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  • Crítica | Papai Noel às Avessas

    Crítica | Papai Noel às Avessas

    No ano de 2003, chegava aos cinemas um filme de natal que fugia completamente dos tradicionalismos. Produzido pelos irmãos Bob e Harvey Weinstein e por Joel e Ethan Coen, Papai Noel as Avessas começa mostrando Willie, personagem de Billy Bob Thornton em um pub no final do ano, bebendo com sua roupa de trabalho, o tradicional manto vermelho, fumando e enchendo a cara, para logo depois vomitar na sarjeta. Seu olhar melancólico demonstra o total desânimo com a vida e completa não vocação para trabalhar com crianças.

    O filme de Terry Zwigoff tem duas versões, uma mais curta, de menos de 90 minutos e outra que tem quase cem e que possui uma explicativa narração, que vez por outra explicita demais sobre a origem do personagem e quebra um pouco da magia em volta de si. A rotina de Willie inclui ele atender as crianças de maneira impaciente e irônica, enquanto fica bêbado, sendo capaz até de se urinar. Com auxilio do anão Marcus (Tony Cox) que faz um duende com ele, ele espera o shopping fechar para saquear o mesmo.

    Ser um saqueador é apenas um dos defeitos do personagem, ele também é anti social, alcoólatra e tem fixação em bundas, não se permitindo ser educado nem um pouco com as mulheres que o rodeiam, incluindo aí as mães que fazem compras no shopping. As cenas extras da versão do diretor são fracas, mostram Willie de férias, ou confraternizando, e isso fere a essência do personagem, que é apenas um personagem ranzinza sem amigos, e o conflito que passa a ter com o pequeno garoto gordinho, que sofre bullying e é interpretado por Brett Kelly.

    O menino, que no filme não tem nome – e é chamado só de The Kid – parece ser o único que realmente se importa com ele, ainda que o faça por acreditar que Willie é o verdadeiro Papai Noel, e apesar de no começo a relação dois tenha sido de aproveitamento da parte do adulto, aos poucos o menino faz afeiçoar o beberrão, ao ponto até dele cometer atos graves como ameaçar crianças que maltratavam o rapazinho, chegando a ponto dele até treinar o menino com boxe, para que supere de certa forma o claro atraso mental que tem.

    O final do filme é conciliador, e mostra Willie evoluindo de certa forma, não ao ponto de se tornar alguém bom, mas ao menos ele é mostrado como um sujeito que consegue se afeiçoar a alguém que demonstra inocência, basicamente por conta da ingenuidade alheia e conseqüente incapacidade dessa pessoa de não passar-lhe a perna. Papai Noel as Avessas é sacana, mas ainda é comedido no politicamente incorreto, poderia ser mais transgressor, mas especialmente sua versão estendida faz perder boa parte da malandragem e dificuldade de socializar que Willie tem.

    https://www.youtube.com/watch?v=cEtRnuQcdys

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  • Review | Fargo – 2ª Temporada

    Review | Fargo – 2ª Temporada

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    A história novamente baseada em fatos, apenas com os nomes dos personagens trocados por respeito aos familiares, e com a trama retratando exatamente o que ocorreu, se inicia em cada um dos episódios da 2ª Temporada de Fargo, que agora conta parte da trama dessa região incrível sob a ótica de novos personagens em novos tempos e retratando o fatídico período do massacre de Sioux Falls. Sob o risco da repetição, o segundo ano da série é, assim como o primeiro, irretocável. Relembrando temas e situações expostas na primeira temporada, agora o roteirista Noah Hawley muda tudo, apoiando-se no absurdo ao misturar ficção científica em uma trama de vingança em que erros tornam-se o fio condutor da complicada trama.

