Tag: Martin Freeman

  • Review | The Office (UK)

    Review | The Office (UK)

    A primeira cena do seriado britânico The Office – que fez o começo da fama da Ricky Gervais, um marco da parceria do comediante com Stephen Merchant – já trata de estabelecer o quão constrangedora é a postura de David Brent (Gervais), o gerente da Wernham Hogg Paper Company, um sujeito inconveniente e sem qualquer tato social para tratar seus funcionários.

    Todo o cerne da série é apresentar um ambiente de trabalho universal, pessoas comuns e sem grandes aspirações como normalmente não ocorre no audiovisual. Ainda no piloto, os personagens principais são apresentados, David Brent, já mencionado; Dawn Tinsley (Lucy Davis) secretária e recepcionista; Gareth Keenan (Mackenzie Crook), discípulo de David em impertinência; e por fim, o vendedor Tim Canterbury (Martin Freeman). Estes dois últimos fazem questão de aprontar peças um com o outro o tempo todo, desenvolvendo uma rivalidade que seria levada à frente no remake americano. Além destes há também a chefe de departamento, Jennifer Taylor-Clarke (Stirling Gallacher), que faz questão de pôr o gerente em seu lugar a todo momento.

    O formato mockumentary não era tão comum em 2001, assim como a ideia de documentar de maneira falsa a rotina de trabalhadores comuns, mas também faz um comentário sarcástico sobre a hipocrisia comum ao cidadão médio, como quando o documentarista deixa David explicar o motivo de haver pouca variação étnica em sua empresa, mostrando assim um lado bastante racista por parte do responsável pela empresa, que vive confundindo todos os não brancos unicamente por não serem caucasianos.

    A imbecilidade e falta de noção do gerente é tamanha que este faz pegadinhas com possíveis demissões de seus funcionários. A ausência de claquete faz aumentar a sensação de desconforto, demorando para ambientar o público não acostumado com a temática de comédia inglesa.

    O primeiro ano desenvolve um pouco da intimidade dos personagens, primeiro com a questão envolvendo o relacionamento em declínio de Dawn e Lee (Joel Beckett), consequentemente tratando também do flerte proibido entre a moça e Tim. A pessoa mais próxima do normal dentro desse ambiente de trabalho é o próprio Tim. Além disso, o vendedor não vê muitas perspectivas de crescimento na empresa, e seu sonho antigo de cursar psicologia é adiado graças a uma pequena promoção que recebe, ainda que o motivo real para continuar ali seja outro que não o lado financeiro.

    A segunda temporada se aprofunda nos detalhes técnicos do trabalho, mostrando a fusão de uma filial com outra. Também se observa a total falta de sociabilidade de Gareth, que age como um misógino orgulhoso. Além disso, se demonstra uma nova “rivalidade” nascendo, ainda que isto se deva basicamente a uma típica cobrança trabalhista, vindo de Neil Godwin (Patrick Baladi), o novo superior de Brent, que vem da uma outra unidade da empresa para unificar as filiais.

    O nível de constrangimento e vergonha alheia aumenta absurdamente no final desse segundo ano, uma vez que Brent é enquadrado, tanto em seu falso sucesso como gestor, quanto na condição de trabalhador comum. Sua demissão era um evento já esperado, visto a completa falta de tato e noção, além da condição adversa pela qual passa, intensificada pela documentação em vídeo de sua rotina.

    A história que se passa quase três anos após os eventos iniciais mostra Brent em decadência, reclamando da exposição que sofreu no tempo posterior a sua demissão, e como se tornou motivo de piada por onde passava. Incrivelmente, os especiais servem mais a causar uma reflexão do que fazer graça. Os momentos finais, mesmo que proferidos por David – que claramente mistura as palavras maduras com momentos de pouca inspiração – soam inteligentes e precisas, quase poetizando o total dos 14 episódios gravados e exibidos, prevendo uma faceta que Gervais exploraria mais em Derek e nos filmes que dirigiu com Merchant posteriormente.

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  • Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    O início da season finale da quarta temporada de Sherlock se inicia de forma fantasiosa, como em um sonho de Mycroft Holmes (Mark Gatiss), sendo perseguido em sua própria casa, em um excelente despiste, que faria inveja até aos filmes de Alfred Hitchcock. A partir dali se desenrola a misteriosa trama a respeito de um terceiro Holmes, teoria normalmente levantada por especialistas nos estudos dos escritos de Arthur Conan Doyle.

    A vilania, que antes era de James Moriarty (Andrew Scott), finalmente ganha um nome e uma definição mínima, e os métodos implacáveis deste antagonista são muito semelhantes aos do antigo, inclusive com um atentado contra os heróis que quase morrem na detonação de uma granada, em uma das piores cenas envolvendo efeitos em CGI da série. Este terceiro episódio funciona como uma amálgama dos dois outros, reunindo parte dos acertos de Lying Detective, em especial às partes mais herméticas, além de alguns defeitos de conceito de Six Thatchers, ao se valer demais as referências sentimentais dos personagens canônicos.

    O roteiro de Gatiss e Steven Moffat serve como cópia do conto O Problema Final, o mesmo que introduzia Moriarty ao universo do Detetive. Além das cenas que inovavam o conteúdo literário – as herméticas, já distas – há também uma quantidade de eventos mais literais e verossímeis. No entanto, a ligação emocional estabelecida entre o Jim Moriarty e o novo/velho vilão soa bastante forçado. As ameaças e os métodos de dominação da personagem de Eurus (Sian Brooke) também destoam de outras personagens, principalmente se comparado ao apuro visto nas performances do próprio Scott e da Irene Adler de Lara Pulver em A Scandal in Belgravia. Sherlock finalmente se torna refém de seu próprio suspense.

    O suspense do decorrer da trama principal se perde em muitos momentos, graças aos núcleos secundários. A direção de Benjamin Caron soa confusa em alguns momentos, não conseguindo harmonizar simples cenas de ação com flashbacks. Pior que esta confusão é a dificuldade que o roteiro tem em fazer sentido, fazendo questão de explicar e re-explicar à todo momento que Jim está realmente morto. Esse aspecto é tão irritante que a comparação com Interestelar, de Christopher Nolan, torna-se inevitável, ainda que obviamente não haja o apuro visual do cineasta britânico ou o mesmo nível de discussão filosófica dentro do capítulo citado, sendo esses pontos fortíssimos da trama do sci-fi. Impressiona como tudo o que era pontual e acertado soa frívolo e esdrúxulo nessa temporada que pode ter sido a última.

    A muleta de Moriarty prossegue até o final do episodio e também do ano, evidentemente. O entrave entre irmãos mira a referência bíblica de Isaque e Jacó e acerta em uma exploração gratuita e infantil de uma rivalidade que claramente não estava nos planos originais dos showrunners. A maioria dos elogios a essa temporada moram na tentativa de demonstrar emoção por meio do sensacionalismo, e esses são completamente descabidos, uma vez que esse artifício quase nunca acerta nem no aspecto sentimental, tampouco no mais pragmático.

    Outra característica terrível é a falta de nuances das novas personagens, em especial no background de Eurus, que é mostrada como uma mulher louca, de cabelo grande e desgrenhado, como uma versão da Samara, de O Chamado. Suas atitudes transbordam desequilíbrio e cafonice, apelando para um estereótipo de loucura mais condizente com as séries americanas, como Da Vinci Demons, não com um programa que sempre foi elogiado por sua sobriedade.

    A ligação sentimental estabelecida entre o Sherlock (Benedict Cumberbatch), John (Martin Freeman) e a “nova” personagem até se aproxima de uma construção mais elaborada, mas é jogada por terra para dar vazão a mais um final errático e escapista, diferente de todos já vistos até aqui. Mais uma vez a base de comparação para a toada de Sherlock é uma obra de Nolan, com a mesma quebra de realismo vista entre O Cavaleiro das Trevas e O Cavaleiro das Trevas Ressurge, sendo que nessa, não há muita justificativa para a mudança brusca de tom, muito menos na cena final, onde os heróis correm contra o vento, como nos Batman de Joel Schumacher. Afora as referências aos textos originais, quase nada se destaca positivamente em The Final Problem, sendo esse um desfecho decepcionante e bastante melancólico para a dupla de Baker Street.

  • Review | Sherlock S04 E02 – The Lying Detective

    Review | Sherlock S04 E02 – The Lying Detective

    Como em Study in a Pink, John (Martin Freeman) também começa o capitulo em uma sessão de terapia, motivadas pelos traumas das ocorrências ao final de The Six Thatchers com a morte de Mary (Amanda Abbington). A dupla de heróis é afetada fortemente pela perda recente, com o doutor caindo em depressão e o detetive se culpando pela situação ocorrida, apesar de sua postura não ser a assumidamente de culpa ou responsabilidade pela morte que malfadou o grupo na abertura da temporada.

    John tem conversas frequentes com um fantasma, fato que permite não só o retorno da atuação de Abbington, como o acréscimo da nova terapeuta, vivida por Sian Brooke, que seria mais um olhar feminino sobre a psique do recém viúvo. Esse talvez seja o único momento de incontestável boa construção de dramaturgia desse quarto ano, especialmente se comparado a conclusão final que recai sobre esta que pode ter sido a última temporada das aventuras do Detetive.

