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  • Os Bastidores, Detalhes e As Mudanças de George Lucas em Star Wars

    Os Bastidores, Detalhes e As Mudanças de George Lucas em Star Wars

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    Desde 1997,  passados 20 anos da primeira vez em que a abertura da 20th Century Fox quase se mesclava com a música de John Williams e os letreiros amarelos prenunciando o intenso conflito entre rebeldes e o Império, há ainda o mesmo assombro do público com o Star Destroyer Cruzader invadindo o espaço atrás da nave Tative IV ao perceber novas mudanças em meio aos três filmes clássicos – e canônicos – de Mister George Lucas.

    O aspecto que talvez não esteja claro para o aficionado atual – ainda mais o alienado – era todo o cenário cinzento que ocorria nos anos 1970. Graças a fatores como Watergate, a Guerra do Vietnã e muitos outros eventos históricos, a maior parte do público americano consumia fitas protagonizadas por anti-heróis, homens talhados pela vida, que se valiam de drogas e bebidas para fazer aplacar a sua miséria existencial.

    Em meio a tantos outros expoentes do futuro cinema, com De Palma, Coppola, Scorsese e De Palma, Lucas surgia como um homem que apontava para outras vertentes, ainda que seu THX-1138 – tanto o curta, quanto o longa- fossem produtos da mesma depressão emocional que inspirava os seus contemporâneos, havia nele a vontade de resgatar tempos mais simples, o que o fez realizar seu American Grafitti – ou Loucuras de Verão, na tradução brasileira. No entanto, ainda faltava algo, já que o jovem diretor não gostava das interferências e intervenções que os produtores faziam em seus dois longas-metragens lançados.

    A descoberta de Joseph Campbell e seu livro O Herói de Mil Faces ajudou o contador de histórias a organizar sua epopeia, se valendo do monomito para tal, um conceito que resume a tradição retórica e oral no “contar histórias”, usando arquétipos que facilitariam o diálogo com o público, ainda que alguns desses detalhes fossem ligeiramente diferentes em Star Wars, especialmente em relação à “donzela em perigo” da Princesa Leia de Carrie Fischer, que, apesar de estar encarcerada, não era exatamente a figura feminina sem ação.

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    Mesmo os terríveis erros de direção, especialmente nas cenas de tiroteios, onde charmosamente se apresentavam dois droids praticamente invulneráveis – e que serviriam de alívio cômico durante três filmes e, claro, a pontaria sempre certeira da cônsul e princesa Leia Organa – traziam um extrema simpatia para a versão de 1977 de Uma Nova Esperança. Misturadas ao caráter dúbio da perseguição de Darth Vader aos resquícios da Aliança Rebelde (até então um rumor, aos olhos do poderoso governo totalitário), as coincidências convenientes se diluíram, não precisando ser desnecessariamente revistas e remontadas.

    Curioso é que George Lucas não mexeu nos erros mais crassos de seus roteiros, e sim no que poderia soar flagrante aos olhos do público mais conservador. A falta de coragem e dificuldade em seguir em frente acabaram por fazer o antes promissor cineasta se tornar um bilionário enfadado, entediado, sempre preocupado em agradar às plateias que o rejeitaram antes, em detrimento do público que sempre lhe foi fiel, e que se agigantou graças à popularidade.

    Lucas se tornaria o avesso de Luke: enquanto o jovem fazendeiro buscava a possibilidade de novas aventuras, lutando contra o status quo, seu criador faria basicamente o exercício de regurgitar o trabalho que o tornou famoso, não conseguindo sair da prisão em que ele próprio se impôs. As boas ideias de Star Wars teriam vindo de criadores mais inteligentes e experimentados, na concepção de alguns fãs ranzinzas, reunindo as intenções dignas de Kurosawa, Flash Gordon, Frank Herbert e afins.

    As dificuldades em gravar começaram pelos problemas com clima, com uma tempestade de areia terrível na Tunísia, que destruiu grande parte dos cenários de Tatooine. O caos se instaurou e por pouco a franquia não parou antes mesmo de começar, já que a maioria dos atores reclama o tempo inteiro, exceção feita a Alec Guinness, que apesar de não acreditar em nada na história, era o mais profissional e experiente do elenco.

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    A versão “desespecializada”, compilada a partir de rips dos Blu-rays da antiga trilogia executada por fãs inconformados com tantas mudanças em pós lançamento, faz lembrar o quão épica era a ideia inicial do jovem diretor e roteirista nascido em Modesto Califórnia. Desde a tragédia que acometeu os tios adotivos de Skywalker, até o encontro com Obi-Wan “Ben” Kenobi – que emula os grandes mestres dos samurais, ainda que seja muito mais ativo do que o costume dos homens sábios –, e, claro, o caminho até Alderaan, incluindo a recusa de Luke e aceitação de seu destino, algo já desejado antes, são elementos que deram forma aos escritos de Campbell, um manifesto que ainda não era tão banalizado quanto atualmente é.

