Tag: Ricardo Darín

  • Crítica | A Odisseia dos Tontos

    Crítica | A Odisseia dos Tontos

    Novo filme do diretor Sebastián Borensztein – o mesmo de Koblic e Um Conto Chinês – passado em meio a crise argentina que resultou no congelamento bancário traumático em 2001, A Odisseia dos Tontos reúne um grande elenco, e conta a historia de uma comunidade de pessoas que morava em uma cidade distante, mas ainda na província da capital Buenos Aires. Este grupo, liderado por Fermin Panache, personagem de Ricardo Darin, junta as economias para  adquirir alguns silos abandonados em uma propriedade industrial, dinheiro esse conseguido a duros  custos, pois nenhum deles era abastado financeiramente.

    Baseado no livro de Eduardo SacheriLa Noche de la Usina, o investimento não chega a ser empregado da forma como eles querem, pois eles sofrem um golpe, que retira praticamente todo o fundo de investimento, e todo o roteiro mira a possibilidade de uma vingança. Fermin, o protagonista se culpa pelo ocorrido, ele convenceu a todos graças ao seu carisma e ao passado como jogador de  futebol aposentado, figura essa lendária e adulada por conta de um feito desportivo grande. É ele quem tem maiores perdas, perdendo inclusive sua amada, em um estranho acidente após o nervosismo de ter sofrido o golpe.

    É curioso como a cooperativa de trabalhos e interesses da obra se reflete também no extra-filme, pois Darin tem de lidar com outras atuações de grandes interpretes, entre eles Daniel Aráoz, Chino Darín, Verónica Llinás, Carlos Belloso, Andrés Parra e Rita Cortese. Cada um deles faz um papel diferente e carismático, com peculiaridades e claro, estereótipos e arquétipos.

    O desenrolar da trama põe os personagens em situação limite, em especial o filho do protagonista, Antonio (Luis Brandoni), que flerta com a secretária do sujeito que cuida do dinheiro investido do grupo. O salto temporal faz o longa parecer um pouco confuso, e há muitos clichês e relações obvias e previsíveis do filme, mas o texto de Borensztein e Sacheri transforma a inteiração dos personagens em algo único, claro, facilitado pela química do elenco.

    Há um bocado de pieguice no tratar das perdas familiares, mas fora isso o filme é bem divertido, e repleto de carisma, principalmente em seu final, onde a tal noite épica de revanche finalmente ocorre. O desenrolar da trama em várias frentes faz jus a expectativa criada em torno do filme. A Odisseia dos Tontos funciona até melhor que filmes de assalto mais recentes, quase como Onze Homens e Um Segredo com mais veracidade e dedicação por parte de um elenco também afiado, mas que tem bem menos pompa do que no filme de Steven Soderbergh, não deixando a desejar claro para o comparativo americano, até por falar mais com a realidade latina e ter paralelos reais bem mais tangíveis.

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  • Crítica | Todos Já Sabem

    Crítica | Todos Já Sabem

    De uma certa maneira, Todos Já Sabem (Todos Lo Saben/Everybody Knows) é a culminação nem tão saudável dos interesses de Asghar Farhadi (À Procura de Elly, A Separação, O Apartamento) como contador de histórias. Se por um lado as tensões e a própria narrativa são bem costuradas ao longo do filme, também é verdade que nada parece muito sincero e natural além da química entre os estrelados componentes de seu elenco. Talvez exista um filme recôndito menos bombástico e mais genuíno em Todos Já Sabem, mas Farhadi não o apresenta e permite, até compreensivelmente, que tal franqueza seja posta de lado em favor das atuações de Penélope Cruz, Javier Bardem, Bárbara Lennie e Ricardo Darín.

    Girando em torno do desaparecimento súbito de Irene (Carla Campra), filha adolescente de Laura (Cruz) e Alejandro (Darín), durante a visita de quase todo o núcleo familiar, residente na Argentina, à pequena cidade nos arredores de Madrid onde Laura viveu durante boa parte de sua vida e na qual suas irmãs e seu pai ainda moram e o casamento de uma delas, a mais nova, ocorrerá, o longa introduz de maneira relativamente expositiva e direta os temas que conduzem sua narrativa: dilemas e imperfeições familiares escondidos ou negligenciados em nome da harmonia e da felicidade alheia. A família de Laura não passa por dificuldades que vão além de questões cotidianas, e é justamente esta a razão para o ocaso causado pelo evento extraordinário que leva o filme adiante e move as peças pelo tabuleiro – pessoas consternadas e razoavelmente perdidas diante de algo além de seu controle e aparentemente distante de uma resolução.

