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  • Crítica | Brinquedo Assassino (2019)

    Crítica | Brinquedo Assassino (2019)

    Na versão clássica de Brinquedo Assassino, Andy Barclay é um menino que aparentemente é perturbado, um ilho único e de mãe solteira, que recebe de presente um boneco Good Guy amaldiçoado, com a alma de um assassino serial. Nesta versão dirigida por Lars Klevberg, sai a empresa Play Pals Toys Company, e  entra a Kaslan,uma multinacional de eletrônicos, que comercializa toda sorte de novas tecnologias. A empresa lança Buddi, um boneco que se conecta a basicamente a todos os equipamentos via nuvem, e ajuda a controlar esses aparelhos e acessorios sendo não só um boneco, mas um controle universal de aparelhos conectados.

    Já em seu início, o script de Tyler Burton Smith comenta sobre hiper vigilância, apego a tecnologia e dependência da mesma, preocupação essa bem diversa do Don Mancini (criador da saga original, e diretor de 3 dos 7 filmes lançados até 2017) apresentou em praticamente todos os antigos filmes da franquia, e por mais estranho que soe, a mudança é bem positiva, pois não parece mera copia do que foi feito, ao contrário do que normalmente ocorre com remakes de filmes de terror. O cenário não demora a mudar, mostrando uma fábrica do Vietnã, onde ocorre o motivo da nova origem do boneco “amaldiçoado”, em um evento que impessoaliza um pouco o caráter vil do brinque, ao mesmo tempo que dá sinais de que haverá uma forte crítica ao capitalismo, mas o roteiro vai em outra direção, que não anula essa visão negativa sobre a necessidade de acumular bens e a precarização de trabalho decorrente do sistema capitalista, e vai mais na direção do Complexo de Frankenstein, embora não seja tão maniqueísta quanto parece na citação simples dessa premissa.

    O Andy de Gabriel Bateman tem um problema de surdez, fato que dá novas camadas a sua dificuldade de convivência com outros garotos e garotas. Ele é anti social, mal sai de casa, tem fobia de convivência, e isso é uma bela diferença pro original, uma vez que a Karen Barclay de 88 era super protetora por ser mãe solteira, já a personagem feita por Aubrey Plaza não, ela até se permite namorar, mesmo que isso incomode seu filho. Ela vive sua vida, mas não tem receio em se entregar na função de mãe e parceira de seu filho. A quebra de expectativa é positiva e dá um fôlego bom pro filme, uma vez que é uma família sem todos os integrantes comuns a um clã, imperfeita e que não se vê como anormal por isso, afinal, se está em 2019, e não mais em 1988, quando divorcio e viuvez ainda era um forte tabu.

    O filme é hilário, tem otim as passagens até mesmo antes do gore se fazer presente. O personagem do detetive Mike Norris (Brian Tyree Henry) e sua relação com a sua mãe (vizinha dos Barclays) prima por esse tipo de abordagem, e incrivelmente casa bem com as intenções de Mancini com os ultimos que a franquia de Chucky tomou. Há referências mil a filmes de terror,  como as óbvias de Massacre da Serra Eletrica 2 (que inclusive aparece literalmente no filme, além de Re-Animator, e passagens até de Brinquedo Assassino 2 – no sentido da paranoia de Andy – e até O Filho de Chucky, ainda que desse último haja menos menções.

    O Chucky de Mark Hammil é carismático demais, um boneco que apresenta avarias não só de programação mas de recursos básicos. Ele erra o próprio nome, e apresenta características que fazem lembrar o sub gênero literário recente denominado New Weird, principalmente por brincar com os conceitos do Vale da Estranheza. Essa característica do boneco que Buddi é causa evidentemente incomodo, o Good Guy era bonitinho, esse não – a situação piora com Buddi 2, que pode ser loiro, ou até um ursinho furry – e obviamente por incomodar boa parte do público tende a estranhar toda essa abordagem. Caso o espectador não tenha muitas frescuras com filmes de horror, isso certamente não é um incômodo, até porque o comportamento de Chucky é muito bem explorado, ele tem dificuldade de entendimento de nuances, é passivo agressivo e muito carente, e para cumprir sua obediência, é capaz até  de ferir seres vivos, podendo matar caso perca a noção de sua própria força. Isso faz sentido, afinal, um brinquedo não tem o mesmo pensamento que um ser humanos formado, ainda que este seja bastante passional.

    O mais bizarro e positivo de toda essa historia, é que o brinquedo só passa realmente a matar quando tem o  aval de seu dono. Mesmo quando ele se descontrola, há uma boa explicação desse motivo. Suas travas morais e éticas só são expandidas pós rejeição de seu “grande amigo”, e seu comportamento passivo agressivo é uma resposta a negativa que recebe. Isso tudo humaniza o serial killer / slasher, e sua evolução é muito bem explorada nos 90 minutos de fita, mostrando ele evoluindo de um assassino principiante com indícios de sociopatia e psicopatia que machuca animais, para um ceifador de vidas frio e calculista na hora de cometer homicídio, mas extremamente sentimental e temperamental.

    O fato de ser muito humano é um artificio bom do roteiro, no entanto perde um pouco da força no final, quando ocorre uma espécie de revolta das máquinas. Ora, se Chucky é capaz de aprender, e tem uma motivação pessoal para cometer seus pecados, não faz muito sentido ele se tornar um líder revolucionário, que declara guerra a toda uma classe, no caso, os humanos, ainda que sua caracterização faça lembrar algumas lideranças políticas antigas, das mais ressentidas e que em um montante de motivos (entre esses, rejeição de suas expressões mais profundas, entre elas a arte), resolveram atacar a um grupo amplo de pessoas, deixando algo que seria um ataque individual, em algo macro. Essa é uma leitura possível, mas ainda assim, apelativa e pretensiosa demais para uma simples refilmagem de filme de terror oitentista.