    A burocracia tomou conta daquele universo e manifestou-se de forma brutal através do conselho que responde ao almirante Grand Moff Tarkin, de Peter Cushing, um dos homens fortes do governo tirânico e que acabou de dissolver o conselho de senadores, talvez o último bastião da antiga república. A derrubada deste era na verdade um ato simbólico, uma última desculpa que visava justificar os desmandos do autointitulado Imperador.

    Skywalker era um personagem com o caráter em formação, tão inseguro quanto seu intérprete Mark Hammil, propenso a fugas e desobediências, e até a não ceder a desaforos. Tal característica seria comum – e ainda mais exacerbada – no Han Solo de Harrison Ford, que não sequer pensa em não desferir o primeiro “golpe” em seu opositor, Greedo, ao se ver na mira da morte. A atitude mais enérgica era pouco sutil e representava a mudança mais esdrúxula e criticada por quase todos os fãs, fator que retiraria do caçador de recompensa (e cafajeste) toda a sua atitude de anti-herói arrependido. O Solo que “atira depois” seria incapaz de improvisar junto a Luke e Chewie uma invasão a uma estação espacial impenetrável, bem como planejaria raptar a senadora que já era refém. A trinca de protagonistas ganharia o acréscimo da ardilosa Leia, que, sem saída, encontra uma rota improvisada, uma atitude típica de uma inconformada política.

    A fuga da Estrela da Morte abre precedente para duas questões interrogativas, a primeira em relação ao legado de Kenobi e a segunda em relação ao grupo de rebeldes, que ao se despedir do esquadrão Rogue usa a famosa frase “que a força esteja com você”, como incentivo para os pilotos/atiradores. É sabido que a religião dos Jedi estava em desuso, praticamente sepultada após a extinção da ordem anos antes, tendo em Vader seu único remanescente, ao menos de modo oficial. Os membros da aeronáutica rebelde teriam dito aquilo como mais uma atitude de resistência, onde o apego ao Divino seria o maior ato de revolta possível, em comparação com a burocracia adotada pelos que restaram da República.

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    Paul Hirsch e Richard Chew seriam fundamentais para o sucesso da empreitada de Lucas em Star Wars. Depois de terminar suas filmagens, e após deixar a maioria dos atores decepcionados com sua direção frouxa, que basicamente pedia mais intensidade e velocidade, George Lucas se via com problemas de prazo e com um corte de filme terrível em mãos. A saída foi demitir seu então editor, que se recusava (por motivos certos) a fazer o que ele queria, e então a dupla começou a “salvá-lo”. O problema maior é que este mérito premiado no Oscar fez ele criar o hábito de agir como diretor dentro da sala de direção, e não no set, fato que se agravaria de 1999 em diante.

    O resultado das primeiras impressões da recém-criada Industrial Light and Magic era terrível, e as acusações iam desde desleixo puro e simples até o desperdício de tempo somente com substâncias ilícitas, dada a caracterização hippie da maioria dos operários. A pressão fez o cineasta acelerar ainda mais os processos, além de encontrar em Ben Burtt e sua edição de som primorosa um fator que garantisse a maior parte da alma da trilogia. O maior mérito de Lucas, aliado a persistência do produtor Alan Ladd Jr., que quase perdeu seu emprego pela Fox por causa do filme, certamente foi conseguir reunir todas essas mentes inteligentes em torno do mesmo propósito, conseguindo harmonizar tudo isso de modo que ficasse realmente lendário, tão escapista quanto ele queria no início.

    A vitória dos mambembes soldados revoltosos sobre os ditames dos poderosos e bem armados membros do reinado sombrio é simbólico, remete a uma época mais simples, de luta entre o bem e o mal, como era na época da Segunda Guerra Mundial, em que aliados e o eixo se digladiavam. O resgate a essa temática se via necessário, diante da grande depressão que os Estados Unidos passavam, fato que também fez da série Rocky um sucesso. A ressalva resulta na questão do simplismo que seria imposto ao recém criado gênero de “blockbuster”, tencionado por Tubarão de Steven Spielberg, e fundamentado neste pelo merchandising que Lucas garantiu a si antes do fechamento de contrato, expandindo o conceito que se iniciou em Planeta dos Macacos e tornando profissional a comercialização de “bonecos” e demais produtos.

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    Em 1978, George Lucas parecia ter um cuidado maior com exposição de sua marca, já que Star War Holiday Especial foi defenestrado e recolhido, execrado por ele e negado sempre que se levantava a possibilidade da obra ter existido. Para todos os efeitos de discussão a respeito do que é cânone e do que é universo expandido na franquia, uma vez que o especial continha o elenco do primeiro filme. Dois anos após, a trajetória de Luke, Leia, Han, Chewbacca e os droides prosseguiria, com o anúncio de novos personagens a serem explorados.