    A reunião familiar devido ao matrimônio de Ana estabelece rapidamente a dinâmica entre as personagens: Laura é uma filha distante apenas geograficamente, aparentemente bem casada com o ausente Alejandro e com um casal de filhos, Mariana (e sua família, Fernando e Rocío, respectivamente marido e filha passando por problemas no casamento e com uma filha pequena), mais velha que Laura, e Ana suas irmãs, todas filhas de Antonio (Ramón Barea), um idoso temperamental e de saúde em declínio. Completam o cenário Paco, amigo de infância e juventude de Laura e pessoa ainda muito próxima à sua família, seu sobrinho Felipe (Sergio Castellanos) e sua esposa/namorada Bea, cuja personalidade prática contrasta com a proximidade quase pueril das demais personagens.

    Farhadi sempre demonstra interesse em situações não resolvidas ou mal acabadas e acomodações realizadas por indivíduos desprovidos de certezas a respeito dos rumos das próprias existências, bem como nas consequências inevitáveis destas virem à tona, e Todos Já Sabem, sua obra mais abrangente em termos de número de personagens e detalhes sobre suas vidas (até mesmo em função do suave exercício de gênero do cineasta, aqui flertando mais uma vez com um thriller) é um prato cheio para que o iraniano possa flexionar os músculos de sua curiosidade acerca da vida dos outros, do que os motiva e do que os impulsiona. Se a família de Laura e Alejandro parece carinhosa e harmônica, é porque seus problemas (bem ancorados na realidade) ficam afastados o suficiente para manter esta realidade; se o clima entre Paco, o pai de Laura e outros parentes e habitantes do vilarejo é um de intensa familiaridade, é porque a trégua para assuntos mundanos e picuinhas ainda funcionais é conveniente, apesar de tênue, e conserva a possibilidade de tantas pessoas diferentes não se entregarem à impessoalidade de tempos mais atuais e lugares mais metropolitanos. O roteiro de Farhadi preza por personagens autênticas, e na maior parte do tempo é exitoso ao demonstrar esta autenticidade em doses homeopáticas, evitando transformar cada cena em algo intenso e pautando eventuais revelações e interações mais drásticas por uma lógica interna de necessidade e oportunidade. Quando falha, não chega a comprometer tudo que ergueu, mas a aparente obrigatoriedade de momentos mais intensos por vezes se assemelha mais a uma tentativa de fermentar os dramas do que com o desenvolvimento natural e proporcional de revezes e embates iminentes.

    Contudo, é difícil não esperar sequências dramáticas mais chamativas quando se tem atrizes e atores do calibre dos presentes em Todos Sabem, e embora Penélope Cruz exerça um potente magnetismo como Laura, são as personagens de Bardem, Darín e Bennie (na figura de Bea, companheira de Paco), todas pessoas tentando agarrar-se às próprias dignidades diante de complicações financeiras e morais, que acabam conferindo a seus intérpretes a chance de encarnar emoções mais contidas, mais sutis e que melhor conversam com a atmosfera do filme (nem sempre racional, e bastante afetada por algumas reviravoltas e soluções que soam mais oportunas e espertas do que a trama realmente precisava – as aparições de um policial aposentado que auxilia a família quando do sumiço de Irene, em especial, são fortuitas demais pra que possamos considerá-las orgânicas e não meras ferramentas pra incrementar a exposição de elementos acerca da família de Laura e do entorno do ocorrido).

    Através de uma eficaz colaboração com José Luis Alcaine, habitual colaborador de Pedro Almodóvar, Farhadi faz um filme cálido e menos mergulhado em melancolia e angústia do que sugere sua premissa, e embora nem tudo seja concluído de maneira satisfatória (de um ponto de vista emocional E narrativo) e algumas pontas soltas pareçam importantes demais pra que não recebam a devida importância, é possível apreciar o resultado final, ainda que com moderação. Algo digno, se considerarmos a eficácia da realização a despeito de várias emoções e informações bastante telegrafadas — e é perfeitamente possível que os fãs do diretor/roteirista não se importem com isto, desde que continuem recebendo obras nas quais forma e conteúdo ainda se completam de forma exemplar, mesmo que sem o frescor e a vitalidade que fizeram do diretor um artista celebrado. Um Farhadi menos inspirado ainda é um Farhadi, e faz bem estar escorado em nomes que emprestam gravitas às suas ideias. Em especial quando estas comecem a exibir alguma fadiga.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Crítica | Neve Negra

    Crítica | Neve Negra

    Neve Negra estreou em 2017 com expectativa por ser um dos filmes argentinos mais bem criticados do ano, além é claro de ser estrelado por Ricardo Darin.