    Tendo um grupo de protagonistas tão bom quanto o primeiro — embora ligeiramente menos carismático —, vemos a cidade de Luverne, Minnesota de 1979 sendo tomada de assalto devido uma guerra entre máfias rivais, e tragando Lou Solverson (Keith Carradine na primeira temporada e agora por Patrick Wilson) para esta guerra. Tudo começa com uma atrapalhada situação de chantagem que, por incompetência do chantageador da família Gerhardt, torna-se uma sequência de homicídios improváveis. Por conta de eventos quase que sobrenaturais, a confusa cabeleireira Peggy (Kirsten Dunst, excelente no papel) envolve ela e seu marido, o açougueiro Ed Blumquist (Jesse Plemons) nestes assassinatos. Dessincronizados, o casal age de forma a manter sua vida e planos pelo lado do marido, ao mesmo tempo que busca sublimar os recentes acontecimentos com uma postura ativa e ao mesmo tempo catatônica por parte da esposa. Ela é uma pessoa em busca de sua essência e potencial reprimido pela condição de esposa e da chata cidadezinha. Considerando este potencial como irrevogável, suas ações partem de uma cegueira acerca da real gravidade das coisas, tomando sua mente e fazendo-a viver em outro mundo. Ironicamente este seu novo estado mental é justamente o que a torna capaz de se salvar em uma cena que usa de elementos ousados para inserir o absurdo da série, mas na mente de Peggy aquele absurdo todo é trivial e até mesmo faz sentido.

    Lou Solverson é tão competente e abnegado quanto sua filha Molly, e ainda conta com a esperteza contida de sua esposa Betsy Solverson (Cristin Milioti) e experiência de seu sogro, o Sheriff Hank Larsson (Ted Danson) para enfrentar as trapalhadas do casal Blumquist, a loucura absolutista da família Gerhardt e a eficiência filosófica do assassino da Máfia do Kansas, Mike Milligan (Bokeen Woodbine). Novamente o futuro de todos aqueles personagens não pode ser menos do que desastroso, e a sabedoria disso torna cada episódio uma experimentação única, uma última imagem provável daqueles personagens. Se de um lado a tensão é permanente, por outro as explosões de violência ocorrem quase como uma praga divina capaz de aliviar aquela pressão antes de uma explosão, mas sem antes criar outras tensões tão severas quanto. Neste ponto, embora seja resolução narrativa para a maior parte dos arcos da trama, ela nunca se mostra definitiva e agindo sempre como estopim para mais violência.

    Ao brincar com o espectador, até mesmo algumas resoluções elaboradas pelos personagens, que fazem total sentido por reverberarem ficção e realidade, mostram-se apenas alucinações de uma realidade cruel em que, mesmo que agindo sob a expectativa da lógica e inteligência, tudo está destinado a arruinar-se. Na época do lançamento do filme Fargo, ao ser questionado sobre os tais fatos nos quais o filme foi baseado, Joe Coen comenta que estes provavelmente aconteceram, mas não com aquelas pessoas, e afirma que quase tudo que se possa escrever deve ter um espelho na realidade. Sendo assim, você pode criar planos elaborados de vingança e morte, e ainda haver uma reverberação no mundo real. De certa forma tem o mesmo papel da frase que antecipa alucinações e processos por parte do público “Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”.

    O mundo criado pelos Coen e estendido por Noah Hawley tem consciência de que não existem mera coincidências e que pelo Teorema do Macaco Infinito se pode ser escrito, é porque algum dia será ou foi verdade, mesmo que para isso tenha-se que envolver o presidente Nixon e todos os seus filmes.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Review | Fargo – 1ª Temporada

    Review | Fargo – 1ª Temporada

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    Um dos trabalhos mais ingratos que se pode ter no mundo do entretenimento é cutucar um clássico, seja por meio de reboot, remake, ou transposição para uma outra mídia. Como então mexer em Fargo, o excelente filme dos irmãos Coen, que aqui produzem a série. Fargo, o filme, conta a história de uma pequena cidade na Dakota do Norte onde uma série repentina de assassinatos é desencadeada pelo acordo desastrado de um vendedor de carros que planeja sequestrar sua esposa e assim conseguir o dinheiro do resgate de seu detestável sogro, mas que precisa lidar com as adversidades e inteligência determinada de uma policial grávida.

    E assim, tão inesperado quanto os acontecimentos da série, Fargo se estabelece como a melhor série de 2015, não só por concorrer a diversos prêmios, mas principalmente por conter aspectos cinematográficos com qualidade vista apenas em alguns poucos longas-metragens, quanto menos na TV.

    Simplesmente tudo parece estar no lugar, e o grande mérito desta ousadia está em no criador e roteirista da série Noah Hawley, que dirige o primeiro episódio e roteiriza os demais e faz um trabalho irrepreensível.