    O Império Contra-Ataca começa nas planícies geladas de Hoth, provando que no universo Star Wars os planetas têm normalmente um só clima. A arenosa e calorenta Tatooine fora gravada na Tunísia, enquanto o planeta gelado que servia de base para os rebeldes, localizava-se em Finse, Noruega.

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    Dois fatores ajudaram a fundamentar mudanças na franquia, primeiro, o acidente que vitimou Hammil, deformando seu rosto, e outro dentro da própria trama, com o tema Marcha Imperial estreando, no que é possivelmente o maior marco musical de toda a saga. A entrega do roteiro nas mãos de Leigh Brackett e Lawrence Kasdan foi uma saída excelente, bem como a direção de Irvin Kershner, que suplanta muito bem os defeitos de George Lucas em ambos os aspectos. É na abordagem do trio que acontecem as cenas com maior tensão sexual da saga, entre Solo e Organa, além da lendária figura do mentor, vista na diminuta criatura que se apresenta para Luke.

    Dagobah serve de avatar da caverna de preparação do herói, o lugar para onde o protagonista recorre a fim de acumular conhecimento e se preparar para a grande batalha. Luke é um aluno arredio, complicado e incrédulo; possui vícios como a teimosia e arrogância, que não ficavam tão gritantes antes, mas que em ambiente isolado pioram demais. Com Yoda, Skywalker percebe que seu pior inimigo é ele mesmo, e ainda assim se deixa levar pela pressa e pela aproximação do perigo. A imprudência o faz agir instintivamente, indo atrás de seus amigos emboscados.

    A figura criada por Stuart Freeborn teria que ser mais convincente do que qualquer ator humano, e a liga de plástico só fez sentido graças ao ótimo manuseio de Frank Oz, que trazia sua experiência em Muppets para orquestrar um mestre zen esverdeado, diferente de tudo o que já existia. As lições de Yoda ecoariam pela eternidade, no personagem mais inspirado pensado por Lucas – ao menos no lado do Bem.

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    Grande parte dos méritos do segundo filme se dá pela distância de seu criador, que procurava outras locações. A bifurcação da trama, dividindo as ações em duas frentes, se assemelhava à divisão da Sociedade do Anel, no livro As Duas Torres, de J. R. R. Tolkien. Toda a parte passada em Bespin faz discutir as intenções de Han Solo, especialmente por compará-lo com o caráter de seu antigo amigo e aliado, Lando Calrissian (Billy Dee Williams), um antigo apostador que, por ter se “endireitado”, teme perder seus feitos.

    O roteiro de Empire Strikes Back é formado por sucessivos movimentos de traição, primeiro de Lando com Solo, depois, Lando com os lacaios de Vader – evidentemente por arrependimento, dada a quebra do acordo entre ambos – depois, no discurso do Darth junto ao seu filho, tencionando juntar as forças familiares contra o Imperador. A motivação dos personagens é carregada de duplicidade de pensamento e incertezas, gerando uma carga de ambiguidade até então desconhecida pelo maniqueísta projeto inicial. Além disso, o suspense e a tragédia são muito presentes nos momentos finais, deixando em aberto a sensação de que as forças malignas venceram, sem mais espaço para o otimismo desenfreado da encarnação anterior.

    Apesar da relação antiga entre Kershner e Lucas ser baseada no mesmo mote visto entre Obi-Wan e Luke, a cisão ocorreu, com acusações de “ruína do filme”, atrelada às mudanças que Kershner havia feito dentro da trama. Envolvido com outros aspectos da produção, o cineasta decidiu por seguir na descentralização de funções. A saída obrigatória do nome de Lucas do quadro do sindicato de roteiristas e diretores, se fez como represália à realização de seu filme de modo independente. O ressentimento por ter a audácia retribuída com isso fez com que Lucas se isolasse ainda mais, tendo de abrir mão de ter Spielberg como diretor, optando então por Richard Marquand, o mesmo de O Buraco da Agulha, baseado no livro de Ken Follet.

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    O Retorno de Jedi se inicia com o anúncio de que o Imperador visitará as instalações da nova Estrela da Morte – ainda em construção – e claro, o retorno da aventura a Tatooine, para encontrar Jabba the Hutt, que tem em seu poder o Capitão Solo, preso em carbonita, argumento utilizado no filme anterior para o caso de Ford não aceitar renovar seu contrato.

    A exploração do submundo de crimes de Tatooine é interessante, mostrando uma nova gama de personagens e criaturas, com um conjunto estranhíssimo de alienígenas, fato que deixa ainda mais claro o intenso racismo do Império, visto que quase não há criaturas não-humanas nas fileiras do exército dos poderosos, somente nas bordas da galáxias, nos subúrbios do universo.