    Os momentos finais fazem lembrar It: A Coisa e Stranger Things 3, ao mostrar as crianças revidando a violência que lhe é imposta. Infelizmente toda a sequência de ação no Zed Mart é bem fraca perto do potencial de discussão que o longa traz antes, e a redução da psique de Chucky/Buddi para uma espécie Grande Irmão (do livro 1984, de George Orwell) em uma versão mais modernosa soa repetitiva e um bocado furada, mesmo que amarre as referências a Robocop e O Culto de Chucky de maneira orgânica.

    Mesmo com todas as ressalvas, O Brinquedo Assassino é uma refilmagem bem honesta, que se vale de muitos aspectos do original, pega emprestados alguns dos (poucos) conceitos que funcionaram nas (péssimas) continuações modernas, sem ofender o trabalho anterior de Don Mancini e de Brad Dourif, ainda que tenha abertura para possíveis novas continuações, fato que sempre preocupa a quem gosta e acha cara uma  franquia de filmes de horror.

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  • Review | Birds of Prey

    Review | Birds of Prey

    Há muito tempo, quando séries e filmes de super-heróis eram eventos raros, foi produzida uma série que reunia elementos dos heróis da DC, especialmente do universo do Homem-Morcego. Quando comprada para transmissão na TV aberta, o SBT achou por bem traduzir Birds of Prey para Mulher-Gato, em alusão a uma das personagens da série, mesmo que a ladra cujo alter-ego era Selina Kyle tenha morrido já nas duas versões do piloto.

    O nome original do programa faz alusão a revista Aves de Rapina, que ganhou sucesso e notoriedade em 1996, seis anos antes dessa versão. O programa de Laeta Kalogridis reunia a figura de Helena Kyle (Ashley Scott) como personagem principal, que usa o codinome de Caçadora e é filha de Batman e Mulher-Gato (tal qual sua versão nos quadrinhos pré-Crise). Todas as personagens principais têm um passado trágico, Helena perdeu a mãe e foi abandonada pelo pai (teoricamente, e essa versão varia entre os pilotos); Dinah Redmond (Rachel Skarst) também teve sua mãe morta; e Barbara Gordon (Dina Meyer) perdeu o movimento das pernas ao ser alvejada pelo Coringa, como em A Piada Mortal.

    Sete anos separam os eventos trágicos do epílogo, onde a Mulher-Gato morreu e o Batman desapareceu do presente da série. Não se explica o motivo do nome do cidade ter mudado para New Gotham, bem como não há muita construção da relação entre as personagens. A união das mulheres é muito dada, não há trabalho narrativo para construção dessa união. No piloto definitivo, a abertura da série mostra um mapa da cidade, narrado por Alfred Penyworth (Ian Abercromble, o mesmo ator que dublou Alfred na série animada do Batman de 1992), que explica como Helena perdeu sua mãe, mostrando o Coringa – dublado por Mark Hammil e feito por Roger Stoneburner como dublê de corpo – esfaqueando a mulher, e posteriormente, atirando na coluna de Barbara, já sabendo que se tratava da Batgirl.

    A cena onde Helena salva Dinah lembra muito a cena onde Mulher-Gato de Michelle Pffeifer salva uma inocente no filme de Tim Burton. A maioria dos predicados positivos são referências, os outros pontos são medíocres, como a trilha repleta de músicas que eram moda na época, fato que data terrivelmente a série. Ao menos há um elemento novo: o dom da premonição de Dinah. Isso poderia dar alguma importância para as aventuras das moças, mas obviamente é pouco explorado durante os capítulos.

    A série falha em muitas conceitos, como por exemplo, porque a Caçadora seria uma “meia meta-humana” se tanto Batman quanto Mulher-Gato eram humanos. Há outros problemas sérios, como um episódio que brinca com o clichê de que toda mulher nasce para ser mãe, onde as aves de rapina encontram um bebê que cresce muito rápido e ao longo dos quarenta e poucos minutos elas têm de lidar com a criança. Para uma série protagonizada por mulheres, o produto de Kalogridis soa extremamente simplista e machista.

    Birds of Prey denuncia uma questão maior, envolvendo a falta de planejamento da DC que vai muito além da péssima qualidade do seriado. Os executivos da Warner sempre foram muito indecisos e confusos sobre seus produtos ligados à editora. Ao mesmo tempo que a série  surfava na popularidade de Smallville, sua iconografia tinha muito dos filmes de Burton, mas também os ignorava completamente, ora, como o Coringa retornou dos mortos após cair do alto de uma catedral? Além disso, o uniforme que Meyer usa como Batgirl é o mesmo de Alicia Silvertone pintado, assim como o do Batman é o mesmo de George Clooney, repintado e com o capuz que Val Kilmer utilizou – porque a Batgirl é Barbara Gordon e não Barbara Penyworth? Essas referencias que pegam só o que é conveniente dos (supostos) episódios anteriores da franquia e cronologia é até acertada, pois Barbara sobrinha do Alfred é uma situação idiota de qualquer forma, mas é impressionante como os mesmos defeitos daqui se repetiram até no cinema.

    A série foi cancelada em seu décimo primeiro episódio, mas os estúdios permitiram fazer mais dois capítulos, que serviriam para ao menos tentar fechar a história do programa. Birds of Prey chega ao fim com uma boa ideia repleta de pontas soltas e nada enxuta, além de um elenco que poderia ter entregue muito mais do que ofereceu. A conclusão se dá com Alfred ao telefone, falando supostamente com Bruce, dizendo que o pai deveria se orgulhar muito da filha, deixando em aberto se seria um devaneio ou se realmente o protetor de Gotham largou sua cidade por conta de algo que aconteceu no passado.

    https://www.youtube.com/watch?v=bU9EuqvK4tE

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  • Crítica | O Diretor e o Jedi

    Crítica | O Diretor e o Jedi

    O começo do documentário em longa metragem de Anthony Wonke se dá em meio a um discurso de Rian Johnson, de que ele conduziria o episódio 8 da franquia, o famigerado Os Últimos Jedi, filme esse que foi muito criticado por boa parte da fanbase. O Diretor e o Jedi brinca inicialmente com toda a expectativa prévia ao filme, mas não demora a mostrar os bastidores, do diretor e roteirista discutindo e ensaiando as cenas com Daisy Ridley e Mark Hammil, na intimidade de seu lar, junto ao produtor Ram Bergman.