    Marcos e sua esposa Laura retornam à Patagônia para enterrar as cinzas do pai na propriedade da família administrada pelo irmão mais velho, o sinistro Salvador, e um segredo do passado ressurge no meio da discussão sobre a venda da propriedade.

    O roteiro escrito pelo diretor Martin Hodara e Leonel D’Agostino tenta discutir a brutalidade humana. A Patagônia fascina o imaginário popular mundial por ser um lugar selvagem, mas na Argentina, que se orgulha tanto do seu viés civilizatório perante os vizinhos sul-americanos, como se dá essa relação? O choque entre o selvagem, o bruto e a emoção contra o civilizado, o refinado e a razão permeiam a premissa do roteiro ao colocar Marcos, o único de quatro filhos que conseguiu sair de lá, em choque com Salvador, o primogênito e único filho que ficou para administrar as terras da família, já que a irmã foi internada e o caçula morreu na infância.

    A discussão a cerca da venda da propriedade milionária se torna um reflexo do trauma do passado. Marcos se sente culpado ao pedir que o irmão mais velho aceite vender o lugar que ele cuidou por anos como se o próprio Marcos não tivesse direito, já que no passado Salvador foi responsabilizado pelo pai por conta da morte do caçula.

    O sempre bom Ricardo Darin dá vida ao sombrio Salvador. Com poucos diálogos e ações contidas, a sua construção denota um personagem ainda mais ameaçador do que descrito nos diálogos entre os outros personagens. Laia Costa está bem como Laura, uma esposa preocupada, mas que tem a sua própria visão dos fatos. Leonardo Sbaraglia poderia ter se saído melhor como um culpado Marcos, já que seus vacilos destoam das demais atuações, soando em certo momentos um tanto canastrão.

    A direção de Hodara busca os tempos mortos o tempo todo em uma tentativa forçada de mostrar o bruto enquanto estado natural, seja da passagem do tempo com as ações completas dos personagens ou as carcaças de bichos mortos no meio da neve. A opção estética de mostrar as cenas do passado em paralelo poderiam ter sido melhor trabalhadas e não tem o impacto que se pretendia. Se a edição de Alejandro Carrillo Penovi não tivesse tantos tempos mortos, o filme ganharia em fluidez. Assim como, a fotografia naturalista de Arnau Valls Colomer poderia ter um toque diferenciado nas cenas do passado, uma dose onírica traria ainda mais drama e peso ao filme.

    Neve Negra deve agradar aos fãs do cinema argentino e de Darin, mas pode cansar devido ao problemático ritmo do filme.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

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  • Crítica | Kóblic

    Crítica | Kóblic

    Novo filme dirigido por Sebastián Borensztein – de Um Conto ChinêsKoblic mistura drama e ação, contando com Ricardo Darín como o protagonista da produção. O premiado ator vive o personagem título do filme, um ex-capitão das forças armadas que coordena operações aéreas conhecidas como voos da morte, onde se eliminam os inimigos da ditadura militar argentina nos anos setenta, ao jogar os corpos dos opositores do governo diretamente ao mar.

    As primeiras cenas já dão vazão ao talento de Darín, mostrando-o em discussões com pessoas próximas, sendo esse sempre resignado apesar da alta patente que possuía e do livre trânsito entre os poderosos da sua pátria. Os motivos que o fazem sentir assim são explicitados em cenas com outros personagens, onde um jovem alistado trata com uma das maiores figuras de autoridade do filme, chamado Velarde, interpretado por Oscar Martínez. O rapaz, de certa forma, representa uma versão mais nova de Koblic, mostrando que o processo de lavagem cerebral começava desde cedo, com muita pressão psicológica, abuso de autoridade e assédio moral, ajudando a formar nos colaboradores uma cabeça mais obediente e facilmente manipulável.

    As cenas de Velarde com Luiz são normalmente muito expositivas, atrapalhando um pouco as conclusões do público, que acaba tendo toda a questão de background muito mastigada. No entanto, as questões envolvendo outra face da história, ainda mais a questão que envolve Nancy (Inma Cuesta), amante de Koblic, que sofre abusos físicos de seu atual cônjuge, é melhor realizada. A demonstração de um relacionamento abusivo ocorrendo tão próximo a um agente do governo é uma boa metáfora do quão hipócrita e ignorante era a lógica dos defensores da ditadura militar e de tantos outros regimes, que se preocupam em controlar o povo sem prestar a mínima atenção em suas necessidades.