    Fargo se passa na pequena Bemidji, em Minesota, e conta a história de Lester Nygaard, brilhantemente interpretado por Martin Freeman (O Hobbit, e a série Sherlock Holmes), um agente de seguros inseguro e passivo, sem força para revidar a qualquer ataque que seja, inclusive de sua esposa que vive a compará-lo com seu irmão mais novo e bem-sucedido. Tragado pela cidade e sua mediocridade, Lester parece estar sempre à beira de um colapso emocional. Frágil, em certo dia reencontra um antigo colega da escola o qual relembra os episódios de bullyng que praticou contra Lester, bem como um breve enlace amoroso com sua esposa. Com medo, Lester acaba se machucando, e no hospital se depara com uma figura estranha com olhos de tubarão e personalidade cínica chamada Lorne Malvo. O personagem interpretado por Billy Bob Thornton (Papai Noel às Avessas, Na Corda bamba), magnético como sempre.

    Rapidamente numa conversa, Lester se abre e deixa em aberto a estranha proposta de auxílio através do assassinato de seu agressor. Mas este pequeno encontro desencadeia uma série de mortes que ultrapassam os limites geográficos.

    Tudo isso é investigado pela ainda jovem, mas brilhante Molly Solverson (Allison Tolman), que desata os nós e relaciona Lester com Lorne Malvo. Tudo isso com bom trabalho policial e inteligência, mas sem jamais ser levada a sério pela atrapalhada força policial da cidadezinha.

    Como uma extensão do filme original, a série estabelece a região e Fargo e seus condados como uma espécie de fenda moral, um local onde aquilo que pode dar errado certamente dará errado. Um cotidiano absorvente que por algum motivo se mostra quase surreal, inclusive ao analisar a cadeia dos acontecimentos. Outra característica trazida do filme é que existem pessoas extremamente lúcidas carregando a trama, permitindo que não haja qualquer tipo de raio de manobra para que o roteiro não subestime a força de sua narrativa e o espectador.

    A escala crescente de violência funciona como motor da trama, que mais do que envolver algum mistério, ou coisa assim, fala do desenvolvimento dos personagens, todos frente àquelas situações. Assim como o filme que deu origem à série não é sobre o que irá acontecer, mas sim como irá acontecer. Sem recorrer à pirotecnia ou tramas rocambolescas, tudo é relativamente simples de acompanhar, mas feito de forma a se comunicar continuamente com o espectador que poderá vir a ter empatia com qualquer um daqueles personagens em seus dilemas morais, pois exatamente todos os personagens da trama são muito bem escritos.

    Outro destaque está na escolha dos diretores, com destaque nos episódios 7 “Who Shaves the Barber?” na direção, que traz um humor inspirado e envolvente, bem como soluções de cena geniais; para o episódio 9 “A Fox, a Rabbit, and a Cabbage” que consegue alavancar ainda mais uma história que em nenhum momento empalidece e segue em frente com determinação ímpar, algo que pode enfraquecer no caso de algum ponto anti-climático. Aqui a série se coloca em um estado introspectivo, mas mantendo a força de sempre. E por fim, o Season Finale “Morton’s Fork“, que consegue amarrar toda a trama de maneira simples e extremamente recompensadora, novamente demonstrando que a luta moral com o acaso é parte inerente daquela região e a aura quase surreal da neve intensa, onde o clima inóspito marca a população que se perdeu no tempo e ainda acredita ser tão pura quanto a neve, mesmo que constantemente manchada pelo vermelho do sangue.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | O Juiz

    Crítica | O Juiz

    Filmes de tribunal sempre foram recorrentes na história do cinema. O ótimo 12 Homens e Uma Sentença, de 1957, provou que é possível fazer um filme com assuntos jurídicos ser interessante para o público. Mas foi em 1993 que o gênero explodiu com A Firma, estrelado por Tom Cruise e Gene Hackman. Hollywood viu no autor John Grisham uma fonte quase inesgotável de roteiros vindo de seus livros. Grisham, até hoje, é bastante respeitado pelos seus romances extremamente competentes, recheados de intrigas, mistérios e com histórias bem diferentes umas das outras. Com isso, pudemos assistir a O Dossiê Pelicano, O Cliente, Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Homem que Fazia Chover, Até Que a Morte Nos Separe e, mais recentemente, O Júri, todas adaptações dos livros do autor.

