Tag: Sherlock Holmes

  • 10 Séries Canceladas em 2021

    10 Séries Canceladas em 2021

    Já nos habituamos a todo ano receber notícias a respeito do cancelamento de nossas séries. 2021, apesar de completamente atípico, não poderia ser diferente. É verdade que o atual cenário pandêmico mundial mudou consideravelmente a produção do audiovisual, com diversas delas sofrendo interrupções, mas pouco a pouco as gravações foram retomadas. Entretanto, muitas delas foram encerradas prematuramente — ou até que outra emissora ou serviço de streaming decida continuá-la —, apesar de uma boa recepção de público e crítica, por isso, confira a lista de algumas das que tiveram seu desfecho interrompido neste ano.

    Lovecraft Country

    A adaptação do livro homônimo de Matt Ruff chegou na HBO em 2020, recebeu diversos prêmios e ainda assim teve o anúncio de seu cancelamento neste ano sem grandes explicações e causou bastante surpresa após receber mais de 18 indicações ao Emmy. A showrunner Misha Green vinha trabalhando em um roteiro e o elenco da série ainda com agenda reservada para as gravações de uma nova temporada.

    A série se passava nos Estados Unidos dos anos 1950 e mesclava o horror pulp (e extremamente preconceituoso) de H.P. Lovecraft com o segregacionismo racial do país.

    Punky, A Levada da Breca

    Vocês sabiam que Punky, a série de sucesso dos anos 80 teve um revival em 2021? Nem eu. A continuação da série apostou em produções como Três é Demais, que tiveram continuações recentes com boa parte do elenco original e tiveram um sucesso relativo, no entanto, não foi o caso de Punky que teve seu cancelamento anunciado quatro meses após a exibição da primeira temporada com dez episódios.

    Os Irregulares de Baker Street

    O que aparentava se tornar uma série de sucesso no serviço de streaming da Netflix fracassou amargamente e teve sua produção cancelada na primeira temporada. O grupo de jovens detetives sobrenaturais que trabalhavam para Sherlock Holmes parece não ter feito o sucesso esperado e os custos altos de produção cobraram o preço.

    Meu Pai e Outros Vexames

    Produzida e estrelada por Jamie Foxx, a comédia Meu Pai e Outros Vexames foi inspirada na relação entre Foxx e sua filha. O ator surgiu na comédia, mas a péssima repercussão de público e crítica foi o fator primordial para a Netflix cancelar a sitcom, ainda que os envolvidos aleguem que optaram por não renovar em comum acordo. A primeira temporada contou com oito episódios e, aparentemente, não era apenas a filha que ele estava deixando envergonhada.

    Os Eleitos

    A Disney+ anunciou no primeiro semestre de 2021 que Os Eleitos não retornariam para uma segunda temporada. Com essa decisão, a série se tornou a primeira produção do serviço a ser cancelado.

    Os Eleitos é fruto da parceria da Disney+ com a National Geographic e contou a história da corrida espacial norte-americana. Apesar do cancelamento, outras emissoras e serviços tem apontado o interesse em continuar essa história.

    Cursed: A Lenda do Lago

    A série de fantasia medieval teen, Cursed: A Lenda do Lago, foi cancelada pela Netflix em 2021 após a recepção morna do público em relação ao custo da produção. A releitura da lenda arturiana do ponto de vista de Nimue é baseada na graphic novel de Frank Miller e Tom Wheeler.

    O Legado de Júpiter

    A parceria de Mark Millar e Netflix ainda não rendeu nenhuma produção digna de nota, seja nos quadrinhos ou no serviço de streaming. Na esteira do seriado The Boys, Millar e Netflix acreditavam que a desconstrução dos super-heróis seria uma escolha mais do que acertada, no entanto, a escolha por adaptar apenas pouquíssimas páginas do primeiro arco do quadrinho parece ter cobrado seu preço e o cancelamento foi mais que merecido.

    Ainda assim, tanto o autor quanto o serviço já anunciaram que o mundo de O Legado de Júpiter será abordado em outras produções futuras, como a adaptação da mediana Supercrooks, que ganhará uma série em live action e anime.

    Turner & Hooch

    A série Turner & Hooch estrelada por Josh Peck e servia como um reboot da comédia policial com Tom Hanks, Uma Dupla Quase Perfeita, não conseguiu renovação para uma segunda temporada. Apesar do apelo nostálgico, o serviço de streaming encerrou o seriado com apenas uma primeira temporada de doze episódios. Embora a recepção do público parecesse popular, a série recebeu críticas medíocres da maioria dos veículos especializados.

    Y: O Último Homem

    A adaptação da série em quadrinhos de Brian K. Vaughan e Pia Guerra tinha tudo para ter vida longa na TV, mas assim como O Legado de Júpiter, a produção optou por espremer tudo e mais um pouco de poucas páginas de história e entregar nada ao espectador acreditando que teriam mais tempo para desenvolver a trama. Não rolou. Y: The Last Man não tinha ritmo algum e pouco a pouco a audiência foi diminuindo. Os produtores estão buscando uma nova casa para o seriado, mas até agora sem sucesso.

    Cowboy Bepop

    A adaptação em live action de Cowboy Bebop era bastante aguardada, mas como costuma acontecer em adaptações americanas de produções japoneses, o receio do público era grande. No entanto, assim que a primeira temporada foi disponibilizada na Netflix a recepção foi dividida e ainda que tenha atraído uma parcela considerável de espectadores, o serviço optou por cancela-lo semanas depois da estreia, visto que a audiência não justificava os gastos. Para quem esperava uma continuação para saber o final da série, recomendo que procurem o anime.

  • Crítica | Enola Holmes

    Crítica | Enola Holmes

    Parte da mitologia que Arthur Conan Doyle empregou no seu personagem mais famoso Sherlock Holmes mora na fraternidade dele com Mycroft, o talentoso e inteligente primogênito, que segundo teorias, trabalharia para o serviço e inteligência britânica. A curiosidade sobre a natureza deste irmão sempre causou furor nos leitores da Strand Magazine. Segundo o filme de Harry Bradbeer, os dois teriam uma irmã de dezesseis anos, a bela e jovem Enola Holmes, executada aqui pela atriz em ascensão Millie Bobby Brown, a mesma que brilhou em Stranger Things.

    Já nas primeiras falas há uma quebra da quarta parede, com a personagem-título narrando sua  história, diferente de Sherlock que tinha sempre John Watson para explicar os seus feitos em forma de literatura. Enola é uma menina esperta e audaz, desde cedo incentivada por sua mãe Eudoria (Helena Bonham Carter), buscava por aventuras e não conseguia se encaixar dentro do conservadorismo relegado as mulheres na Era Vitoriana.

    O mote da história é bem simples, a matriarca Holmes desaparece, e a menina é enviada para buscar seus irmãos, que se assustam com sua falta de modos e comportamento rebelde. Como bons filhos de seu tempo, eles decidem enviá-la a uma escola de etiqueta. De fato, a misoginia era uma característica muito vista no Detetive dentro dos contos e novelas de Doyle, e por mais que não se cite é natural imaginar que Mycroft também compartilhasse dessa ideia.

    A versão que Henry Cavill e Sam Caflin fazem são retratos tão próximos da realidade e pragmatismo que não há qualquer traço de heroísmo neles, Cavill mesmo lembra pouco o personagem, tanto na escrita quanto nas versões em carne e osso. O roteiro se baseia no livro de Nancy Springer, O Caso do Marquês Desaparecido e de fato no material original essa personalidade e o apreço pela irmã são melhor trabalhados, ainda assim se nota a frieza e crueza do personagem. Talvez fosse preciso um ator com mais capacidade dramática para lidar com um papel tão complexo.

    Bradbeer pega emprestado alguns elementos da série que dirigiu (Fleabag), como por exemplo, o modo mais incisivo de metalinguagem e a coincidência óbvia do protagonismo feminino. Os predicados positivos da direção param por aí. A trama de mistério envolvendo o personagem que Enola conhece no meio do filme é bem menos interessante que o jogo que sua mãe estabeleceu consigo, e a edição super moderna ajuda a deixar o filme como algo genérico, até em comparação com o estilístico Sherlock Holmes e sua continuação Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras, ambos de Guy Ritchie.

    A jornada de emancipação de Enola ganha contornos épicos graças a Millie Bobby Brown, que se dedica bastante ao papel, e que apesar do forçado sotaque britânico, consegue representar uma jovem audaz e que não se encaixa no conservadorismo de seu tempo. Possivelmente, sua história renderia ainda mais elogios se não fosse atrelada a um ícone pop e literário como é Sherlock, mas dentre as combalidas adaptações recentes do personagem, essa não é tão problemática, mesmo com o pouco apego ao material original.

