Tag: kate winslet

  • Review | Mare of Easttown

    Review | Mare of Easttown

    Mare Of Easttwon é uma minissérie da HBO protagonizada e produzida por Kate Winslet, que vive Mare Sheeran, uma chefe de família divorciada e detetive da pequena cidade de Easttown. O lugar é conhecido pelo desaparecimento de algumas jovens, fato esse que faz com que a sociedade acredite que exista um psicopata ou assassino em série à solta, e tudo se agrava quando a polícia encontra o cadáver de outra jovem.

    O roteiro brinca com elementos comuns de histórias provincianas. Há mistérios e eventos estranhos que se acentuam por conta da condição emocional de Mare. Diante desse cenário, os crimes parecem fazer parte da atmosfera acinzentada estabelecida na cidade e alguns personagens. A série tem apenas sete episódios, todos muito bem conduzidos por Brad Ingelsby, showrunner da série e roteirista de bons filmes policiais (Tudo Por Justiça, Noite Sem Fim), e dirigidos por Craig Zobel, conhecido por seu trabalho no incômodo Obediência e o recente A Caçada.

    Jean Smart e Angourice Rice fazem bons papéis como Helen e Siobhan Sheehan. O estilo de ambas funciona com a dinâmica da protagonista, tornando-a mais humana e complexo do que uma mulher de meia-idade com poucas perspectivas. Julianne Nicholson ajuda a fortalecer a condição de que as pessoas fortes de Easttown são as mulheres, não só por serem as condutoras de suas próprias historias, mas também por movimentarem todas as curvas dramáticas da série, mesmo antes do presente ocorrer, já que a cidade é conhecida por um time de basquete feminino local que venceu competições amadoras, e que tinha em Mare sua craque.

    Os homens, que em suma, são fracos, inexpressivos, passivos, quase impotentes, exceção talvez ao detetive Colin Zabel (Evan Peters) um sujeito sensível e bem diferente dos seus últimos personagens, que também não é exatamente um exemplo de virilidade, e ainda esconde consigo um incômodo segredo a respeito de seus feitos no passado. Mare of Easttown contém uma personagem poderosa e humana, dona de um código ético irrepreensível, incapaz de ser dobrado. A discussão dessas condições dentro dos episódios é bem realizada e pontuada pela exploração da dificuldade que pessoas reais têm em seguir em frente após um trauma.

  • Crítica | Depois Daquela Montanha

    Crítica | Depois Daquela Montanha

    Ben Bass (Idris Elba) é um cirurgião cujo voo foi cancelado, na volta de um congresso. Alex Martin (Kate Winslet) é uma fotojornlista que estaria no mesmo voo, a caminho de seu casamento. Na tentativa de não perder a cerimônia, Alex convence Ben a contratarem um piloto particular, Walter (Beau Bridges), para leva-los para casa. Durante o voo, o avião cai nas montanhas geladas, deixando os dois – e um labrador – entregues à própria sorte.

    Lendo a sinopse e assistindo ao trailer, o filme até parece promissor. Pena que não corresponde às expectativas. O que, à primeira vista, parece ser um drama de sobrevivência “raiz” – a exemplo de Vivos127 Horas ou mesmo Náufrago – descamba para um pseudo-romance entre os personagens. Digo pseudo pois não há muita química entre os personagens. É sabido que pessoas em situações extremas tendem a se aproximar; e sexo pode ser uma válvula de escape para a tensão causada pelo perigo iminente. Mas o romance entre eles não soa natural, não convence, apesar das boas atuações de Winslet e Elba.

    Outra coisa que não convence é o lado McGyver de Ben e a facilidade com que ele encontra subsídios seja para cuidar do enorme ferimento na perna de Kate, seja para tratar de um ataque de leão da montanha sofrido pelo cachorro. Impressiona a abundância de material disponível dentro pequeno avião – seja cirúrgico, seja para pequeno reparos. E, sobre a perna de Kate, além de Ben ter-lhe arranjado praticamente um robo-foot para imobilizá-la, ela parece não ser um obstáculo muito grande durante a caminhada deles em busca de civilização – a menos que seja necessário. Ben pouco se machuca, apesar das circunstâncias e seu instinto de sobrevivência é digno de um guia de escalada no Everest, mas pouco condiz com sua profissão.

    A tentativa canhestra do roteiro de mostrar a convivência entre pessoas bastante diferentes a todo momento cai no clichê. Aliás, clichês não faltam nessa produção. Desde o cara caladão por conta de um trauma passado, até a jornalista que fica fazendo perguntas o tempo todo, passando pela presença do cão para “unir” os personagens. Sem contar as inúmeras obviedades no contraste entre os personagens. Ele é introvertido, ela, extrovertida. Ele é prático e racional. E ela – num raciocínio tão rasteiro quanto um chinelo havaiana – por ser mulher, é obviamente guiada pelos sentimentos.

    As condições severas do clima também não são retratadas fielmente. Dormir sob as árvores deveria significar acordarem congelados, o que não ocorre. Sem contar que, após vários dias enfrentando frio extremo e carência das alimentos, os personagens continuam com boa aparência, quase corados. E, pasmem, a barba dele mal cresce!

    Em meio a tantas falhas, o filme culmina em um terceiro ato todo melodramático e com cenas água-com-açúcar, que estragam o pouco que os atores tinham conseguido construir para os personagens. A produção toda é tão piegas, tão lugar comum, que fica difícil tecer elogios a quaisquer aspectos que não sejam os técnicos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Roda Gigante

    Crítica | Roda Gigante

    A filmografia recente de Woody Allen, normalmente, tem oscilado em termos de qualidade, com longas não muito inspirados e outros absolutamente tocantes. Roda Gigante pertence a segunda classificação. Em uma trama simples, onde desenvolve uma história sobre o cotidiano de pessoas comuns, se valendo de muitos núcleos de personagens.

    Na trama, acompanhamos inicialmente a história de Carolina (Juno Temple) que serve como desenvolvimento do o caos em que vive a família comandada por seu pai, o turrão Humpty (Jim Belushi), sua madrasta Ginny (Kate Winslet) e seu irmão postiço, o pequeno Richie (Jack Gore).