    Quando O Juiz foi anunciado, os atores estavam no primeiro estágio de negociação. O astro Robert Downey Jr., além de confirmar presença como protagonista, assina também como produtor executivo e, para contrabalancear com ele, o nome de Jack Nicholson chegou a ser cogitado. Infelizmente, as negociações não avançaram e coube ao veterano Robert Duvall dar vida ao juiz Joseph Palmer, ou juiz Palmer, como é chamado.

    O que difere O Juiz das adaptações de Grisham é que o filme tem uma premissa extremamente simples, e até mesmo clichê. Porém, o diretor e roteirista David Dobkin, que tem no currículo filmes como Bater Ou Correr em Londres e Penetras Bons de Bico, surpreende ao inserir um humor pouco convencional à trama, além de outras situações extremamente sutis que acabam funcionando por completo.

    Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado bem-sucedido que há anos abandonou sua cidade natal por não se dar bem com seu pai, o juiz Palmer (Duvall). Embora Hank more numa mansão e seja casado com uma bela jogadora de vôlei, ele se vê no meio de seu próprio divórcio e, para piorar a situação, durante um julgamento, recebe uma ligação de que sua mãe havia morrido. Era hora de retornar à sua cidade depois de tantos anos. Era hora de confrontar o seu pai depois de tantos anos.

    A sutileza do diretor já é percebida logo quando Hank chega ao velório. Somos apresentados ao seu caçula e especial irmão, Dale (Jeremy Strong), e o irmão mais velho, Glen (Vincent D’Onofrio). O juiz Palmer, ao chegar, cumprimenta todos, menos seu filho, mostrando que nem o luto da esposa amoleceu seu coração. Aliás, a maneira como Hank é tratado pelo pai faz que ele resolva ir embora no dia seguinte ao funeral, sendo que, dentro do avião, ele fica sabendo que seu pai foi acusado de homicídio por ter atropelado um ex-condenado que agora está solto.

    Com o sucesso de Homem de Ferro, Downey Jr. resolveu de vez assumir a identidade de Tony Stark, tanto que nas junkets de divulgação do filme do ferroso, o astro ia praticamente vestido como o gênio, bilionário, playboy e filantropo da Marvel, usando o mesmo cavanhaque e os mesmos ternos, algo que faz até hoje. Essa fusão entre ator e personagem atrapalha o primeiro ato de O Juiz, pois não se enxerga Downey Jr. como Hank Palmer, mas sim como Tony Stark.

    Isso muda quando Hank decide ficar e ajudar seu pai. Ele encontra na sua antiga bicicleta e numa camiseta surrada do Metallica um propósito para poder relembrar a sua infância e sua adolescência, revendo, inclusive, seu antigo amor, Samantha (Vera Farmiga), que hoje é dona de um restaurante e mãe solteira de uma bela jovem, que morde o cabelo da mesma forma que a filha de Hank.

    A química entre Downey Jr. e Robert Duvall funciona bastante, rendendo ótimos momentos de tensão e drama, o que pode levar o telespectador a diversas emoções. Aos poucos, também conhecemos o motivo pelo qual os dois se odeiam e como isso interfere diretamente no curso do processo e do julgamento do juiz Palmer.

    Aliás, a relação entre todos os personagens e suas boas subtramas acaba deixando a trama principal em segundo plano, o que faz com que um dos personagens fundamentais, o promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), fique meio apagado, o que de certa forma não chega a ser ruim, já que o filme, como dito, tem uma premissa bastante simples. E isso talvez seja mérito do diretor por escrever e filmar ótimas cenas que intercalam drama junto ao humor de forma sutil e delicada sem ficar chato ou fora do lugar. Não há nenhuma cena cômica que não se encaixe.

    O Juiz, por ter participado de festivais, poderá ser um dos nomes do Oscar em 2015, rendendo indicações para Downey Jr. como melhor ator, Robert Duvall, como melhor ator coadjuvante, e talvez para melhor roteiro e direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    Crítica | O Homem Que Não Estava Lá

    70 - The Man Who Wasn't There (O Homem Que Não Estava Lá)

    Uma das características mais marcantes dos Irmãos Coen é a homenagem que vez ou outra prestam a gêneros de cinema que os fizeram gostar dessa arte. Em O Homem Que Não Estava Lá, a homenagem é feita ao noir, grande marca do cinema americano dos anos 40, famoso pelo preto e branco, em cidades esfumaçadas, femme fatales e narrações em off feitas geralmente por um detetive que investiga um crime. Praticamente todos estes elementos estão neste filme.