  • Resenha | Coisas Frágeis – Neil Gaiman

    Resenha | Coisas Frágeis – Neil Gaiman

    Dentre os grandes autores britânicos a trabalhar com histórias em quadrinhos estadunidenses a partir de meados dos anos 1980, Neil Gaiman é com certeza um dos que mais se destacou. Sua obra mais conhecida, Sandman, ainda hoje é reverenciada por milhões de fãs através do mundo, e continua sendo reeditada em encadernados de luxo ou versões comemorativas de aniversário. Nada mais justo, pois os textos do autor trazem não só uma incrível imaginação quanto uma forma sóbria, ora fantástica de se contar histórias. Com textos que abordam a vida humana através da ótica do sobrenatural, Coisas frágeis é uma coletânea de contos do autor escritos e publicados em diversas ocasiões diferentes, que recheiam um volume que, mesmo não utilizando recursos gráficos das histórias em quadrinhos, fazem o leitor imaginar cada cena como algo bastante complexo e, ao mesmo tempo, agradável de se ler.

    Em suas páginas, Gaiman brinca com estilos diversos, chegando a fazer um crossover, logo no primeiro conto, entre o universo de Sherlock Holmes e o mito do Grande Cthulhu, seguindo de certa forma o que seu conterrâneo Alan Moore fez anos antes com A Liga Extraordinária. O autor se utiliza de elementos conhecidos por leitores de várias gerações e que já estão em domínio público para reimaginar Baker Street numa trama que nem mesmo o maior detetive de todos os tempos poderia sequer imaginar.

    De forma mais ou menos similar, vemos claramente em seus contos elementos “emprestados” de outras histórias – sem, contudo, ferir os direitos autorais de seus respectivos autores ou proprietários. Gaiman escreve uma história de ficção científica ambientada no universo de Matrix, outra sobre uma personagem de As Crônicas de Nárnia, e por aí vai. Contudo, a forma com que o autor aborda cada universo retratado é única e diferente, levando o leitor a refletir sobre temas pesados e importantes de forma inédita. Fazer algo novo de velhos e conhecidos conceitos parece ser uma especialidade inerente a Neil Gaiman.

    Dos nove contos apresentados no volume, talvez o que mais denuncie o estilo consagrado de Gaiman seja A vez de Outubro. Aqui, seres elementais da natureza – os meses do ano – ganham características humanas, algo que ele fez com os Perpétuos durante toda a saga de Sandman. Os meses conversam ao redor de uma fogueira e contam seus anseios, medos e incertezas, além de seus próprios mitos e lendas.

    Assim como o personagem Sonho o consagrou nos quadrinhos, foi também em um sonho que o título do livro surgiu para Gaiman: “Acho… que prefiro me lembrar de uma vida desperdiçada com coisas frágeis, a uma vida gasta evitando a dívida moral”. Coisas Frágeis foi publicado pela Editora Conrad no Brasil, e é uma excelente coletânea de contos de Neil Gaiman tanto para aqueles que já conhecem o consagrado escritor quanto para quem ainda não leu nada escrito por ele.

  • Resenha | Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle

    Resenha | Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle

    É fato que Sherlock Holmes, criação máxima de Arthur Conan Doyle no séc. XIX, consagrou-se há muito como um dos personagens mais populares e interessantes da literatura ocidental. Não apenas graças a seu clássico bordão (“Elementar, meu caro Watson!”) e seu inigualável faro detetivesco, Doyle conseguiu a incrível façanha de tornar sua figura icônica, tipicamente londrina e vitoriana, o sinônimo real do próprio gênero que se encaixa perfeitamente bem, e ajudou a aprimorar com suas aventuras. Afinal, as histórias policiais, cheias de reviravoltas e pistas soltas compondo um quadro (aparentemente) não solucionável nunca mais seriam as mesmas. Não após Holmes e seu fiel escudeiro saírem as ruas com suas lupas, cachimbos e um fiel poder de dedução que a dupla sempre expressa, em cada um de seus já famosos contos clássicos, em um quase sem-número de romances de Doyle. Este é como tudo começou.

    E da forma mais natural, possível, já que Holmes e Sherlock aceitam dividir o mesmo apartamento numa Londres sombria, em pleno ano de 1878. Narrado em primeira pessoa pelo próprio John Watson, o homenzinho que cai de balão nas peripécias de Holmes, Watson estava apenas a procura de moradia para realizar um curso na área de medicina, no que lhe é avisado por um conhecido sobre uma possível oferta. Assim, testemunhamos em Um Estudo em Vermelho o primeiro encontro desta dupla, além de sua primeira interação sobre ideias díspares, e assuntos um tanto exóticos, mas banais para a mente ardilosa de Holmes. Através das palavras de seu companheiro, notamos que, na absoluta consequência de se morar com um perito em investigação e que sabe tudo (e mais um pouco) sobre criminologia, anatomia humana e química, Watson se vê às voltas com as teorias de seu novo amigo, e quando percebe, ambos já estão diante do crime mais bem elaborado que a polícia Londrina já teve acesso.

    Na mais normal das casas, um cadáver jaz com a mais assombrosa das impressões, enquanto vestígios do sangrento e violento crime tentam tornar tudo muito mais complicado do que parece. Neste misterioso cenário de morte urbana, repleto de pistas falsas e desinformação para os assassinatos que sempre explodem numa cidade grande, Sherlock Holmes ganha as oportunidades perfeitas para provar para Watson, tão admirado pela sua ciência da dedução quanto nós, seus leitores, e a todos os seus aliados da polícia que contam com ele para averiguar os suspeitos, tudo o que o torna o melhor e mais astuto detetive que uma trama literária pode se dar ao luxo de ter. Esse é um dos personagens que simplesmente não cansamos de seguir, conhecer seus pontos fortes e fracos, seus triunfos e contradições, e nos deliciar em suas aventuras, percebendo inclusive que nem toda teoria é perfeita, e até os mais inteligentes erram quando outra inteligência tão afiada quanto trabalha contra a primeira.

    Na condução frenética de uma história arquitetada, ponto a ponto, afim de nos amarrar cada vez mais forte a seus detalhes, e seus grandes acontecimentos sempre envolvendo a dupla principal, em sua incessante caçada aos culpados pelo crime que se mostra mais custoso do que Sherlock julga num primeiro momento, o mestre Arthur Conan Doyle dá vez a um estilo próprio de grande requinte na prosa, e extremamente hipnótico de se focar sobretudo no desenrolar dos fatos, como se tudo fosse um motivo para uma nova perspectiva sobre um caso que, muitas vezes, parece ser indecifrável. A publicação no Brasil pela editora Zahar ainda conta com espetaculares e educativas notas sobre os detalhes originais de Um Estudo em Vermelho, enriquecendo ainda mais o contexto da história, suas influências e pormenores, além de setenta pequenas ilustrações originais a potencializar, agora visualmente, o rico e fascinante universo de Watson, Sherlock e seu violino, o amado instrumento que conjurava o milagre de relaxar uma mente tão ativa, e labiríntica. Em suma: uma joia essencial para qualquer estante.

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  • Resenha | Moriarty – Anthony Horowitz

    Resenha | Moriarty – Anthony Horowitz

    Todo grande herói precisa de um antagonista à sua altura. O que seria de Sherlock Holmes sem Moriarty? Lógico que continuaria sendo um grande investigador, mas sua genialidade fica ainda mais em evidência ao enfrentar seu arqui-inimigo. O ápice desse embate, narrado em O Problema Final, ocorre nas Cataratas de Reichenbach, onde supostamente Holmes morre – mas ressurge em Londres 3 anos mais tarde, em A Volta de Sherlock Holmes. E é a partir da morte de Moriarty e Holmes que Anthony Horowitz constrói sua história.

    Depois do fatídico encontro entre Holmes e Moriarty nas cataratas de Reichenbach, um detetive da agência Pinkerton de Nova York, Frederick Chase, chega à Europa. Na aldeia de Meiringer, onde Holmes se hospedou, encontra-se por acaso com Athelney Jones – inspetor da Scotland Yard, que estuda devotamente os métodos de Holmes. Resolvem juntar forças ao investigar um novo gênio do crime, que ascendeu rapidamente após a morte do professor Moriarty. Sua busca os leva a Londres, onde esse no vilão rapidamente preencheu a lacuna deixada pelo arqui-inimigo de Holmes.

    Livros desse gênero, em geral, são escritos em terceira pessoa, principalmente pela possibilidade de oferecer ao leitor vários pontos de vista durante a história. Diferente da maioria, este é narrado em primeira pessoa por Chase. O leitor fica restrito a seu ponto de vista, mas o autor consegue contornar bem essa restrição, sem deixar a leitura cansativa. E, certamente o plot twist final não seria possível caso a narrativa fosse em terceira pessoa. Felizmente, essa reviravolta não fica parecendo um deus ex machina, já que as pistas estão espalhadas pela narrativa, bastando apenas ser um leitor mais atento e inquisitivo para desconfiar do que está por vir.

    Os personagens centrais são uma versão simplificada de Holmes e Watson. Athelney Jones, investigador da Scotland Yard, é obcecado por Holmes e suas técnicas investigativas, tentando copiá-las a todo custo. Não é um personagem de todo desconhecido do público leitor de Conan Doyle. Horowitz pegou o personagem “emprestado” do livro O Signo dos Quatro (1890), a segunda aventura de Holmes. E Chase é seu sidekick, seu Watson, é a “orelha” da história, fazendo a Jones as perguntas que o leitor faria.

