Tag: cinema policial

  • Crítica | Cabras da Peste

    Crítica | Cabras da Peste

    Cabras da Peste é uma comédia policial brasileira que brinca com os estereótipos das antigas produções de ação que passavam nas sessões na tv aberta, as mesmas que colocavam policiais de estilos completamente diferente juntos, valendo-se de choques culturais ou raciais para gerar atrito em meio a uma missão de difícil solução. O filme conta a historia de dois policiais franzinos, um nordestino e outro do sudeste que por forças do destino são obrigados a trabalhar juntos.

    Há dois cenários iniciais que o diretor Vitor Brandt (Copa de Elite e Historietas Assombradas: O Filme) apresenta: o primeiro é a cidade do interior nordestino Guaramobim, que tem em Edmilson Filho um policial voluntarioso e trapalhão chamado Bruceuillis Nonato, e outro local é na cidade, mostrando Trindade, um pacato burocrata, interpretado por Matheus Nachtergaele, obrigado a agir em campo contra sua vontade. Ambos são fracassados em suas missões e acabam unidos pelo desalento de não terem êxito como policiais sérios.

    O humor do filme se assemelha ao visto nos filmes de Halder Gomes, como Cine Holliúdy e Shaolin do Sertão. Gomes dirigiria o filme a princípio, mas ao longo do projeto se decidiu que ele assinaria a produção executiva. Ainda assim não é difícil perceber as marcas de seu cinema, seja no fato de não ter receio em usar sotaques e dialetos próprios de sua localidade, ou no escracho do humor físico, que por mais que seja primário não trata o espectador como bobo.

    O fator mais engraçado do filme é o excesso de informações desencontradas. As falas dos personagens são quase sempre incompletas, de modo que a percepção é sempre deturpada. O roteiro faz questão de deixar as situações ambíguas para provocar um humor de erros que, apesar de bem simples, é bem feito e combina bem com a abordagem proposta. Os diálogos lembram o nível de explicação das telenovelas populares, e esse fator resulta em uma boa mistura com os clichês de filmes e seriados policiais dos Estados Unidos.

    Cabras da Peste é charmoso, engraçado, tem um elenco que funciona de maneira entrosada, com uma química exemplar entre Nachtergaele e Filho. Brandt um filme que conversa bem com a comédia tipicamente brasileira, com temperos e referências aos filmes humorístico de Ivan Reitman e John Landis. Seus personagens são erráticos, engraçados e muito humanos. O longa é engraçado, direto, brinca bem com os defeitos e incongruências dos filmes de ação antigos, e o faz com um charme e tempero próprio do cinema de Halder Gomes.

  • Crítica | A Rosa Venenosa

    Crítica | A Rosa Venenosa

    Filme de George Gallo, A Rosa Venenosa reúne elementos de um noir moderno ambientado no ano de 1978, apresentando seu protagonista Carson Phillips como um homem de muitos vícios e afeito a luxúrias. O personagem de John Travolta, um investigador particular de Los Angeles, se vê obrigado por um caso a mergulhar em um antigo problema pessoal que logo desemboca em uma trama de assassinatos e eventos estranhos.

    O filme reúne vários dos clichês do noir, protagonista mal encarado, anti-herói e sem perspectivas, que se vê abordado por uma mulher atraente pedindo um favor ao detetive, tudo isso situado em cenários sujos e uma missão envolvendo mágoas do passado repleta de ambiguidades.

    A tentativa de fortalecer a aura de suspense esbarra na falta de sutileza do filme. Gallo apresenta as curvas de suspense de maneira brusca. As atuações não ajudam, ainda que o maior problema claramente seja textual e não dramatúrgico. Os personagens são bidimensionais, fora Carson, o que se agrava pelo fato do elenco reunir nomes como Morgan Freeman, Robert Patrick, Famke Janssen, Brendan Fraser, Peter Stormare etc.

    As cenas de ação são genéricas e os vilões histriônicos, caricatos e nada convincentes. A persona do médico mau que Fraser faz parece uma paródia de vilão de filmes do 007, tom esse que não tem nada haver com o restante da atmosfera de A Rosa Venenosa. A ideia e intenção do filme é ótima, mas a execução é bastante problemática, falta estofo à realização tanto na direção quanto em roteiro, resultando em última análise em mais um filme com elementos do gênero policial que permeiam o horário sabatino do Super Cine na Rede Globo.