    Desde o início se percebe que esse não seria um documentário em making off ao estilo dos featurettes encomendados pelos estúdios e que passam no Youtube e passavam antes nos canais como MTV ou TNT, há realmente uma preocupação em investigar a origem das idéias e o modo como Johnson tentou orquestrar desde as cenas com maquetes, até as de CGI ou as que tem atores dentro de roupas que emulam alienígenas.

    Para sanar a dúvida dos fãs  da franquia, que não acreditavam que Johnson realmente tinha liberdade para escrever o que bem entendesse, há uma cena que discute o momento imediatamente posterior ao final de O Despertar Da Força, com Luke recebendo seu sabre clássico, jogando-o de lado. Após explicar as razões para Hammil do porque ele faz isso, há cena imediatamente após isso, em que o interprete de Luke deixa claro o seu descontentamento com o rumo da historia assim como a divergência com aqueles fatos. Esse discordar foi aberta a imprensa e as redes sociais do ator e o fato de Wonke abordar isso em seu filme é algo realmente corajoso e ousado, uma vez que o filme analisado passou por um processo polêmico de analise da crítica e publico.

    O filme não se limita a mostrar as cenas in loco em Skelling Michael, a ilha na costa da Irlanda que serviu de cenário para o isolamento de Skywalker, ou as cenas de treinamento com sabre de Daisy, mas também mostra  o uso dos animatronicos de escala grande, além de não necessitar das narrações mega enfadonhas que geralmente ocorriam nos extras e materiais especiais da trilogia prequel e clássica. Há uma leve influencia de Império dos Sonhos, filme de Kevin Burns que falava a respeito de Star Wars, Império Contra Ataca e Retorno de Jedi além do fenômeno da saga como um todo, mas a inspiração é muito mais no espírito do que no formato, há a ideia sim de mostrar que um cinema lendário estava ali sendo registrado, mas não há necessidade dourar a pílula, tampouco fingir que não houveram tensões ao construir uma obra envolvendo tanto ego, vaidade, dinheiro e paixão de fãs.

    O reencontro de Mark Hammil com Frank Oz é bem legal, e claramente ambos se emocionaram ao se reencontrarem depois de tanto tempo. Outro momento que também consterna o publico são as partes que mostram Carrie Fisher, e o diretor acerta muito ao não tentar criar um clima solene com o fato dela não poder mais participar da franquia.

    O Diretor e o Jedi investiga a gênese não só da direção de Johnson, mas também os primórdios de seu roteiro e as idéias que o fizeram chegar a esse ponto da história, massificando a ousadia do diretor que resolveu não seguir cartilha nenhuma ao construir sua historia, avançando sobre a mitologia de Guerra Nas Estrelas sem receio de incomodar fãs, e o fato de não condescendente nem com filme nem com o artista faz com que o trabalho documental soe bastante digno e honesto em seus esforços.

    https://www.youtube.com/watch?v=MQ-5YoytZDc

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  • Review | The Flash (1990)

    Review | The Flash (1990)

    Seguindo na esteira do longa do Batman, de Tim Burton, tendo inclusive o mesmo Danny Elfman como um dos compositores da trilha sonora (junto a Shirley Walker), a série The Flash estreou em setembro de 1990, com o desconhecido John Wesley Shipp vivendo o corredor escarlate Barry Allen – ainda que na época o detentor do manto do herói fosse Wally West. A personalidade do herói reunia uma mistura de elementos de ambos, tendo a mesma profissão e pano de fundo de Allen e um pouco da personalidade engraçadinha de West.

    Como no filme protagonizado por Michael Keaton, os primeiros momentos do piloto dirigido por Robert Iscove mostram uma Central City de arquitetura baseada em elementos barrocos, além de uma direção de arte e fotografia que constroem uma aura extremamente sombria à noite, remetendo a filmes noir, curiosamente, durante o dia, parece que estamos em outra cidade.

    Trazido por Danny Bilson e Paul de Meo, através da produtora Pet Fly, essa não teria sido o único produto da dupla envolvendo personagens heroicos ou dos quadrinhos. Em 1992, os produtores também criaram Human Target, baseada nos quadrinhos de Len Wein e Carmine Infantino também da DC Comics, e um ano antes escreveram o roteiro de Rocketeer, de Joe Johnston, baseado no personagem criado por Dave Stevens. A intenção de ambos escritores sempre foi desenvolver heróis de ação, cada um com um cunho escapista diferenciado, e foi assim também com Trancers, que mais tarde ganhou algumas continuações, e que para muitos seria o precursor do Robocop. Fato é que a dupla quase nunca conseguiu dar prosseguimento a esses projetos, assim como Flash a maioria deles não se tornaram produtos longevos, exceção feita a série Viper, que teve uma versão em 94, com 10 episódios, e um revival em 97 que durou três temporadas.

    Um dos pontos mais marcantes do programa certamente é o uniforme do protagonista. A roupa que parecia feita de camurça foi projetada por Robert Short, o mesmo que assinou a maquiagem oscarizada de Os Fantasmas Se Divertem, de Tim Burton, a questão é que a maioria das cenas de ação ficavam risíveis, pois o traje brecava a mobilidade do personagem, que era conhecido por ser o mais rápido dos super-heróis. O piloto custou U$ 6,5 milhões, cada episódio 1,6 mi e o fato de ser caríssima passou a pesar contra ela, quando enfim entrou em rota de colisão com séries famosas do mesmo horário, como Cosby Show e Os Simpsons pela Fox. The Flash teve dificuldades enormes de ser vista por quem não fazia parte do nicho dos fãs de quadrinhos de super-herói.