    A ideia é ler sem expectativas, ou melhor, sem esperar que a aventura seja mais um Doyle. Caso o leitor compre a ideia de que a intenção do autor foi criar uma história de detetive ambientada no universo de Sherlock, com personagens que emulassem a famosa dupla da Baker Street, sem maiores pretensões, consegue ser um bom entretenimento para os que curtem literatura de mistério. A obra tem os mesmos “defeitos” das histórias de Holmes – pistas que aparentemente brotam do nada, deduções mágicas de Jones/Holmes – o que talvez irrite alguns leitores. Contudo, se o intuito era homenagear, o objetivo se cumpriu.

    Horowitz é uma espécie de especialista em ícones da cultura pop. Escreveu alguns episódios da série de TV Agatha Christie’s Poirot, do canal britânico ITV. Também é autor de duas franquias young adultAlex Rider e O Poder dos Cinco.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    O início da season finale da quarta temporada de Sherlock se inicia de forma fantasiosa, como em um sonho de Mycroft Holmes (Mark Gatiss), sendo perseguido em sua própria casa, em um excelente despiste, que faria inveja até aos filmes de Alfred Hitchcock. A partir dali se desenrola a misteriosa trama a respeito de um terceiro Holmes, teoria normalmente levantada por especialistas nos estudos dos escritos de Arthur Conan Doyle.

    A vilania, que antes era de James Moriarty (Andrew Scott), finalmente ganha um nome e uma definição mínima, e os métodos implacáveis deste antagonista são muito semelhantes aos do antigo, inclusive com um atentado contra os heróis que quase morrem na detonação de uma granada, em uma das piores cenas envolvendo efeitos em CGI da série. Este terceiro episódio funciona como uma amálgama dos dois outros, reunindo parte dos acertos de Lying Detective, em especial às partes mais herméticas, além de alguns defeitos de conceito de Six Thatchers, ao se valer demais as referências sentimentais dos personagens canônicos.

    O roteiro de Gatiss e Steven Moffat serve como cópia do conto O Problema Final, o mesmo que introduzia Moriarty ao universo do Detetive. Além das cenas que inovavam o conteúdo literário – as herméticas, já distas – há também uma quantidade de eventos mais literais e verossímeis. No entanto, a ligação emocional estabelecida entre o Jim Moriarty e o novo/velho vilão soa bastante forçado. As ameaças e os métodos de dominação da personagem de Eurus (Sian Brooke) também destoam de outras personagens, principalmente se comparado ao apuro visto nas performances do próprio Scott e da Irene Adler de Lara Pulver em A Scandal in Belgravia. Sherlock finalmente se torna refém de seu próprio suspense.

    O suspense do decorrer da trama principal se perde em muitos momentos, graças aos núcleos secundários. A direção de Benjamin Caron soa confusa em alguns momentos, não conseguindo harmonizar simples cenas de ação com flashbacks. Pior que esta confusão é a dificuldade que o roteiro tem em fazer sentido, fazendo questão de explicar e re-explicar à todo momento que Jim está realmente morto. Esse aspecto é tão irritante que a comparação com Interestelar, de Christopher Nolan, torna-se inevitável, ainda que obviamente não haja o apuro visual do cineasta britânico ou o mesmo nível de discussão filosófica dentro do capítulo citado, sendo esses pontos fortíssimos da trama do sci-fi. Impressiona como tudo o que era pontual e acertado soa frívolo e esdrúxulo nessa temporada que pode ter sido a última.

    A muleta de Moriarty prossegue até o final do episodio e também do ano, evidentemente. O entrave entre irmãos mira a referência bíblica de Isaque e Jacó e acerta em uma exploração gratuita e infantil de uma rivalidade que claramente não estava nos planos originais dos showrunners. A maioria dos elogios a essa temporada moram na tentativa de demonstrar emoção por meio do sensacionalismo, e esses são completamente descabidos, uma vez que esse artifício quase nunca acerta nem no aspecto sentimental, tampouco no mais pragmático.

    Outra característica terrível é a falta de nuances das novas personagens, em especial no background de Eurus, que é mostrada como uma mulher louca, de cabelo grande e desgrenhado, como uma versão da Samara, de O Chamado. Suas atitudes transbordam desequilíbrio e cafonice, apelando para um estereótipo de loucura mais condizente com as séries americanas, como Da Vinci Demons, não com um programa que sempre foi elogiado por sua sobriedade.

    A ligação sentimental estabelecida entre o Sherlock (Benedict Cumberbatch), John (Martin Freeman) e a “nova” personagem até se aproxima de uma construção mais elaborada, mas é jogada por terra para dar vazão a mais um final errático e escapista, diferente de todos já vistos até aqui. Mais uma vez a base de comparação para a toada de Sherlock é uma obra de Nolan, com a mesma quebra de realismo vista entre O Cavaleiro das Trevas e O Cavaleiro das Trevas Ressurge, sendo que nessa, não há muita justificativa para a mudança brusca de tom, muito menos na cena final, onde os heróis correm contra o vento, como nos Batman de Joel Schumacher. Afora as referências aos textos originais, quase nada se destaca positivamente em The Final Problem, sendo esse um desfecho decepcionante e bastante melancólico para a dupla de Baker Street.

  • Review | Sherlock S04 E02 – The Lying Detective

    Review | Sherlock S04 E02 – The Lying Detective

    Como em Study in a Pink, John (Martin Freeman) também começa o capitulo em uma sessão de terapia, motivadas pelos traumas das ocorrências ao final de The Six Thatchers com a morte de Mary (Amanda Abbington). A dupla de heróis é afetada fortemente pela perda recente, com o doutor caindo em depressão e o detetive se culpando pela situação ocorrida, apesar de sua postura não ser a assumidamente de culpa ou responsabilidade pela morte que malfadou o grupo na abertura da temporada.

    John tem conversas frequentes com um fantasma, fato que permite não só o retorno da atuação de Abbington, como o acréscimo da nova terapeuta, vivida por Sian Brooke, que seria mais um olhar feminino sobre a psique do recém viúvo. Esse talvez seja o único momento de incontestável boa construção de dramaturgia desse quarto ano, especialmente se comparado a conclusão final que recai sobre esta que pode ter sido a última temporada das aventuras do Detetive.

    O acréscimo do personagem Culverton Smith (Toby Jones) começa de modo misterioso, com ele apresentando uma trama que mescla showbusiness com teoria da conspiração, em sequências de ação que fazem lembrar demais as distopias clássicas, em especial 1984 de George Orwell, com alguns elementos de produtos mais recentes, entre eles o quadrinho de Alan Moore V de Vingança e o filme Réquiem Para um Sonho, no sentido de brincar com os sentimentos dos personagens, no caso, Sherlock (Benedict Cumberbatch), que após tomar consciência de seu novo adversário, passa a agir como um sujeito ensandecido, com a mente em frangalhos, como visto no livro não canônico Solução a Sete Porcento, de Nicholas Meyer onde Holmes tem uma crise de abstinência de cocaína, e se consulta com Sigmund Freud. Os paralelos com o livro são registradas por meio de alegorias inteligentes e sagazes.

    A sensação vista no primeiro episódio da temporada se repete aqui, já que ele em alguns momentos parece ser um preambulo para acontecimentos maiores no season finale. O paradigma de ser um objeto do meio denigre um pouco a qualidade do capítulo em si, mas não o joga na mesma vala de Six Thatchers, basicamente por todo o plot vilanesco soar natural e condizente com tudo o que foi visto anteriormente dentro do programa.

    O diretor Nick Hurran consegue junto a Toby Jones contar uma historia sobre conspiração, paranoia e hipocrisia, através de um antagonista que tem carisma, além de uma capacidade de causar mal praticamente infinita. Os momentos delírio de Sherlock fazem relembrar o quão frágil é a saúde mental do herói, além de resgatar a interdependência entre Watson e Holmes, estabelecendo um novo começo para ambos, além de aludir a uma ilusão compartilhada dos dois, quando se trata do fantasma de Mary. Esse conserto faz pôr novamente nos trilhos a trama de Sherlock, mas ainda havia de se explorar mais um momento, em The Final Problem.

  • Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    sherlock-the-abominable-bride_posterO especial de 2015 do seriado Sherlock, de Mark Gattis e Steve Moffat começa rememorando uma prática comum tanto ao Holmes clássico de Arthur Conan Doyle quanto a versão da BBC One. Os eventos de His Last Vow impediriam, a princípio, uma aventura corriqueira e escapista nos mesmos cenários e moldes do seriado, o que em parte, ajudaria a “justificar” o retorno a Era Vitoriana para contar que essa história fugiria aparentemente do status quo do programa televisivo.

    O clima de conto doyliano se fortifica quando o recém-aposentado médico do exército James Watson (Martin Freeman) encontra seu possível novo colega de quarto, Sherlock Holmes (Benedict Cumberbatch), nos trajes clássicos de uma época mais sombria e acinzentada, com tons variando entre bege e marrom, servindo de resumo a uma tendência de época. A quantidade de homenagens é imensa, começando pelo comércio da Strand Magazine, revista que publicava os contos, o que determina um salto temporal entre os eventos indicados em Estudo em Vermelho e a história apresentada pelo Inspetor Lestrade (Rupert Graves), já no hall do apartamento localizado no 221B da Baker Street.