    O filme conta a história de Ed Crane (Billy Bob Thornton) um barbeiro infeliz que vive com sua esposa Doris (Frances McDormand). Ao desconfiar que ela está traindo-o com seu chefe Big Dave (James Gandolfini), Ed passa a planejar uma trama de chantagem contra o amante, a fim de ganhar dinheiro para investir em um negócio que acaba de ter contato com um cliente na barbearia. Mas quando seu plano vai por água abaixo uma série de consequências desagradáveis ocorre, ao melhor estilo dos Coen.

    A fotografia é excelente e eficaz na reconstrução dos EUA da virada da década de 40 para 50, com seus figurinos, carros e até mesmo os maneirismos, como o jeito de fumar, o que praticamente todo o elenco faz exaustivamente. As sequências são todas singulares, com o objetivo de demonstrar o vazio existencial de Ed, que sempre se queixa de não gostar de conversar com ninguém.

    O filme apresenta diálogos e situações interessantes. A construção dos “erros” vai se aprofundando de tal forma que consegue de início prender a atenção do espectador. Quando essa atenção começa a se diluir por conta do ritmo lento da narrativa, um personagem interessante é inserido, que nos atrai de volta a história: O advogado Freddy Riedenschneider (Tony Shalhoub), que misturando conceitos de ciência em um tom quase místico, tenta elaborar uma defesa para o fato de que a mulher de Ed está presa, mas que ninguém sabe que a culpa na verdade é dele.

    O interessante nisso é que nem mesmo Ed parece acreditar ou se importar na ambiguidade moral de sua mulher estar presa por sua culpa. Ele continua agindo como sempre agiu, como se fosse programado por um código externo de ética, tomando decisões de acordo com o que deveria ser certo. Porém, quando ele se toca que desperdiçou a vida fugindo de contato humano, é tarde demais. Todo o seu mundo artificial já havia desmoronado, e o conto clássico de crime e castigo, por vias tortas, já havia se concluído.

    Apesar de nuances interessantes acerca das motivações dos personagens e das discussões morais a respeito de suas atitudes, o filme não chega a envolver emocionalmente. Sentimos-nos ao seu final mais ou menos como Ed, acompanhando a história e os personagens sem nos envolvermos com eles, somente por obrigação. Acho difícil acreditar que esse era o objetivo dos Coen com o filme, que apesar de sua precisão técnica e de elenco, falha em gerar um envolvimento real com a história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Amor Custa Caro

    Crítica | O Amor Custa Caro

    o amor custa caro

    Todo grande cineasta, vez ou outra, se depara com projetos onde precisa ceder para conquistar público ou agradar seus empregadores a fim de mantê-los felizes o suficiente para continuarem bancando seus projetos pessoais, e poucos são os felizardos que nunca precisaram passar por isso. Com um orçamento de U$ 60 mi e uma renda mundial de U$ 120 mi, pode-se dizer que neste aspecto o filme atingiu seus objetivos. Artisticamente falando, porém, a produção não faz jus à filmografia dos Coen.

    A história gira em torno de Miles Massey (George Clooney), um bem-sucedido advogado especialista em divórcios que está entediado e em busca de novos desafios em sua carreira e em sua vida particular. Marylin Rexroth (Catherine Zeta-Jones) é uma mulher que deseja se tornar rica através do dinheiro conseguido em diversas separações, e que conhece Miles por este ser o advogado de seu ex-marido, Rex Rexroth (Edward Herrmann). Miles consegue a separação a favor de Rex, mas acaba se apaixonando por Marylin.

    O elenco, como de costume, é bem escolhido e Clooney está exagerado na medida certa como o advogado caricato. Zeta-Jones às vezes destoa nas caras e bocas sensuais, mas faz bem o papel que lhe é dado. A boa sequência inicial com Geoffrey Rush (que serve inicialmente só para apresentar-nos a Miles) também rende uma participação maior e muito boa no final, assim como a pequena (mas importante) participação de Billy Bob Thornton.