    Já no segundo episódio, há um caso entre Dr. Carl Tanner (Stan Ivar) e Christina McGee (Amanda Pays), onde o primeiro se torna um monstro e demonstra qual é a potência visual do programa de TV. Os efeitos especiais não chegam nem perto de impressionar, são piores que os de Superman – O Filme, um filme com orçamento grande, mas que foi feito doze anos antes. Em Ghost in the Machine, nono episódio, há uma exploração temática como a de Beware the Gray Ghost da animação Batman The Animated Series, lançada anos depois, tendo em comum a brincadeira com um seriado antigo de televisão sendo esse o principal mote de ambos os capítulos. Claramente o desenho de Bruce Timm e Paul Dini referenciam este, dadas as enormes semelhanças e o clima nostálgico em ambos, além de ter uma boa base visual nos produtos noir.

    No episódio The Trickster duas coisas importantes acontecem, o retorno da detetive Megan (Joyce Hyster), personagem interessante, além de ser uma boa candidata a par romântico do herói. Mark Hammil também dá as caras como o vilão Trapaceiro. Enquanto faz o alter-ego do bandido James Jesse (ou Giovanni Giuseppe), ele é um bufão, ainda que discreto, vestido com fantasia de mágico, mas quando coloca seu traje, que aparenta muito a customização que Jim Carrey faria para o Charada, em Batman Eternamente que viria ao ar quatro anos depois, inclusive repetindo o delírio ao final, em que o vilão diz ser na verdade o herói.

    Flash tem problemas durante o programa, ele sofre com stress, tendo preocupações comuns que envolvem o fato de ter uma vida dupla. Esse tipo de questão mais adulta geralmente não era estabelecida em produtos desse gênero, e a humanização é valida, mas a  boa intenção fica só na premissa, pois não há muito aprofundamento além da citação a essas problemáticas, e só citar é muito pouco.

    Na parte final do ano, são mostrados personagens famosos, como o Capitão Frio (Michael Champion) e o Mestre dos Espelhos (David Cassidy), mas bastante distantes de suas versões dos quadrinhos e pouco dignos de nota. Em outros momentos, mostra-se alguns cientistas loucos genéricos que criam clones de Barry, só conseguindo fazer um mais bem elaborado após colherem o sangue do herói – esse trecho é bastante risível pela forma como se conduz essa coleta. A cópia de Flash é chamada de Pollux – o vilão ganha uma roupa quase idêntica ao do herói, alterando apenas as cores de vermelho para azul -, e ele foge para criar confusões em um parquinho, em uma cena que lembra o furacão que Zod causa em Superman II, ainda que aqui seja mais comedida, por conta do custo elevado da cena original.

    A maior parte das aventuras do seriado não fugiam muito do usual, até porque seria ainda mais custoso produzir uma série de quadrinhos nos anos noventa, que tinha ainda menos recursos financeiros que hoje. Tal qual As Aventuras de Lois e Clark, série romântica que iria ao ar em 1993, essa também não poderia utilizar muitos dos personagens das HQs. Tanto é assim que quando o Trapaceiro aparece, de novo, em seu julgamento, ele está utilizando seu traje de vilão, como se isso fosse algo normal. Neste ponto ele consegue ser ainda mais afetado e histriônico do que na sua primeira aparição.

    Os cenários vão ficando cada vez mais mal feitos com o aproximar do fim da série, parecem como os vistos em produções infantis da TV Cultura. Nos últimos capítulos a falta de investimento se torna ainda mais gritante pela falta de qualidade do programa quando retorna a participação de Hammil como Trapaceiro. Sua imitação do Coringa de Cesar Romero faz ele se assemelhar demais ao palhaço que protagoniza o clássico da dublagem amadora brasileira Feira da Fruta, ainda que ele não seja nada sacana e também não tenha uma personalidade realmente marcante. Seus momentos finais são vergonhosos, o que é uma pena, pois Hammil sempre foi um artista icônico.

    John Wesley Shipp tem carisma, mas só isso não sustenta uma produção como essa. As intenções por trás de The Flash são as melhores possíveis, mas na prática não se agradou a praticamente nenhum dos nichos, nem o público geral, muito menos quem acompanhava os quadrinhos na época, que normalmente, estariam ávidos por ver o Wally West escrito por Mark Waid em tela, que começava a brilhar pouco tempo depois da exibição do programa. Ao menos, no começo, Bilson e de Meo conseguiram trazer uma aura soturna sobre o personagem, mas deixou de ser funcional pelo fato do herói nunca ter tido características soturnas como as do Batman. Ele não era melancólico, e sim otimista e as vezes engraçado, e esse caráter foi pouco capturado nesta versão, ainda que Shipp se esforçasse para melhorar isto.

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  • Crítica | Star Wars: Holiday Special

    Crítica | Star Wars: Holiday Special

    SW Holiday Special 1

    Versão defenestrada por George Lucas,  misturando estilos diversos, Star Wars Holiday Especial teria “tudo” para ser considerado canônico, exceto é claro a qualidade do filme anterior. O elenco que protagonizava todo o filme premiado estava de volta, claro, em cenas isoladas, para compreender a agenda de cada um dos astros, acrescido também das curiosas criaturas, Malla, Itchy e Lumpy, mais tarde apresentados.

    A história começa com Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew) cruzando o espaço, a bordo da Millenium Falcon, para chegar ao planeta Kashyyyk, onde o Wookie comemoraria junto a sua família, o Dia da Vida, um claro equivalente ao natal terráqueo. As mudanças começam pela chamada, que inclui a nomeação do elenco, ator por ator, diferente dos créditos de toda a saga, que só elencava o cast após o término dos filmes, tradição que seria ratificada em 1980 com Império Contra Ataca.