    O desenrolar da trama envolve ainda um sem número de referências que não são simplesmente gratuitas, como a personificação de Mycroft Holmes, executado por Gattis com uma maquiagem pesada, como figura glutona e obesa. Apesar de exagerada, esta versão serve para solidificar a rivalidade fraterna entre os personagens, além de pôr o primogênito em uma posição superior, esbanjadora, o completo inverso da vida discreta e pobre de Sherlock, que em alguns momentos, até recorria ao irmão para cumprir somas importantes do seu orçamento. É desta fonte que surgem pistas importantes, que dão rumo à investigação que o Detetive começou.

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    O desenrolar do roteiro demonstra alguns dos maiores dissabores do investigador, entre eles a descrença em figuras e seres sobrenaturais e a natural aversão à associação de fantasmas ao desfecho do caso. Outra fobia é aventada, como o uso contínuo de cocaína, aspecto dado como superado pelo personagem já em seu piloto Study in Pink. O episódio especial talvez seja o mais próximo do clássico de Nicholas Meyer Solução a Sete Por Cento em que Moffat e Gattis poderiam homenagear alguma obra de Holmes que não fosse parte do cânone.

    Mesmo as viagens temporais são plenamente justificadas dentro do argumento, bem como as tramoias envolvendo supostos mortos andantes. A textura antiga faz assinalar ainda mais os claros poderes intuitivos. O foco maior é claramente nos fantasmas do passado de Holmes, que não consegue lidar com a perda de seu adversário maior, seu nêmese. Toda  a lógica por trás dele passa pela troca de insultos e estratégias com o Moriarty de Andrew Scott. O capítulo também serve para ratificar a ideia de que o ator nasceu para executar esse papel, que é entregue com uma maestria impressionante e poucas vezes vistas em sua carreira.

    O desfecho nas cataratas de Reichenbach é simbólico para o aficionado no personagem e serve de mergulho na alma do sujeito biografado, como um estudo da própria escrita de Watson/Doyle nas novelas, contos, romances e afins. As soluções encontradas para o saudosismo são plausíveis e não excluem qualquer retorno à atividade, já que A Noiva Abominável trata também disso, dos receios dos que deveriam estar encerrados. A cena final, misturando as linhas de tempo distintas, serve para edificar a obra de Doyle como algo universal e inspiradora de tantas releituras importantes, poucas tão reverenciais, fiéis e sensíveis quanto esta.

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  • Crítica | Mr. Holmes

    Crítica | Mr. Holmes

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    Baseado na velhice e extrema misantropia do personagem-título, Mr. Holmes é uma aventura capitaneada por Bill Condon, que usa o talento de Sir Ian McKellen para dar substância a um roteiro confuso, atrapalhado e bastante genérico. A história se situa 35 anos após a “real” aposentadoria do Detetive, excluindo, claro, as mortes que forjou, com um Holmes que do alto de seus 93 anos tenta reescrever o seu último caso.

    O agravo que o roteiro propõe é que Sherlock já não tem todas as qualidades necessárias para relembrar seus próprios atos, graças à senilidade que se aproxima e aplaca sua inteligência e memória conhecidamente irretocáveis. A problemática não está nisso, e sim no drama genérico, que se encaixaria com qualquer personagem, não somente com o investigador de Baker Street.

    As licenças poéticas são muitas e não chegam a comprometer a qualidade do filme, mesmo que soem incongruentes, como o fato de ignorar-se que ao menos um dos 56 contos canônicos ter sido “escrito” pelo próprio agente, a despeito do médico/escritor que o acompanhava. A atribuição de elementos básicos, como uso de boné e cachimbo à imaginação de Watson, varia dentro do texto fílmico entre uma charmosa negação do herói e exageros do escritor original, que fantasiava demasiadamente, fatos reclamados já nos primeiros contos depois de Um Estudo em Vermelho.

    O enfoque no enferrujamento do detetive poderia ser mais interessante, mas é diluído por todo o entorno familiar, o que torna o drama cafona, banalizando até seu exílio com a pasteurização conservadora de humanizar o personagem, aspecto aliás completamente desnecessário. A mensagem interessante fica por conta da solidão dele, que não tem mais seus amigos, parentes e antigos colegas policiais, uma vez que somente os mitos sobrevivem eternamente – inclusive sobre mal engendradas produções cinematográficas.

  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

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    Como nos filmes anteriores da Hammer, O Cão dos Baskerville copia as películas de monstros da Universal. Primeiro produto protagonizado pelo detetive de Baker Street no cinema em cores, a fita também referencia o visual da versão da Twenth Century Fox (O Cão dos Baskerville, de 1939),  exibida em 1939, ainda que com um tom muito mais puxado para o barroco. Quanto a história, começa menos chapa-branca e mais fiel ao romance original, com cenas de sequestro, insinuações de estupro e outros temas bastante espinhosos para os pudicos anos 1930 da primeira versão.

    As imagens são registradas com uma câmera na mão assim que a ação começa. Na primeira cena, onde Sherlock Holmes (um Peter Cushing muito à vontade) mostra os seus talentos dedutivos, o plano escolhido por Terence Fisher é panorâmico, englobando todo o ambiente da sala, como se o espectador fosse a plateia de um espetáculo de teatro diante de um artista sem igual.

    Há na produção um caráter de baixo orçamento típico da Hammer Films, mas que nesse episódio torna-se uma característica até charmosa. A arquitetura e figurinos barrocos contrastam com carruagens de cores gritantes e aspecto paupérrimo, evidenciando a pouca perícia do departamento de arte em deixar tais coisas tão escancaradas em um filme de cor. O breu da noite é largamente usado e facilita a ambientação de filme de horror necessária para o conto semi-sobrenatural, no entanto não há cenas de corpos dilacerados, gore excessivo ou momentos explicitamente escatológicos, o que jamais incomodaria um apreciador das histórias holmesianas, mas certamente incomodariam um espectador acostumado com os filmes da produtora inglesa.

    Peter Cushing claramente imita o modo de falar imortalizado por Basil Rathbone, mas de modo algum faz isso de forma depreciativa ou oportunista, pois Sherlock era prolixo e um pouco afetado nos escritos originais, assim como os dois atores faziam. A bela Marla Landi interpreta Cecile, uma Liz Taylor genérica que é reticente em tornar-se o amor proibido do herdeiro Henry Baskerville (Christopher Lee).

    A saída de roteiro para a descoberta do vilão se assemelha à versão dos anos 30, com um atributo físico um pouco mais peculiar, uma marca de nascença passada de forma hereditária. Mas o flagrante físico tão evidente não casa com o estilo sutil de escrito original: se a solução para o mistério fosse tão banal, o Sherlock de Doyle solucionaria o caso em um piscar de olhos.

    A obrigatoriedade de um romance belo e formidável, presente na maioria dos episódios anteriores a este, é pervertida. Celina tem muito mais de figura malfeitora do que o seu pai, Mister Stapleton, principalmente quando ela tenta recriar a cena do vil homicídio amputado por Hugo Baskerville, usando a sua própria história base da encenação de sua desforra por ter crescido em uma vida miserável mesmo com seu sangue azul “bastardo”. Cecile é como a herdeira da mulher assassinada, simbolizando o fruto direto do estupro, os laços sanguíneos da moça com os Baskerville são o que explica o fato do seu pai a querer longe da mansão e de seus residentes. O Cão era um animal normal, mas maquiado, enquanto a vilã, após ter o ardil descoberto, sucumbe ao pântano, encerrando ali a maldição do clã. O Cão dos Baskervilles traz todo o mistério presente na história de Conan Doyle de uma forma bastante competente, apesar das agruras reveladas. O papel que reprisaria na série Sherlock Holmes de 1964, em 132 episódios, foi executado com maestria por Peter Cushing, sendo até hoje um bom intérprete para o detetive britânico.

  • Crítica | Sherlock e Eu

    Crítica | Sherlock e Eu

    Sherlock e Eu 1

    Em dois minutos de tela já são apresentados John Clay – um dos maiores vilões do cânone, o 4° homem mais perigoso do mundo -, o oficial Lestrade (Jeffrey Jones), Sherlock (Michael Caine) e Watson (Ben Kingsley), numa cena bastante edificante e cheia de referências as aventuras clássicas. Mas isto não dura muito, pois no terceiro minuto de exibição tudo é desconstruído com uma enorme bronca vinda do médico, seguida de um pedido de desculpas do atrapalhado “investigador”. Without a Clue é uma comédia que apresenta Sherlock Holmes como uma farsa, um detetive perfeito criado por Watson para publicar suas próprias reminiscências provindas de suas deduções e investigações.

    O pastiche, realizado por Tom Eberhardt, mostra que Holmes não era mais que um papel interpretado pelo ator alcoólatra Reginald Kincaid, que fora encontrado na sarjeta pelo autor dos contos da Strand Magazine. Em poucos momentos, a dupla se separa após uma briga, e o doutor acha que pode seguir a frente das investigações sem o alterego famoso, o que se prova um engano dos mais terríveis e ardis, pois sua obra supera em muito o autor em popularidade e notoriedade de forma semelhante ao paralelo real entre Sherlock Holmes e Arthur Conan Doyle, e o argumento metalinguístico é muito bem executado.

