ou sensualidade. Assim, prevalece a cafonice do argumento original, com um pouco menos de tédio, por só tomar duas horas do público, ao contrário do excessivo tempo necessário para terminar o livro.