    Não demora a se desenrolar a história de Ginny, que parece ser o que mais se aproxima de um protagonista usual, já que ela tem mais tempo de tela e seus dramas são os mais tangíveis. A história é narrada pelo salva-vidas e futuro dramaturgo Mickey, interpretado por Justin Timberlake, que diferente de suas últimas participações no cinema, se equivoca bastante em suas inserções na história, não pelos fatos em si, mas pela falta de naturalidade com que age, quase sempre acima das ações das personagens que o rodeiam. Talvez seja ele o avatar do diretor, ainda que esse não reúna o conjunto de semelhanças que Owen Wilson fez em Meia-Noite em Paris ou Larry David em Tudo Pode Dar Certo. Ginny vive seus dias de maneira monótona e tediosa, e não demora a tentar se aventurar por novos caminhos sexuais, fato que a faz reabrir velhas feridas.

    A história reúne elementos da Odisseia de Ulisses e da tragicomédia moderna, com eventos engraçados que se sobrepõem e uma quantidade cavalar de elementos cômicos simbólicos. O filho de Ginny, por exemplo, vive ateando fogo em tudo que pode. Seus atos intempestivos são pequenas demonstrações do desequilíbrio emocional que ronda todos os integrantes de sua família, é como se a casa humilde que se localiza dentro do parque de diversões onde Humpty trabalha fosse o epicentro da insanidade, atraindo para si pessoas cada vez mais loucas.

    O problema desse quadro que valoriza a loucura não passa muito além dos estereótipos. Humpty é o típico homem que fica violento ao beber, Carolina é inconsequente e aventureira, e Ginny que até aparenta ser mais complexa e bem trabalhada também se restringe ao seu arquétipo de mulher talentosa e frustrada viciada em remédios. Fora os momentos proporcionados pelas luzes e cenários em torno da tal roda gigante – que formam belas imagens, ainda mais quando enquadram Winslet e Temple – não há muito a se adjetivar positivamente em termos de construção de persona.

    Roda Gigante é uma historia cíclica e singela, que não busca ser alvo de discussões mais sérias e profundas. Sua ambição talvez more em tentar mostrar personagens destemperados, mas que no final das contas retornam todos para o status inicial, como uma roda gigante, para basicamente retomar a máxima de que esse é um retrato bonito porém sincero do que é a bucólica e enfadonha localidade de Connie Island.

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  • Crítica | Titanic

    Crítica | Titanic

    Em 1997, James Cameron dava um passo adiante em sua carreira como cineasta, comandando um projeto grandioso, enorme como sua figura de estudo. Titanic é uma versão sobre o naufrágio histórico de um navio supostamente intransponível. O começo de seu drama foca nas explorações sub-aquáticas de uma equipe de exploradores, que mergulham no fundo do oceano atrás do navio. Nesse meio tempo, Rose (Gloria Stuart), uma carismática e simpática velhinha surge como uma das figuras responsáveis pelo reconhecimento do naufrágio

    O filme tem cerca de três horas de duração, e é dedicado um  tempo curto a mostrar a expedição de Brock Lovett (Bill Paxton), um caçador de tesouros, que encontra um cofre dentro dos escombros. Ao ir a bordo da embarcação de reconhecimento, Rose começa a contar uma história de seu passado, quando seria interpretada pela musa – no auge de sua beleza – Kate Winslet. Uma moça de alta classe, que estava noiva de Cal Hockley (Billy Zane), um sujeito egoísta e inoportuno.

    Na época, Rose Dawson era uma moça entediada e pressionada a ser a galinha dos ovos de ouro de sua família, já que estavam falidos e seu casamento com Hockley resolveria os problemas financeiros de todos. Se percebe de plano um senso crítico da parte de Cameron quanto ao conservadorismo, o dinheiro a qualquer custo e a mentalidade tacanha por parte de uma parcela da sociedade, não só dos anos 1920, mas de nossos tempos.

    A conexão que a moça passa a ter com o artista pobretão Jack Dawson (Leonardo DiCaprio) é a prova cabal da tentativa dela de fugir do mundo em que vive. A alcunha de pobre garota rica é muitas vezes lembrada dentro do longa, mas o roteiro de Cameron demonstra chances reais dela se desvencilhar desse mundo, já que se mostra bastante diferente de seus pares. Jack aparece com vinte e dois minutos de exibição como um rapaz sonhador e que desbrava o mundo, viajando e vendendo sua arte pelos portos. A partida da Europa em retorno para América não era uma novidade para si, mas o embarque no suntuoso barco é uma chance de estar em lugar de alto estilo, mesmo que esteja na terceira classe.

    Os caminhos dos dois personagens se cruzam após uma tentativa de suicídio, e esse ato também é simbólico. O Titanic parece mexer com a cabeça de todos que estão a bordo, uma vez que as sensações e sonhos se tornam grandiosos. Mesmo os exageros são de certa forma justificados.

    Rose e Jack dão vazão a um amor proibido, e nos momentos de maior tensão e união, ambos tremem. A primeira sequência dessa é a bordo de um carro, no estacionamento do navio quando finalmente fazem sexo, e a outra é ao final, na despedida dos dois. O amor proibido e que tem vida curta segue repleto de emoções, e conversa diretamente com o infortúnio do naufrágio, pois ambas cenas ocorrem ao lado dos momentos chaves para o dito fim do Titanic, sendo a primeira imediatamente anterior ao choque com o iceberg e a segunda posterior ao total afundamento do navio.

    O iceberg só aparece de fato com mais de noventa minutos passados, um pouco menos da metade da obra. A partir daí, a história de amor ainda preenche alguns dos momentos, mas a maior parte do conteúdo dramático se dedica a mostrar a luta dos futuros naufragados na tentativa de subir nos poucos botes disponíveis. A partir daí, uma luta de classes se estabelece, normalmente favorecendo os mais abastados, pondo fim a vida de quase todos os que cercavam Jack.