    O acréscimo do personagem Culverton Smith (Toby Jones) começa de modo misterioso, com ele apresentando uma trama que mescla showbusiness com teoria da conspiração, em sequências de ação que fazem lembrar demais as distopias clássicas, em especial 1984 de George Orwell, com alguns elementos de produtos mais recentes, entre eles o quadrinho de Alan Moore V de Vingança e o filme Réquiem Para um Sonho, no sentido de brincar com os sentimentos dos personagens, no caso, Sherlock (Benedict Cumberbatch), que após tomar consciência de seu novo adversário, passa a agir como um sujeito ensandecido, com a mente em frangalhos, como visto no livro não canônico Solução a Sete Porcento, de Nicholas Meyer onde Holmes tem uma crise de abstinência de cocaína, e se consulta com Sigmund Freud. Os paralelos com o livro são registradas por meio de alegorias inteligentes e sagazes.

    A sensação vista no primeiro episódio da temporada se repete aqui, já que ele em alguns momentos parece ser um preambulo para acontecimentos maiores no season finale. O paradigma de ser um objeto do meio denigre um pouco a qualidade do capítulo em si, mas não o joga na mesma vala de Six Thatchers, basicamente por todo o plot vilanesco soar natural e condizente com tudo o que foi visto anteriormente dentro do programa.

    O diretor Nick Hurran consegue junto a Toby Jones contar uma historia sobre conspiração, paranoia e hipocrisia, através de um antagonista que tem carisma, além de uma capacidade de causar mal praticamente infinita. Os momentos delírio de Sherlock fazem relembrar o quão frágil é a saúde mental do herói, além de resgatar a interdependência entre Watson e Holmes, estabelecendo um novo começo para ambos, além de aludir a uma ilusão compartilhada dos dois, quando se trata do fantasma de Mary. Esse conserto faz pôr novamente nos trilhos a trama de Sherlock, mas ainda havia de se explorar mais um momento, em The Final Problem.

  • Review | Sherlock S04 E01 – The Six Thatchers

    Review | Sherlock S04 E01 – The Six Thatchers

    Muito tempo decorrido desde o ultimo episódio, His Last Vow – exibido em janeiro de 2014 – e após um especial que retornava as origens de Arthur Conan DoyleA Noiva Abominável – finalmente o programa de Mark Gatiss e Steven Moffat é retomado, com o protagonista sofrendo um julgamento, a respeito dos crimes que ele teria testemunhado no último capitulo, ao lado claro de Mycroft (Gatiss), para enfim entender o perigo que ele sofreu, já que poderia ter sido ele a perecer e não seu opositor. A questão é que essa urgência é deixada de lado, para dar vazão a uma trama mais medíocre que o usual em se tratando de Sherlock.

    Após algumas soluções fáceis, o personagem se concentra em tentar entender seu misterioso adversário já morto. Sherlock (Benedict Cumberbath) então se refugia junto a seu amigo John Watson (Martin Freeman) e sua esposa Marry (Amanda Abbington), ainda na Baker Street. O detetive aparece ligeiramente mudado, uma vez que não reclama sequer de acompanhar o casal rumo a maternidade, para ter o bebê de Watson, recebendo inclusive um convite diferente da expectativa em torno de si, tendo de aceitar o apadrinhamento do rebento por uma convenção social implícita.

    A fotografia do episódio começa bastante escurecida, e vai mudando de tom com o passar do tempo, se tornando mais clara enquanto as investigações prosseguem. A mostra a Holmes de qual seria a ligação de Moriarty com o caso averiguado é feita de modo muito ligeiro e atrapalhado. Apesar disso há bons aspectos, como as referências a Margaret Thatcher, inclusive no nome do capitulo, fazem um belo diálogo com a Guerra Fria. Junto a esse momento, há outra boa referência, como a sequência de ação que faz o seriado se assemelhar e muit aos produtos recentes como A Identidade Bourne, Cassino Royale e  o televisivo Nikita.

    A essência de Sherlock está lá, com o herói seguindo como um estrategista formidável, que consegue estar à frente até de seus aliados. A ação nesse segmento também é mais enérgica, e os cenários variados dão um charme à mais para a história de perseguição. Os pontos altos moram nas referências ao cânone, como a ignorância de Sherlock em relação ao nome de Lestrade ou da identidade de Dama de Ferro (essa na verdade, uma piada) e claro, os mesmos elementos visuais que deram certo na primeira, segunda e terceira temporada. Ainda assim, falta ineditismo a trama e feitoria, uma vez que os acertos se resumem quase somente aos tentos corretos das outras três temporadas.

    Até então os roteiros do programa não continham tantos defeitos capitais como há nesse. Talvez o hiato entre os anos tenha causado no espectador – em especial o mais crítico – uma expectativa alta em relação a qualidade dramatúrgica, agravada é claro pelo especial de natal que foi muito bem recebido. Há elementos diversos para enxergar preciosismo por parte do texto de Mark Gatiss, desde o flerte gratuito entre Watson e uma moça, até os momentos excessivamente melodramáticos. Um dos pontos centrais do roteiro é de qualidade bastante discutível, relativa ao destino de Mary. O desfecho do arco soa um bocado cafona e demasiado sentimental, em especial pelas músicas empregadas para causar uma comoção nada natural. Nesse interím, somente é positivo a base canônica, que reverencia Conan Doyle, mas a opção por tentar emular as tragédias shakesperianas é forçada, e irrita ainda mais por ser esta a base para o cliffhanger mais preguiçoso exibido no programa, ao menos até aqui.

    Todo as manobras de roteiro são muito convenientes, desde o tiro ocorrido, até os momentos posteriores, onde os figurantes deixam o espaço vazio para que somente os personagens mais próximos do sujeito vitimado possam lamentar a perda ocorrida, em uma mostra de extrema rapidez desses citados, a fim de manter a privacidade de alguém que ainda poderia ser socorrido. Até a questão de se resolver o conflito em um aquário soa acintoso, uma vez que não havia motivo aparente para ser ali, além de gerar a possibilidade do público associar aquele cenário ao esconderijo do Doutor Evil, vilão de Austin Powers que também tinha obsessão por tubarões, assim como a antagonista desse segmento.

    Os animais em CGI são pessimamente mal construídos, por pouco não soaria natural até a armamentação deles com raios lasers acima da cabeça. A escolha por esse efeito especial é tão errônea que serve de símbolo para quase todas as escolhas narrativas ruins, e fora a cisão da amizade de John e Sherlock, há pouco de maturidade na trama. Este início certamente foi o de qualidade mais discutível, e onde os defeitos mais saltaram aos olhos, driblando inclusive o paradigma de que o episódio dois das temporadas é o mais execrável, resultando em um capítulo de quase absoluta frustração e de expectativa aquém da qualidade do próprio seriado, que normalmente não se valia dos clichês da tv aberta.

     

  • Review | Fargo – 2ª Temporada

    Review | Fargo – 2ª Temporada

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    A história novamente baseada em fatos, apenas com os nomes dos personagens trocados por respeito aos familiares, e com a trama retratando exatamente o que ocorreu, se inicia em cada um dos episódios da 2ª Temporada de Fargo, que agora conta parte da trama dessa região incrível sob a ótica de novos personagens em novos tempos e retratando o fatídico período do massacre de Sioux Falls. Sob o risco da repetição, o segundo ano da série é, assim como o primeiro, irretocável. Relembrando temas e situações expostas na primeira temporada, agora o roteirista Noah Hawley muda tudo, apoiando-se no absurdo ao misturar ficção científica em uma trama de vingança em que erros tornam-se o fio condutor da complicada trama.

    Tendo um grupo de protagonistas tão bom quanto o primeiro — embora ligeiramente menos carismático —, vemos a cidade de Luverne, Minnesota de 1979 sendo tomada de assalto devido uma guerra entre máfias rivais, e tragando Lou Solverson (Keith Carradine na primeira temporada e agora por Patrick Wilson) para esta guerra. Tudo começa com uma atrapalhada situação de chantagem que, por incompetência do chantageador da família Gerhardt, torna-se uma sequência de homicídios improváveis. Por conta de eventos quase que sobrenaturais, a confusa cabeleireira Peggy (Kirsten Dunst, excelente no papel) envolve ela e seu marido, o açougueiro Ed Blumquist (Jesse Plemons) nestes assassinatos. Dessincronizados, o casal age de forma a manter sua vida e planos pelo lado do marido, ao mesmo tempo que busca sublimar os recentes acontecimentos com uma postura ativa e ao mesmo tempo catatônica por parte da esposa. Ela é uma pessoa em busca de sua essência e potencial reprimido pela condição de esposa e da chata cidadezinha. Considerando este potencial como irrevogável, suas ações partem de uma cegueira acerca da real gravidade das coisas, tomando sua mente e fazendo-a viver em outro mundo. Ironicamente este seu novo estado mental é justamente o que a torna capaz de se salvar em uma cena que usa de elementos ousados para inserir o absurdo da série, mas na mente de Peggy aquele absurdo todo é trivial e até mesmo faz sentido.