    Outro ponto curioso é notar a evolução postural de Luke, tão convincente que se faz perguntar se ele não retornou ao planeta pantanoso nesse meio tempo. Fator destacável é a fraqueza de mente dos subalternos de Jabba, quase todos facilmente manipuláveis, exceção feita ao próprio chefão do crime e ao caçador de recompensas de visual interessante Boba Fett. A fragilidade é tanta dentro da instituição que a maioria dos personagens se infiltra sem quase dificuldade nenhuma,

    O decréscimo de qualidade é bastante notado, desde a descida de Skywalker a Dagobah, onde o antigo “mestre zen” está convalescendo, se despedindo melancolicamente do seu aluno, até a conclusão de que o treinamento que jamais foi findado, não o será graças a esta saída – metalinguagem para a decadência cinematográfico do tomo anterior para este. A aura de Retorno é muito mais sombria, não no aspecto fotografia, mas sim dos figurinos. O traje de Luke é negro, sua nova espada reluzente é esverdeada, e quase todos os cenários onde está são repletos de lodo e escuridão, mesmo quando está na lua de Endor.

    A problemática ocorre graças a gravidade das circunstâncias, algo que claramente poderia ser maior, tendo seu teor banalizado pelas aventuras semi-infantis com o ewoks, os “ursinhos irracionais” capazes de preparar armadilhas para os generais rebeldes e as tropas imperiais. É neste filme também que as cenas de amor constrangedoras começam a ocorrer, ainda que sejam muito menos incômodas do que nos filmes dos anos 2000.

    Outro fator complicado é a desnecessário sexualização de Carrie Fischer de sua personagem. Leia era uma personagem forte, feminina e operante no espectro político, tinha argumentos e justificativas corretas em relação à revolução e no debate da democracia. Se algo funcionava no confuso cenário de Star Wars, transformá-la em um bibelô, vestido em um biquíni dourado, faria ser lembrada mais por isso do que, por exemplo, ter sido ideia dela a fuga bem-sucedida da Estrela da Morte, e ainda seria motivo de piada em filmes B como Mortal Kombat. A diminuição da personagem é de uma covardia sem escrúpulos, fruto de uma ação provavelmente mal pensada da parte dos roteiristas, que não percebiam o sexismo bobo em que enfiavam a personagem, mesmo que tal ato tenha vindo de uma figura nojenta com Jabba.

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    Para compensar tal problema, há a construção da batalha espacial, entre a resistência e o poderoso governo tirânico. Um dos argumentos que justifica a construção tosca do ideário dos rebeldes é a tentativa de fortalecer a figura do Imperador interpretado por Ian McDiarmid, fortificando a teoria de que o Império só poderia perder para ele mesmo, e que o acerto dos “mocinhos” só ocorreu pela arrogância dos opositores, factoide que teoriza um dos motes principais de O Despertar da Força, e que serviu de base para inúmeras aventuras no Universo Expandido posterior à trilogia clássica.

    Star Wars é uma saga familiar, trata dos dramas caros a Anakin e Luke Skywalker, ao contrário do que foi vendido pela “nova” trilogia, de que seria a trajetória trôpega de um jedi que passou por ambos os lados da Força. A vitória final é em conjunto, entre Vader e seu filho, com o Darth derrotando seu antigo mestre, dando finalmente a chance aos revoltosos de acertar o âmago do seu inimigo. Mesmo os finais adocicados e cafonas, reunindo os aventureiros em torno da lua, não fazem o sacrifício dos personagens perder a força simbólica que ostentam. O fechamento da saga merecia um final melhor, o que motivou claramente Lucas a rever tudo, modificar o que achava equivocado, montando  equívocos ainda maiores para criar prequels tão fracassadas quanto os spin-offs focados nos ewoks. A força da trilogia original é tão grande que suplanta mesmo esses delitos e transgressões por parte de seu criador, que claramente tem problemas em perceber que sua história não pertence mas a si, e sim ao público que o fez rico, que trata de forma cara seu objeto de idolatria, e que segue mantendo carinho em um objeto que maltratou demais seus apreciadores, mas que prossegue vivo, claro, graças ao selvagem capitalismo visto nos produtos derivados. A obra se mantém ainda viva graças à magia da fábula que Campbell previu.

    A Força sobrevive, apesar de midi-chlorians, corridas de pods e piadas, além do Universo Expandido, subsistindo, há muito tempo, em uma galáxia distante e no ideário de seus devotos.

    Leia nosso especial sobre Star Wars.

  • Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força

    Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força

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    A franquia Star Wars talvez seja a maior e mais bem sucedida do cinema. Com o lançamento de Uma Nova Esperança, em 1977, O Império Contra-Ataca, de 1980 e O Retorno de Jedi, em 1983, a saga criada por George Lucas se solidificou de forma poderosa, mudando para sempre a maneira de fazer cinema, devido ao seu pioneirismo nos efeitos especiais, principalmente, além de espetaculares cenas de ação que envolviam batalhas travadas no espaço. A história do jovem órfão Luke Skywalker que, de repente, se vê no meio do embate entre a Aliança Rebelde contra o temido Império Galático, ao lado de icônicos personagens como Han Solo, Chewbacca, Princesa Leia, os simpáticos C-3PO e R2-D2 e o temido Darth Vader, angariou uma horda de fãs espalhados pelo mundo todo. E é assim até hoje.