    As provas de amor que Rose e Jack praticam entre si tem um caráter lúdico e irreal na maior parte das vezes. É como uma fábula dos séculos anteriores, com personagens arquetípicos, com a donzela rica em perigo, o lindo rapaz pobre e o ciumento sujeito abastado. Não se desenvolve muito além disso, fato que faz toda a história soar um pouco repetitiva, mas ainda assim há bastante universalidade na obra.

    Depois de toda a tragédia, nos últimos do navio ainda em pé se mostram alguns momentos de esperança na raça humana, seja a dos músicos, tocando canções religiosas em suas cordas, para tentar suplicar pelas almas dos que perecerão, ou na abnegação do capitão Smith (Bernard Hill) e Thomas Andrew (Victor Garber), criador do transatlântico, que escolhem morrer lá, tendo o oceano como seu túmulo. Depois de dedicar um tempo debochando da burguesia, Cameron faz um juízo sobre os poucos membros da classe que apresentavam algum rastro de humanidade, deixando-os se redimirem.

    Titanic além de ser um resgate à memória afetiva de uma época em que só se podia sonhar com os avanços humanos, é também produto de uma nova fase do cinema, um exemplar magnânimo do poderio que a era digital do cinema poderia fazer. O orçamento gigantesco é completamente justificado diante da perfeita reconstrução de época.

    https://www.youtube.com/watch?v=zCy5WQ9S4c0

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  • Crítica | Beleza Oculta

    Crítica | Beleza Oculta

    Quando foi divulgado o primeiro trailer de Beleza Oculta (Collateral Beauty), de David Frankel, eu me interessei mais pela ideia de toda a história do que pelo grande elenco que o filme tem, já esperava um melodrama no formato usual de sempre, porém o que temos aqui é uma ideia mal aproveitada, um drama que quer ser comédia (e fracassa) e um elenco que parece ter aceito participar do filme porque tinha umas semanas livres.

    Howard (Will Smith) é um empresário de muito sucesso que acredita no amor, no tempo e na morte como “segredos” do sucesso, até que uma tragédia abala a vida dele, fazendo-o mandar uma carta para o Amor, uma para o Tempo e outra para a Morte. Então, passa a receber visitas de pessoas que dizem ser essas coisas.

    Primeiramente, saiba que os materiais de divulgação vendem algo bem diferente do que o filme é, não por distorção, mas por omitir muitas coisas que fazem parecer que Beleza Oculta irá para certa direção quando o filme tem uma completamente diferente, e isso de certa forma foi uma surpresa agradável de início, o problema é que o primeiro ato é tão bagunçado e desconexo que o sentimento que fica é o de descontentamento. Kate Winslet, Edward Norton e Michael Peña interpretam os amigos e colegas de trabalho da personagem de Smith e de certa forma protagonizam este primeiro ato. A química é inexistente, os diálogos entre os três carregam uma atmosfera humorística que não funciona em nenhum momento e que só consegue soar propícia a vergonha alheia, pra não dizer ridículo. As atuações são motoras e parecem desconfortáveis, menos a de Peña que parece desconfortável por estar fazendo algo do que não é habituado, não por ser motora. Neste ato também é quando descobrimos qual é o principal plot do filme e por conta de todos esses problemas já citados, só soa, mais uma vez, ridículo, acrescentando aqui um “forçado”.

    O segundo ato consegue ser mais estável e possui dois dos três méritos do filme, o primeiro fica por conta de Naomie Harris, atriz indicada ao Oscar deste ano pelo seu papel brilhante em Moonlight: Sob a Luz do Luar, ela mesmo com um roteiro claramente limitado e que parece prezar apenas por falas de efeito, entrega uma atuação muito bonita e equilibrada. Inclusive, a atuação de Smith só funciona nas cenas em que ele precisa estar cara a cara com a personagem de Naomie, pois o papel dele parece uma reciclagem do que ele já fez em À Procura da Felicidade, Sete Vidas e Esquadrão Suicida (sim!). Já o segundo mérito do filme é de bem peculiar, que é como o filme mesmo sendo falho ele consegue prender a atenção, principalmente pela perspectiva de querer saber como toda a trama vai se resolver, mas isso acaba sendo bem dualístico por acabar ressaltando mais os defeitos do longa do que as qualidades.

    Chegando perto de seu final, Beleza Oculta reafirma de vez que seu elenco não quis fazer parte do filme, Helen Mirren que faz a Morte parece pelo menos se divertir, enquanto Keira Knightley (Amor) e Jacob Latimore (Tempo) se salvam pelo mínimo de carisma que conseguem transpassar no pouco que tinham em mãos. Este terceiro ato  também liga algumas pontas nos relacionamentos de seis personagens, mas desde o seu começo já parecia bem previsível.

    Claramente um filme comercial para o Natal (lançou nas vésperas do Natal de 2016 nos EUA), Beleza Oculta é mais do mesmo, ideia mal aproveitada e elenco subaproveitado, algo que vemos em Hollywood todos os dias, já dizia toda a internet: nada novo sob o sol. Ah, não quero falar muito sobre o final, mas sabe quando o filme entrega a melhor cena de todas, ligando coisas que você realmente não percebeu, mas decide fazer mais e mais só para te fazer cair da cadeira? Então…

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Polícia em Poder da Máfia

    Crítica | Polícia em Poder da Máfia

    Triplo 9

    John Hillcoat é um diretor que se tornou famoso pela crueza e pela intensidade de seus filmes. Oriundo dos videoclipes, desenvolveu alguns projetos com o músico Nick Cave, e acabou entrando de vez na rota de Hollywood ao enfileirar os ótimos A Estrada – baseado em um livro de Cormac McCarthy – e Os Infratores, com roteiro de Cave e estrelado por Tom Hardy e Shia LaBoeuf, até regressar com Polícia Em Poder da Máfia. Infelizmente, esse último não consegue chegar ao mesmo nível dos anteriores.