    Lou Solverson é tão competente e abnegado quanto sua filha Molly, e ainda conta com a esperteza contida de sua esposa Betsy Solverson (Cristin Milioti) e experiência de seu sogro, o Sheriff Hank Larsson (Ted Danson) para enfrentar as trapalhadas do casal Blumquist, a loucura absolutista da família Gerhardt e a eficiência filosófica do assassino da Máfia do Kansas, Mike Milligan (Bokeen Woodbine). Novamente o futuro de todos aqueles personagens não pode ser menos do que desastroso, e a sabedoria disso torna cada episódio uma experimentação única, uma última imagem provável daqueles personagens. Se de um lado a tensão é permanente, por outro as explosões de violência ocorrem quase como uma praga divina capaz de aliviar aquela pressão antes de uma explosão, mas sem antes criar outras tensões tão severas quanto. Neste ponto, embora seja resolução narrativa para a maior parte dos arcos da trama, ela nunca se mostra definitiva e agindo sempre como estopim para mais violência.

    Ao brincar com o espectador, até mesmo algumas resoluções elaboradas pelos personagens, que fazem total sentido por reverberarem ficção e realidade, mostram-se apenas alucinações de uma realidade cruel em que, mesmo que agindo sob a expectativa da lógica e inteligência, tudo está destinado a arruinar-se. Na época do lançamento do filme Fargo, ao ser questionado sobre os tais fatos nos quais o filme foi baseado, Joe Coen comenta que estes provavelmente aconteceram, mas não com aquelas pessoas, e afirma que quase tudo que se possa escrever deve ter um espelho na realidade. Sendo assim, você pode criar planos elaborados de vingança e morte, e ainda haver uma reverberação no mundo real. De certa forma tem o mesmo papel da frase que antecipa alucinações e processos por parte do público “Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”.

    O mundo criado pelos Coen e estendido por Noah Hawley tem consciência de que não existem mera coincidências e que pelo Teorema do Macaco Infinito se pode ser escrito, é porque algum dia será ou foi verdade, mesmo que para isso tenha-se que envolver o presidente Nixon e todos os seus filmes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Review | Fargo – 1ª Temporada

    Review | Fargo – 1ª Temporada

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    Um dos trabalhos mais ingratos que se pode ter no mundo do entretenimento é cutucar um clássico, seja por meio de reboot, remake, ou transposição para uma outra mídia. Como então mexer em Fargo, o excelente filme dos irmãos Coen, que aqui produzem a série. Fargo, o filme, conta a história de uma pequena cidade na Dakota do Norte onde uma série repentina de assassinatos é desencadeada pelo acordo desastrado de um vendedor de carros que planeja sequestrar sua esposa e assim conseguir o dinheiro do resgate de seu detestável sogro, mas que precisa lidar com as adversidades e inteligência determinada de uma policial grávida.

    E assim, tão inesperado quanto os acontecimentos da série, Fargo se estabelece como a melhor série de 2015, não só por concorrer a diversos prêmios, mas principalmente por conter aspectos cinematográficos com qualidade vista apenas em alguns poucos longas-metragens, quanto menos na TV.

    Simplesmente tudo parece estar no lugar, e o grande mérito desta ousadia está em no criador e roteirista da série Noah Hawley, que dirige o primeiro episódio e roteiriza os demais e faz um trabalho irrepreensível.

    Fargo se passa na pequena Bemidji, em Minesota, e conta a história de Lester Nygaard, brilhantemente interpretado por Martin Freeman (O Hobbit, e a série Sherlock Holmes), um agente de seguros inseguro e passivo, sem força para revidar a qualquer ataque que seja, inclusive de sua esposa que vive a compará-lo com seu irmão mais novo e bem-sucedido. Tragado pela cidade e sua mediocridade, Lester parece estar sempre à beira de um colapso emocional. Frágil, em certo dia reencontra um antigo colega da escola o qual relembra os episódios de bullyng que praticou contra Lester, bem como um breve enlace amoroso com sua esposa. Com medo, Lester acaba se machucando, e no hospital se depara com uma figura estranha com olhos de tubarão e personalidade cínica chamada Lorne Malvo. O personagem interpretado por Billy Bob Thornton (Papai Noel às Avessas, Na Corda bamba), magnético como sempre.

    Rapidamente numa conversa, Lester se abre e deixa em aberto a estranha proposta de auxílio através do assassinato de seu agressor. Mas este pequeno encontro desencadeia uma série de mortes que ultrapassam os limites geográficos.

    Tudo isso é investigado pela ainda jovem, mas brilhante Molly Solverson (Allison Tolman), que desata os nós e relaciona Lester com Lorne Malvo. Tudo isso com bom trabalho policial e inteligência, mas sem jamais ser levada a sério pela atrapalhada força policial da cidadezinha.

    Como uma extensão do filme original, a série estabelece a região e Fargo e seus condados como uma espécie de fenda moral, um local onde aquilo que pode dar errado certamente dará errado. Um cotidiano absorvente que por algum motivo se mostra quase surreal, inclusive ao analisar a cadeia dos acontecimentos. Outra característica trazida do filme é que existem pessoas extremamente lúcidas carregando a trama, permitindo que não haja qualquer tipo de raio de manobra para que o roteiro não subestime a força de sua narrativa e o espectador.

    A escala crescente de violência funciona como motor da trama, que mais do que envolver algum mistério, ou coisa assim, fala do desenvolvimento dos personagens, todos frente àquelas situações. Assim como o filme que deu origem à série não é sobre o que irá acontecer, mas sim como irá acontecer. Sem recorrer à pirotecnia ou tramas rocambolescas, tudo é relativamente simples de acompanhar, mas feito de forma a se comunicar continuamente com o espectador que poderá vir a ter empatia com qualquer um daqueles personagens em seus dilemas morais, pois exatamente todos os personagens da trama são muito bem escritos.

    Outro destaque está na escolha dos diretores, com destaque nos episódios 7 “Who Shaves the Barber?” na direção, que traz um humor inspirado e envolvente, bem como soluções de cena geniais; para o episódio 9 “A Fox, a Rabbit, and a Cabbage” que consegue alavancar ainda mais uma história que em nenhum momento empalidece e segue em frente com determinação ímpar, algo que pode enfraquecer no caso de algum ponto anti-climático. Aqui a série se coloca em um estado introspectivo, mas mantendo a força de sempre. E por fim, o Season Finale “Morton’s Fork“, que consegue amarrar toda a trama de maneira simples e extremamente recompensadora, novamente demonstrando que a luta moral com o acaso é parte inerente daquela região e a aura quase surreal da neve intensa, onde o clima inóspito marca a população que se perdeu no tempo e ainda acredita ser tão pura quanto a neve, mesmo que constantemente manchada pelo vermelho do sangue.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    sherlock-the-abominable-bride_posterO especial de 2015 do seriado Sherlock, de Mark Gattis e Steve Moffat começa rememorando uma prática comum tanto ao Holmes clássico de Arthur Conan Doyle quanto a versão da BBC One. Os eventos de His Last Vow impediriam, a princípio, uma aventura corriqueira e escapista nos mesmos cenários e moldes do seriado, o que em parte, ajudaria a “justificar” o retorno a Era Vitoriana para contar que essa história fugiria aparentemente do status quo do programa televisivo.

    O clima de conto doyliano se fortifica quando o recém-aposentado médico do exército James Watson (Martin Freeman) encontra seu possível novo colega de quarto, Sherlock Holmes (Benedict Cumberbatch), nos trajes clássicos de uma época mais sombria e acinzentada, com tons variando entre bege e marrom, servindo de resumo a uma tendência de época. A quantidade de homenagens é imensa, começando pelo comércio da Strand Magazine, revista que publicava os contos, o que determina um salto temporal entre os eventos indicados em Estudo em Vermelho e a história apresentada pelo Inspetor Lestrade (Rupert Graves), já no hall do apartamento localizado no 221B da Baker Street.

    O desenrolar da trama envolve ainda um sem número de referências que não são simplesmente gratuitas, como a personificação de Mycroft Holmes, executado por Gattis com uma maquiagem pesada, como figura glutona e obesa. Apesar de exagerada, esta versão serve para solidificar a rivalidade fraterna entre os personagens, além de pôr o primogênito em uma posição superior, esbanjadora, o completo inverso da vida discreta e pobre de Sherlock, que em alguns momentos, até recorria ao irmão para cumprir somas importantes do seu orçamento. É desta fonte que surgem pistas importantes, que dão rumo à investigação que o Detetive começou.

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    O desenrolar do roteiro demonstra alguns dos maiores dissabores do investigador, entre eles a descrença em figuras e seres sobrenaturais e a natural aversão à associação de fantasmas ao desfecho do caso. Outra fobia é aventada, como o uso contínuo de cocaína, aspecto dado como superado pelo personagem já em seu piloto Study in Pink. O episódio especial talvez seja o mais próximo do clássico de Nicholas Meyer Solução a Sete Por Cento em que Moffat e Gattis poderiam homenagear alguma obra de Holmes que não fosse parte do cânone.

    Mesmo as viagens temporais são plenamente justificadas dentro do argumento, bem como as tramoias envolvendo supostos mortos andantes. A textura antiga faz assinalar ainda mais os claros poderes intuitivos. O foco maior é claramente nos fantasmas do passado de Holmes, que não consegue lidar com a perda de seu adversário maior, seu nêmese. Toda  a lógica por trás dele passa pela troca de insultos e estratégias com o Moriarty de Andrew Scott. O capítulo também serve para ratificar a ideia de que o ator nasceu para executar esse papel, que é entregue com uma maestria impressionante e poucas vezes vistas em sua carreira.