    As criaturas que interpretam os novos personagens, citadas anteriormente, são parte da família de Chewie, e estão ávidas a espera do seu ilustre parente. O trio protagoniza cenas horrendas, na sua casa na árvore, conversando abertamente sem qualquer legenda. O cúmulo ocorre quando elas dialogam através de um holograma com Skywalker (Mark Hammil, com um penteado risível), que deixa claro não entender qualquer palavra daquele balbucio, mas que ao final, percebe que a dupla de caçadores de recompensas eram perseguidos pelo Império, claro, com cenas repetidas do primeiro filme, se valendo do orçamento anterior. O detalhe são os diálogos pífios entre o pretenso Jedi e a Senhora Wookie.

    SW Holiday Special 7

    Os absurdos começam pela programação “televisiva” que os wookies consomem, com programas de dança, de cozinha e musicais, protagonizados por humanos, que produzem cenas vergonhosas, dignas de riso em um primeiro momento, mas que se perdem dentro da sua própria comicidade, podendo causar uma sensação semelhante ao desejo por suicídio no fã mais extremista da saga. Para surpresa geral, o personagem Saun Daunn (Art Carney), o mesmo que comunicou a família que Chewie estava sendo perseguido pelos imperiais, aparece na porta da casa com os presentes natalinos, chegando ao cúmulo de pedir “bons modos” aos wookies. A sequência é fechada com uma situação catastrófica, onde o ancião Itchy (pai de Chewie) assiste a um clipe musical horroso, que seria uma versão de pornografia via hologramas imaginários, suavizados em sensualidade por ser uma produção televisiva.

    Toda a aura tosca de Holiday Special, torna-se curiosa e até charmosa, visto a vergonha que o criador da franquia tem por ela. A cultura de ódio a George Lucas torna a obra uma coqueluche rara e até abraçada por alguns fãs, que veem nela um protótipo da quantidade de absurdos que ocorreram nos filmes dos anos 90 e 2000.

    Há outras cenas com música, que ocorrem em meio a invasão do Império a cada de Chewbacca, além de inserções de cenas animadas, que claramente foram feitas para reunir os personagens dos atores que não puderam participar mais ativamente das gravações, por questões de agenda ou por simples vergonha. A explicação para a mudança de estilo, é a visualização da criança Wookie, em um visor especial, que faz ele enxergar Luke, C3PO (Anthony Daniels) e R2 (curiosamente não creditam o ator)  viajando a bordo de uma Y-Wing (fato jamais ocorrido na saga original) para interceptar a “perdida” Milenium Falcon. É dentro deste segmento que é apresentado Boba Fett, que mais tarde se tornaria em um boneco da Kenner, antes mesmo de sua aparição nos filmes. O tom de obviedade faz o personagem já ser encarado como vilão desde o começo, o que era de se esperar em uma produção tão mal feita.

    SW Holiday Special 5

    Próximo do final, ocorrem momentos ainda mais toscos, como a ida a cantina de Mos Eisley, em cenas e cenários completamente diferentes do feito no filme original, seguidos da chegada de Han e Chewie a casa do wookies, onde Solo declara a um modo tão vergonhoso, dizendo que o clã é importante para si, que Ford chega a corar de vergonha, situação piorada por não haver qualquer menção anterior a tal família, ratificando que coerência não é um pré-requisito para a produção.

    Mas o melhor certamente foi guardado para o final, onde os wookies usam túnicas vermelhas – evidentemente inúteis, já que os pelos cobrem quaisquer de suas “vergonhas” – pontuada pela chegada de Luke, Leia(Carrie Fischer), os droids e demais personagens, repetindo as músicas de John Williams, executadas ao final de Uma Nova Esperança, para permitir que Leia celebre o tal Dia da Vida, cantarolando no mesmo ritmo das canções tema, para nem meia dúzia de homens fantasiados de macacos gigantes felpudos, com fantasias tão mal feitas que certamente seus interpretes não aguentariam assumir a autoria dos personagens.

    Star Wars Holiday Special tinha um potencial tão destrutivo, que o autor da saga “caçou” todas as cópias deste produto, o que tornou a visualização do filme na íntegra um trabalho árduo, por anos, especialmente para quem não tinha o domínio da língua inglesa. Em sua curta duração, a fita consegue agredir quase todo o cânone da saga e irritar profundamente qualquer pessoa que já tenha gostado da jornada de Luke e dos outros.

  • Os Bastidores, Detalhes e As Mudanças de George Lucas em Star Wars

    Os Bastidores, Detalhes e As Mudanças de George Lucas em Star Wars

    SW George Lucas 1

    Desde 1997,  passados 20 anos da primeira vez em que a abertura da 20th Century Fox quase se mesclava com a música de John Williams e os letreiros amarelos prenunciando o intenso conflito entre rebeldes e o Império, há ainda o mesmo assombro do público com o Star Destroyer Cruzader invadindo o espaço atrás da nave Tative IV ao perceber novas mudanças em meio aos três filmes clássicos – e canônicos – de Mister George Lucas.

    O aspecto que talvez não esteja claro para o aficionado atual – ainda mais o alienado – era todo o cenário cinzento que ocorria nos anos 1970. Graças a fatores como Watergate, a Guerra do Vietnã e muitos outros eventos históricos, a maior parte do público americano consumia fitas protagonizadas por anti-heróis, homens talhados pela vida, que se valiam de drogas e bebidas para fazer aplacar a sua miséria existencial.