    A duração de Koblic é curta, com pouco mais de noventa minutos, e é econômica em questões sentimentais. A dor que o protagonista sente e a culpa por ser um herói falido é sentida somente pelas expressões do ator e pelas cenas muito bem construídas dos despejos dos flagelados, com cores escurecidas tomando o ambiente, servindo como símbolo de todo o passado negro ocorrido na Argentina. A cena final em que Koblic ruma para o horizonte é poderosa e igualmente metafórica, sendo portanto a síntese das sensações que o personagem tem dentro de si, representando também tantos colaboradores forçados de governos tirânicos, sem descuidar também da culpa própria desses mesmos entes.

  • Crítica | Truman

    Crítica | Truman

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    Simples, sensível e tocante, Truman é mais uma típica comédia argentina, que se vale da sutileza e do talento/carisma de Ricardo Darín para dar liga ao roteiro. A direção de Cesc Gay oferece ainda mais sentido ao drama leve, a exemplo de seu mais recente filme, O Que Os Homens Falam. O argumento sabe tratar do campo sentimental, mas sem apelar para a gratuidade emocional.

    Darín dá vida a Julian, um ator de meia-idade que recebe a isita misteriosa de Tomás (Javier Cámara). Viajando do Canadá a Madri, a trama se inicia envolvendo uma gama de viagens e muitos gastos da parte do resignado e calado homem. Logo se revela o real motivo da viagem, que seria a escolhe de Julian por não executar a quimioterapia, desistindo de salvar-se do câncer. A epopeia acontece na tentativa de achar pessoas ideais para a adoção do cão do moribundo, alcunhado de Truman em homenagem a Capote.

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    A trajetória dos amigos envolve uma busca ao passado, com despedidas e viagens intensas. Julian e Tomás se vêem em situações nas quais o choro trava em suas gargantas e olhos, em que um mundo é segurado em meio aos personagens. Vivem comunicados, lembranças e reencontros com os seus. Apesar da acidez na amizade, nota-se uma cumplicidade que começa velada e, aos poucos, se demonstra mais evidente. A recusa em mudar a postura da possível eutanásica envolve os antigos amantes de Julian, bem como seus herdeiros e sua prima, Paula (vivida pela bela Dolores Fonzi de O Crítico), a pessoa mais próxima do ator em terras espanholas.

    O processo de cuidar do amigo causa um misto de riso e choro, o que faz discutir o gênero de comédia do longa. O roteiro foge do apelo à pobreza e cafonice, mesmo ao retratar a decadência da saúde do artista, que se vê cada vez mais distante dos holofotes, bem como do domínio de suas funções motoras mais básicas. Até os desastres emocionais são conduzidos de modo sutil, deixando ao público se emocionar no nível que seu próprio estado de espírito permite. Truman é sensível e fecha o ciclo de modo sincero e bonito, arrematando de modo justo tanto o nome do filme quanto a ponte de amizade de Tomás e Julian, justificando o sentimento de irmandade sempre fortificado pelo redondo argumento.

  • Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Segredo dos Seus Olhos 1

    O premiado filme de Juan José Campanella começa com um misto de sensações terríveis, primeiro através de um bloqueio de escritor de seu protagonista, mostrando Benjamin Espósito (Ricardo Darin) não conseguindo passar suas emoções conflitantes para o papel, depois traçando paralelos entre esse incômodo e a natureza de seu trabalho, tanto em fases passadas quanto no presente. O Segredo dos Seus Olhos conta uma história de desejos e de fugas a partir da experiência do recém-aposentado jurista e servidor público que tenta escrever um romance baseado em uma história de um caso antigo, não resolvido até o presente da fita.

    A proximidade de casos violentos envolvendo mulheres se faz presente como principal fato de inconivência para o sujeito que a câmera persegue, tanto na atualidade quanto em seus sonhos acordados, frutos de sua re-memória sobre o ocorrido durante as fracassadas tentativas de escrever.

    Com o passar da película, Espósito se vê cada vez menos capaz de passar para o papel as suas ideias. Revisitar sua própria literatura torna-se um estorvo, ao contrário do trabalho de pesquisa que começa a exercer, perseguindo suas lembranças como se sua vida dependesse disso. De modo bastante obcecado, o sujeito começa a ir atrás das pistas em torno do julgamento ainda em aberto, apoiado por seu amigo Pablo Sandoval (de um irreconhecível Guillermo Francella). José consegue adentrar ambientes que claramente não são os seus, em cenários onde ocorrem cenas dantescas, em especial uma perseguição em um estádio de futebol que faz do templo esportivo o palco de corridas entre bandidos e vigilantes nos filmes policiais normativos, em uma cena bem construída na qual a câmera diz mais em poucos segundos do que todo o texto escrito.