    O desfecho nas cataratas de Reichenbach é simbólico para o aficionado no personagem e serve de mergulho na alma do sujeito biografado, como um estudo da própria escrita de Watson/Doyle nas novelas, contos, romances e afins. As soluções encontradas para o saudosismo são plausíveis e não excluem qualquer retorno à atividade, já que A Noiva Abominável trata também disso, dos receios dos que deveriam estar encerrados. A cena final, misturando as linhas de tempo distintas, serve para edificar a obra de Doyle como algo universal e inspiradora de tantas releituras importantes, poucas tão reverenciais, fiéis e sensíveis quanto esta.

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  • Crítica | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

    Crítica | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos

    A “beleza” da Cidade do Lago em chamas é a síntese do que funcionou na “nova” trilogia de Peter Jackson, cujos aspectos visuais superam, e muito, o conteúdo da adaptação. A Batalha dos Cinco Exércitos encerra, enfim, a enfadonha trajetória da prequência de Senhor do Anéis, começando pelo que deveria ter sido o encerramento: a morte do Dragão pelas mãos de Bard (Luke Evans), o herói resignado. Ainda neste início, a primeira das (muitas) cenas lamentáveis ocorre mostrando os cidadãos tentando se redimir pela honra do guerreiro, que combateu uma única vez e que é o único lúcido o suficiente para saber que não merece louros.

    A trama se divide em núcleos, como em uma novela. Da parte da Montanha, Thorin (Richard Armitage) se mostra entorpecido pelo ouro e pela Joia Real, a Pedra de Arken. O presságio da guerra inicia-se, mas a multiplicidade de  núcleos, que funcionou perfeitamente nos outros filmes, não repete seu êxito, sendo esta parte a menos interessante no início, especialmente pela proximidade da luta dos que protagonizam a alta classe dos personagens da outra trilogia.

    Apesar do ótimo começo, a batalha para salvar Gandalf (Ian McKellen) termina mal. Até o exagero de poder da parte de Galadriel (Cate Blanchett) e a boa luta de Elrond (Hugo Weaving) e Saruman (Christopher Lee) contra os fantasmas não têm qualquer conteúdo redentório se comparados ao desdobramento da aparição de Sauron, um acinte que já se mostrou errado em A Desolação de Smaug e que se repete desnecessariamente neste.

    O núcleo dos anões torna-se novamente interessante quando os elfos chegam, postados para a guerra. Como no livro, Thorin tem seus motivos justos para não querer dialogar com ninguém, mas sua postura voltada a um comportamento egoísta e maquiavélico empobrece o personagem, e especialmente a sua causa. O torpor do ouro causa uma febre no personagem, uma doença maligna mal apresentada e que facilmente convence os outros 12 anões a seguirem por tal caminho.

    O filme começa a mudar de caráter a partir da apresentação dos exércitos, em bravatas ditas pelo núcleo dos anões de Dain (Billy Connolly) e pelos elfos de Thranduil (Lee Pace), tão  logo esquecidas quando o ódio em comum pelos orcs de Azog se manifesta. Os efeitos especiais são postos à prova, não decepcionando quem os espera. A batalha é sanguinária, com mais figuras lutando entre si do que em um jogo de MMO RPG, fazendo com que os fanboys fiquem liberados a ter orgasmos múltiplos.

    O confronto ganha um caráter ainda mais épico ao finalmente apelar para o guerreiro mais esperado de toda a fita entrar em ação. Após uma reflexão do rei anão, Thorin finalmente vai à luta. Sua armada cavalga em cima de seus bodes montanheses, em busca do antigo rival.  Apesar de serem poucos, o apoio moral dado após a entrada do Rei e de seus próximos ao combate é incomensurável, e até empolgante.

    A postura que Legolas (Orlando Bloom) assume é vergonhosa. O romance não concebido de Tauriel (Evangeline Lily) e Kili (Aidan Turner) joga toda a parceria do arqueiro com Gimli em um tremendo mar de irrelevância. A comicidade excede seus limites na demonstração da velocidade de Legolas, tal como no combate mais esperado da minissaga, que se deu entre o rei anão e o Orc, que feriu seus antepassados.

    Mesmo com tantos defeitos, o embate é bastante épico. O engrossamento do caráter importante de batalhas, fodacidades pensadas por Jackson, finalmente logrou algum êxito, não o suficiente para justificar toda a embromação anterior, nem a banalização dos três maiores sucessos de sua carreira, que certamente não possuem qualquer semelhança com esta obra, graças à presunção, cafonice e ganância de seu feitor, é claro.

    A longa espera pelo velório do rei ao menos encerra a visita do cinema a Terra Média, levando-se em conta que, por enquanto, nem O Silmarillion, nem outras obras tolkienianas estão licenciadas para os estúdios. Aos fãs ardorosos, a despedida pode ser dolorosa, e o é, desde que se decidiu esticar aos montes uma história de 300 páginas, cujas lágrimas não são plenamente justificáveis; nem mesmo ante o aviso do Mago a Bilbo Bolseiro (Martin Freeman), com ciência da guerra que está prestes a ocorrer, diante de um futuro sequencial que já tem seu espaço nos anais do cinema. A porta da casa de Baggins se abrindo, para receber, enfim, seu morador, retorna, Lá e de volta outra vez.

  • Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    Review | Sherlock S03 E03 – His Last Vow

    sherlock-his-last-vowO episódio derradeiro do terceiro ano, dirigido por Nick Hurran (do filme Coisas de Meninos e Meninas e de Doctor Who), faz referência óbvia ao conto denominado O Último Adeus de Sherlock Holmes, onde o Detetive contaria o seu último caso cronológico, ao menos até a data do lançamento. Como uma lente sem foco, o espécime começa mostrando um interrogado sem seus óculos, tal sujeito já havia aparecido em sua silhueta em momentos anteriores deste ano. Sua figura finalmente ganha contornos reais e ele faz uso de alta tecnologia para praticar seus “atos”.

    Mister Charles Magnussen, interpretado pelo dinamarquês Lars Mikkelsen é um sujeito frio, calculista, e sedutor, a sua maneira, que tem poderes enormes no campo das chantagens, mantendo-se acima de qualquer trivialidade humana, em suspenso, como um inatingível vilão e que só poderia ser vencido por um adversário tão altivo quanto ele, que seria, claro, o detetive de Baker Street, que consegue não ser enquadrado até completar-se mais de dez minutos de sua série homônima.

    Encontrado por Watson (Martin Freeman) em um ninho de drogados, Sherlock (Benedict Cumberbatch) dá um sentido gonzo às inserções em seus casos, se drogando e levando broncas dos membros do laboratório onde trabalhava, especialmente Molly (Louise Brealey). Curiosamente, após todo esse imbróglio ele é alocado para o caso insolúvel de Magnussen, passando por cima do membro mais importante da família e antigo nome pelo qual respondia o governo britânico, a inversão de papéis obviamente irrita Mycroft (Mark Gatiss), mas o que mais surpreende é a adição de Janine (Yasmine Akram) à rotina de Sherlock, como parceira sexual. A persona de Holmes ainda guarda muitos mistérios.

    Assim como na história primária, a trama do guião envolve a segurança internacional e a grande possibilidade de uma guerra de proporções catastróficas. O elegante nêmese se mostra um rival muito próximo do que chegou a ser Jim Moriarty, mas sem o seu carisma, sem a personalidade magnética. Sua capacidade de dedução chega a superar a de Sherlock, ainda que ele lance mão de itens tenológicos que elevam as suas já grandes capacidades de detecção, simbolizadas pelos óculos, um objeto comum aos homens a séculos e utilizado por qualquer um que necessite corrigir uma falha orgânica referente a um sentido básico. O cuidado do roteiro com seus signos permanece afiadíssimo e se aprimora cada vez mais. No entanto, o maior paradigma da série prossegue, pois Holmes trabalha seus casos em cima da falha humana.

    O cérebro do Detetive é tão absurdamente bem desenvolvido que ele é capaz de analisar tudo a sua volta de modo muito veloz, e até retardar o que seria um ferimento fatal, tudo para prosseguir desvendando o mistério deveras incomum que se apresenta a ele. A viagem do protagonista ao porão de sua alma, simbolizado por uma sala acolchoada onde habita o seu rival falecido é uma das melhores sacadas de roteiro do seriado. É a preocupação com seu velho amigo que o faz lutar para não morrer, que ocasiona seu retorno ao mundo dos vivos.

    Para o leitor atento ao estudos do cânone de Conan Doyle deve lembrar da teoria de que John Watson teria tido uma segunda esposa, após Mary Morstan ter falecido – tal teoria é subvertida para algo maior, mais dramático e penoso, envolvendo a nova senhora Watson (Amanda Abbington) como parte integrante da misteriosa teia de crimes investigada pelo detetive consultor. Tudo fica mais pessoal, mais íntimo, até o ponto em que tudo que significa algo para a dupla torna-se frio e absolutamente calculado, o que era pessoal torna-se impessoal a partir daí.