  • Grandes Duplas Policiais do Cinema

    Grandes Duplas Policiais do Cinema

    Dentre todos os subgêneros dos filmes policiais e de ação, o buddy cop film – ou dupla de policiais talvez seja o mais cativante. A ideia de colocar dois opostos em uma convivência forçada para que juntos consigam um objetivo comum tem um lugar especial no imaginário dos fãs de cinema.

    Por definição, o subgênero consiste em filmes que possuem em suas tramas o envolvimento de dois indivíduos de personalidades extremamente opostas que são forçados a trabalhar juntos para resolver um crime, desbaratar uma quadrilha de criminosos ou ambas as coisas. Durante a trama, os dois acabam aprendendo a conviver um com o outro, vão compreendendo e aceitando suas diferenças até que em um determinado ponto uma amizade surge.

    Ao longo dos tempos, vimos vários tipos de duplas forçadas nos filmes. Em alguns, os protagonistas pertencem a culturas totalmente opostas, em outros há um conflito étnico, aqueles onde há uma diferença grande de idade. Porém, existe um ponto comum nesse tipo filme: um parceiro é sempre indomável enquanto o outro é mais comedido. Isso é feito para que o conceito de “bom policial, mau policial” seja explorado durante a trama, mostrando um como boa-praça cumpridor da lei, praticamente um CDF, enquanto o outro é mostrado como alguém que possui uma malandragem de rua, uma sabedoria popular e está sempre disposto a quebrar regras e a lei (ou pelo menos “entortar” a lei).

    Existem outros plots do subgênero que também são utilizados, como o policial novato que vai trabalhar com um veterano, o tira que vai pra um lugar que não lhe é familiar – pode ser  outro país ou uma cidade muito diferente de onde reside – e aquele que é tirado de sua função normal para exercer outra (policial de função burocrática que vai pra rua). Em todos esses casos, há um parceiro que vai guiá-lo nessa nova jornada.

    Após esse breve explanação sobre o gênero, vamos a nossa lista de grandes parcerias. Lembrando que, se você tem alguma sugestão, se você concorda ou discorda com a lista, comente abaixo na nossa sessão de comentários.

    Martin Riggs e Roger Murtaugh, de Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987)

    Roteirizado por Shane Black e dirigido por Richard Donner este talvez seja o mais lembrado de todos. “Máquina Mortífera” conta a história de um pacato policial veterano próximo da aposentadoria que é colocado pra trabalhar com seu extremo oposto: um ex-veterano do Vietnã com tendências suicidas atormentado pela morte da esposa. É interessante como a tensão da relação entre os personagens de Mel Gibson e Danny Glover vai se transformando em uma relação fraternal ao longo do filme e em certos momentos chega até a assumir um caráter simbiótico. Foram feitas três sequências, mas somente a segunda parte manteve o padrão de excelência estabelecido por esta película.

    Ouça nosso podcast sobre a série Máquina Mortífera.

    Virgil Tibbs e Bill Gillespie, de No Calor da Noite (Norman Jewison, 1967)

    Considerado por muitos o protótipo do gênero (ainda que O Cão Raivoso dirigido por Akira Kurosawa tenha vindo 18 anos antes), o clássico No Calor da Noite opunha um policial negro vivido por Sidney Poitier e um xerife preconceituoso vivido por Rod Steiger na investigação do assassinato de um bem sucedido empresário. Passado no sul dos EUA, mais precisamente no estado do Mississippi, o filme oferece uma visão crua da tensão racial e do preconceito que permeava a região durante a época. Dirigido por Norman Jewison, o filme venceu os Oscars de melhor filme, melhor ator (Rod Steiger), melhor roteiro adaptado (Stirling Siliphant), melhor edição e melhor som.

    Jack Cates e Reggie Hammond, de 48 Horas (Walter Hill, 1982)

    Filme que catapultou Eddie Murphy para o sucesso, 48 Horas tem uma abordagem diferente: o turrão policial vivido por Nick Nolte se vê obrigado a trabalhar com o vigarista vivido por Murphy para que juntos desbaratem uma quadrilha que é responsável pela morte de vários policiais. Com uma direção inspirada do veterano Walter Hill, o filme possui diálogos sensacionais que arrancam boas gargalhadas. A química entre Nolte e Murphy é  palpável e os dois parecem se divertir o tempo todo que estão em cena.