    Logo Watson percebe que terá de lançar por terra seu orgulho e recorrer a Kincaid, que também não se mostra muito bem quando está só, visto que é absolutamente inábil em quase todos os seus afazeres e se mete em dívidas de jogo como ninguém, a ponto de não ter capital sequer para arcar com sua bebedeira.

    Quando Watson declara suas próprias deduções, ele é sumariamente ignorado, mas quando as mesmas palavras vêm dos lábios de Sherlock, todos acreditam, numa clara referência ao conceito de placebo. A comédia do roteiro é muito semelhante ao humor presente nas séries televisivas americanas, o que se deve ao background dos dois roteiristas, Gary Murphy e Larry Strawther. A ideia inicial era boa, mas fica presa somente à premissa, pois com o decorrer do tempo a comédia perde o fôlego e só se sustenta graças ao humor pastelão.

    Holmes treme diante da possibilidade de Moriarty (Paul Freeman) estar envolvido, este sim um vilão á altura do intelecto de John Watson. É curioso como neste Sherlock e Eu a figura de bufão e de bobo alegre é de Sherlock, ao contrário dos filmes dos anos 30/40, em que Nigel Bruce e seu médico eram o alívio cômico. O duelo final de esgrima garante a Kincaid um justo momento de honra diante do inimigo mortal, fazendo valer finalmente os louros que receberia. Sua nobreza aumentaria ao dar créditos ao real “resolvedor” de casos, superando assim sua antiga birra e assumindo sua amizade pelo médico. O anúncio de “Caso Encerrado”, revela que mais aventuras dali viriam, e apesar da mensagem final, politicamente correta, esta é uma película eficiente em misturar humor e o universo criado por Arthur Conan Doyle.

  • Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    irmão mais esperto de Sherlock Holmes 1

    A comédia de Gene Wilder, escrita, dirigida e protagonizada pelo artista, começa numa atrapalhada cena do servil homem no Palácio de Buckingham, em 1891, ano em que o “detetive imortal” pereceu segundo o original O Problema Final. Como o detetive de Baker Street (Douglas Wilmer) – apresentado numa cena hilária, para logo após sair do filme travestido de mulher –, tem de se ausentar, encarrega seu irmão mais moço de resolver os casos mais urgentes. Sigerson Holmes sempre vivera à sombra do irmão mais famoso.

    O 1° longa dirigido por Wilder traz uma versão jocosa do mito Sherlock Holmes, com pastiches à maneira da sua comédia, tomando emprestado o humor típico de sua filmografia, especialmente nas parcerias com Mel Brooks. O teatro de absurdos presentes no filme é vasto: uma máquina de esgrima que é acionada com o pedalar da bicicleta; trechos inteiros cantados como em um musical; um padre eletrônico no covil do vilão movido a moedas; uma batalha acima de uma carruagem onde os agressores se municiam de luvas e sapatos gigantes etc. A forma do comicidade é notadamente a tentativa de um norte-americano emular o nonsense do humor inglês.

    Sigerson tem o seu próprio Watson, o Sg. Orville Stanley, maravilhosamente executado por Marty Feldman, e também possui uma Irene Adler às avessas, com Madeline Kahn fazendo sua Jenny Hill. As piadas do roteiro são pontuais e fazem muito sentido para quem conhece a história do detetive e a obra de A. Conan Doyle, inclusive no comportamento do protagonista, completamente desligado, só encontrando as pistas quando elas lhe caem no colo – o total avesso do investigador completo que é o Holmes clássico. Sigerson é um Sherlock cru, impulsivo e desatento ao extremo, ignora o óbvio de uma forma extremamente atrapalhada, quase sempre sendo superado por seu auxiliar Mr. Stanley. O humor físico de Gene Wilder cabe muito bem à trama e maximiza a inabilidade do caçula Holmes.

    A meia hora final perde um pouco do ritmo: as piadas se repetem muito e parecem estar na esteira das primeiras. O quadro melhora substancialmente com as reaparições de Madeline Kahn e seu belíssimo semblante, além, é claro, de sua portentosa voz. Os momentos de perseguição em meio à execução de uma ópera tem um tom de inacreditável e inescrutável absurdo, e mesmo com tudo isso o show não para.

    O quarto onde se armazenam os manequins, bonecos e apetrechos do teatro é por si só um lugar amedrontador, e o duelo de espadas entre Sigerson e Moriarty (Leo McKern) é bem filmada, emulando os duelos dos filmes de Errol Flynn de uma forma debochada. O irmão famoso estava o tempo todo à espreita, incógnito, auxiliando o protagonista, prestando a ele uma distração em seu momento de maior melancolia. Apesar da crueza na direção – a qual melhoraria com o passar dos anos –, Gene Wilder tem uma atuação bastante à vontade, sem amarra nenhuma. Seu talento humorístico funciona muito mais assim. A medida entre a liberdade artística e o respeito à obra original é perfeita, pois não há nenhum excesso na película absolutamente execrável, pelo contrário, esta obra só enriquece o mito de Doyle.

  • Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    SH A Voz do Terror 1

    Primeiro dos doze filmes feitos pela Universal com Basil Rathbone e Nigel Bruce fazendo os canônicos personagens de Arthur Conan DoyleSherlock Holmes: A Voz do Terror é regido por John Rawlins (de As Mil e Uma Noites, Dick Tracy em Luta e Dick Tracy Contra o Monstro). A primeira história do detetive se passa em tempos atuais, no ano de 1942, e toca em um assunto relevante, a Segunda Guerra Mundial. Iniciando-se com uma transmissão de rádio de cunho sensacionalista, A Voz do Terror remete a Alemanha do III Reich na tentativa de apavorar o “bravo” povo inglês, anunciando um grande número de atos de guerra com o claro intuito de minar a autoestima dos estrategistas e do povo.

    Após uma reunião da inteligência nacional, a portas fechadas, uma parcela dos presente sugere a inclusão do detetive particular no encontro, ideia que seria prontamente rebatida pela ala mais temerosa. Rathbone encarna um Sherlock mais sério que nos filmes anteriores, menos piadista e mais autocentrado, um sujeito mais experiente, talhado pelo tempo. A escolha da iluminação do figurino junto a fotografia dão à obra uma atmosfera noir inexistente nos episódios da 20th Century Fox, o que faz do filme como um todo bastante pitoresco e competente.

    O trabalho de investigação de Holmes não funciona perfeitamente com o excesso de interferências e relatórios, o que deixa aqueles que eram contra a sua convocação em polvorosa. Sherlock é quase tão onisciente quanto o público, o que prova ainda mais o seu valor como investigador. Pouco depois de comprovar em tela quem teria entregue informações ao inimigo, Holmes chega à conclusão de que alguém trabalhara contra a causa.

    É complicado acreditar que o protótipo do MI6 aceitaria de forma tão condescendente as orientações de um profissional como Holmes, ainda mais após uma tratativa fracassada à primeira vista. Mesmo com toda a superioridade do protagonista em relação aos outros personagens, a explicação do herói mostra que o seu método de dedução não obteve o êxito esperado graças à ação e interferência de seus ditos superiores, tendo que terminar o seu raciocínio discursando aos presentes numa espécie de tribunal improvisado – que de forma profética antevia Nuremberg – desmascarando um agente infiltrado que agiu no alto escalão britânico por longos 24 anos.

    Apesar de inverossímil, e até infantil, a trama é intrigante. Como cinema-resposta aos filmes de propaganda partidária de Joseph Goebbels, na Germânia, a obra contempla uma mensagem positiva de “marcha em frente” contra o vil inimigo nazista, traduzindo-se em um discurso motivador para a Inglaterra e as forças do bem contra o Eixo.

  • Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

    Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

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    A valise aberta no cofre do banco, somente autorizada a ser aberta após passados 50 anos da morte do seu antigo dono, lembra, em importância, guardadas as devidas proporções, a Arca da Aliança, por conter em si materiais que se mostrariam sagrados para toda uma geração de fiéis. Em pouco mais de 3 minutos, Billy Wilder, um realizador polonês de nascimento – mas ainda assim ícone da narrativa clássica americana – consegue transmitir como ninguém todo o charme de um dos maiores personagens da literatura britânica.

    O afetadíssimo Sherlock de Robert Stephens – que usa uma sobrancelha postiça, garantindo a ele um ar aristocrático – começa o filme praticando algo que o detetive adorava fazer nos livros: desdenhar da escrita de Watson (Colin Bradley), acusando-o de aproximar a imagem de si da de um misógino, além de exagerar em seus dotes musicais. Mas o que realmente incomodava o protagonista eram as liberdades poéticas tomadas pelo médico, que faziam dele um personagem longe demais da realidade e mais próximo de um ideal heroico.

    O auge do sarcasmo acontece quando Holmes recusa um convite para “deitar-se” com uma renomada artista russa, alegando que, assim como Tchaikovsky, seu prato preferido não seria este – a homoafetividade antes insinuada é encarnada de forma jocosa, anedótica e pontual. O escândalo que a mulher rejeitada faz certamente é parecido com a reação que os fãs mais conservadores teriam ao ouvir uma revelação da homossexualidade factual do personagem; o grito de protesto pelo desperdício de tão viril figura – ao menos à primeira vista – seria uma resposta comum de parte dos leitores.