    No final dos anos 90, para deleite dos fãs, Lucas resolveu mostrar ao mundo como a Galáxia foi dominada pelo Império. Novamente centrando toda carga em cima de um membro da família Skywalker, o resultado foi desastroso. O diretor também foi responsável pelos roteiros e, novamente, foi pioneiro ao usar câmeras digitais, porém, deu um tiro no próprio pé, ao dar uma ênfase maior ao visual, se esquecendo quase que por completo da história. Não adiantou muito contar o que todo mundo já sabia sem ter diálogos ou situações que se sustentassem por si só. Assim, A Ameaça Fantasma, O Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith são considerados pelos mais velhos uma mancha na história da franquia.

    Desde o começo, Lucas planejou três trilogias para contar a história da família Skywalker, uma terceira parte que nunca sairia do papel, deixando para os fãs imaginarem o que teria acontecido com os personagens. Contudo, antes mesmo da trilogia prequel, liberou os direitos da história para que o escritor Timothy Zahn desse continuidade à história que se passava alguns anos depois de O Retorno de Jedi.

    Foi então que o inesperado aconteceu. No final de outubro de 2012, a Disney anunciou a compra de todo o grupo da Lucasfilm e, neste mesmo anúncio, foi dada a notícia que, enfim, veríamos na tela do cinema os Episódios VII, VIII e IX, além de filmes derivados. Obviamente a notícia, além de cair como uma bomba na indústria, trouxe mais perguntas do que respostas. Perguntas respondidas aos poucos até a estreia de Star Wars – O Despertar da Força.

    J.J. Abrams foi o encarregado de dar vida ao Episódio VII. Porém, o diretor tinha uma bomba nas mãos: o roteiro de Michael Arndt não era bom o suficiente, além de parecer que o escritor quis desenvolver uma nova história em vez de trazer de volta os velhos conhecidos dos fãs, o que obrigou Abrams a substituir Arndt por Lawrence Kasdan, roteirista de O Império Contra-Ataca e O Retorno de Jedi. Com isso, aos poucos, foi ganhando a confiança dos fãs, o suficiente para que a frase “in J.J. we trust” fosse replicada pela internet. Contudo, Abrams tinha um prazo apertadíssimo nas mãos para faze-lo da forma merecida, com efeitos práticos e uma história justa tanto para aqueles que amam a franquia, quanto para os novos espectadores.

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    Seguindo a “fórmula” das duas trilogias anteriores, o trio de protagonistas foi composto por novatos. A atriz britânica Daisy Ridley nunca tinha atuado em um longa metragem, John Boyega tinha em seu currículo o bom Ataque ao Prédio, cabendo a Oscar Isaac o posto de “veterano” por ser mais conhecido do público. No lado dos antagonistas, temos o ótimo Andi Serkis, Domhnall Gleeson e Adam Driver. O time se junta com Mark Hamill, Carrie Fisher, Harrison Ford, Anthony Daniels e Peter Mayhew, deixando o filme com excesso de personagens, prejudicando, de certa forma, a aparição e o tempo de tela de certos alguns destes.

    Em que pese os créditos iniciais focarem a história no desaparecimento de Luke Skywalker (Hamill), fica claro que a protagonista de O Despertar da Força é Rey (Ridley), uma jovem deixada por sua família no planeta Jakku. Enquanto seus familiares não retornam, Rey sobrevive precariamente no planeta desértico recolhendo sucata em troca de pouca comida como forma de pagamento. O caminho de Rey cruza com BB-8, o robô do piloto da Resistência, Poe Dameron (Isaac). O droide fugindo de um ataque da Primeira Ordem, liderado por Kylo Ren (Driver), esconde informações importantíssimas sobre o paradeiro de Luke Skywalker. A semelhança com Uma Nova Esperança é notória, mas, em momento algum prejudica o desenvolvimento da trama, sendo que em paralelo a estes acontecimentos, também somos apresentados a FN-2187 (Boyega), um stormtrooper sem nome e sem propósito algum para lutar pela Primeira Ordem e que mais tarde é batizado de Finn.

    O primeiro ato é marcado pela química entre os 3 novos protagonistas que funciona bastante. Dameron é cínico e sarcástico, mas de bom coração, Finn é o responsável pelo lado lúdico que a franquia sempre adotou (mas sem soar chato) e Rey é o destaque do filme. Sabe pilotar qualquer veículo, além de ser muito inteligente e conhecer tudo sobre mecânica.

    Demora um pouco para vermos os personagens antigos, porém, a espera vale cada centavo gasto na sala do cinema. Embora a aparição da dupla Han Solo (Ford) e Chewbacca (que não envelheceu um ano sequer, vivido novamente por Peter Mayhew) seja por conta de uma coincidência difícil de acreditar, considerando o tamanho da galáxia (um dos pontos preguiçosos do roteiro), pôde-se perceber que muita coisa mudou desde O Retorno de Jedi. Fato comprovado quando Rey pergunta se o mercenário em cena era Han Solo, a resposta é clara: “eu costumava ser” e a situação a seguir é um divertido momento do filme mostrando um Han Solo mercenário, algo que o espectador nunca tinha visto na prática. Com certeza teremos mais momentos assim se seu filme solo for confirmado.