    Na trama escrita por Matt Cook, um grupo de assaltantes de bancos formado por ex-militares e policiais corruptos está sob constante chantagem da máfia russa. Após assaltar um banco para recuperar uma caixa de segurança que se encontrava dentro de um cofre, a organização exige que eles façam um último e arriscado serviço: resgatar alguns documentos num prédio governamental. Como o edifício tem um forte esquema de segurança, a quadrilha de assaltantes decide executar um policial, que recentemente tornou-se parceiro de um deles, e provocar um código 999 (referente a policial morto), uma vez que toda a força policial convergiria para o local do assassinato, deixando o caminho livre para o roubo ao prédio governamental.

    O roteiro de Cook até funciona durante um tempo, mas o excesso de personagens em tela acaba sendo prejudicial, uma vez que alguns são subdesenvolvidos. As relações interpessoais giram sempre em tornos de clichês, tais como policial veterano dando lições constantes ao novato, a mafiosa que só “dialoga” ameaçando ou dando ultimatos, os bandidos que se agridem durante o tempo todo. Outro problema: tudo é muito fugaz. Planos que deveriam ser melhor trabalhados são resolvidos rapidamente e não convencem, com exceção de algumas relações ambíguas que em determinado ponto acabam soando estranhas, e personagens que possuem comportamentos que não são condizentes com a personalidade que apresentam em tela durante boa parte da projeção.

    Porém, o bom argumento só se mantém até a primeira metade do filme. Nesse período, Hillcoat mostra-se como o ótimo diretor que demonstrou ser até o momento e constrói uma história tensa em que o espectador fica se perguntando sobre o que vai acontecer a seguir. A cena inicial mostrando o roubo ao cofre é sensacional e muitíssimo bem executada. Remete à cena de abertura do excepcional Fogo Contra Fogo, dirigido por Michael Mann. Porém, toda a tensão construída até o meio do filme vai se esvaindo, pois o restante abusa de soluções fáceis de roteiro. Ainda que não seja uma película curta em relação a outras obras do gênero, fica a impressão de que a produção deveria durar ao menos duas horas, para que tudo o estabelecido na primeira hora se solucione com maior qualidade e os personagens não aparentem tamanha unidimensionalidade.

    O extenso elenco conta com boas atuações de Chiwetel Ejiofor, Woody Harrelson, Anthony Mackie e Casey Affleck. Os três últimos, intérpretes de policiais na trama, são bem contrastantes entre si, sendo profissionais em diferentes momentos e situações da carreira. Clifton Collins Jr. e Aaron Paul sucumbem respectivamente aos estereótipos do policial corrupto e do junkie amargurado. Já Kate Winslet é uma caricatura ambulante como a matriarca da máfia russa. A bela presença de Gal Gadot serve somente como decoração, pois sua personagem tem pouquíssimo tempo de tela e praticamente não interfere no andamento do filme; já Norman Reedus tem uma participação breve, mas competente como sempre.

    Em resumo, Polícia Em Poder da Máfia tinha grande potencial para se tornar um épico do cinema policial, porém sucumbe a um roteiro cuja peça final é má desenvolvida, o que talvez justifique sua duração insuficiente e o acúmulo de respostas fáceis em que se apóia.

  • Crítica | A Vingança Está na Moda

    Crítica | A Vingança Está na Moda

    A Vingança Está na Moda

    Depois de quase uma década sem dirigir longas-metragens, Jocelyn Moorhouse retorna à condução no drama The Dressmaker, pessimamente traduzido para A Vingança Está na Moda, fato que faz vender o filme como se fosse uma comédia. O roteiro acompanha a chegada de Myrtle ‘Tilly’ Dunnage, vivida por Kate Winslet, que retorna a sua cidade natal na Austrália, um lugar desolado de distância mesmo entre as casas. A volta da protagonista é em grande estilo, e seu intuito logo fica evidente: provar aos seus antigos convivas que seus feitos foram muito além do que os camponeses julgavam.

    Tilly age como uma autêntica femme fatale, a despeito da idade de sua intérprete, que se vale exatamente de sua bela forma para perverter os ideais conservadores da comunidade rural, tirando a atenção até dos jogadores de rúgbi. Seu primeiro ato ao chegar no ponto de seu nascedouro é tentar arrumar os modos e vestimentas de sua mãe Molly (Judy Davis), fazendo do lar de sua infância a base para seu plano.

    A trama é atravessada por flashbacks, que mostram a personagem principal na infância, sendo maltratada por outras crianças, pelas mesmas que compõem o status quo do lugarejo, com referências inclusive a abuso sexual ainda quando criança e segregação tanto da vingadora quanto de sua mãe, com demonstração de conivência por parte dos vizinhos já adultos. Através de máquina de costura, Myrtle passa a vender a moda que a fez trabalhar quando estava em Melbourne estudando alta costura.

    A forma escolhida pela personagem para aproximação envolve troca de favores e cessão de trabalhos para os poderosos, mas Dunnage não os trata como os nobres que esta versão da classe média acha que é, mas ao contrário: é hostil mesmo prestando serviços de moda. Não há condescendência por parte de Tilly. A única pessoa que foge desse escopo de desprezo é Teddy McSwiney (Liam Hemsworth), que serve como uma das poucas alternativas à moral dentro da localidade, tendo por fim um destino trágico.

    A direção de Moorhouse varia entre a discrição e o glamour, acentuando a duplicidade da literatura de Rosalie Ham, tornando ainda mais importantes as questões familiares conflituosas entre mãe e filha e a cadeia de necessidade previamente estabelecido e pervertido próximo ao final. O tom agridoce valoriza ainda mais as viradas de destino presentes em A Vingança Está na Moda, fazendo dele um diferencial, ainda que moderado em meio a tantos filmes mornos dentro desse subgênero.