    Em meio a tantos outros expoentes do futuro cinema, com De Palma, Coppola, Scorsese e De Palma, Lucas surgia como um homem que apontava para outras vertentes, ainda que seu THX-1138 – tanto o curta, quanto o longa- fossem produtos da mesma depressão emocional que inspirava os seus contemporâneos, havia nele a vontade de resgatar tempos mais simples, o que o fez realizar seu American Grafitti – ou Loucuras de Verão, na tradução brasileira. No entanto, ainda faltava algo, já que o jovem diretor não gostava das interferências e intervenções que os produtores faziam em seus dois longas-metragens lançados.

    A descoberta de Joseph Campbell e seu livro O Herói de Mil Faces ajudou o contador de histórias a organizar sua epopeia, se valendo do monomito para tal, um conceito que resume a tradição retórica e oral no “contar histórias”, usando arquétipos que facilitariam o diálogo com o público, ainda que alguns desses detalhes fossem ligeiramente diferentes em Star Wars, especialmente em relação à “donzela em perigo” da Princesa Leia de Carrie Fischer, que, apesar de estar encarcerada, não era exatamente a figura feminina sem ação.

    SW George Lucas 2

    Mesmo os terríveis erros de direção, especialmente nas cenas de tiroteios, onde charmosamente se apresentavam dois droids praticamente invulneráveis – e que serviriam de alívio cômico durante três filmes e, claro, a pontaria sempre certeira da cônsul e princesa Leia Organa – traziam um extrema simpatia para a versão de 1977 de Uma Nova Esperança. Misturadas ao caráter dúbio da perseguição de Darth Vader aos resquícios da Aliança Rebelde (até então um rumor, aos olhos do poderoso governo totalitário), as coincidências convenientes se diluíram, não precisando ser desnecessariamente revistas e remontadas.

    Curioso é que George Lucas não mexeu nos erros mais crassos de seus roteiros, e sim no que poderia soar flagrante aos olhos do público mais conservador. A falta de coragem e dificuldade em seguir em frente acabaram por fazer o antes promissor cineasta se tornar um bilionário enfadado, entediado, sempre preocupado em agradar às plateias que o rejeitaram antes, em detrimento do público que sempre lhe foi fiel, e que se agigantou graças à popularidade.

    Lucas se tornaria o avesso de Luke: enquanto o jovem fazendeiro buscava a possibilidade de novas aventuras, lutando contra o status quo, seu criador faria basicamente o exercício de regurgitar o trabalho que o tornou famoso, não conseguindo sair da prisão em que ele próprio se impôs. As boas ideias de Star Wars teriam vindo de criadores mais inteligentes e experimentados, na concepção de alguns fãs ranzinzas, reunindo as intenções dignas de Kurosawa, Flash Gordon, Frank Herbert e afins.

    As dificuldades em gravar começaram pelos problemas com clima, com uma tempestade de areia terrível na Tunísia, que destruiu grande parte dos cenários de Tatooine. O caos se instaurou e por pouco a franquia não parou antes mesmo de começar, já que a maioria dos atores reclama o tempo inteiro, exceção feita a Alec Guinness, que apesar de não acreditar em nada na história, era o mais profissional e experiente do elenco.

    SW George Lucas 3

    A versão “desespecializada”, compilada a partir de rips dos Blu-rays da antiga trilogia executada por fãs inconformados com tantas mudanças em pós lançamento, faz lembrar o quão épica era a ideia inicial do jovem diretor e roteirista nascido em Modesto Califórnia. Desde a tragédia que acometeu os tios adotivos de Skywalker, até o encontro com Obi-Wan “Ben” Kenobi – que emula os grandes mestres dos samurais, ainda que seja muito mais ativo do que o costume dos homens sábios –, e, claro, o caminho até Alderaan, incluindo a recusa de Luke e aceitação de seu destino, algo já desejado antes, são elementos que deram forma aos escritos de Campbell, um manifesto que ainda não era tão banalizado quanto atualmente é.

    A burocracia tomou conta daquele universo e manifestou-se de forma brutal através do conselho que responde ao almirante Grand Moff Tarkin, de Peter Cushing, um dos homens fortes do governo tirânico e que acabou de dissolver o conselho de senadores, talvez o último bastião da antiga república. A derrubada deste era na verdade um ato simbólico, uma última desculpa que visava justificar os desmandos do autointitulado Imperador.

    Skywalker era um personagem com o caráter em formação, tão inseguro quanto seu intérprete Mark Hammil, propenso a fugas e desobediências, e até a não ceder a desaforos. Tal característica seria comum – e ainda mais exacerbada – no Han Solo de Harrison Ford, que não sequer pensa em não desferir o primeiro “golpe” em seu opositor, Greedo, ao se ver na mira da morte. A atitude mais enérgica era pouco sutil e representava a mudança mais esdrúxula e criticada por quase todos os fãs, fator que retiraria do caçador de recompensa (e cafajeste) toda a sua atitude de anti-herói arrependido. O Solo que “atira depois” seria incapaz de improvisar junto a Luke e Chewie uma invasão a uma estação espacial impenetrável, bem como planejaria raptar a senadora que já era refém. A trinca de protagonistas ganharia o acréscimo da ardilosa Leia, que, sem saída, encontra uma rota improvisada, uma atitude típica de uma inconformada política.

    A fuga da Estrela da Morte abre precedente para duas questões interrogativas, a primeira em relação ao legado de Kenobi e a segunda em relação ao grupo de rebeldes, que ao se despedir do esquadrão Rogue usa a famosa frase “que a força esteja com você”, como incentivo para os pilotos/atiradores. É sabido que a religião dos Jedi estava em desuso, praticamente sepultada após a extinção da ordem anos antes, tendo em Vader seu único remanescente, ao menos de modo oficial. Os membros da aeronáutica rebelde teriam dito aquilo como mais uma atitude de resistência, onde o apego ao Divino seria o maior ato de revolta possível, em comparação com a burocracia adotada pelos que restaram da República.