    Se o lado da Resistência segue na busca por Luke Skywalker, também é esse o objetivo da Primeira Ordem. Aliás, o resquício do Império é um dos pontos mal trabalhados no filme, o que deixa claro que os personagens da Resistência tiveram mais atenção do que os da Primeira Ordem que aparenta ser mais poderosa e mais organizada quando da época do Imperador Palpatine. Aqui, temos a liderança do General Hux (Gleeson, frio, sem nenhum carisma), o cavaleiro Kylo Ren, ambos liderados pelo misterioso Supremo Líder Snoke (Serkis), que ganha este adjetivo por simplesmente ser uma incógnita, uma vez que não faz sentido algum termos um personagem com a magnitude que aparenta ter. Também está presente a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), uma stormtrooper imponente com sua armadura cromada, bastante adorada pelos fãs nos trailers, mas que foi uma decepção. A participação de Phasma chega a ser pior que as presenças descartáveis de Bobba Fett e Darth Maul nos filmes anteriores.

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    Kylo Ren é um destaque à parte. Devoto de Darth Vader, jurou destruir o último Jedi e terminar o que Vader começou. O cavaleiro que não pode ser considerado um Sith é poderoso no uso da Força e não pensa duas vezes em se exibir. O curioso é que Kylo ainda é um tanto quanto cru e demonstra não ter habilidade suficiente com seu sabre de luz, além de ser tão jovem quanto Rey nos momentos em que aparece sem sua máscara.

    A história faz um longo desvio do caminho percorrido por Uma Nova Esperança quando a personagem de Lupita Nyong’o, Mas Kanata, surge em tela. A agradável e milenar alienígena consegue enxergar através dos olhos das pessoas e se torna responsável por esclarecer algumas coisas à Rey, o que faz com que a trama tome um belo caminho, enchendo os olhos de quem assiste, preparando um terceiro ato grandioso, repleto de momentos incríveis, ainda que retorne ao paralelo do filme original.

    O Despertar da Força é repleto de ótimos momentos, tanto do que diz respeito às situações mais engraçadas, quanto nos momentos de ação, bem como de tensão. A perseguição de um caça Tie Fighter à Millennium Falcon faz com que você se agarre na cadeira. – podemos perceber que a equipe da ILM – Industrial Light And Magic teve um cuidado especial com a Falcon (uma nave respeitada inclusive pelos membros da Primeira Ordem). Embora Star Wars não respeite as leis da física, é fácil perceber que a nave de Han Solo é bem mais pesada que o Tie Fighter, fazendo esses e outros pequenos detalhes arrancarem sorrisos tímidos vez ou outra.

    A expectativa cresce quando os personagens clássicos entram em cena. A sensação de nostalgia percorre toda a fita. O veterano e mestre John Williams, mais uma vez, é responsável pela ótima trilha sonora, e assim como em todos os filmes, traz uma trilha original onde busca, em alguns momentos, revisar seus clássicos imortalizados na primeira trilogia. O departamento de arte e o design de produção também são certeiros. As naves que todos conhecemos estão lá, assim como o posicionamento das câmeras, tomadas, ângulos e principalmente nos cockpits dos X-Wings e dos Tie Fighters. O mesmo podemos falar das roupas dos personagens. Como Han Solo diz, sua jaqueta é nova, mas podemos perceber sua clássica camisa branca, sua calça militar e seu cinto com o coldre são os mesmos.

    Embora seja um filme de J.J. Abrams, Star Wars – O Despertar da Força, não é um típico filme do diretor, que procurou de forma respeitosa manter o legado brilhante criado por George Lucas. O resultado é um ótimo filme, repleto de ótimos personagens em uma história divertida, cheia de ação e principalmente emocionante. Promovendo mais um marco cinematográfico e apontando novos caminhos para o universo desta galáxia muito, muito distante.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança

    Crítica | Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança

    Star Wars - Episodio IV - Uma Nova Esperança

    A Teoria do Caos é uma das leis mais importantes do nosso universo. Presente em tudo que nos cerca, faz com que uma mudança na trajetória de um evento altere completamente seu final, podendo trazer as mais variadas e imprevisíveis consequências. E foi da Teoria do Caos que nasceu o Efeito Borboleta, estudo promovido e comprovado pelo meteorologista Edward Lorenz, na década de 60 e posteriormente corroborada por outros estudiosos. Lorenz dizia que o simples bater de asas de uma borboleta poderia causar tufões no outro lado do mundo.