  • Crítica | Um Pouco de Caos

    Crítica | Um Pouco de Caos

    um pouco de caos

    Sobre a harmonia da natureza interferindo na confusão das relações humanas. Definição tão bela quanto sua estética, infundada pelo tratamento prematuro de sua simbologia. Na história, um jardim precisa ser construído, e um filme também, de preferência em torno desse tal “jardim do éden” pré-planejado na área mais verde, do palácio mais suntuoso de uma era tão nobre, bela, de visual à margem do que há de mais impecável, visual e comportamental. Tudo vibra em sintonia com as cores, a naturalidade dos movimentos, do cenário. Nota-se que Um Pouco de Caos tem uma vontade, uma intenção, é nítido até ao espectador mais ingênuo. Mas querer não é poder, todavia. Através da luta pessoal, como são quase todos os conflitos do cinema atual, e do seu enorme desejo de provar seu talento que, da jardineira Sabine de Barra, encarnada por Kate Winslet, surge um arquipélago de intentos e aspectos tão nobres quanto a época retratada, nos arredores do Palácio de Versalhes, em pleno reinado de Luís XIV, cuja capa e peruca quem usa é o próprio Alan Rickman, o ambíguo professor Snape da série Harry Potter. Como cineasta, sua insegurança é envernizada por uma sensibilidade duvidável, sendo que, quando a história consegue respirar sem a mão pesada de Rickman, também nota-se que um pouco mais de caos na direção não seria nada mal.

    A cinestesia é o sentido de percepção de movimento, do peso, da resistência e da posição de um corpo no espaço; é tudo percepção. Quando a persistente mulher chega em Versalhes e, por impulso criativo, retira um vaso no jardim do palácio e o recoloca em outro lugar para, com mãos de fada, entornar a simetria do jardim, o filme mostra ter uma força de representação forte, ainda que insegura, por nunca mostrar aquele universo por completo. É como se tudo fosse resumido e condensado em um jardim de proporções quase bíblicas, incapaz de alcançar a floresta de emoções e infinitos aspectos que Kubrick alcançou, por exemplo, em Barry Lyndon. Diferente deste, o filme de Alan Rickman é uma leveza e sutileza que impedem o filme de ganhar ritmos, ganhar clímax ou de nos surpreender, de qualquer forma que possa vir dos altos e baixos da vida da burguesia.

    Em 1963, o mestre Visconti fez equalizar visões políticas em outro clássico, O Leopardo, ao narrar a decadência de uma “nobreza” com uma perspectiva tão parcial enquanto humana, sendo assim uma espiral de ambiguidades que jamais merecia ter seu exímio trabalho de câmera em preto e branco. Pode se dizer o mesmo de Um Pouco de Caos? Se tons de prata fossem substituídos pelos de verde, a graça do filme ainda seria intocada? Será que os vestidos, com cores cada vez mais quentes, teriam o mesmo impacto para realçar o alpinismo social que o filme, habilmente, também mostra?

    Fato é que as flores de Versalhes jamais refletem a beleza de Caos, e sim o filme que tenta, a todo custo, refletir a naturalidade dessa beleza, em contraponto a bagunça de como é viver junto a aristocracia, aos desejos dos monarcas. Aos poucos percebemos que Simone de Barra precisa muito mais que endireitar vasos, e sim impedir que a inveja dos outros chegue até ela. Além disso, Rickman se apoia na naturalidade das coisas para nos privar de emoções mais graves, mais agudas e dignas de ser expressadas numa tela de Cinema. O filme evita seu caos, essas digressões que tudo apresenta, até mesmo a natureza, tal Malick e outros cineastas não deixam de apontar suas alterações em filmes como A Árvore da Vida ou o recente Vidas ao Vento, de Miyazaki. Hoje está frio, amanhã calor (especialmente se você está em São Paulo), mas na natureza das emoções é onde surfamos, e os filmes também, ou pelo menos os melhores.

    Se fosse música seria Spiegel im Spiegel, sinfonia de 1978 escrita por Arvo Part, ouvida em filmes como Gravidade e Hoje eu Quero voltar Sozinho. Na primavera vive Um Pouco de Caos, uma despretensiosa e elegante metáfora, intuindo-se nessa estação a vivência que Rickman planta na história de superação, após 18 anos sem dirigir um filme. Na ânsia de realizar um novo Desejos Proibidos, obra-prima de 1953, o fôlego linear e a tal da elegância (exagerada) ao contar a história não conseguem acompanhar o brilhantismo dos figurinos, lindos, o luxo das locações, a fotografia que tenta englobar o visual… é como assistir a uma rainha tentando sambar. Com medo do vexame, optou-se pelo mais seguro. Num filme onde o visual rege o conto, e não o contrário, essa extrema prudência e cerimônia de Caos se justificam, mas deixando um gosto de “quero mais” nos lábios de quem se lembra o que é a tal da cinestesia. Um pouco frustante, na real.

    E o que faz um jardineiro, afinal? Do que foge quem decora e harmoniza um microcosmo, o que procura? Um flash de como seria a harmonia da vida se tudo fosse tão simples de cuidar, cultivar e combinar, talvez? Uma questão de simetria, algo que um limpador de quintal não pensa, mas pode sentir no feitio do ofício. Caos traz à tona, afinal, o desejo de mudança habitante em todos nós, mas com uma precisão quase fria e matemática, compatível com a aridez do assexuado O Discurso do Rei.

    Kate Winslet ilustra nos olhos e no vestido sujo de pétalas e terra seca o penar em criar um pedaço do paraíso sendo honesta o suficiente para atrair a inveja dos outros. Talvez nisso, no lado intertextual do filme, resida o caos que, como um lírio escondido no mato, quase não salta aos olhos de quem vê, senão a superfície linda e agradável. A perturbação que a natureza não traz a Um Pouco de Caos por ser tão sistemático, e a desordem que ela traz às relações por ainda sermos tão humanos: é no equilíbrio entre essas duas forças, a racional e a natural, que o filme pende mais à primeira.

  • Crítica | Insurgente

    Crítica | Insurgente

    Divergente - Insurgente- poster

    Segunda parte da trilogia escrita por Veronica Roth, a sequência de Divergente, lançado há apenas um ano, chega aos cinemas revelando a urgência de produções-pipoca com bilheteria garantida, mesmo que uma trama sem fôlego seja um ponto crítico.

    Como resumo dos fatos anteriores, um vídeo institucional em que a líder, Jeanine Matthews (Katie Winslet), apresenta ao povo, pontua os preceitos básicos desta série distópica na qual a sociedade é divida em facções de acordo com os dominantes psicológicos de cada um: altruísmo (abnegação), amizade (generosidade), audácia (coragem), franqueza (sinceridade) e inteligência (erudição). Entre eles, há quem não se encaixe em nenhuma destas categorias: são os Divergentes, considerados párias por não se adequarem às divisões da sociedade, e por isso são retirados do sistema.