    O vilão volta com ainda mais força, demonstrando uma onipotência incômoda para alguém que ocupa o cargo de “quarto poder”. O conhecimento vasto de Magnussen se mostra intransponível, até para Sherlock, e diferente dos contos canônicos, dessa vez o protagonista não está acima da trama, mas sim inserido nela, ele não consegue mais desmontar o esquema como antes fazia, ele é falho, como todos os humanos que ele tanto renegou e para vencer teve de descer ao nível dos outros seres e cometer o ato mau mais mundano e comum ao homem – o assassinato. Na triste partida de Sherlock ao exílio, ele dá o seu adeus a Watson dizendo que o jogo nunca acaba, e o que muda são os jogadores, mas antes que ele pudesse finalmente se ausentar, há uma reaparição do maior dos ardis de Holmes, aumentando e muito as expectativas para a quarta temporada, que somente será exibida em 2016.

  • Crítica | Heróis de Ressaca

    Crítica | Heróis de Ressaca

    herois de ressaca

    Em 2004, o diretor Edgar Wright e os atores Simon Pegg e Nick Frost iniciaram a chamada Trilogia dos Três Sabores de Cornetto (Three Flavours Cornetto Trilogy) com o já clássico Todo Mundo Quase Morto (Shaun of The Dead). A comédia, que subvertia os clichês e homenageava os filmes de zumbi, foi um grande sucesso devido aos seus diálogos ágeis e engraçados, roteiro bem amarrado e ótimas atuações da dupla de protagonistas e do elenco de apoio composto por comediantes britânicos. No ano de 2007, foi a vez de Chumbo Grosso (Hot Fuzz), filme igualmente engraçadíssimo e que prestou uma sensacional homenagem aos filmes de ação. A “Trilogia” agora chega ao fim com Heróis de Ressaca, uma pérola que homenageia os filmes de ficção-científica, mais precisamente os de invasão alienígena.

    Cada filme é relacionado a um sabor diferente do sorvete Cornetto – os protagonistas se referem, compram ou visualizam o sabor adequado a cada situação. Em Todo Mundo Quase Morto, o sabor é de morango (vermelho); em Chumbo Grosso, o sabor clássico (azul); e em Heróis de Ressaca, menta (verde). A brincadeira com as cores do Cornetto é ainda uma paródia com a série de filmes Trilogia das Cores do diretor Krzysztof Kieślowski.

    Estrelado pela impagável dupla Simon Pegg e Nick Frost, além de Martin Freeman, Paddy Considine, Eddie Marsan, Rosamund Pike, Pierce Brosnan e Bill Nighy em participação especial, Wright novamente conseguiu fazer um filme engraçadíssimo, com roteiro muitíssimo bem amarrado (escrito em conjunto com Pegg), diálogos sensacionais e momentos impagáveis, principalmente em seu terço final. Na trama, 20 anos após tentarem um pub crawl – uma maratona de bebedeira em vários bares diferentes numa única noite -, um grupo de cinco amigos de infância se reúne novamente na cidade do interior da Inglaterra, onde moravam, para arriscar o feito, quando um deles convence os demais. Porém, ao chegarem no local, percebem que coisas estranhas têm acontecido na cidade.

    Simon Pegg e Nick Frost, a dupla de protagonistas, estão impagáveis como sempre. Pegg entrega uma interpretação inspirada e alucinada, ainda que com alguns toques de melancolia, para o seu Gary King. A simpatia com o personagem é imediata. Frost faz Andy, melhor amigo de Gary e o melhor sucedido da turma. Seu processo de desconstrução ao longo do filme é divertidíssimo. Martin Freeman, Eddie Marsan e Paddy Considine também entregam interpretações inspiradas. Apesar de serem mais contidos, talvez pelos próprios personagens que interpretam, os três têm momentos engraçadíssimos e não servem somente como escada para as piadas da dupla principal. Vale também destacar a presença da linda Rosamund Pike, que faz uma mocinha pouco convencional, objeto de desejo e de (divertida) disputa entre as personagens centrais. As participações de Pierce Brosnan e Bill Nighy como figuras importantes do passado do grupo são impagáveis e essenciais para a trama.

    A fotografia do filme é excelente e há ótimo uso das locações e cenários. Aos poucos, a bonita e simpática cidade de Newton Haven vai se transformando em um cenário opressor. O ritmo vai de uma escalada constante até chegar a um ponto vertiginoso, e as cenas de ação e luta são orquestradas magistralmente. Nota-se também uma certa influência de Scott Pilgrim Contra o Mundo, trabalho anterior do diretor, na edição da película. Algumas transições são muito parecidas, ainda que mais discretas.

    Em resumo, a Trilogia dos Três Sabores de Cornetto encontra aqui o seu desfecho de ouro com esse sensacional filme que agrada em cheio a qualquer público, mesmo àqueles que não são familiarizados com o cinema de Edgar Wright.

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  • Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    Review | Sherlock S03 E02 – The Sign of Three

    sherlock-s03-e02-the-sign-of-threeO prólogo do segundo episódio exibido em 2014 inicia-se com a companhia de Lestrade (Rupert Graves) tentando pegar uma quadrilha que costuma meter a mão em milhões de libras, até que o inspetor de polícia é interrompido pelo chamado de Sherlock (Benedict Cumberbatch), que o pede para ajudá-lo a contar uma piada a respeito de Watson (Martin Freeman), já que ele é o padrinho do médico em seu casamento – invenção interessante, uma vez que O Signo dos Quatro, é o romance em que John conhece Mary Morstan (Amanda Abbington), que viria a ser sua esposa, na versão moderna, o seu casamento encaixa muito bem na adequação das intenções do cortejante, sem falar que é uma oportunidade ímpar de brincar mais uma vez com a inadequação de Holmes diante de outros humanos.

    O conflito mais interessante de Sherlock, até então é com o infante Archie, filho de uma das madrinhas, que o Detetive fez questão de investigar, visto que há nele uma curiosidade grande com relação ao background de seu parceiro. Incrível como alguém que parecia conhecer tão bem seja um completo mistério em nível pessoal. A mudança do número na alcunha do episódio representa bem o ápice do nervosismo de Sherlock, por ter de conviver com a situação de estar em uma relação a três.

    Logo é mostrado que Sherlock tem dificuldades em realizar discursos, falar para um público grande e, claro, demonstrar sentimentos. Ao invés de fazer de uma vez a oração que preparou, ele faz um preâmbulo, descrevendo os momentos posteriores ao anúncio de que seria o “best-man”, e a sua maneira condescendente e cínica, ele se declara ao amigo, rasgando os elogios que seriam possíveis a uma alma tão perturbada quanto a sua. Ele chega a tirar lágrimas sinceras da plateia antes de começar a fazer os comentários engraçados, baseados claro em seus posts de blogs.

    Toda a argumentação é eufemística, busca fingir que Sherlock não sente que a rotina piorará após o casamento entre Watson e Morstan, e a noiva, preocupada com bem-estar do consultor fala para seu futuro cônjuge achar logo um caso que ocupe a mente do preocupado solitário. Logo a dupla se vê no rastro do Major James Sholto (Alistair Petrie) antigo comandante de John no Afeganistão, que tem uma mancha no passado demasiado espinhosa. Ao se meter numa clandestina procura, metendo ele e seu amigo veterano de guerra em um estranho caso de agressão no interior de um prédio militar, que parecia um suicídio. A partir daí, ele conta a história do tal soldado, unicamente para mostrar o valor do homem que subia ao altar, e que salvou a vida do sujeito, mesmo que ele não poupe o público de detalhes mórbidos da história.

    A fala de Sherlock é tão apreciada, que ele começa a contar outro caso, um em que ele e John se entorpecem de álcool e acabam entrando em uma investigação que envolve algo pseudo-espiritual, que se prova uma história de infidelidade, algo pouco aconselhável para se contar em meio a celebração de um sagrado matrimônio, mas que não é contado por mera coincidência. A direção de Colm McCarthy ajuda a grafar todo esse caos instaurado.

    Como se espera, Sherlock acaba deixando de lado sua oração para resolver a questão que permaneceu em aberto todo esse tempo, não resolvendo o caso antes de se declarar novamente ao seu amigo, mostrando o quão válido é para ele ser um homem importante na vida do noivo, valorizando os amigos de Watson no passado. Após revelar o temível vilão, ele volta as suas atenções para o cerimonial, tocando uma de suas composições no violino, numa das poucas demonstrações de carinho e afeto que foi capaz de fazer em toda a extensão de sua vida. A mensagem final do episódio é de despedida dupla – na verdade tripla, já que este é o número preponderante do episódio, tal tônica corre todos os episódios da temporada, contrastando com a ideia de retorno do desaparecido.

  • Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    Review | Sherlock S03 E01 – The Empty Hearse

    sherlock-s03-e01-the-empty-hearseApós o já previsto hiato de dois anos – quase o mesmo tempo do cânone – e após uma introdução pautada na comédia (Manny Happy Returns), onde seria o personagem de Jonathan Aris, Anderson, seria completamente remodelado, um sujeito crédulo, que procurava avidamente rastros de Sherlock pelo mundo – além disto, o prólogo contém uma mensagem em video-tape, contendo um desejo de feliz aniversário ao nobre médico, além de uma promessa de retorno. O início do episódio em si repete os aflitos minutos finais da segunda temporada, ainda que de modo diferenciado, com um forte teor de teoria da conspiração, de cumprimento inverossímil, mas deveras significativo e engraçado pelo deboche com que é feito.

