Mare Of Easttwon é uma minissérie da HBO protagonizada e produzida por Kate Winslet, que vive Mare Sheeran, uma chefe de família divorciada e detetive da pequena cidade de Easttown. O lugar é conhecido pelo desaparecimento de algumas jovens, fato esse que faz com que a sociedade acredite que exista um psicopata ou assassino em série à solta, e tudo se agrava quando a polícia encontra o cadáver de outra jovem.
O roteiro brinca com elementos comuns de histórias provincianas. Há mistérios e eventos estranhos que se acentuam por conta da condição emocional de Mare. Diante desse cenário, os crimes parecem fazer parte da atmosfera acinzentada estabelecida na cidade e alguns personagens. A série tem apenas sete episódios, todos muito bem conduzidos por Brad Ingelsby, showrunner da série e roteirista de bons filmes policiais (Tudo Por Justiça, Noite Sem Fim), e dirigidos por Craig Zobel, conhecido por seu trabalho no incômodo Obediência e o recente A Caçada.
Jean Smart e Angourice Rice fazem bons papéis como Helen e Siobhan Sheehan. O estilo de ambas funciona com a dinâmica da protagonista, tornando-a mais humana e complexo do que uma mulher de meia-idade com poucas perspectivas. Julianne Nicholson ajuda a fortalecer a condição de que as pessoas fortes de Easttown são as mulheres, não só por serem as condutoras de suas próprias historias, mas também por movimentarem todas as curvas dramáticas da série, mesmo antes do presente ocorrer, já que a cidade é conhecida por um time de basquete feminino local que venceu competições amadoras, e que tinha em Mare sua craque.
Os homens, que em suma, são fracos, inexpressivos, passivos, quase impotentes, exceção talvez ao detetive Colin Zabel (Evan Peters) um sujeito sensível e bem diferente dos seus últimos personagens, que também não é exatamente um exemplo de virilidade, e ainda esconde consigo um incômodo segredo a respeito de seus feitos no passado. Mare of Easttown contém uma personagem poderosa e humana, dona de um código ético irrepreensível, incapaz de ser dobrado. A discussão dessas condições dentro dos episódios é bem realizada e pontuada pela exploração da dificuldade que pessoas reais têm em seguir em frente após um trauma.
Um dos trabalhos mais ingratos que se pode ter no mundo do entretenimento é cutucar um clássico, seja por meio de reboot, remake, ou transposição para uma outra mídia. Como então mexer em Fargo, o excelente filme dos irmãos Coen, que aqui produzem a série. Fargo, o filme, conta a história de uma pequena cidade na Dakota do Norte onde uma série repentina de assassinatos é desencadeada pelo acordo desastrado de um vendedor de carros que planeja sequestrar sua esposa e assim conseguir o dinheiro do resgate de seu detestável sogro, mas que precisa lidar com as adversidades e inteligência determinada de uma policial grávida.
E assim, tão inesperado quanto os acontecimentos da série, Fargo se estabelece como a melhor série de 2015, não só por concorrer a diversos prêmios, mas principalmente por conter aspectos cinematográficos com qualidade vista apenas em alguns poucos longas-metragens, quanto menos na TV.
Simplesmente tudo parece estar no lugar, e o grande mérito desta ousadia está em no criador e roteirista da série Noah Hawley, que dirige o primeiro episódio e roteiriza os demais e faz um trabalho irrepreensível.
Fargo se passa na pequena Bemidji, em Minesota, e conta a história de Lester Nygaard, brilhantemente interpretado por Martin Freeman (O Hobbit, e a série Sherlock Holmes), um agente de seguros inseguro e passivo, sem força para revidar a qualquer ataque que seja, inclusive de sua esposa que vive a compará-lo com seu irmão mais novo e bem-sucedido. Tragado pela cidade e sua mediocridade, Lester parece estar sempre à beira de um colapso emocional. Frágil, em certo dia reencontra um antigo colega da escola o qual relembra os episódios de bullyng que praticou contra Lester, bem como um breve enlace amoroso com sua esposa. Com medo, Lester acaba se machucando, e no hospital se depara com uma figura estranha com olhos de tubarão e personalidade cínica chamada Lorne Malvo. O personagem interpretado por Billy Bob Thornton (Papai Noel às Avessas, Na Corda bamba), magnético como sempre.
Rapidamente numa conversa, Lester se abre e deixa em aberto a estranha proposta de auxílio através do assassinato de seu agressor. Mas este pequeno encontro desencadeia uma série de mortes que ultrapassam os limites geográficos.
Tudo isso é investigado pela ainda jovem, mas brilhante Molly Solverson (Allison Tolman), que desata os nós e relaciona Lester com Lorne Malvo. Tudo isso com bom trabalho policial e inteligência, mas sem jamais ser levada a sério pela atrapalhada força policial da cidadezinha.
Como uma extensão do filme original, a série estabelece a região e Fargo e seus condados como uma espécie de fenda moral, um local onde aquilo que pode dar errado certamente dará errado. Um cotidiano absorvente que por algum motivo se mostra quase surreal, inclusive ao analisar a cadeia dos acontecimentos. Outra característica trazida do filme é que existem pessoas extremamente lúcidas carregando a trama, permitindo que não haja qualquer tipo de raio de manobra para que o roteiro não subestime a força de sua narrativa e o espectador.