    É evidente que esta liberdade de roteiro era apenas anedótica, um artifício do detetive para rejeitar a mulher sem maiores problemas. Mas a indagação de Watson a respeito de seu currículo com o “beau sexe” (“belo sexo”, em tradução literal) incomoda o frágil detetive. A própria orientação sexual constituía para Holmes um mistério mais difícil de desatar do que os vários nós das vidas alheias – provando, aqui, mais uma grande característica do Detetive no cânone, o interesse diminuto em realizar autoanálise.

    O humor negro é muito presente sob uma máscara cínica e em abordagem ácida dos fatos absolutamente pouco usuais que aconteceram sob o teto de 221b de Baker Street. O registro visual lembra muito Topázio e Marnie – Confissões de uma Ladra, enquanto as viradas de roteiro remetem a Festim Diabólico e Disque M para Matar – Wilder era apenas sete anos mais jovem que Hitchcock, e, nesta película, optou por reverenciá-lo citando partes de sua filmografia, mesmo quando a crítica considerava o realizador em declínio, e Alfred estava às portas da aposentadoria.

    A fonte da desconfiança de Holmes com as mulheres seria sua noiva, que morrera de gripe pouco antes do casamento, mostrando que por trás do suposto comportamento misógino havia um coração ferido por uma perda irreparável, e até inesquecível, dada uma fala do detetive no filme:

    Alguns de nós vivem atormentados com uma memória de elefante, com uma quantidade tremenda de dados variados lá cravados, mas na maioria inúteis”  – esta citação entra em contradição com uma afirmação de Holmes em Um Estudo em Vermelho, na qual ele compara o cérebro a um sótão, onde é interessante guardar somente o necessário. Talvez a argumentação de Wilder fosse a de mostrar que Holmes era incapaz de atingir este ponto ideal, assim não poderia esquecer-se de nada, desde que não seja algo inconveniente.

    Para Holmes, perceber que foi enganado e tratado como joguete pela única mulher por quem conseguira se afeiçoar – numa clara repaginação de Irene Adler – derrubou significativamente sua autoestima e a possibilidade de um romance com a única mulher que Sherlock seria capaz de amar. Mas, ainda assim, a reação do detetive fora benevolente, sugerindo ao seu irmão, Mycroft, que Gabrielle (Geneviève Page) tivesse amenizada sua pena por espionagem. A notícia que recebera por carta no final sepulta de vez qualquer possibilidade de haver um romance imaginado em sua mente, encerrando em seu triste coração partido a inexorável solidão, que deveria estar presente até o fim dos seus dias, provavelmente vivendo estes de modo melancólico.

  • Crítica | As Névoas do Terror

    Crítica | As Névoas do Terror

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    A produção de 1965, dirigida por James Hill, começa em tom folhetinesco, com o assassinato de uma messalina, utilizando um enfoque bastante sensacionalista, unindo dois dos maiores ícones britânicos em um só universo ambiente. A vida burlesca da grande metrópole é mostrada como em um grande pastiche, em uma visão debochada da faceta marginal em plena Era Vitoriana.

    A cena do segundo assassinato varia em dois ângulos – a moça é jogada em uma bacia cheia de água, e de cima o estripador toscamente esfaqueia a vítima, num plano muito mal enquadrado; mas de outro ângulo, vê-se nos olhos da martirizada mulher a arma branca invadindo a água, e, para o seu terror, o sangue subindo, numa belíssima tentativa de imergir o público, pondo-o no lugar de sofrimento da assassinada.

    John Neville faz um Sherlock esguio, como nos desenhos de Sidney Paget, exceto pelo penteado sem entradas de calvície. Vivaz, ativo, praticamente irreconhecível quando disfarçado, diferente de sua contraparte nas películas do final dos anos 30, se diferenciando de Basil Rathbone em qualidade, claro, livre das amarras temporais do intérprete anterior.

    A caça aos libertinos passa a ser prioridade para alguns da comunidade, ao contrário da captura do vil assassino – a crítica à hipocrisia desta sociedade não é velada, ao contrário da larga utilização dos serviços das mulheres pouco respeitáveis por parte de senhores da alta classe.

    A câmera usada como os olhos do monstro/assassino, 10 anos antes de Tubarão de Steven Spileberg, registra o modus operandi de uma das profissionais do sexo, além de mostrar o fim inevitável que sua vida de pecados lhe causou. Os zoom outs que contemplam a arma do crime e a trilha sonora histriônica causam no espectador um misto de temor e impaciência em descobrir quem está por trás dos temíveis e atrozes crimes de Jack, O Estripador.

    O desfecho é mais do que satisfatório, misterioso até o fim. A hipótese da película de James Hill é a de que, se Sherlock habitasse o mesmo mundo de Jack Estripador, sua identidade não seria incógnita por tanto tempo. O espectador não é subestimado, e o roteiro de Derick Ford é muitíssimo bem construído, fazendo do paupérrimo orçamento algo irrelevante diante dessa história tão bem urdida.

  • Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    A cine-série protagonizada por Basil Rathbone apresenta a temática da Guerra contra o nazifascismo e pretensa soberania alemã, numa “adaptação” do conto de Arthur Conan Doyle, The Dancing Men. Dessa vez a obra é regida por Roy William Neill, que prosseguiria na franquia por mais 11 filmes. Logo de cara nota-se que os disfarces de Holmes estão melhor construídos do que a versão de 1939 para As Aventuras de Sherlock Holmes.

    Sherlock, em frente a um espelho, se desvencilha da máscara que usava como maquiagem, mostrando ao público sua real face e compartilhando com ele um pouco do seu processo de trabalho, numa frase bastante emblemática que lembra muito o detetive dos contos doylianos: “Eu nunca suponho, Watson”.

    Graças a um atentado, e com receio disso respingar em sua amada, Doutor Franz Tobel (William Post Jr.) aliado de Holmes, exige que seus experimentos não tenham interferência ou supervisão inglesa, fato interessante por si só por demonstrar de forma clara o paralelo com a costumeira neutralidade da Suíça, país de origem do espião infiltrado, e que só se permite entrar no esforço de guerra contra o Führer em seus próprios termos. A elevação de Tobel evidencia um defeito que cada vez mais se agrava: a lastimável transformação de Watson em um alívio cômico; o médico mal entra nas investigações.

    A única semelhança factual entre o roteiro final e o conto original é o código usado para esconder o segredo do agente infiltrado, que serve mais como easter egg do que como fonte de inspiração. A versatilidade de Rathbone constitui um dos pontos mais altos do filme, principalmente pela quantidade de disfarces que Sherlock lança mão. As cenas de tortura também são muito bem executadas.

    O Professor Moriarity – grafado errado na ficha técnica – é completamente diferente do retratado por George Zucco em Aventuras de Sherlock Holmes. Lionel Atwill, que já havia feito o Doutor Mortimer em O Cão dos Baskerville de 1939, metamorfoseia-se em um vilão comum, apenas preocupado com o lucro, em nada lembrando o Napoleão do Crime, inferior, e muito, ao seu antecessor no papel. O problema é tão gritante que ganha ares de ato falho, em uma fala de Sherlock/Basil emblemática: “Ora essa, esse não é o professor Moriarty, mestre dos crimes, que eu conheço”.

    A tentativa de deter Sherlock é muito facilmente desbaratada, e caracteriza este plano como algo muito mal construído, aliado à armadilha que o Detetive arquiteta para o seu rival, que o reduz a um simples bandido ordinário e sem criatividade própria, o que leva a crer até mesmo na possibilidade deste ser um impostor. Sua morte é ainda mais indigna que a versão do pastiche presente no filme.

  • Resenha | Planetary: Deixando O Século 20 – Vol. 3

    Resenha | Planetary: Deixando O Século 20 – Vol. 3

    planetary vol 3

    Deixando de lado a introspecção de Snow, vista na última edição de O Quarto Homem e voltando, logo no início, para uma diferente linha temporal, Planetary em seu terceiro volume mergulha numa referência aos crossovers que ficaram famosos pelas mãos de Alan Moore em Liga Extraordinária. A Alemanha de 1919 contém referências de Fritz Lang a Bram Stoker e demais cientistas loucos, desde Frankenstein até Médico e Monstro, com humanoides de aparência grotesca que atacam o protagonista centenário.

    Assim como o clima da Era Vitoriana, o barroco e gótico se misturam na arquitetura da mansão invadida, ecos vindos através do mitológico personagem encarado pelo grisalho homem. O novo século foi cruel com o velho detetive. Sherlock Holmes apresenta seu semblante cadavérico, uma sombra do homem que já foi, mas em momento algum demonstra ser subestimável, apesar da necessidade, a pedido de seus sócios, de ter consigo um guarda-costas sobrenatural, sendo esta uma figura das mais inconvenientes.

    A experiência de Holmes serviu para que Snow conseguisse seu objetivo em esmerar-se no ofício detetivesco, bebendo direto na fonte, consultando o maior membro da classe. O quarto homem prosseguiu ao lado de Sherlock até que seus olhos se fechassem, até que a velhice desse seu último golpe, encerrando a existência do bravo homem, que tinha desgosto de perceber o sotaque do seu pupilo, mas que teve seu testamento vivo nas atitudes do seu último aluno.