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    Paul Hirsch e Richard Chew seriam fundamentais para o sucesso da empreitada de Lucas em Star Wars. Depois de terminar suas filmagens, e após deixar a maioria dos atores decepcionados com sua direção frouxa, que basicamente pedia mais intensidade e velocidade, George Lucas se via com problemas de prazo e com um corte de filme terrível em mãos. A saída foi demitir seu então editor, que se recusava (por motivos certos) a fazer o que ele queria, e então a dupla começou a “salvá-lo”. O problema maior é que este mérito premiado no Oscar fez ele criar o hábito de agir como diretor dentro da sala de direção, e não no set, fato que se agravaria de 1999 em diante.

    O resultado das primeiras impressões da recém-criada Industrial Light and Magic era terrível, e as acusações iam desde desleixo puro e simples até o desperdício de tempo somente com substâncias ilícitas, dada a caracterização hippie da maioria dos operários. A pressão fez o cineasta acelerar ainda mais os processos, além de encontrar em Ben Burtt e sua edição de som primorosa um fator que garantisse a maior parte da alma da trilogia. O maior mérito de Lucas, aliado a persistência do produtor Alan Ladd Jr., que quase perdeu seu emprego pela Fox por causa do filme, certamente foi conseguir reunir todas essas mentes inteligentes em torno do mesmo propósito, conseguindo harmonizar tudo isso de modo que ficasse realmente lendário, tão escapista quanto ele queria no início.

    A vitória dos mambembes soldados revoltosos sobre os ditames dos poderosos e bem armados membros do reinado sombrio é simbólico, remete a uma época mais simples, de luta entre o bem e o mal, como era na época da Segunda Guerra Mundial, em que aliados e o eixo se digladiavam. O resgate a essa temática se via necessário, diante da grande depressão que os Estados Unidos passavam, fato que também fez da série Rocky um sucesso. A ressalva resulta na questão do simplismo que seria imposto ao recém criado gênero de “blockbuster”, tencionado por Tubarão de Steven Spielberg, e fundamentado neste pelo merchandising que Lucas garantiu a si antes do fechamento de contrato, expandindo o conceito que se iniciou em Planeta dos Macacos e tornando profissional a comercialização de “bonecos” e demais produtos.

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    Em 1978, George Lucas parecia ter um cuidado maior com exposição de sua marca, já que Star War Holiday Especial foi defenestrado e recolhido, execrado por ele e negado sempre que se levantava a possibilidade da obra ter existido. Para todos os efeitos de discussão a respeito do que é cânone e do que é universo expandido na franquia, uma vez que o especial continha o elenco do primeiro filme. Dois anos após, a trajetória de Luke, Leia, Han, Chewbacca e os droides prosseguiria, com o anúncio de novos personagens a serem explorados.

    O Império Contra-Ataca começa nas planícies geladas de Hoth, provando que no universo Star Wars os planetas têm normalmente um só clima. A arenosa e calorenta Tatooine fora gravada na Tunísia, enquanto o planeta gelado que servia de base para os rebeldes, localizava-se em Finse, Noruega.

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    Dois fatores ajudaram a fundamentar mudanças na franquia, primeiro, o acidente que vitimou Hammil, deformando seu rosto, e outro dentro da própria trama, com o tema Marcha Imperial estreando, no que é possivelmente o maior marco musical de toda a saga. A entrega do roteiro nas mãos de Leigh Brackett e Lawrence Kasdan foi uma saída excelente, bem como a direção de Irvin Kershner, que suplanta muito bem os defeitos de George Lucas em ambos os aspectos. É na abordagem do trio que acontecem as cenas com maior tensão sexual da saga, entre Solo e Organa, além da lendária figura do mentor, vista na diminuta criatura que se apresenta para Luke.

    Dagobah serve de avatar da caverna de preparação do herói, o lugar para onde o protagonista recorre a fim de acumular conhecimento e se preparar para a grande batalha. Luke é um aluno arredio, complicado e incrédulo; possui vícios como a teimosia e arrogância, que não ficavam tão gritantes antes, mas que em ambiente isolado pioram demais. Com Yoda, Skywalker percebe que seu pior inimigo é ele mesmo, e ainda assim se deixa levar pela pressa e pela aproximação do perigo. A imprudência o faz agir instintivamente, indo atrás de seus amigos emboscados.

    A figura criada por Stuart Freeborn teria que ser mais convincente do que qualquer ator humano, e a liga de plástico só fez sentido graças ao ótimo manuseio de Frank Oz, que trazia sua experiência em Muppets para orquestrar um mestre zen esverdeado, diferente de tudo o que já existia. As lições de Yoda ecoariam pela eternidade, no personagem mais inspirado pensado por Lucas – ao menos no lado do Bem.

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    Grande parte dos méritos do segundo filme se dá pela distância de seu criador, que procurava outras locações. A bifurcação da trama, dividindo as ações em duas frentes, se assemelhava à divisão da Sociedade do Anel, no livro As Duas Torres, de J. R. R. Tolkien. Toda a parte passada em Bespin faz discutir as intenções de Han Solo, especialmente por compará-lo com o caráter de seu antigo amigo e aliado, Lando Calrissian (Billy Dee Williams), um antigo apostador que, por ter se “endireitado”, teme perder seus feitos.

    O roteiro de Empire Strikes Back é formado por sucessivos movimentos de traição, primeiro de Lando com Solo, depois, Lando com os lacaios de Vader – evidentemente por arrependimento, dada a quebra do acordo entre ambos – depois, no discurso do Darth junto ao seu filho, tencionando juntar as forças familiares contra o Imperador. A motivação dos personagens é carregada de duplicidade de pensamento e incertezas, gerando uma carga de ambiguidade até então desconhecida pelo maniqueísta projeto inicial. Além disso, o suspense e a tragédia são muito presentes nos momentos finais, deixando em aberto a sensação de que as forças malignas venceram, sem mais espaço para o otimismo desenfreado da encarnação anterior.