    A trajetória de Tris segue em Insurgente com maior pressão psicológica pelos fatos sucedidos anteriormente. A personagem compreende que representa uma exceção dentro de seu universo, mas não sabe como agir de fato para modificá-lo. Difícil não equipar esta heroína com a personagem central de Jogos Vorazes, Katniss Everdeen. Afinal, narrativas contemporâneas focadas em futuros distópicos com jovens como grandes salvadores têm sido uma tendência literária e, por consequência, cinematográfica. Katniss e Tris possuem personalidades distintas, mas a composição de Tris é feita de maneira menos intensa do que a da outra franquia, resultando em uma empatia proporcional ao carisma e urgência que a atriz Shailene Woodley trabalha em seu papel.

    Tris não soa como uma ameaça urgente ao sistema de governo como Katniss, bem como seu povo parece satisfeito com o sistema de facções. Sendo assim, uma eventual mudança parece seguir mais a vontade interior da garota e do grupo de Divergentes do que um aclame geral da população. Reconhecendo que a personagem central tem pouco carisma, Roth e, consequentemente, os roteiristas Brian Duffield, Akiva Goldsman e Mark Bomback desenvolvem uma intriga sobre um artefato antigo que traria uma mensagem dos fundadores. Porém, para abri-lo é necessário a presença de um divergente. É natural que a única pessoa capaz de abrir o dispositivo seja Tris. O elemento de predestinação é mais um argumento que prova a falta de força desta história que precisa de um incentivo extra para criar conflitos entre os supostos bandidos e mocinhos.

    Mesmo este conflito com uma possível mensagem reveladora é estranho, pois a princípio a garota deseja destruir o artefato e depois desvendá-lo, mesmo que para isso quase perca a vida. Além do argumento frágil, as cenas de ação são bem simples, sem nenhum bom aproveitamento do recurso da terceira dimensão, além dos óbvios e já intoleráveis ângulos de cena que explicitam a imersão com objetos indo de encontro a tela. Mesmo com uma boa verba para produção, nenhuma cena de ação se destaca, e a bonita e potencialmente interessante cena do pôster nem mesmo está presente, sendo uma provável boa cena cortada da produção.

    De qualquer maneira, a última parte está em fase de adaptação para os cinemas e, seguindo a tendência atual, será dividida em duas partes, exibidas uma a cada ano. Difícil saber se haverá tanta história necessária para a produção de mais dois filmes, visto que nesta segunda parte há um vazio que enfraquece ainda mais a trajetória da personagem principal e seu grupo divergente.

  • Crítica | Divergente

    Crítica | Divergente

    divergente

    Que o cinema é uma arte, institucionalizada como tal, todos sabemos. Mas nenhuma falácia nos ocorre em considerá-lo uma indústria, principalmente depois da vinda de Tubarão às grandes telas, com o desenvolvimento do conceito de blockbuster e a ganância crescente de produtores e produtoras hollywoodianas que se agarram a ideias com maior possibilidade de lucro imediato e duradouro, ou seja, que gerem remessas agora e possam continuar gerando, sejam em sequências e mais sequências, remakes ou reboots. O que esse Fordismo cinematográfico tem nos trazido é uma homogeneização do que é visto em tela. E isso já aconteceu com o gênero do horror e seus grupos de jovens sendo atacados por assassinos ou forças sobrenaturais; na comédia, com a padronização das paródias e, depois, por meio dos filmes discípulos de Se Beber, Não Case!; entre tantos outros gêneros.

    Mas agora o que temos é uma pujança de abarcar todos esses “estilos” de forma pasteurizada, e de modo a atingir o público que mais vai aos cinemas na atualidade: o infanto-juvenil. O filão das adaptações de sucessos literários, dentre esses novos consumidores da sétima arte, surgiu como uma Estrela de Belém para Hollywood. Harry Potter foi o grande carro-chefe em anos, mas o público “teen”, leitores cada vez mais assíduos de obras voltadas à sua faixa etária e que exalavam seus conflitos e olhares sobre um amanhã deturpado, implorou por mais. E foi assim que Stephenie Meyer surgiu no mundo literário, preenchendo as livrarias com quatro obras (e depois mais e mais…) que seriam levadas às telas em cinco filmes, todos sucessos de público, mas nem um pouco de crítica.

    Mais competente e complexa em sua literatura, Suzanne Collins apresenta a distopia de Jogos Vorazes ao mundo e, após o sino de “sucesso estrondoso” ecoar em todos os continentes, a obra foi também levada aos cinemas, sendo recebida com certo louvor, tanto por parte de público quanto por parte de crítica. Daí para frente, a Unilever imaginária dos estúdios adquiriu o direito de todas as obras voltadas para adolescentes e pré-jovens, e passou a saltear, trimestralmente, novas tentativas de fidelização deste público com mais marcas que, no fim, representam o mesmo elemento das anteriores, e por vezes são até de mesma origem. Dove, Seda, Palmolive? A Hospedeira, Instrumentos Mortais: Cidade dos OssosDezesseis Luas e afins? É possível até ver os diretores de todas elas fazendo download da fórmula Meyer-Collins e dando seus sutis “toques de originalidade” em busca de alcançar a mesma popularidade dos produtos padrão. Bem… Mas como nos exemplos citados, nem sempre isso é possível.