    Ambrose, Jakita e Batera são mostrados em ação em flashs, que contemplam suas ações além de uma invasão à base do Planetary. Os lapsos referem-se às sinapses da confusa mente de Snow, exibindo momentos na mesa de cirurgia do Dr. Dowling no momento em que a mente do líder seria apagada. As bravatas de Snow eram enormes, com ameaças violentas ao grupo de que eles encontrariam a morte caso ele voltasse a ter suas lembranças. Partes do segredo vão aos poucos sendo revelados. A ordem de não permitir que os “desgraçados vençam” demonstra todo o temor que acomete o imaginário e o planejamento do misterioso mentor do quarteto.

    Os motivos da censura à própria mente não são revelados de modos instantâneo, pelo contrário, os elementos exibidos somente confundem mais o leitor, especialmente os que lembram artefatos mágicos e armas semelhantes às usadas por divindades místicas. Elijah assemelha-se aos imortais não somente por sua idade avançada, mas também por todo o misticismo que envolve sua persona.

    Ainda resgatando as lembranças, a parada que Snow e Wagner fazem é na viúva de Ambrose, que busca dar qualidades financeiras para tentar aplacar a dor da perda de seu antigo subalterno, prestando homenagens ao falecido agente, declarando a sua parentela todo o seu caráter heroico. Após isto, ele encontra-se com Alex Brass sem nenhum motivo aparente a não ser a vontade em se inspirar antes de entrar em ação novamente. Elijah buscava em suas figuras de exemplo a força que não encontrava em si, uma vez que sua identidade ainda permanecia incógnita.

    A inspiração no desbravador Carlton Marvell aumenta a sensação de carência no protagonista, que fazia até de um desconhecido o impulso e estímulo para lutar contra as figuras dantescas e milenares.

    O trabalho artístico de Cassaday continua como um dos pontos mais altos da publicação, variando de estilo com uma facilidade atroz, especialmente nas referências visuais a diferentes partes do globo. As cores de Planetary fazem eco com a realidade e com a contemporaneidade; aquarelas belíssimas que também dão um tom de clássico, condizente com todo o resgate de objetos canônicos da cultura pop que Warren Ellis sempre tenciona mencionar.

    Kevin Sack, um dos alteregos de Elijah, investigava uma área florestal nos anos 1930 quando encontrou o aventureiro descamisado Lord Blackstock. Opark-Re é uma vila futurista, composta por negros de tecnologia muitíssimo avançada, cuja economia era baseada nos mandamentos de Marx e Engels. O Fantasma do Século XX é marcado de modo emocional, cuja lembrança precisa ser revisitada em virtude do apagão de sua psiquê, o que ajudaria ainda mais a esconder a origem de outra personagem, além de referenciar a catástrofe de inúmeras civilizações perdidas, como Atlântida.

    Após ter um encontro com John Stone, Elijah recebe a notícia de que seu nêmese está por perto, e ele poderia enfim ter sua vingança, mas, para isso, precisaria se livrar de seu orgulho e aceitar a ajuda de seus parceiros. O Dr. Randall Dowling é vencido com uma grande facilidade. O foco de interesse na última edição fica por conta do romance Da Terra à Lua, obra em que Julio Verne teria fantasiado toda uma expedição interespacial do Clube da Arma Americana, cujo final foi trágico, diferente demais do desfecho literário e semelhantes aos análogos reais da cruel existência do homem na Terra.

  • Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    sherlock-his-last-vowO episódio derradeiro do terceiro ano, dirigido por Nick Hurran (do filme Coisas de Meninos e Meninas e de Doctor Who), faz referência óbvia ao conto denominado O Último Adeus de Sherlock Holmes, onde o Detetive contaria o seu último caso cronológico, ao menos até a data do lançamento. Como uma lente sem foco, o espécime começa mostrando um interrogado sem seus óculos, tal sujeito já havia aparecido em sua silhueta em momentos anteriores deste ano. Sua figura finalmente ganha contornos reais e ele faz uso de alta tecnologia para praticar seus “atos”.

    Mister Charles Magnussen, interpretado pelo dinamarquês Lars Mikkelsen é um sujeito frio, calculista, e sedutor, a sua maneira, que tem poderes enormes no campo das chantagens, mantendo-se acima de qualquer trivialidade humana, em suspenso, como um inatingível vilão e que só poderia ser vencido por um adversário tão altivo quanto ele, que seria, claro, o detetive de Baker Street, que consegue não ser enquadrado até completar-se mais de dez minutos de sua série homônima.

    Encontrado por Watson (Martin Freeman) em um ninho de drogados, Sherlock (Benedict Cumberbatch) dá um sentido gonzo às inserções em seus casos, se drogando e levando broncas dos membros do laboratório onde trabalhava, especialmente Molly (Louise Brealey). Curiosamente, após todo esse imbróglio ele é alocado para o caso insolúvel de Magnussen, passando por cima do membro mais importante da família e antigo nome pelo qual respondia o governo britânico, a inversão de papéis obviamente irrita Mycroft (Mark Gatiss), mas o que mais surpreende é a adição de Janine (Yasmine Akram) à rotina de Sherlock, como parceira sexual. A persona de Holmes ainda guarda muitos mistérios.

    Assim como na história primária, a trama do guião envolve a segurança internacional e a grande possibilidade de uma guerra de proporções catastróficas. O elegante nêmese se mostra um rival muito próximo do que chegou a ser Jim Moriarty, mas sem o seu carisma, sem a personalidade magnética. Sua capacidade de dedução chega a superar a de Sherlock, ainda que ele lance mão de itens tenológicos que elevam as suas já grandes capacidades de detecção, simbolizadas pelos óculos, um objeto comum aos homens a séculos e utilizado por qualquer um que necessite corrigir uma falha orgânica referente a um sentido básico. O cuidado do roteiro com seus signos permanece afiadíssimo e se aprimora cada vez mais. No entanto, o maior paradigma da série prossegue, pois Holmes trabalha seus casos em cima da falha humana.

    O cérebro do Detetive é tão absurdamente bem desenvolvido que ele é capaz de analisar tudo a sua volta de modo muito veloz, e até retardar o que seria um ferimento fatal, tudo para prosseguir desvendando o mistério deveras incomum que se apresenta a ele. A viagem do protagonista ao porão de sua alma, simbolizado por uma sala acolchoada onde habita o seu rival falecido é uma das melhores sacadas de roteiro do seriado. É a preocupação com seu velho amigo que o faz lutar para não morrer, que ocasiona seu retorno ao mundo dos vivos.

    Para o leitor atento ao estudos do cânone de Conan Doyle deve lembrar da teoria de que John Watson teria tido uma segunda esposa, após Mary Morstan ter falecido – tal teoria é subvertida para algo maior, mais dramático e penoso, envolvendo a nova senhora Watson (Amanda Abbington) como parte integrante da misteriosa teia de crimes investigada pelo detetive consultor. Tudo fica mais pessoal, mais íntimo, até o ponto em que tudo que significa algo para a dupla torna-se frio e absolutamente calculado, o que era pessoal torna-se impessoal a partir daí.

    O vilão volta com ainda mais força, demonstrando uma onipotência incômoda para alguém que ocupa o cargo de “quarto poder”. O conhecimento vasto de Magnussen se mostra intransponível, até para Sherlock, e diferente dos contos canônicos, dessa vez o protagonista não está acima da trama, mas sim inserido nela, ele não consegue mais desmontar o esquema como antes fazia, ele é falho, como todos os humanos que ele tanto renegou e para vencer teve de descer ao nível dos outros seres e cometer o ato mau mais mundano e comum ao homem – o assassinato. Na triste partida de Sherlock ao exílio, ele dá o seu adeus a Watson dizendo que o jogo nunca acaba, e o que muda são os jogadores, mas antes que ele pudesse finalmente se ausentar, há uma reaparição do maior dos ardis de Holmes, aumentando e muito as expectativas para a quarta temporada, que somente será exibida em 2016.

  • Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    sherlock-s03-e02-the-sign-of-threeO prólogo do segundo episódio exibido em 2014 inicia-se com a companhia de Lestrade (Rupert Graves) tentando pegar uma quadrilha que costuma meter a mão em milhões de libras, até que o inspetor de polícia é interrompido pelo chamado de Sherlock (Benedict Cumberbatch), que o pede para ajudá-lo a contar uma piada a respeito de Watson (Martin Freeman), já que ele é o padrinho do médico em seu casamento – invenção interessante, uma vez que O Signo dos Quatro, é o romance em que John conhece Mary Morstan (Amanda Abbington), que viria a ser sua esposa, na versão moderna, o seu casamento encaixa muito bem na adequação das intenções do cortejante, sem falar que é uma oportunidade ímpar de brincar mais uma vez com a inadequação de Holmes diante de outros humanos.