    O foco do programa é obviamente no retorno do Detetive (Benedict Cumberbatch), que permanece tendo a moralidade de suas “ações” discutida. A série de Steven Moffat retorna com direção de Jeremy Lovering. John Watson (Martin Freeman) parece abatido, deixou um bigode crescer, talvez para tentar se equiparar em velhice a sua contra-parte literária. Ele claramente sente muitíssima falta de seu parceiro, e esqueceu tudo e todos, inclusive sendo relapso com a governanta, senhora Hudson (Una Stubbs).

    Sua primeira fala espirituosa é a declaração de sua heterossexualidade, ao afirmar que casará – é incrível como essa piada segue engraçadíssima. A edição segue frenética e video-clíptica, garantindo mais ótimos momentos de humor absoluto, como a cena em que Holmes finalmente encontra Watson, bem quando este pedirá a mão de sua noiva em casamento. O reencontro, quando acontece é súbito e emocionante, tão indelicado e sem tato quanto as investigações sherloquianas, mas o clima fúnebre é quebrado por mais uma série de tiradas cômicas. O tempo demasiado gasto nas explicações e teorias é tão extenso quanto no conto, A Casa Vazia, publicado na Strand Magazine em outubro de 1903.

    Após uma trama não muito complicada, envolvendo o sequestro de seu amigo, Sherlock se lança desesperado ao encontro do perigo, para ver seu companheiro em segurança mais uma vez, trama esta que daria lugar a uma ainda maior. Antes dessa apresentação formal, há um breve momento de reencontro entre o investigador profissional e seus idosos pais, em mais um momentos cujo humor ácido (e até inconsequente) predomina.

    O antagonista, Coronel Moran é substituído nesta versão por um Lord, um importante membro do parlamento, maximizando assim sua capacidade destrutiva, dando um significado ainda mais político aos seus atos e aumentando a importância de seus malfeitos, ainda que eles permaneçam tão destrutivos e explosivos quanto no original. A chegada da iminente morte, os dois parceiros se veem sem mais nada além da companhia um do outro, e a mágoa pelo abandono escorre pelas palavras do médico, para logo depois vir o perdão. Após o emocionante “epitáfio” o drama da morte é explicitado, mostrando uma teia de ações complicadas, que apesar de friamente arquitetada, contém muito simbolismo emocional, e claro uma teatralidade que faz toda a explicação mostrada por último ser discutível em relação a veracidade e conteúdo conspiratório.

    As postagens de Watson continuam incomodando o sociopata funcional, tanto por seu caráter fantástico, quanto pelo ludismo excepcional, presente na distância entre os relatos romantizados e a realidade factual. O roteiro de Steven Moffat e Mark Gatiss consegue angariar todo o sentimento de alívio que o público sentiu ao ver seu herói retornar as páginas de seus contos, e a transferência desta expectativa para o episódio da TV é feito em grande estilo, superando as expectativas de todo o público que consome a programação da BBC One e elevando o nível das produções televisivas britânicas, fazendo desta algo que em nada deve aos sub-produtos da HBO.

  • Crítica | O Hobbit: A Desolação de Smaug

    Crítica | O Hobbit: A Desolação de Smaug

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    Depois de dois filmes da nova trilogia de filmes de Peter Jackson-  baseada no livro O Hobbit, de J.R.R. Tolkien – totaliza-se, até agora, 343 minutos de filme, sendo que mais 150 estão a caminho. Após o imenso sucesso da trilogia O Senhor dos Anéis, a expectativa para O Hobbit era grande, e após um filme mediano na estreia, a segunda parte consegue decepcionar ainda mais.

    Apesar de se chamar O Hobbit, o personagem principal, Bilbo, vivido novamente pelo ótimo Martin Freeman, aparece menos tempo na tela do que deveria. Em grande parte do filme fica alheio aos acontecimentos, o que se agrava ainda mais quando os elfos entram em cena. Seu grande momento é a boa cena de diálogo com o dragão Smaug.

    O sucesso do personagem Legolas (e também do ator Orlando Bloom) na trilogia anterior fez Jackson trazê-lo de volta para protagonizar boa parte das também excessivas cenas de ação, que, apesar de bem feitas, soam desnecessárias pois repetem à exaustão movimentos rápidos e certeiros, mostrando o que já está mais do que estabelecido: elfos são excelentes guerreiros. Uma personagem nova, Tauriel (Evangeline Lily), também pouco acrescenta ao se engajar em um triângulo amoroso mal explicado e praticamente servir ao papel que Liv Tyler ocupou na trilogia original.

    Apesar de tanto tempo, também não conseguimos aprender o nome de metade dos anões. São muitos personagens e quase nenhum tempo de projeção é gasto para estabelecê-los e dar a eles alguma importância e personificação. Tudo o que vemos são eles correndo e ficando dependentes de alguém para salvá-los. Até mesmo Thorin, mostrado como líder no primeiro filme, tem seu papel reduzido neste. Cenas como a fuga dos barris na correnteza, apesar de divertidas, só acrescentam ao filme mais ação, não contribuindo em nada ao desenvolvimento da história.

    Gandalf também é imensamente diminuído na trama. O mago inicia uma investigação que destoa da proposta original do filme – de acompanhar Bilbo e os anões, os quais fazem questão de lembrarem a todo instante o quão incompetentes são sem a presença do mago, que acaba preso por Sauron em outra ponta solta para se resolver no terceiro filme. Aliás, outra explicação necessária é a de como Gandalf descobriu tudo sobre Sauron 60 anos antes dos eventos contados em Senhor dos Anéis e não fez absolutamente nada durante esse tempo.

    A sequência da cidade do lago conta com o maior excesso. Não havia motivos para entrarem escondidos no povoado. Não havia motivos para se esconderem. Não havia motivos para tentarem roubar armas. Ou seja, não havia motivo para essa parte do filme ser longa e ocupar tanto espaço na história. A população e seu governante ficam a favor dos anões desde o início, o que desmonta totalmente o fraco suspense construído anteriormente. Remetendo também à trilogia original, mais especificamente Theoden e Grima, se estabelece na relação entre o Mestre (Stephen Fry) e Alfrid (Ryan Gage) um pastiche da pior espécie.

    Jackson é um grande fã do universo criado por Tolkien, mas parece não dominar o básico em contar histórias. Suas tentativas de criar suspense raramente surgem efeito, e em momento algum conseguimos acreditar no risco que os personagens estão passando. Exemplo disso é quando os anões passam mais de um ano viajando e mostram desistir de tudo ao não conseguirem abrir o portão secreto após 5 minutos de tentativas, o que Bilbo consegue ridiculamente de forma fácil, rápida e conveniente.

    Ao entrar no castelo, Bilbo é encarregado de roubar a pedra, e uma boa sequência é mostrada com Smaug, caracterizado de forma tão imponente que sentimos o seu peso e tamanho a cada passo em um CGI que em poucas vezes é tão bem feito, mas que esconde através de efeitos a voz do excelente Benedict Cumberbatch. E mesmo assim, após toda essa meticulosa continuidade, tudo é transformado em outra cena de ação com os anões fugindo miraculosamente de Smaug sem nenhum arranhão e com um plano que soa ridículo: o de afogar em ouro um enorme dragão voador de pele grossa. Tudo isso para o filme acabar abruptamente e esperarmos mais um ano pelo final da história.

    Ao final da exibição, o que sobra, além do cansaço físico e mental, é uma sensação de que, apesar da longa duração, não entendemos muito bem por que Bilbo saiu em viagem, quem é cada anão, suas particularidades, sem entender muito bem o papel de cada um. Sobra também uma sensação incômoda de um amontoado de histórias e personagens aglutinados de forma artificial em algo que parece uma história, mas que na verdade é uma desesperada tentativa de um diretor voltar a ser falado no circuito comercial e no nicho de fãs que o lançou ao estrelato e que também o fez ganhar muito, mas muito dinheiro.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Review | Sherlock S02 E03 – The Reichenbach Fall

    Review | Sherlock S02 E03 – The Reichenbach Fall

    the_reichenbach_fallA 1ª referência é óbvia, pois o guião tem em seu esqueleto a estrutura narrativa presente em O Problema Final. Watson volta ao cenário visto somente em A Study in Pink – o consultório da psicanalista. John tem enorme dificuldade em verbalizar o fato que o levou a procurar de novo a ajuda da doutora. A direção da obra ficou a cargo de Toby Haynes, pródigo em reger episódios de séries, entre elas, Doctor Who, Being Human, etc.

    A figura do Detetive ganhara muita fama, graças ao caso denominado Reichenbach, ultrapassando os limites da web, sendo noticiado nos grandes jornais e revistas impressas e nas redes de televisão. Os feitos de Holmes ganharam o público, e o público tornou-o uma figura popular, para desespero do recluso herói.