    Veronica Roth é a autora de mais uma história embasada em distopias, dando origem a Divergente. Na narrativa, uma guerra devastou o mundo que conhecemos. Em tela vemos Chicago com visual pós-apocalíptico e a tradicional fotografia acinzentada e suja que realça a degradação de várias paisagens, como prédios e antigos estabelecimentos comerciais. Alwin H. Küchler traz também as cores terrosas de seu trabalho em Hanna, contrastando com um branco intenso que emana em momentos específicos do início do filme, para a ambientação da cidade de Divergente. É nela onde vemos a sociedade dividida em cinco facções, nomeadas de acordo com virtudes e representando funções sociais diferentes: Abnegação, Amizade, Audácia, Erudição e Franqueza. Aos 16 anos, os adolescentes nascidos em cada uma dessas macro associações devem escolher continuar em suas comunidades ou migrarem para outras facções. Tris (Shailene Woodley, indicada ao Globo de Ouro por Os Descendentes), de uma das famílias mais tradicionais de Abnegação, descobre em um teste que possui as características de todas as facções, sendo assim apontada como uma Divergente, espécie rara e perseguida pelas demais. Mesmo assim, decide alistar-se a Audácia, facção responsável pela defesa da cidade. É no doloroso processo de deixar seu corpo fraco (abnegado) e desenvolver sua práxis ativa (audaciosa) para fazer parte de sua nova facção, e esconder as perigosas virtudes de ser uma divergente, que o filme se desenrola, até o último fator se tornar impossível.

    O roteiro não traz surpresas para quem já está calejado neste tipo de adaptação, ou ao menos assistiu a Jogos Vorazes. O desenvolvimento da protagonista obedece a uma gradação claramente perceptível e deveras previsível. Mas é o fato de Shailene Woodley (aliás, uma ótima e promissora atriz) ir tão bem no papel de uma adolescente que sempre quis se libertar das amarras de sua sociedade apática e viver na correria dos “malucos” da Audácia, que faz com que o filme segure a atenção de seu público até o final. A jovem parece entender que seu papel não representa apenas uma, mas milhões de adolescentes de 16 anos inconformadas com sua realidade e sedentas por aventura, ação e… um romance aparentemente impossível.

    Nossa… o romance. Saindo das flores e começando a nos ferir com os espinhos da obra, a construção do roteiro para nos conduzir à fatídica relação entre o “malhadão” Quatro (Theo James), um dos líderes da Audácia, e Tris acontece de forma boba e pueril, partindo de diálogos sofríveis do tipo “Cuidado comigo mocinha…”, sob olhares opostos ao que a ideia transmite, à completa desconstrução em minutos de um personagem anteriormente estereotipado com características sólidas de sisudez e apelo à violência. Sabe aquele ditado “para bom entendedor, meia palavra basta”? Pois bem, essa previsibilidade dos rumos do roteiro, disfarçada por diálogos forçados, ainda é completada pela insólita sensibilidade de Neil Burger (O Ilusionista e Sem limites), diretor que acerta pouco em toda obra e que recorre aos recursos fáceis de montagem para mostrar a “evolução” de sua protagonista e ainda usa-os, aliados a repetidos closes, em momentos específicos, para que os fã boys and girls não tenham medo dos rumos da história. Pois tudo simplesmente se realiza como aparenta ser, seguindo novamente a obediência à fórmula consagrada que nos faz experimentar o gosto amargo do plot já previsto, da pseudo-coragem disfarçada do roteiro em se desfazer abruptamente de alguns personagens (oi, Jogos Vorazes?) e em testemunhar superações e mais superações da protagonista e tudo mais que “um filme desses” tem a oferecer.

    Mas talvez uma das coisas que mais irritam em Divergente é sua longuíssima duração. Nada justifica os 140 MINUTOS DE PROJEÇÃO, nem mesmo o doce de coco da Shailene Woodley faz com que alcancemos rapidamente os esperados créditos finais da obra. São exatas duas horas e vinte minutos de uma produção que se estende muito em momentos que não adicionam nada à narrativa, como nas várias comemorações e alegrias da protagonista por suas evoluções ou vitórias. Me remeteu ao insuflado Bling Ring: A Gangue de Hollywood de Sofia Coppola. Cenas como a da personagem sobrevoando por dentre os prédios da cidade de Chicago, sentindo-se finalmente livre de seus antigos grilhões, funcionam muito mais por suas metáforas “sonrisal” altamente didáticas (a felicidade, a superação, o soerguimento) unicamente do que pelo que mostram em seus cansativos minutos de computação gráfica e fotografia de noite azulada.

    Voltando às lentes de Küchler, porém, vemos que na medida em que os 140 minutos de Divergente transcorrem, o que emanava da cor branca (da inocência e abnegação) vai se tornando prata, ganhando densidade, corpo, assim como a crescente (e, aliás, belíssima) trilha sonora de Junkie XL, supervisionada por Hans Zimmer, que, ainda que usada em excesso várias vezes, em outras consegue trazer, de forma simples e suave, sentimentos como melancolia, decepção e medo, complementando a construção imagética Shailene/direção de arte.

    A composição do abrigo de Audácia é interessante. Vezes parecendo um extenso ringue de UFC, vezes um colégio interno “barra pesada”, contando com os tradicionais grupinhos estereotipados (os brigões, o piadista do bullying, o nerd, a tímida e etc), o lugar incorpora bem o momento de ruptura ao qual os adolescentes estão sendo expostos. Em relação às cenas de ação, com ressalvas às lutas que acontecem durante o treinamento (e que novamente remetem a Jogos Vorazes até em seu grau de ousadia contida), Neil aposta mais em cenas sem violência, ou que se deem de forma “limpa”, sem culpas (em simulações de embate ou em sonhos, por exemplo), do que nas que envolvem o conflito em si, o qual tem por base um plano encabeçado por Jeanine (Kate Winslet, é… ela tá no filme), a líder da Erudição que, tal a insipidez na narrativa, mais parece uma mistura do Presidente Snow com a Jessica Delacourt de Elysium. A sub-trama (que depois de revelada se torna trama principal do filme e surge como mote para mais minutos de projeção), apesar de surgir de forma megalomaníaca, fazendo vários movimentos de personagens, trazendo alguns de volta, executando outros, aprofundando o romance, apelando para dramas familiares, prometendo mudar a estrutura de tudo o que vimos até então, faz realmente apenas isso: promete. Algum motor liga, mas o avião de Divergente não decola e voltamos a dormir pois o filme parece não acabar. E o pior? Segundo o E = MC² das adaptações de obras infanto-juvenis, era basicamente isso que esperávamos desde o início.