A escala crescente de violência funciona como motor da trama, que mais do que envolver algum mistério, ou coisa assim, fala do desenvolvimento dos personagens, todos frente àquelas situações. Assim como o filme que deu origem à série não é sobre o que irá acontecer, mas sim como irá acontecer. Sem recorrer à pirotecnia ou tramas rocambolescas, tudo é relativamente simples de acompanhar, mas feito de forma a se comunicar continuamente com o espectador que poderá vir a ter empatia com qualquer um daqueles personagens em seus dilemas morais, pois exatamente todos os personagens da trama são muito bem escritos.
Outro destaque está na escolha dos diretores, com destaque nos episódios 7 “Who Shaves the Barber?” na direção, que traz um humor inspirado e envolvente, bem como soluções de cena geniais; para o episódio 9 “A Fox, a Rabbit, and a Cabbage” que consegue alavancar ainda mais uma história que em nenhum momento empalidece e segue em frente com determinação ímpar, algo que pode enfraquecer no caso de algum ponto anti-climático. Aqui a série se coloca em um estado introspectivo, mas mantendo a força de sempre. E por fim, o Season Finale “Morton’s Fork“, que consegue amarrar toda a trama de maneira simples e extremamente recompensadora, novamente demonstrando que a luta moral com o acaso é parte inerente daquela região e a aura quase surreal da neve intensa, onde o clima inóspito marca a população que se perdeu no tempo e ainda acredita ser tão pura quanto a neve, mesmo que constantemente manchada pelo vermelho do sangue.
Um ano após encerrar a jornada do escritor Hank Moody em Californication, David Duchovny estrela uma nova série, dessa vez pelo canal NBC. Criada por John McNamara, sua primeira produção, Aquarius, explora simultaneamente o final da década de 1960 nos Estados Unidos e enfoca o conhecido assassino serial Charles Manson.
A produção se baseia livremente em acontecimentos reais e desenvolve personagens fictícios para ampliar sua trama ao acompanhar o detetive da polícia de Los Angeles Sam Hodiak, responsável pela investigação do desaparecimento de uma adolescente. Em companhia de um agente da Narcóticos que se torna seu parceiro em diversos casos, o paradeiro da garota leva diretamente a Charles Manson e sua conhecida família, o nome pelo qual era chamado o grupo de hippies que acompanhava Manson.
A série explora tanto casos de investigação corriqueiros como o desenvolvimento de Manson e sua seita, a trama principal da série. Interpretado por Gethin Anthony (Games of Thrones), seu personagem não causa espanto nem mesmo empatia. Considerando que Manson se tornou famoso por sua transgressão das leis, falta maior empenho no roteiro em explorar esta faceta. Se imaginarmos que parte do público irá conhecer o assassino mais a fundo devido à série, sua caracterização se define como um louco que não apresenta um objetivo concreto a não ser se tornar um músico e viver em uma sociedade diferente daquela regida pela época. A mítica em torno de sua fama parece invadir o roteiro como se o público devesse saber de antemão tudo sobre a personagem.
Do lado da lei, o Hodiak de Duchovny também é desequilibrado. Em alguns momentos, o ator entrega um personagem diferente do habitual, mais maduro e centrado, dando-nos a impressão de que o policial é dedicado ao trabalho e hoje sente cansaço pela burocracia. Em outros, parece reciclar o humor de Fox Mulder eHank Moody com piadas encaixadas na hora certa que trazem à tona uma lembrança dissonante para o público, como se o ator não soubesse delimitar bem seu estilo próprio e as diferenças de cada uma de suas personagens.
A série se torna mais funcional quando apresenta casos diversos investigados por Hodiak, representando uma tradicional série de investigação passada em uma época antiga. Quando Manson se torna o tema central, a trama nunca transparece urgência suficiente, parecendo mais um pano de fundo do que a estrela que deveria ser. Um conflito que torna a execução da série mediana. Mesmo que a ambientação seja bem composta e a trilha sonora utilize grandes clássicos da música, falta uma sustentação forte para a trama.
O plano inicial do autor é desenvolver uma narrativa em seis temporadas que devem abarcar todo o fanatismo de Manson e sua trajetória. Porém, sem executar com qualidade sua trama principal, nem a boa ambientação da década de 1960 será suficiente para manter a série no ar. A temporada que começou com mais de cinco milhões de expectadores, terminou seu décimo terceiro episódio com pouco mais de 1 milhão. Uma queda significativa, ainda que tais números sejam parciais, não considerando quem assistiu à série no canal oficial da NBC.
Com um inicio mediano, Aquarius não emplaca em seu primeiro ano, ainda que tenha uma história forte em potencial. Com o lançamento próximo de uma nova temporada de Arquivo X, é provável que a segunda temporada da série consiga manter-se no ar em parte graças à outra ou ser inteiramente eclipsada com a volta da personagem mais conhecida de Duchovny.