    O conflito mais interessante de Sherlock, até então é com o infante Archie, filho de uma das madrinhas, que o Detetive fez questão de investigar, visto que há nele uma curiosidade grande com relação ao background de seu parceiro. Incrível como alguém que parecia conhecer tão bem seja um completo mistério em nível pessoal. A mudança do número na alcunha do episódio representa bem o ápice do nervosismo de Sherlock, por ter de conviver com a situação de estar em uma relação a três.

    Logo é mostrado que Sherlock tem dificuldades em realizar discursos, falar para um público grande e, claro, demonstrar sentimentos. Ao invés de fazer de uma vez a oração que preparou, ele faz um preâmbulo, descrevendo os momentos posteriores ao anúncio de que seria o “best-man”, e a sua maneira condescendente e cínica, ele se declara ao amigo, rasgando os elogios que seriam possíveis a uma alma tão perturbada quanto a sua. Ele chega a tirar lágrimas sinceras da plateia antes de começar a fazer os comentários engraçados, baseados claro em seus posts de blogs.

    Toda a argumentação é eufemística, busca fingir que Sherlock não sente que a rotina piorará após o casamento entre Watson e Morstan, e a noiva, preocupada com bem-estar do consultor fala para seu futuro cônjuge achar logo um caso que ocupe a mente do preocupado solitário. Logo a dupla se vê no rastro do Major James Sholto (Alistair Petrie) antigo comandante de John no Afeganistão, que tem uma mancha no passado demasiado espinhosa. Ao se meter numa clandestina procura, metendo ele e seu amigo veterano de guerra em um estranho caso de agressão no interior de um prédio militar, que parecia um suicídio. A partir daí, ele conta a história do tal soldado, unicamente para mostrar o valor do homem que subia ao altar, e que salvou a vida do sujeito, mesmo que ele não poupe o público de detalhes mórbidos da história.

    A fala de Sherlock é tão apreciada, que ele começa a contar outro caso, um em que ele e John se entorpecem de álcool e acabam entrando em uma investigação que envolve algo pseudo-espiritual, que se prova uma história de infidelidade, algo pouco aconselhável para se contar em meio a celebração de um sagrado matrimônio, mas que não é contado por mera coincidência. A direção de Colm McCarthy ajuda a grafar todo esse caos instaurado.

    Como se espera, Sherlock acaba deixando de lado sua oração para resolver a questão que permaneceu em aberto todo esse tempo, não resolvendo o caso antes de se declarar novamente ao seu amigo, mostrando o quão válido é para ele ser um homem importante na vida do noivo, valorizando os amigos de Watson no passado. Após revelar o temível vilão, ele volta as suas atenções para o cerimonial, tocando uma de suas composições no violino, numa das poucas demonstrações de carinho e afeto que foi capaz de fazer em toda a extensão de sua vida. A mensagem final do episódio é de despedida dupla – na verdade tripla, já que este é o número preponderante do episódio, tal tônica corre todos os episódios da temporada, contrastando com a ideia de retorno do desaparecido.

  • Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    sherlock-s03-e01-the-empty-hearseApós o já previsto hiato de dois anos – quase o mesmo tempo do cânone – e após uma introdução pautada na comédia (Manny Happy Returns), onde seria o personagem de Jonathan Aris, Anderson, seria completamente remodelado, um sujeito crédulo, que procurava avidamente rastros de Sherlock pelo mundo – além disto, o prólogo contém uma mensagem em video-tape, contendo um desejo de feliz aniversário ao nobre médico, além de uma promessa de retorno. O início do episódio em si repete os aflitos minutos finais da segunda temporada, ainda que de modo diferenciado, com um forte teor de teoria da conspiração, de cumprimento inverossímil, mas deveras significativo e engraçado pelo deboche com que é feito.

    O foco do programa é obviamente no retorno do Detetive (Benedict Cumberbatch), que permanece tendo a moralidade de suas “ações” discutida. A série de Steven Moffat retorna com direção de Jeremy Lovering. John Watson (Martin Freeman) parece abatido, deixou um bigode crescer, talvez para tentar se equiparar em velhice a sua contra-parte literária. Ele claramente sente muitíssima falta de seu parceiro, e esqueceu tudo e todos, inclusive sendo relapso com a governanta, senhora Hudson (Una Stubbs).

    Sua primeira fala espirituosa é a declaração de sua heterossexualidade, ao afirmar que casará – é incrível como essa piada segue engraçadíssima. A edição segue frenética e video-clíptica, garantindo mais ótimos momentos de humor absoluto, como a cena em que Holmes finalmente encontra Watson, bem quando este pedirá a mão de sua noiva em casamento. O reencontro, quando acontece é súbito e emocionante, tão indelicado e sem tato quanto as investigações sherloquianas, mas o clima fúnebre é quebrado por mais uma série de tiradas cômicas. O tempo demasiado gasto nas explicações e teorias é tão extenso quanto no conto, A Casa Vazia, publicado na Strand Magazine em outubro de 1903.

    Após uma trama não muito complicada, envolvendo o sequestro de seu amigo, Sherlock se lança desesperado ao encontro do perigo, para ver seu companheiro em segurança mais uma vez, trama esta que daria lugar a uma ainda maior. Antes dessa apresentação formal, há um breve momento de reencontro entre o investigador profissional e seus idosos pais, em mais um momentos cujo humor ácido (e até inconsequente) predomina.

    O antagonista, Coronel Moran é substituído nesta versão por um Lord, um importante membro do parlamento, maximizando assim sua capacidade destrutiva, dando um significado ainda mais político aos seus atos e aumentando a importância de seus malfeitos, ainda que eles permaneçam tão destrutivos e explosivos quanto no original. A chegada da iminente morte, os dois parceiros se veem sem mais nada além da companhia um do outro, e a mágoa pelo abandono escorre pelas palavras do médico, para logo depois vir o perdão. Após o emocionante “epitáfio” o drama da morte é explicitado, mostrando uma teia de ações complicadas, que apesar de friamente arquitetada, contém muito simbolismo emocional, e claro uma teatralidade que faz toda a explicação mostrada por último ser discutível em relação a veracidade e conteúdo conspiratório.

    As postagens de Watson continuam incomodando o sociopata funcional, tanto por seu caráter fantástico, quanto pelo ludismo excepcional, presente na distância entre os relatos romantizados e a realidade factual. O roteiro de Steven Moffat e Mark Gatiss consegue angariar todo o sentimento de alívio que o público sentiu ao ver seu herói retornar as páginas de seus contos, e a transferência desta expectativa para o episódio da TV é feito em grande estilo, superando as expectativas de todo o público que consome a programação da BBC One e elevando o nível das produções televisivas britânicas, fazendo desta algo que em nada deve aos sub-produtos da HBO.

  • Resenha | Sherlock Holmes: O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle

    Resenha | Sherlock Holmes: O Cão dos Baskervilles – Arthur Conan Doyle

    Publicada originalmente em 1902, O Cão dos Baskervilles é uma das mais conhecidas histórias do famosíssimo detetive criado por Sir Arthur Conan Doyle. Dentre as várias versões, traduções e até adaptações para outras mídias, esta resenha vai tratar da edição da Editora Melhoramentos, que conta com tradução de Antonio Carlos Vilela.

    A trama mescla um mistério aparentemente sobrenatural com o habitual suspense investigativo das aventuras de Sherlock Holmes. A família Baskerville convive há séculos com uma fama de azarada, proveniente da lenda envolvendo um terrível cão demoníaco que persegue seus membros. Lenda esta que volta à tona quando Charles Baskerville morre sob estranhas circunstâncias, e tudo indica que seu sobrinho e herdeiro esteja em perigo. Entram em cena Holmes e o fiel Dr. Watson, aplicando os métodos racionais de observação e dedução num cenário que desafia a razão.

    Complicado avaliar uma obra tão marcante e influente no seu gênero. Talvez O Cão dos Baskervilles compartilhe do problema de muitos clássicos, que, dependendo do momento em que são consumidos, tem muito pouco a surpreender quem já está familiarizado com o estilo. Outra possibilidade é que esta edição em si, nitidamente voltada ao público infanto-juvenil, tenha simplificado (ou até resumido) demais a linguagem e a história em si.

    O fato é que o livro se revelou burocrático, raso e pouco estimulante. A maior parte da trama é apresentada em relatórios resumidos e reflexivos de Watson (que narra em primeira pessoa). Ou então em diálogos calmos e especulativos entre os personagens. Ação, movimentação, senso de urgência ou de TEMPO PRESENTE praticamente inexistem. Tudo acontece de forma rápida, personagens surgem e cumprem seu papel tão imediatamente que não há tempo nem para se ter qualquer dúvida a respeito deles. A intenção (se é que existia) de instigar o leitor, criar uma atmosfera inquietante e misteriosa, falha miseravelmente.

    Para completar o desagrado da experiência, o livro apresenta algumas ilustrações que passam perto da vergonha alheia. A impressão é que imprimiram por engano os esboços não finalizados de um adolescente que mal começou a aprender a desenhar. Como aspectos positivos, infelizmente só é possível citar a fluidez da linguagem e o fato do livro ser curto (152 páginas). Até mesmo a célebre genialidade de Sherlock não consegue despertar um mínimo de diversão, devido ao modo frio e tedioso com o qual a resolução acontece.

    Texto de autoria de Jackson Good.