Considerado um dos primeiros grandes diretores americanos, a trajetória de Frank Capra no cinema dialogava diretamente com sua época através de suas obras, que representavam a sociedade americana e apresentavam em seus roteiros uma mensagem explícita sobre o momento presente. O distanciamento temporal provou que o diretor, de origem italiana, não só compôs grandes produções para aquele momento como foi capaz de universalizá-las e fazer de sua trajetória parte da história cinematográfica.
Localizado na fase final de sua filmografia, A Felicidade Não Se Compra se definiu como um de seus filmes mais reconhecidos, tanto pela mensagem universal quanto pelo destaque que já possuía em sua carreira devido a produções como Aconteceu Naquela Noite, A Mulher Faz o Homem, Do Mundo Não Se Leva Nada e O Galante Mr. Deeds. Na época de seu lançamento, o filme recebeu críticas mistas sem muito elogios. Críticos atribuíam uma queda em sua carreira devido a uma trama mais suave do que a das histórias anteriores. Interessante como o mesmo aspecto, a leveza narrativa, seria objeto de reverência em anos futuros e promoveria-o à lista de grandes filmes de todos os tempos.
A produção foi o primeiro lançamento do estúdio do diretor, o Liberty Films, em parceira com Samuel J. Briskin, um dos grandes produtores da era de ouro do cinema americano. Baseado em um conto de Philip Van Doren Stern, lançado de maneira independente pelo autor, o filme se tornou um representante icônico de história natalina com uma mensagem inspiradora ao abordar um anjo que, para ganhar suas asas, tem a missão de ajudar um empresário deprimido com problemas financeiros. Como seu argumento é fabular, envolvendo uma trama que transita entre realidade e fantasia, é natural a comparação com outra história cuja base é semelhante: O Conto de Natal, de Charles Dickens. Em ambas as histórias, a data cristã do nascimento de Jesus é o ambiente no qual as personagens estão inseridas em sua trajetória modificadora.
Lançado em 1946, o filme localiza-se após uma conturbada guerra mundial, época em que o cinema era um entretenimento de escapismo diante de uma sociedade desolada. Nesse cenário, as obras de Capra promoviam uma visão iluminada sobre a vida, projetando uma inspiração motivacional que tocava a sensibilidade do público em tempos árduos. No roteiro escrito por Frances Goodrich, Albert Hackett e Capra, mesmo que a obra utilize uma famosa data histórica ocidental, o símbolo da renovação é a vertente seguida, conseguindo levar o público a um contexto maior que toca no cerne da existência. Mesmo que a mensagem pareça moralista, ao retirar a personagem central, George Bailey, de sua própria vida, e colocá-lo como um personagem de não-existência, a reflexão sobre a importância da vida, bem como a dimensão de uma teia de contatos e influência, demonstra como o todo seria interligado por pequenas partes, demonstrando que cada um tem seu significado, como pequenas peças de um relógio invisível. Ainda que a história seja explicitamente clara ao propagar a necessidade de se fazer o bem.
A maneira pela qual a trama cresce e conduz com eficiência e técnica a sensibilidade é de um talento sublime. A figura interpretada pelo excelente James Stewart esbanja carisma desde o início para, em momentos de conflito, o espectador compartilhar sua dor. Quando o fantástico quebra a realidade e o próprio personagem vê o vazio de uma vida sem sua existência, a narrativa vai atravessando suas relações do nível exterior rumo ao centro familiar. Neste aspecto, evidencia-se a importância de um núcleo ativo de relações. Um caminho que passa pelos conhecidos, amigos até chegar nos dois níveis da família: a genealogia anterior a Bailey com irmãos e mãe, para aquela criada a partir dele com a esposa e os filhos. É este núcleo o ponto agudo de emoção e agonia da personagem. Assim, o roteiro seleciona esta formação como a mais explícita revelação do bancário: a esposa que ele ama e a família pela qual deu a vida.
Quando retorna para a vida real, é este mesmo núcleo familiar que se arquiteta como base. Embora Bailey seja um personagem querido por toda cidade, é a esposa que move sua teia de contatos e lhe ajuda em um momento de crise. A sensibilidade corre externa e internamente: é explícita quando demonstra o companheirismo de seus amigos e implícita pelo amor da esposa, fechando um circulo simbólico de influências, do macro ao micro.
A frase que encerra o longa, nenhum homem é um fracasso quando se tem amigos, é a conclusão final de uma narrativa que explora de maneira eficiente as relações sensíveis de um microcosmos. Mesmo sendo um filme natalino, aproveitando-se deste momento reflexivo, A Felicidade Não Se Compra trabalha com perfeição os sentimentos do público a seu favor, explicitando o lado emotivo para arrebatá-lo, numa história universal sobre a condição humana.
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