    Nicholas Angel e Danny Butterman, de Chumbo Grosso (Edgar Wright, 2007)

    Parte integrante da “Trilogia dos Três Sabores de Cornetto” junto com Todo Mundo Quase Morto e Heróis de Ressaca, esta sensacional comédia dirigida por Edgar Wright e estrelada pela dupla Simon Pegg e Nick Frost brinca com todos os clichês dos filmes policiais e de ação. Aqui, Pegg vive um policial de Londres que é tão bom no trabalho, que acaba fazendo a corporação parecer incompetente. Devido a isso, acaba sendo transferido pra uma cidadezinha do interior. Chegando lá, ele descobre que a cidade tem segredos sinistros. O diretor Wright pega todos os clichês do gênero “buddy cop”, subverte e os empilha de forma genial na tela. De diálogos cheios de frases de efeito, sequências de montagem e cenas absurdas, nada passa incólume por essa homenagem satírica.

    David Mills e William Sommerset, de Se7en: Os Sete Crimes Capitais (David Fincher, 1995)

    Nesse que é um dos melhores filmes de suspense da história do cinema, Brad Pitt vive David Mills, um idealista policial que sai do interior para ir trabalhar na cidade grande. Mills acaba se tornando parceiro de William Sommerset (Morgan Freeman), um já desiludido detetive que está na sua última semana de trabalho, na investigação de crimes horrendos. O amargor e desesperança do personagem de Freeman contrastam fortemente com a inquietação e a vontade de fazer a diferença do personagem de Pitt, mas ao invés de um embate de personalidades, Sommerset acaba se tornando uma espécie de guia de Mills numa viagem pelo lado negro da humanidade.

    Ed Exley e Bud White, de Los Angeles: Cidade Proibida (Curtis Hanson, 1997)

    Um almofadinha que deseja ter uma carreira tão brilhante quanto a de seu pai, nem que pra isso precise passar por cima dos seus colegas. Um policial conhecido por seu temperamento extremamente explosivo e que opera de forma quase marginal. Um representa exatamente o que o outro despreza, e Guy Pearce e Russell Crowe atuam brilhantemente nesse thriller neo-noir. Interessante observar como a convivência forçada vai os tornando próximos não só em termos de amizade, mas em termos de comportamento. Outro ponto interessante é que a dupla de protagonistas é orbitada por Jack Vincennes (Kevin Spacey), um policial malandro e bem relacionado, mas que apesar de sacana, acaba recuperando seu senso ético graças à Exley e White.

    Jackson Healy e Holland March, de Dois Caras Legais (Shane Black, 2016)

    Escrito e dirigido por Shane Black, o criador de Máquina Mortífera, o filme estrelado por Ryan Gosling e Russell Crowe é passado na década de 70 e coloca um detetive particular vigarista e um truculento colega de profissão em uma trama rocambolesca que envolvem festas nababescas, o submundo da indústria pornô, altos cargos do judiciário americano e o underground de Los Angeles. O filme se utiliza demais de metalinguagem e de subtextos pra se sustentar, o que não é necessariamente uma coisa ruim. Na verdade, deixa o filme ainda mais interessante de ser assistido.

    Ray Tango e Gabriel Cash, de Tango & Cash: Os Vingadores (Andrei Konchalovsky, 1989)

    Imagine colocar dois dos maiores astros do cinema dos anos 80 para atuarem juntos. Foi o que fizeram em Tango & Cash. Sylvester Stallone e Kurt Russell vivem os policiais (e rivais) Ray Tango e Gabriel Cash, os dois astros da polícia de Los Angeles. Enquanto Tango é um CDF no trabalho, Cash é o malandrão que trabalha na margem da lei. Quando um mafioso arma para que os dois sejam presos, a dupla se une para escapar da cadeia e provar a inocência. Dirigido por Andrei Konchalovsky, o filme tem boas cenas de ação, mas se apoia muito no humor, com destaque para a cena que Kurt Russell se veste de mulher para escapar da polícia e nos divertidos diálogos ofensivos entre a dupla de protagonistas.

    Ivan Danko e Art Ridzik, de Inferno Vermelho (Walter Hill, 1988)

    O slogan desse filme é: “O policial mais durão de Moscou. O policial mais maluco de Chicago. Só existe uma coisa mais perigosa que deixá-los com raiva: torna-los parceiros”. O contraste entre Arnold Schwarzenegger e James Belushi é o que faz esse filme divertido. Não só o contraste físico, mas a postura oposta dos dois policiais. As tentativas de diálogo de Belushi com o impávido colosso vivido por Arnold são hilárias. Porém, Arnold rouba a cena ao exercitar sua verve cômica no papel de Ivan Danko. A coleção de tiradas pró-Rússia que ele desfila no filme sem nem ao menos alterar sua expressão facial é sensacional. Talvez seja o primeiro caso de uma limitação dramatúrgica sendo utilizada em favor de um ator.