    O diretor e roteirista George Lucas, que veio da mesma “escola” de monstros como Coppola e Spielberg, não tinha nenhuma noção do que estava por vir quando a primeira parte daquele calhamaço de papel que carregava havia sido aprovada para virar um filme. A única coisa que ele sabia é que tinha um prazo apertado e um orçamento limitado para deixar o filme pronto, sendo que tudo parecia conspirar contra a produção que foi muito conturbada e que, após a escolha do elenco, passou por diversas dificuldades no deserto da Tunísia, onde, pelo menos 1/3 do filme foi feito. Passadas todas essas dificuldades, o pior ainda estava por vir, uma vez que o conceito sci fi estabelecido por Lucas, apesar de não ser pioneiro, exigia certa habilidade técnica que os profissionais da época não tinham. E esse, talvez, foi o maior trunfo do visionário diretor, que acabou por criar sua própria empresa de efeitos especiais, Industrial Light & Magic (a maior do mundo), uma empresa de mixagem de som (Skywalker Sound), uma empresa de sistema de som (THX) e a Pixar, com o intuito de desenvolver animações.

    Assim nasceu o efeito borboleta chamado Star Wars, filme que mudou para sempre, não só a história do cinema, mas também a maneira como se faz cinema, algo que teve um impacto impressionante na indústria e na população mundial, o que perdura até os dias de hoje.

    Logo no início, sabemos que a história se passa há muito tempo, em uma galáxia, muito, muito distante e após das clássicas letras amarelas que explicam o que está acontecendo naquele momento, somos abatidos por uma nave colossal que chega a preencher toda a tela, perseguindo uma nave menor. Assim somos apresentados a Darth Vader (David Prowse sendo dublado pela voz imponente de James Earl Jones), o maior personagem da história do cinema, com seu visual ameaçador, além da voz e respiração mecânicas.

    Temendo ser presa por Vader, a Princesa Leia (Carrie Fischer) esconde informações importantes dentro do simpático robô R2-D2 (Kenny Baker) e o despacha junto com outro robô, C-3PO (Anthony Daniel), para o planeta Tatooine, com o intuito de encontrar o misterioso Obi-Wan Kenobi (Alec Guiness), tido por Leia como sua única esperança. Porém, a incursão dos droides em Tatooine não dá muito certo e eles acabam sendo vendidos ao jovem Luke Skywalker (Mark Hamill) que, sem querer, acaba conseguindo ler a mensagem de Leia. Assim, Luke desconfia que a bela moça esteja falando do “velho” Ben, tido por muitos como um bruxo que vive na região.

    Percebe-se nessa parte do primeiro ato que Luke é bastante curioso e reticente quanto ao seu desconhecido passado. Seus tios escondem ao máximo quem de fato foram seus pais. Assim, ele vê Ben como a última peça do quebra-cabeça ao descobrir que o nobre e sábio Obi-Wan Kenobi  é, na verdade, um cavaleiro Jedi, muito mais próximo de Luke do que ele podia imaginar, uma vez que Obi-Wan lutou ao lado do pai de Luke e encontro poderá mudar o destino da galáxia para sempre.

    Lucas desenvolveu uma história simples, mas funcional, do bem contra o mal, onde o mocinho precisa salvar a princesa, onde a minoria da Aliança Rebelde, com seus poucos recursos, tenta tirar do poder o Império Galático, que, no decorrer dos anos, devido à sua tirania, acabou por juntar muitos dissidentes, dentre os quais o mercenário canastrão Han Solo (Harrison Ford), que, por odiar o Império e, principalmente, por estar precisando de dinheiro, aceita a empreitada suicida de ir resgatar a Princesa Leia, juntamente de seu co-piloto, o wookie, Chewbacca (Peter Mayhew), além de Obi-Wan e Luke, que, detentor da Força, começa seu treinamento Jedi.

    A aventura em questão possui ótimos momentos e o segundo ato é repleto de tensão dentro da base do Império conhecida como Estrela Morte, uma estação espacial gigantesca com poder bélico suficiente para destruir um planeta inteiro e os melhores momentos, com certeza, ficam por conta do resgate de Leia, junto com o embate de Luke, Han e Chewbacca contra os soldados do Império, conhecidos como Stormtroopers. E não podemos esquecer de um dos momentos mais emocionantes da saga, onde Obi-Wan Kenobi enfrenta Darth Vader, numa luta com sabres de luz, mais intelectual do que física.

    Assim, pela primeira vez que está a um passo à frente do Império, os Rebeldes preparam uma investida contra a Estrela da Morte que resulta no melhor título que esse filme pôde ter. A “guerra nas estrelas” na qual Aliança e Império se propuseram é, de fato, muito boa e emocionante, com efeitos especiais nunca antes vistos. Os belos Tie Fighters do Império contra os X-Wings da Aliança Rebelde formam um balé no espaço digno de nota e que ajudou o filme a ser um dos maiores sucessos de bilheteria da história do cinema.