    Apesar da relação antiga entre Kershner e Lucas ser baseada no mesmo mote visto entre Obi-Wan e Luke, a cisão ocorreu, com acusações de “ruína do filme”, atrelada às mudanças que Kershner havia feito dentro da trama. Envolvido com outros aspectos da produção, o cineasta decidiu por seguir na descentralização de funções. A saída obrigatória do nome de Lucas do quadro do sindicato de roteiristas e diretores, se fez como represália à realização de seu filme de modo independente. O ressentimento por ter a audácia retribuída com isso fez com que Lucas se isolasse ainda mais, tendo de abrir mão de ter Spielberg como diretor, optando então por Richard Marquand, o mesmo de O Buraco da Agulha, baseado no livro de Ken Follet.

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    O Retorno de Jedi se inicia com o anúncio de que o Imperador visitará as instalações da nova Estrela da Morte – ainda em construção – e claro, o retorno da aventura a Tatooine, para encontrar Jabba the Hutt, que tem em seu poder o Capitão Solo, preso em carbonita, argumento utilizado no filme anterior para o caso de Ford não aceitar renovar seu contrato.

    A exploração do submundo de crimes de Tatooine é interessante, mostrando uma nova gama de personagens e criaturas, com um conjunto estranhíssimo de alienígenas, fato que deixa ainda mais claro o intenso racismo do Império, visto que quase não há criaturas não-humanas nas fileiras do exército dos poderosos, somente nas bordas da galáxias, nos subúrbios do universo.

    Outro ponto curioso é notar a evolução postural de Luke, tão convincente que se faz perguntar se ele não retornou ao planeta pantanoso nesse meio tempo. Fator destacável é a fraqueza de mente dos subalternos de Jabba, quase todos facilmente manipuláveis, exceção feita ao próprio chefão do crime e ao caçador de recompensas de visual interessante Boba Fett. A fragilidade é tanta dentro da instituição que a maioria dos personagens se infiltra sem quase dificuldade nenhuma,

    O decréscimo de qualidade é bastante notado, desde a descida de Skywalker a Dagobah, onde o antigo “mestre zen” está convalescendo, se despedindo melancolicamente do seu aluno, até a conclusão de que o treinamento que jamais foi findado, não o será graças a esta saída – metalinguagem para a decadência cinematográfico do tomo anterior para este. A aura de Retorno é muito mais sombria, não no aspecto fotografia, mas sim dos figurinos. O traje de Luke é negro, sua nova espada reluzente é esverdeada, e quase todos os cenários onde está são repletos de lodo e escuridão, mesmo quando está na lua de Endor.

    A problemática ocorre graças a gravidade das circunstâncias, algo que claramente poderia ser maior, tendo seu teor banalizado pelas aventuras semi-infantis com o ewoks, os “ursinhos irracionais” capazes de preparar armadilhas para os generais rebeldes e as tropas imperiais. É neste filme também que as cenas de amor constrangedoras começam a ocorrer, ainda que sejam muito menos incômodas do que nos filmes dos anos 2000.

    Outro fator complicado é a desnecessário sexualização de Carrie Fischer de sua personagem. Leia era uma personagem forte, feminina e operante no espectro político, tinha argumentos e justificativas corretas em relação à revolução e no debate da democracia. Se algo funcionava no confuso cenário de Star Wars, transformá-la em um bibelô, vestido em um biquíni dourado, faria ser lembrada mais por isso do que, por exemplo, ter sido ideia dela a fuga bem-sucedida da Estrela da Morte, e ainda seria motivo de piada em filmes B como Mortal Kombat. A diminuição da personagem é de uma covardia sem escrúpulos, fruto de uma ação provavelmente mal pensada da parte dos roteiristas, que não percebiam o sexismo bobo em que enfiavam a personagem, mesmo que tal ato tenha vindo de uma figura nojenta com Jabba.

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    Para compensar tal problema, há a construção da batalha espacial, entre a resistência e o poderoso governo tirânico. Um dos argumentos que justifica a construção tosca do ideário dos rebeldes é a tentativa de fortalecer a figura do Imperador interpretado por Ian McDiarmid, fortificando a teoria de que o Império só poderia perder para ele mesmo, e que o acerto dos “mocinhos” só ocorreu pela arrogância dos opositores, factoide que teoriza um dos motes principais de O Despertar da Força, e que serviu de base para inúmeras aventuras no Universo Expandido posterior à trilogia clássica.

    Star Wars é uma saga familiar, trata dos dramas caros a Anakin e Luke Skywalker, ao contrário do que foi vendido pela “nova” trilogia, de que seria a trajetória trôpega de um jedi que passou por ambos os lados da Força. A vitória final é em conjunto, entre Vader e seu filho, com o Darth derrotando seu antigo mestre, dando finalmente a chance aos revoltosos de acertar o âmago do seu inimigo. Mesmo os finais adocicados e cafonas, reunindo os aventureiros em torno da lua, não fazem o sacrifício dos personagens perder a força simbólica que ostentam. O fechamento da saga merecia um final melhor, o que motivou claramente Lucas a rever tudo, modificar o que achava equivocado, montando  equívocos ainda maiores para criar prequels tão fracassadas quanto os spin-offs focados nos ewoks. A força da trilogia original é tão grande que suplanta mesmo esses delitos e transgressões por parte de seu criador, que claramente tem problemas em perceber que sua história não pertence mas a si, e sim ao público que o fez rico, que trata de forma cara seu objeto de idolatria, e que segue mantendo carinho em um objeto que maltratou demais seus apreciadores, mas que prossegue vivo, claro, graças ao selvagem capitalismo visto nos produtos derivados. A obra se mantém ainda viva graças à magia da fábula que Campbell previu.

    A Força sobrevive, apesar de midi-chlorians, corridas de pods e piadas, além do Universo Expandido, subsistindo, há muito tempo, em uma galáxia distante e no ideário de seus devotos.

    Leia nosso especial sobre Star Wars.