    Shailene. O mergulho na psiquê de sua personagem, Tris, é o que há de melhor em Divergente. Seu Corra, Lola, Corra onírico é algo que, quando surge, traz esperança. Melhor explorado, mais paciente e frequente, certamente essa particularidade conduziria a obra a um patamar, se não superior, mas singular em relação às outras adaptações. A distopia high school, infantil e genérica da obra, no entanto, faz com que A Hospedeira venha à cabeça. Mesmo que os dois produtos tenham enredos completamente distintos, surgem, porém, da mesma fonte: a Unilever cinematográfica.

    Texto de autoria de Rodrigo Rigaud, do Zona Crítica.

  • Crítica | Refém da Paixão

    Crítica | Refém da Paixão

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    O quinto longa-metragem de Jason Reitman tem uma temática um bocado diferente da sua filmografia. Juno, Amor Sem Escalas, Jovens Adultos e Obrigado por Fumar, apesar de não serem comédias, têm fortes pitadas de humor dentro de sua abordagem, mesmo quando é o drama que predomina. A tônica de Refém da Paixão é um pouco diferente, um pouco por este ser baseado no romance de Joyce Maynard (Labor Day, como o título original do filme). Henry Wheeler, é interpretado de início por Gattlin Griffith e “narrado” por Tobey Maguire.

    A postura de Henry envolve proteger sua mãe, Adele (Kate Winslet), já que ele e toda a comunidade a enxerga como uma pessoa frágil após o recém-consumado divórcio, não tão comum à época, vide que a história se passa em 1987. Ao contrário dos outros, Henry a vê como uma mulher forte, mas que passa por uma crise, e tenta a seu modo infantil, suprir as necessidade maritais, mesmo sem ter consciência de como funciona um matrimônio. O menino busca suas soluções, mas tem sua trajetória interrompida de forma deveras entrópica pelo fugitivo Frank Chambers (Josh Brolin), que pede auxílio a ele, e que tem o clamor aceito por ele, a priori.

    O desenrolar dos fatos a partir daí é pontuado pelas sensações dos personagens. O suor no rosto de Adele não demonstra só calor, mas também a dúvida e o incômodo que a situação de abrigar um foragido da justiça causa em sua (já antes) confusa e abalada mente. Até mais do que os sentimentos já citados, o suor faz referência a tensão sexual entre os envolvidos, motivada por sua vez pela postura do “sequestrador”, atencioso e atento a fome que Adele sofre. A sensação que ele supre dela é dita pela própria, em um diálogo reflexivo, entre mãe e filho. O sexo não se trata só de secreções, e sim do toque entre os humanos e da necessidade de saciar esta vontade.

    Apesar de ligado a marginalidade, a constituição do passado de Frank segue um mistério, em princípio, primeiro pela suas palavras de que corre na imprensa não é verdade e segundo por suas atitudes subservientes. Em poucos momentos isso é um problema, os únicos pontos inconvenientes são os que envolvem a possibilidade de Frank ser pego. A atitude de rato acuado fica mais evidente quando isto acontece. Ele é um homem bruto, mesmo quando não se mostra um sujeito insensível. A violência de sua alma é velada, escondida sobre uma capa de normalidade, não muito diferente do homem simples, claro, guardadas as devidas proporções, que utiliza a civilização para domar seu instinto de selvageria.

    Aos poucos, Frank ganha o respeito e o espaço dentro da casa dos Wheeler. Os problemas de infraestrutura da casa são resolvidos um a um, e ele ainda mostra uma ótima capacidade de adaptação, quando adversidades chegam ao seu leito. Aos poucos, os pecados passados do homem são mostrados, longe é claro da narração de Henry, tais cenas remetem às conversas particulares do inusitado casal, e são aceitas por Adele como parte de uma atitude impensada, juvenil e passional. Após Henry tomar consciência do que sua mãe faz com Frank, a dupla é quase sempre flagrada em momentos de pós-intimidade, em que a mãe usa trajes curtos, mostrando-se muito mais a vontade.

    A cor que predomina na casa dos Wheeler é o marrom e diversas outras tonalidades átonas, que remetem à melancolia e tristeza da vida da família, comumente resignada, a começar pela figura da matriarca. A insegurança de Adele é ligada a um terrível trauma do passado – que é paralelamente cortado pela possibilidade de trauma do menino, impingido pela misteriosa personagem que lhe presenteia com o primeiro beijo. A diferença entre a motivação dos personagens é que, no caso da mãe,  o temor é justificado por um fato vivido que a marcou, enquanto ao filho, resta apenas a triste sensação de ter dado cabo a possibilidade deles retornarem ao estágio de uma família comum.

    Frank muda. Ele retorna a si, ao seu estado e ao visual que tinha antes do crime que teria cometido. Com o seu conjunto de planos ele ratifica a ideia de que a família era para si algo sagrado, acima de qualquer outra ação mundana. Todo o seu conjunto de ações visava proteger Adele e Henry, assim como ele tencionava fazer com a sua outra família.

    Mesmo próximo ao final, quando a família está em processo de fuga, Adele ainda se sente presa ao seu passada e a antiga posição de refém de seus traumas e de suas inseguranças. Os zumbidos, característicos dos momentos de tensão ocorridos no começo do filme voltam à tona, quando ela se vê pressionada e temerária novamente.

    Após a prisão de Frank, a primeira saída de Henry de seu lar e da confissão da figura paterna, arrependida por ter insistido pouco na própria felicidade, o rapaz finalmente retorna à ideia que sempre declarara ser importante, desde o início do filme. Seu futuro e seu ofício foram muito influenciados pela figura de Frank, que ele ajudou a manter longe de sua mãe. Afastar a única pessoa que a impedia de se isolar deixou ele culpado, ainda mais, devido a ingerência que este teve em seu caráter. A marca que o homem deixou em sua alma era indelével e inegável, e mesmo com toda a tragédia e tristeza, o perdão acabou por prevalecer, mesmo sobre as atitudes que fizeram com que todos fossem menos felizes, nos vinte e cinco anos que seguiram após o acontecido em 1987.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

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    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.