    Alonzo Harris e Jake Hoyt, de Dia de Treinamento (Antoine Fuqua, 2001)

    O que acontece quando um idealista policial novato é colocado pra trabalhar com um corrupto policial veterano? Dia de Treinamento narra o que acontece quando os dois tipos colidem. Denzel Washington e Ethan Hawke dão um verdadeiro show neste atmosférico conto moral escrito por David Ayer (Esquadrão Suicida) e dirigido por Antoine Fuqua (O Protetor). A jornada tensa do primeiro dia de trabalho do personagem de Hawke começa com um diálogo nervoso com o personagem de Denzel e termina com um confronto de sérias consequências pra ambos os protagonistas. O filme rendeu o Oscar de melhor ator para Washington e de melhor ator coadjuvante para Hawke.

    Allen Gamble e Terry Hoitz, de Os Outros Caras (Adam McKay, 2010)

    Nessa película dirigida por Adam McKay (A Grande Aposta), Mark Wahlberg e Will Ferrell vivem dois policiais que são a piada do departamento. Enquanto o primeiro é um bailarino frustrado cheio de testosterona (ele é um “pavão que quer voar”), o segundo é uma espécie de secretário responsável pela parte financeira do departamento. Quando os dois melhores oficiais da cidade de Nova York – vividos por The Rock e Samuel L. Jackson – morrem de forma absurda, o personagem de Wahlberg resolve que vai tomar o lugar deles e carrega o personagem de Ferrell junto. Os dois protagonistas tem histórias de vida bem bizarras e que provocam sofrimento a eles quando lembradas e o diretor McKay torna isso como o grande momento cômico do filme. O duelo das personagens opostas dos dois também é filmado de forma hilariante.

    Brian Taylor e Mike Zavala, de Marcados para Morrer (David Ayer, 2012)

    Dirigido e roteirizado por David Ayer, Marcados para Morrer oferece uma abordagem um tanto quanto diferente. O filme faz uso de câmeras de mão para narrar de forma mais “pé no chão” o cotidiano de dois parceiros da polícia de Los Angeles. Jake Gylenhaal e Michael Peña vivem dois parceiros de longa data que tem suas rotinas completamente alteradas após uma apreensão de drogas de um traficante local. O diretor mostra como o fato reflete na rotina de trabalho dos oficiais e as implicações da tensão crescente nas suas vidas pessoais.

    Menções honrosas: Os Bad Boys, Anjos da Lei, A Hora do Rush, As Bem Armadas, Dois Policiais em Apuros, Miami Vice, O Guarda, Beijos e Tiros, O Último Boy Scout: Jogo de Vingança, Viver e Morrer em Los Angeles, As Cores da Violência, Tiras em Apuros, Showtime, Rookie: Um Profissional em Perigo, Divisão de Homicídios, Dose Dupla, Um Tira da Pesada, Chuva Negra, etc.

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  • VortCast 40 | Frank Sinatra e o Cinema

    VortCast 40 | Frank Sinatra e o Cinema

    Vortcast 40

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Carlos Britto e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para celebrar o centenário do Blue Eyes. Dono de uma bela carreira no cinema, tendo atuado em quase 70 filmes, o que lhe rendeu indicações e premiações importantíssimas no Óscar, BAFTA, Globo de Ouro, trabalhou ao lado de grandes diretores e ainda veio a dirigir, acompanhem conosco um pouco da trajetória daquele que é considerado o interprete do sofrimento, a voz dos perdedores, Frank Sinatra.