    Jim Moriarty se mostra um exibicionista, seu ego se eleva tanto que ele precisa ser espalhafatoso, hackeando a ponte de Londres, arrombando o museu de Londres para roubar as joias da coroa e claro, tomar seu “lugar de direito” no trono britânico, antes claro, mandando uma mensagem para Holmes, tornando-o parte integrante de seus “lunáticos” planos.

    O julgamento do criminoso é semelhante ao mostrado na peça Sherlock Holmes, de William Gillette, mas obviamente atualizada. As causas são diferentes, Moriarty quer um embate na frente de todos, por vaidade, e busca também a comprovação de qual dos dois é superior em intelecto, planejamento, raciocínio e dedução. Até o chá após o veredicto de inocência é semelhante ao mostrado no espetáculo teatral, demonstrando que apesar da rivalidade, os dois senhores são impecáveis cavalheiros.

    Andrew Scott é brilhante em sua atuação, e rouba a cena toda vez que a câmera o enquadra. Seu vilão egocêntrico é cômico, sem apelar para piadas, e consegue ser sexy sem afetação ou menção a nudez, muito por causa dos seus trejeitos andrógenos. Para o público, é impossível não simpatizar com ele, vide a decisão do júri. Ele é genial, inteligente, influente: em suma, o resumo do que todo ser humano gostaria de ser.

    A personagem Molly evidencia com toda a sua típica simplicidade como Sherlock está temeroso ao sentir que o seu fim está próximo. As coisas só pioram com a reação de uma das crianças sequestradas pelos capangas de Jim. A possibilidade dele estar envolvido com o rapto dos menores leva as autoridades superiores a Lestrade efetuarem o cárcere do investigador amador. Ao tentar defender a honra do amigo, John vai às vias de fato com um chefe da inteligência britânica, para logo após isso, fugir dos policiais com Sherlock a tira colo.

    A manobra Richard Brooks é um ardil perfeito: inverter o jogo para culpar Sherlock é brilhante. A possibilidade de envolvimento de Mycroft torna tudo ainda mais dramático. Sherlock não tem medo de se sujar, e afirma veementemente a Moriarty que, mesmo estando do lado dos anjos, ele não é um deles. A despedida de John ao amigo e cúmplice é a mais emocionante já registrada em vídeo de toda a historiografia audiovisual da dupla Holmes/Watson. É arrepiante, carregada de sentimento, e tem em si um desfecho fascinante, para poucos instantes antes dos créditos finais, apresentar um fio de esperança.

  • Review | Sherlock S02 E02 – The Hounds of Baskerville

    Review | Sherlock S02 E02 – The Hounds of Baskerville

    the_hounds_of_baskervilleO episódio inicia grandioso, dando mostras em flashback do passado do clã ligado à figura canina, remetendo aí início do clássico primeiro filme de Basil Rathbone. A direção de Paul McGuigan varia entre o reverencial e o absolutamente novo e atual. Quando pressionado, Sherlock solta verdades e impropérios nada agradáveis relacionados quase sempre aos parceiros sexuais dos seus chegados, o que levanta para eles, a possibilidade de o Detetive nunca estar bem com a própria sexualidade, um equívoco enorme da parte deles, visto que Holmes faz questão de não ter quase nada de libido ativa, ao menos a olhos vistos.

    A reportagem documental, substituindo o relato escrito do manuscrito original, é um artifício interessante e explicativo, sem apelar para o didatismo forçado. Sherlock resolve destrinchar o perfil do cliente, Henry Knight (Russell Tovey) e John o reprime, pedindo para que não se exibisse, e de pronto é respondido por ele: “É isso que nós fazemos”.

    Martin Freeman melhora cada vez mais, sem ele a boa atuação de Benedict Cumberbatch jamais seria notada, ele é pó autêntico “Boswell”. Sherlock fisga Fletcher, um guia turístico local que vira o grande cão, através do orgulho bobo do rapaz, desmerecendo seu discurso, e o menino prontamente mostra o gesso com a marca da enorme pegada como prova factual. A dupla efetua um sem número de carteiradas para adentrar a base experimental Baskerville. Os paralelos e reinvenções dos personagens da novela são muito curiosos e interessantes: Stapleton, Mortimer, Barrymore, cada um tem grande significância na mensagem final.

    O roteiro de Mark Gatiss cobre inclusive os pontos óbvios do romance, tornando a história mais crível e diferenciada das outras versões. A temeridade que acomete Holmes após ver a criatura é impressionante, especialmente pelo fato dele ter descartado o impossível, e assim, ter encontrado a verdade. Sherlock que sempre se manteve afastado dos sentimentos, como o medo, treme ao falar do monstro. A possibilidade de ele estar sob efeito de alguma droga é descartado, a esta altura evidentemente, com uma demonstração dos seus dotes detetivescos, afiados mesmo nesse momento difícil.

    Tudo no episódio remete aos signos de um filme de terror: o suspense, as vítimas ensaguentadas, a criatura misteriosa. O contraste entre a modernidade dos laboratórios, sempre asseados, e a figura bestial medieval compõem um cenário perfeito. A verdadeira monstruosidade se manifesta como uma arma química, apropriação intelectual esta das mais bem pensadas, que tornam todo o conto em algo realmente temível. O trauma infantil impingido a Henry evolui e causa uma repressão nas memórias do jovem contratante, alterando seu discurso para algo fantasioso. A alucinação da névoa faz Sherlock enxergar no vilão o rosto de Jim Moriarty, o que já prepara o campo para o episódio final evidenciando quais são os reais temores do detetive consultor.

  • Review | Sherlock S01 E01 – A Study in Pink

    Review | Sherlock S01 E01 – A Study in Pink

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    Watson (Martin Freeman) acorda de um pesadelo, relembrando a guerra do Afeganistão onde servira. O personagem logo de início mostra uma enorme dificuldade em se adaptar a vida civil, e sugerido por sua psicanalista, deveria utilizar seu blog para exorcizar-se. O piloto é dirigido por Paul McGuigan (realizador de Xeque Mate e Um Crime de Paixão, entre outros) e a série foi criada por Steven Moffat – roteirista do filme de Spielberg, As Aventuras de Tintim, da série Doctor Who – e Mark Gatiss – roteirista também em Doctor Who, Poirot e inúmeras outras produções e ainda faz as vezes de ator – que reutilizam muitos tópicos canônicos em seus roteiros.

    Benedict Cumberbatch faz um Sherlock levemente desajustado, tresloucado e muito agitado. A preferência por mensagens de texto remete ao problema do Detetive com telefones, evidenciado nos contos de Conan Doyle. O 1° encontro entre os dois amigos é absurdamente fiel ao mostrado em Um Estudo em Vermelho. A personalidade de Holmes é ácida e irônica na medida certa, de forma até tímida, mas muito pontual. O apartamento de Baker Street lembra muito a arquitetura de sua “contraparte” na série Adventures of Sherlock Holmes com um tom de modernidade maior, como tudo na série. A câmera persegue o Detetive como olhos ávidos pelo mistério e pela saída do lugar comum.

    O interesse de Sherlock pelos crimes bizarros gera na visão do corpo policial uma expectativa ruim relacionada a si, não só por sua postura arrogante – plenamente justificável – como a de uma possível propensão ao crime. Quando um desafeto o chama de psicopata, ele prontamente responde: “Sou um sociopata funcional, é diferente”. Lestrade (Rupert Graves) diz que Sherlock é um grande homem, e talvez um dia, seja um dos bons, reforçando o argumento doyliano de que Londres teve sorte dele não voltar-se para o crime. No entanto, sua mente é inescrutável e de difícil compreensão para as pessoas ordinárias.

    Watson não teme a guerra, na verdade ele a persegue e é por isso que ele se interessa pela ação de Sherlock. A identidade do “arqui-inimigo” do investigador é um segredo no começo, e o médico recebe dele uma proposta para espionar o detetive consultor, mas não o faz. John enxerga em Sherlock uma grande semelhança consigo mesmo – a predileção pelo perigo.

    Há um artifício utilizado no roteiro que é bastante significativo, por demonstrar em tela uma enorme superação: o esquecimento da bengala por parte do ex-soldado, que acontece em dois momentos durante o episódio, o que constitui em si um signo para a cura de seu maior medo de não se adaptar a este novo modo de vida.

    A edição é repleta de cortes secos e rápidos contrastando com as cores fortes e objetos “estourando” na tela que dão uma sensação de dinâmica rápida e atraente mesmo ao público mais jovem, que provavelmente não se interessaria pela literatura da era vitoriana. O desfecho revelando o envolvimento com a misteriosa organização e a utilização de um serial killer é uma apropriação perfeita de um tema ainda em voga. Nos últimos momentos de exibição, John mostra que entendeu Sherlock, o definindo como um idiota, mas que chega às difíceis conclusões de forma brilhante.

  • Crítica | Chumbo Grosso

    Crítica | Chumbo Grosso

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    Quem é familiarizado com o cinema “nerd” britânico deve conhecer bem o trio Edgar Wright, Simon Pegg e Nick Frost, pois ao contrário das produções homogeneizadas dos EUA que vão de Kevin Smith a Big Bang Theory, na Inglaterra o humor de referência atinge níveis mais maduros e com resultados bem mais inteligentes.