    Porém, apesar de o filme conter algumas das principais características dos Coen (como o humor negro e as viradas de roteiro), esses elementos não são suficientes para salvar o roteiro de certo cansaço no avançar da história, que de certa forma se torna previsível. O que realmente a salva são os personagens empáticos e cenas hilárias (e infantis, na medida certa) que tiram sorrisos agradáveis do espectador, que, graças a essas qualidades, acaba esquecendo e relevando as falhas estruturais da narrativa.

    O Amor Custa Caro funciona como comédia romântica ao dar espaço para protagonistas inteligentes se apaixonarem, ao utilizar clichês do gênero ao seu favor e como diversão pura e simples, mas fica aquém da capacidade de uma dupla que já nos deu produções como Fargo, apesar de estar bem acima da média das comédias românticas dos últimos anos, gênero desgastado como poucos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Informers: Geração Perdida

    Crítica | Informers: Geração Perdida

    poster informers geracao perdida

    Informers – Geração Perdida é um filme de 2008 dirigido por Gregor Jordan, com roteiro de Nicholas Jarecki e Bret Easton Ellis – que, além de roteirista, é o escritor do livro em que o filme se baseia. Assim como suas obras anteriores, Ellis retoma aqui seus temas recorrentes: um universo de niilismo, almas perdidas e sempre cometendo excessos em uma vã esperança de preenchimento do seu vazio interior.

    Informers tem um formato parecido com o de uma novela. Há diversos núcleos de personagens que se conectam brevemente, sem grandes conexões físicas entre elas. Há, por exemplo, o porteiro de um um prédio (Brad Renfro) que deseja tornar-se ator mas, após tentar se desvencilhar de uma vida indigna do passado, é arrastado de volta a ela por seu tio (Mickey Rourke), um criminoso e viciado.

    Há também o casal formado por Kim Basinger e Billy Bob Thornton. Os dois tentam retomar um casamento de aparências depois de um caso do marido com uma âncora de jornal (Winona Ryder), que se relaciona com ele apenas pela sua posição de produtor de TV. O casal é desacreditado até mesmo pelos filhos. Um deles, Graham (Jon Foster), se vê em um triangulo – amoroso não seria o correto, e sim sexual – junto com Martin (Austin Nichols) e Christie (Amber Heard), e todos se encontram perdidos em meio a seus vícios e os falta de coragem, ou força, para retomar o controle de suas vidas.

    Apesar das breves conexões entre os personagens, o que verdadeiramente conecta a todos na história é a desgraça e a decadência. Se o formato pode ser parecido com o de um folhetim, seus temas e impacto não. Não existe redenção para nenhuma dessas pessoas. O paraíso de riqueza e a “terra do faça o que quiser” cobram o seu preço; seja pela AIDS, numa época em que a doença ainda não tinha esse nome, seja pela vida miserável, vazia e sem esperança.

    Qualquer traço de humanidade do filme não consegue passar dos minutos iniciais, quando, num velório de um amigo em comum, um dos personagens demonstra afeto e dor pela perda daquele que está sendo velado. Com isso, ele já não faz mais parte daquele universo e não aparece mais durante o longa.

    Em Informers não existe conclusão. Propositalmente, o filme não tem terceiro ato, justamente para mostrar a falta de perspectiva daquelas vidas e, assim, criticar e questionar a própria sociedade que dá origem a uma narrativa como essa: os ricos Yuppies da década de 80. Assim, Informers diz qual é o destino das pessoas se tomarem essas mesmas atitudes, que é a própria ruína e decadência.

    Justamente por sua construção, o filme talvez não seja tão interessante quanto as adaptações anteriores das obras de Brett Easton Ellis, como Psicopata Americano ou Regras da Atração. Mas, ainda assim, é uma boa pedida, tanto para os já apresentados a esse universo de perdição, sexo e drogas em função da sua crítica social quanto para aqueles que não dispensam uma obra sobre um mundo distópico. Apesar das formas, estilo e tecnologia serem do passado, o filme retrata uma distopia em que quase todos os nossos valores comuns foram abandonados em troca de uma vida que gira apenas em torno de si própria, sem possibilidade de avanço, como um vírus silencioso e mortal, que faz com que o tom dourado do sol, presente durante todo o longa, dê lugar a um céu escuro e nublado.

    Ouça nosso podcast sobre Bret Easton Ellis.