    Duração: 163 min.
    Edição: Victor Marçon
    Trilha Sonora: Victor Marçon
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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    Filmografia Comentada

    Crítica Marujos do Amor (George Sidney, 1945)
    Crítica A Um Passo da Eternidade (Fred Zinnemann, 1953)
    Crítica O Homem do Braço de Ouro (Otto Preminger, 1955)
    Crítica Chorei Por Você (Charles Vidor, 1957)
    Crítica Meus Dois Carinhos (George Sidney, 1957)
    Deus Sabe Quanto Amei (Vincente Minnelli, 1958)
    Crítica Onze Homens e um Segredo (Lewis Milestone, 1960)
    Crítica Sob o Domínio do Mal (John Frankenheimer, 1962)
    Crítica Os Bravos Morrem Lutando (Frank Sinatra, 1965)
    O Expresso de Von Ryan (Mark Robson, 1965)
    Crítica Crime Sem Perdão (Gordon Douglas, 1968)
    O Primeiro Pecado Mortal (Brian G. Hutton, 1980)

    Dicas

    Frank – A Voz – James Kaplan – Compre aqui
    Frank – O Chefão – James Kaplan – Compre aqui
    Fama e Anonimato – Gay Talese (“Frank Sinatra está resfriado“) – Compre aqui
    Sinatra: All or Nothing at All
    Infográfico Estadão – Centenário Sinatra
    Infográfico O Globo – Centenário Sinatra

  • Crítica | Polícia em Poder da Máfia

    Crítica | Polícia em Poder da Máfia

    Triplo 9

    John Hillcoat é um diretor que se tornou famoso pela crueza e pela intensidade de seus filmes. Oriundo dos videoclipes, desenvolveu alguns projetos com o músico Nick Cave, e acabou entrando de vez na rota de Hollywood ao enfileirar os ótimos A Estrada – baseado em um livro de Cormac McCarthy – e Os Infratores, com roteiro de Cave e estrelado por Tom Hardy e Shia LaBoeuf, até regressar com Polícia Em Poder da Máfia. Infelizmente, esse último não consegue chegar ao mesmo nível dos anteriores.

    Na trama escrita por Matt Cook, um grupo de assaltantes de bancos formado por ex-militares e policiais corruptos está sob constante chantagem da máfia russa. Após assaltar um banco para recuperar uma caixa de segurança que se encontrava dentro de um cofre, a organização exige que eles façam um último e arriscado serviço: resgatar alguns documentos num prédio governamental. Como o edifício tem um forte esquema de segurança, a quadrilha de assaltantes decide executar um policial, que recentemente tornou-se parceiro de um deles, e provocar um código 999 (referente a policial morto), uma vez que toda a força policial convergiria para o local do assassinato, deixando o caminho livre para o roubo ao prédio governamental.

    O roteiro de Cook até funciona durante um tempo, mas o excesso de personagens em tela acaba sendo prejudicial, uma vez que alguns são subdesenvolvidos. As relações interpessoais giram sempre em tornos de clichês, tais como policial veterano dando lições constantes ao novato, a mafiosa que só “dialoga” ameaçando ou dando ultimatos, os bandidos que se agridem durante o tempo todo. Outro problema: tudo é muito fugaz. Planos que deveriam ser melhor trabalhados são resolvidos rapidamente e não convencem, com exceção de algumas relações ambíguas que em determinado ponto acabam soando estranhas, e personagens que possuem comportamentos que não são condizentes com a personalidade que apresentam em tela durante boa parte da projeção.

    Porém, o bom argumento só se mantém até a primeira metade do filme. Nesse período, Hillcoat mostra-se como o ótimo diretor que demonstrou ser até o momento e constrói uma história tensa em que o espectador fica se perguntando sobre o que vai acontecer a seguir. A cena inicial mostrando o roubo ao cofre é sensacional e muitíssimo bem executada. Remete à cena de abertura do excepcional Fogo Contra Fogo, dirigido por Michael Mann. Porém, toda a tensão construída até o meio do filme vai se esvaindo, pois o restante abusa de soluções fáceis de roteiro. Ainda que não seja uma película curta em relação a outras obras do gênero, fica a impressão de que a produção deveria durar ao menos duas horas, para que tudo o estabelecido na primeira hora se solucione com maior qualidade e os personagens não aparentem tamanha unidimensionalidade.

    O extenso elenco conta com boas atuações de Chiwetel Ejiofor, Woody Harrelson, Anthony Mackie e Casey Affleck. Os três últimos, intérpretes de policiais na trama, são bem contrastantes entre si, sendo profissionais em diferentes momentos e situações da carreira. Clifton Collins Jr. e Aaron Paul sucumbem respectivamente aos estereótipos do policial corrupto e do junkie amargurado. Já Kate Winslet é uma caricatura ambulante como a matriarca da máfia russa. A bela presença de Gal Gadot serve somente como decoração, pois sua personagem tem pouquíssimo tempo de tela e praticamente não interfere no andamento do filme; já Norman Reedus tem uma participação breve, mas competente como sempre.