    Chumbo Grosso está nesse patamar. Depois do já excelente Shaun of the Dead (Todo Mundo Quase Morto), que faz uma sátira dos filmes de zumbi, agora o trio vem com um filme satirizando de forma inteligente os gêneros de ação/policial e investigação-de-um-homem-só-que-decide-fazer-justiça-com-as-próprias-mãos.

    Nicholas Angel (Pegg) é um dos melhores policiais de Londres, sendo bom ao ponto de causar inveja nos demais homens da lei. Por causa disso, é transferido por seus superiores para a pequena cidade de Sandford, que possui o menor índice de criminalidade de toda Inglaterra. Chegando lá, forma parceria com o curioso Danny Butterman (Frost) e começa a achar estranho o fato de acontecerem muitos acidentes na cidade, além de ninguém ficar preso e muitas pessoas simplesmente desaparecerem. Como bom policial que é, resolve ir a fundo na investigação desses eventos.

    Os dois primeiros atos são relativamente monótonos e se preocupam mais em nos situar geograficamente em uma vila no interior da Inglaterra, quando um policial exemplar de Londres é transferido pra lá. Depois, são somente descobertas em cima de uma possível grande conspiração na cidade.

    Porém, toda essa discrição só serve para o clímax final, que ao mesmo tempo subverte e se condiciona aos clichês do gênero, pois se em um filme tradicional o policial ao menos pediria ajuda, aqui ele encarna o “policial oitentista” (referenciado em filmes como Caçadores de Emoção) e parte para a guerra armado até os dentes, aproveitando cada momento para fazer uma piada em cima de uma piada (quando por exemplo, ao derrotar um dos vilões em uma briga, Frost pergunta a Pegg se após deixa-lo no freezer desacordado, falou a frase “fica frio”, típico fim de cena de luta no cinema de ação americano). Basicamente é um cinema de fãs para fãs, respeitando a originalidade de se contar uma história clichê, mas divertida e não ofensiva. Destaque também para as várias participações especiais, como por exemplo, Timothy Dalton, Martin Freeman, Bill Nighy, entre outros.

    O único aspecto negativo que percebi foi a forma que algumas cenas de ação foram filmadas. Com muitos cortes, sempre rápidos, e focados de forma a nos desviar de perceber algum erro de coreografia na luta, às vezes fiquei confuso tentando entender quem estava batendo em quem e com o que. Porém, nada que tenha estragado a experiência final do filme, pois cenas assim se repetiram em torno de duas vezes durante todo o longa. No modo geral, é um bom filme para quem gosta de uma boa comédia policial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

    Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada

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    Aproximadamente 9 anos atrás, saíamos da projeção de O Retorno do Rei emocionados tanto pela história, adaptada de maneira irretocável para o cinema, quanto por ter acabado aquela épica aventura para salvar a Terra Média. O questionamento de quando viria a adaptação para o cinema de O Hobbit era constante, e problemas dos mais diversos com a produção tornaram o hiato entre os filmes ainda maior. Mas, depois de uma longa e conturbada espera, podemos finalmente apreciar no cinema mais essa aventura baseada em uma obra de J.R.R. Tolkien, dirigida novamente por Peter Jackson, com roteiro de Peter Jackson, Guilhermo del Toro,  Philippa Boyens e Fran Walsh.

    Para os não familiarizados com a história, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada se trata de uma aventura vivida por Bilbo Bolseiro (Martin Freeman/Ian Holm), em que ele se une ao mago Gandalf (Ian McKellen) e a um grupo de 13 anões, liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage). O objetivo da comitiva é retomar o Reino Anão de Erebor e o tesouro dos anões do dragão Smaug. Nessa jornada pela Terra Média, enfrentarão os mais diversos inimigos e contratempos, desde orcs, lobos, armadilhas na floresta e tudo mais que uma boa aventura pode lhes proporcionar.

    A primeira coisa a se notar é que, assim como a trilogia Senhor dos Anéis não permitia uma análise final sobre cada um dos filmes individualmente, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada também não pode ser pensado apenas como um filme único. Seu roteiro, planejamento e montagem foram para 3 filmes. Portanto, o arco dramático da história também fica à mercê de suas continuações, apesar de também ter que se comportar e funcionar de alguma forma como um filme sozinho.

    Outro ponto importante, ainda sobre a adaptação, é que com O Hobbit uma lógica comum do cinema foi invertida. Como se trata de apenas um livro de aproximadamente 300 páginas, dividido em 3 filmes, nesse caso foram adicionadas personagens, passagens ou elementos, quando o natural seria que fossem retiradas ou aglutinadas. Alguns desses elementos foram resgatados de O Senhor dos Anéis, outros repensados de Silmarillion. Essas inserções, ao mesmo tempo em que podem enriquecer ainda mais esse universo de criaturas fantásticas, podem também levar ao excesso, com situações jogadas apenas pelo intento de se criar algo ainda maior do que o original. Infelizmente, é o caso desse filme.

    O maior problema de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada reside justamente na extensão de tramas, subtramas e flashbacks adicionados ou transcritos de maneira quase literal das páginas para o cinema. É nítido que os 169 minutos de exibição são muito mais extensos do que deveriam, e já suficientes para questionar a necessidade de 3 filmes para contar essa história. Apesar de contar com bons trechos cômicos, adaptados de maneira fiel ao livro – por exemplo, a chegada dos anões à toca de Bilbo -, a primeira metade do longa é um convite ao bocejo constante. Muitos são os momentos em que a trama gira em torno de si mesma sem levar a lugar algum e, para os que conhecem a obra, fica a constante expectativa para que chegue logo algum momento chave do livro, sem se importar realmente com esses elos da narrativa. Já para os que não conhecem, não posso entrar na mente de alguém nessa situação para saber exatamente, mas acredito que a experiência deve ser algo próximo à primeira leitura dos capítulos de A Sociedade do Anel em que Tom Bombadil dá o ar da graça. Ou seja, tedioso e andando em círculos.

    Entretanto, se a primeira metade é em grande parte desinteressante e sonolenta, do trecho final não se pode dizer o mesmo. Todas as batalhas – que acontecem com grande frequência – são muito bem elaboradas e trazem de volta a atenção do espectador. Um dos trechos icônicos, a briga dos gigantes de pedra, nada menos do que sensacional pode definir, e o aguardado trecho mais interessante dessa parte da história, as “Charadas no Escuro”, foi brilhantemente adaptado para as telas. Vemos um Gollum (Andy Serkis) ainda mais perturbado e ambíguo. Méritos aqui tanto para a atuação de Serkis, que se mostra ainda melhor e focada na construção desse personagem. E méritos também para os efeitos visuais, que deram ainda mais brilho e vivacidade para ele, confirmando o posto como uma das melhores composições entre CG por cima de uma atuação.

    Sobre o visual do filme – e nesse ponto é bom ressaltar que a versão a que assisti foi 2D normal, já que o filme tem 4 diferentes: 2D, 3D 24 FPS, 3D 48FPS e 3D Imax. Nessa versão, como já era de se esperar, todo o aspecto visual do filme é ótimo, desde a belíssima fotografia – capturando tanto os belos campos abertos da Nova Zelândia, que servem como palco para o filme, quanto cenas internas, com cenários trabalhados nos mínimos detalhes e que funcionam não só visualmente, para compor a perfeita ambientação e imersão na história, mas também dando vida à Terra Média, tornando-a novamente um personagem, talvez até o maior e mais importante personagem das histórias de Tolkien. Por mais fantasiosa que seja a história, com o bom trabalho executado em sua composição ela se torna crível.

    Outro aspecto interessante é a mudança de tom das histórias. Enquanto Senhor dos Anéis é uma jornada para salvar a existência das raças da Terra Média, uma jornada dura e temerosa para seus participantes, O Hobbit, como livro, já é uma aventura mais leve, com espaço para trapalhadas, comilança e um tom infantil – tanto é que o livro de 1937 era destinado aos filhos do Tolkien. Já na adaptação, algumas trapalhadas e situações engraçadas continuam presentes, mas um tom sombrio, mais sério, foi adicionado à história. Os anões já não são tão desajeitados e dão mais importância a recuperar suas terras do que o tesouro, em contraponto ao livro. Talvez isso seja uma tentativa de aproximar O Hobbit ainda mais à Trilogia do Anel, o que não é necessariamente bom nem ruim, principalmente ao vermos apenas a primeira parte da história. Talvez a versão para o cinema exija esse tipo de mudança e isso se mostre uma decisão acertada, mas essa diferença de rumos é algo que só poderá ser avaliado com clareza no encerramento do terceiro filme. Por enquanto, o máximo que podemos fazer é relacioná-la às nossas expectativas.

    No mais, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é um bom filme, bem apresentado como introdução à aventura de Bilbo Bolseiro, que deve agradar tanto aos mais fanáticos pela obra de Tolkien quanto aos recém iniciados nesse universo, mas ávidos por boas histórias de fantasia de capa e espada. Todavia, sua longa e desnecessária duração, aliada à falta de um encantamento subjetivo, quase “mágico”, fruto talvez do inesperado (que se faz presente nos filmes de O Senhor dos Anéis, mas no momento não desencantou em O Hobbit) faz com que essa nova trilogia comece a pelo menos um degrau abaixo da sua antecessora, algo que pode muito bem ser revertido nos próximos filmes. Mas esse é um assunto para dezembro do ano que vem.