    O mérito de George Lucas não é apenas pelo fato da história ser boa, tão menos pela sua direção (longe de ser um primor e repleta de “homenagens” a Flash Gordon). Acontece que Star Wars beira a perfeição por diversos motivos. A começar pela trilha sonora certeira do mestre John Williams que, responsável por diversos clássicos do cinema, emplacou pelos menos outros 3 grandes sucessos só nesse filme. O jovem Harrison Ford definiu para sempre seu personagem. A elegância de Alec Guiness traz serenidade ao velho Obi-Wan. O ameaçador Darth Vader, o maior vilão da história do cinema. Além disso, a biodiversidade chega a ser absurda. Diversas raças de alienígenas convivendo entre si. Temos também os designs da produção, desde o figurino dos protagonistas, passando por toda a arte proposta ao Império, onde quase tudo é de cor escura, porém muito belo. E o que falar das naves? O Star Destroyer cruzando a tela logo na primeira cena, os Tie Fighters, caças imperiais rápidos, mortais e dotados de nenhuma aerodinâmica e ainda temos a Millennium Falcon, a nave de Han Solo. E também há espaço para destacar a sonoplastia, uma vez que o impacto poderia ter sido bem menor se os sabres de luz, as naves e o restante das armas não tivesses aqueles sons tão característicos.

    Enfim, todo esse conjunto definiu o que seria o cinema do ano de 1977 para frente. Todo esse conjunto definiu que o ser humano pode sim se apaixonar por um filme.

    Texto de autoria de David Matheus.

  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

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    Como nos filmes anteriores da Hammer, O Cão dos Baskerville copia as películas de monstros da Universal. Primeiro produto protagonizado pelo detetive de Baker Street no cinema em cores, a fita também referencia o visual da versão da Twenth Century Fox (O Cão dos Baskerville, de 1939),  exibida em 1939, ainda que com um tom muito mais puxado para o barroco. Quanto a história, começa menos chapa-branca e mais fiel ao romance original, com cenas de sequestro, insinuações de estupro e outros temas bastante espinhosos para os pudicos anos 1930 da primeira versão.

    As imagens são registradas com uma câmera na mão assim que a ação começa. Na primeira cena, onde Sherlock Holmes (um Peter Cushing muito à vontade) mostra os seus talentos dedutivos, o plano escolhido por Terence Fisher é panorâmico, englobando todo o ambiente da sala, como se o espectador fosse a plateia de um espetáculo de teatro diante de um artista sem igual.

    Há na produção um caráter de baixo orçamento típico da Hammer Films, mas que nesse episódio torna-se uma característica até charmosa. A arquitetura e figurinos barrocos contrastam com carruagens de cores gritantes e aspecto paupérrimo, evidenciando a pouca perícia do departamento de arte em deixar tais coisas tão escancaradas em um filme de cor. O breu da noite é largamente usado e facilita a ambientação de filme de horror necessária para o conto semi-sobrenatural, no entanto não há cenas de corpos dilacerados, gore excessivo ou momentos explicitamente escatológicos, o que jamais incomodaria um apreciador das histórias holmesianas, mas certamente incomodariam um espectador acostumado com os filmes da produtora inglesa.

    Peter Cushing claramente imita o modo de falar imortalizado por Basil Rathbone, mas de modo algum faz isso de forma depreciativa ou oportunista, pois Sherlock era prolixo e um pouco afetado nos escritos originais, assim como os dois atores faziam. A bela Marla Landi interpreta Cecile, uma Liz Taylor genérica que é reticente em tornar-se o amor proibido do herdeiro Henry Baskerville (Christopher Lee).

    A saída de roteiro para a descoberta do vilão se assemelha à versão dos anos 30, com um atributo físico um pouco mais peculiar, uma marca de nascença passada de forma hereditária. Mas o flagrante físico tão evidente não casa com o estilo sutil de escrito original: se a solução para o mistério fosse tão banal, o Sherlock de Doyle solucionaria o caso em um piscar de olhos.

    A obrigatoriedade de um romance belo e formidável, presente na maioria dos episódios anteriores a este, é pervertida. Celina tem muito mais de figura malfeitora do que o seu pai, Mister Stapleton, principalmente quando ela tenta recriar a cena do vil homicídio amputado por Hugo Baskerville, usando a sua própria história base da encenação de sua desforra por ter crescido em uma vida miserável mesmo com seu sangue azul “bastardo”. Cecile é como a herdeira da mulher assassinada, simbolizando o fruto direto do estupro, os laços sanguíneos da moça com os Baskerville são o que explica o fato do seu pai a querer longe da mansão e de seus residentes. O Cão era um animal normal, mas maquiado, enquanto a vilã, após ter o ardil descoberto, sucumbe ao pântano, encerrando ali a maldição do clã. O Cão dos Baskervilles traz todo o mistério presente na história de Conan Doyle de uma forma bastante competente, apesar das agruras reveladas. O papel que reprisaria na série Sherlock Holmes de 1964, em 132 episódios, foi executado com maestria por Peter Cushing, sendo até hoje um bom intérprete para o detetive britânico.