    Em resumo, Polícia Em Poder da Máfia tinha grande potencial para se tornar um épico do cinema policial, porém sucumbe a um roteiro cuja peça final é má desenvolvida, o que talvez justifique sua duração insuficiente e o acúmulo de respostas fáceis em que se apóia.

  • Crítica | Tese sobre um Homicídio

    Crítica | Tese sobre um Homicídio

    tese-sobre-homicidio

    Analisemos o pressuposto seguinte: mesmo que cada obra de arte contenha uma intenção clara de seu artista, haverá interpretações subjetivas. A condição se justifica por elementos diversos e define a opinião de cada um que intenta produzir uma análise crítica de uma obra.

    O pretexto subjetivo em que me apoio é o apreço pelas narrativas policiais que tenho desde minha formação como leitor. Um motivo que me deixa em alerta quando vejo uma história que apresenta um mistério, seja ele tema central da história ou periférico.

    Tese Sobre Um Homicídio deve seu prestígio ao carisma talentoso de Ricardo Darín. O representante máximo do cinema argentino há mais de dez anos, onipresente em diversas produções, em parte porque tem reconhecimento internacional, e suas produções, sem exceção, ganham boa distribuição. Dando-nos a impressão de que somente o ator trabalha no mercado dos hermanos.

    A presença do ator e a história envolvendo um assassinato foram os responsáveis pelo sucesso em seu país de produção, com destaque para a personagem de Darín que se destaca desde sempre pela competência e entrega com que o argentino realiza.

    Roberto Bermúdez (Darín) é um advogado que, devido ao prestígio da carreira, realiza seminários no curso de direito da faculdade, escreve livros sobre a doutrina jurídica e possui laços com a polícia para consultas em casos que necessitam de maior atenção.

    Em sua primeira aula do novo curso, um assassinato ocorre no estacionamento da faculdade. Ao inserir na sala de aula a realidade do crime recém ocorrido, faz com que a suspeita recaia sobre Gonzalo Ruiz Cordera, aluno que chega atrasado no dia em questão

    A história se constrói ao redor destas personagens: Bermúdez, como grande advogado admirado desde a infância por Gonzalo, que esteve em seu seio familiar devido à amizade com o pai. As poucas aproximações entre professor e aluno produzem um discurso oposto sobre a força da justiça, a punição e a morte. Nascendo uma sombra de dúvida no advogado-mestre que o faz investigar de forma informal o homicídio.

    Se a margem da dúvida faz parte da investigação criminal, há outros fatores e procedimentos que determinam a investigação de um crime. A lacuna da suspeita é o espaço para que se compreenda que o crime em si se desenvolve a margem da história, como o gatilho para as dúvidas do advogado.

    A personagem de Darín foi comparada por alguns críticos a um clássico personagem noir por sua perdição. Mas vejo proximidade somente quando se observa que a personagem é maior do que a história em si, maior que o crime. Semelhante a muitas histórias do gênero citado, que fazem da morte apenas uma prerrogativa para apresentar um ambiente dúbio.

    Reconhecemos este elemento quando observamos que o advogado bem sucedido sente-se deslocado do curso natural da vida. Perdeu a esposa, não tem filhos, não vê mais planos futuros na carreira e passa a maior parte do tempo sozinho em sua casa bem decorada, bebendo e fumando.

    No vazio existencial nasce o jogo obscuro da dúvida alimentada pela obsessão de descobrir certa noção da verdade, suspeita que se volta para o aluno sem suspeita aparente. Tudo que vemos é modificado aos olhos do advogado. O elemento parcial convence o espectador de uma certeza não provada, cativada pela composição da personagem, induzido pela dúvida uma certeza.

    De maneira equilibrada, a decupagem trabalha a favor das inferências apresentadas pela dúvida. Em diversas cenas, a câmera passeia por espelhos, reflexos, vidros distorcidos, revelando que nem sempre observar um objeto é vê-lo da maneira como é, sendo impossível vê-lo com olhos imparciais ou, pressupondo-se que não há uma verdade absoluta, vendo da maneira mais fiel possível.

    Mediando a dúvida está o espectador, tão heroico como o personagem central, que deseja descobrir e acreditar que a suspeita da personagem é verdadeira. Ainda que, a parte a subjetividade, não há nada de concreto.

    A tese é apenas a enumeração de possíveis acontecimentos, cabíveis de interpretação pelo público. Um roteiro construído para equilibrar-se na dúvida.