    O roteiro de Campanella e Eduardo Sacheri não aponta para clichês comuns a outros tantos filmes sobre crime. Não há tiro, assassinatos mostrados em tela, tampouco violência gráfica. O apelo é mais sentimental e visceral, tocando no âmago dos personagens, expondo suas almas como se estivessem desnudss, em uma transparência emocional sui generis que revela o asco pelos problemas jurídicos do país, nas expressões tanto do personagem principal, como de sua chefe Irene Menéndez (Soledad Villamil), que assistem impassivos ao sistema se dobrar diante da corrupção.

    Irene captura a atenção de seu subalterno em muitos níveis, e o modo com o fascínio ocorre é apresentado no campo das sugestões. Mesmo quando ambos encaram o sentimento, há um cuidado de manter a sensação em um nível suspenso, tão velado que beira a irrealidade. A aura em torno do filme faz apontar outros tantos pontos lúdicos, fazendo do cotidiano de Espósito um misto de vida comum com leves toques do realismo fantástico pensado por Gabriel García Márquez em seus livros.

    Os atos finais são um mergulho dentro do processo detetivesco com mortes, perseguições e outras irregularidades, mostrando que na construção de uma nação, não há espaço para uma existência sem crimes e pecados. Campanella tenta falar sobre a alma e natureza humana, alcançando êxito em alguns pontos e soando desengonçado em outros tantos, deixando em muitos momentos o formato superar seu conteúdo, fator que faz os problemas de ritmo piorarem demais aos olhos do espectador mais atento. O Segredo dos Seus Olhos é um filme correto, sobretudo por seu caráter comercial bem-sucedido, e por explanar ao mundo o boom que sofreu o cinema argentino nos últimos anos, curiosamente conduzido por um diretor competente e presente no ideário audiovisual dos Estados Unidos.

  • Crítica | Relatos Selvagens

    Crítica | Relatos Selvagens

    Uma coisa é verdade: A versão pós-moderna de Amarcord não faz feio, pelo contrário, faz rir quem suspeitava que o cinema argentino fosse invejável ao do Brasil. Essa colcha de retalhos toda empolgada é uma heterogênea visita, às vezes sem qualquer consciência de expressões peculiares a determinada história, mas com noções muito fortes de impacto e narrativa em blocos, ao clássico de Fellini, ou melhor, a partir do clássico, sem nenhuma responsabilidade com o cânone italiano em questão, nesta crítica.

    Relatos Selvagens é uma viagem histérica de um sociólogo que esqueceu seu remédio tarja preta em casa no embarque de um trem que atravessa a Argentina, recolhendo histórias (não tão diferentes assim) de seus conterrâneos. Assim, o filme encontra sua apoteose sumária em duas passagens diferentes mas que se completam na missão de sintetizar o filme: a inicial e hilária reunião coletiva em um avião, onde todos se encontram sem saber como nem por onde, e a rebeldia do personagem de Ricardo Darín diante de um sistema corrupto, enfatizando – em analogia – a insatisfação do cidadão comum perante a conjuntura política do país. Se melhor tratadas, essas e mais uma ou duas exaltações poderiam ser as únicas do filme, tamanha é a força e o forte destaque em meio a outras nem tão favoráveis ao saldo inegavelmente positivo da obra.

    Uma iniciativa corajosa, apoiada pelo já lendário Pedro Almodóvar, que produz um material equilibrado, fragmentado por excelência, conduzido pelas peculiaridades de cada história às suas próprias, enquanto uma peça única, mas que consiste de glória e lembrança mais pela iniciativa do que pelo quadro geral e reunido. É a moldura de algo abstrato que uma perspectiva objetiva denuncia – feito pulga atrás da orelha, seja nas conclusões dos blocos ou em certa lucidez incompatível ao todo – não encontrar verniz, caso a peça venha a ser tratada como uma só, sem seus fragmentos. Relatos Selvagens, além de ter aberto a 38ª Mostra de Cinema Internacional de SP, é o típico filme que tenta se encontrar de várias formas, e atira para os lugares certos sem qualquer exagero ou aspecto digno de reprovação, mas, sabe a história do sujeito que de identidade em identidade esquece quem é, de fato? Então…

    Ainda sobre paralelos e resgates sensoriais de nível atemporal, a loucura orquestrada por Fellini celebra os vários tipos de esgotamento comportamentais do animal social, sempre em grupo, em constante mudança deste social, sem especificar, contudo, se o mudar consiste em melhoramento ou atraso. Em Magnólia e Babel, de Paul Thomas Anderson e Alejandro Iñárritu, obras bem mais recentes, nota-se a antítese relativamente bem-sucedida aos esgotamentos nervosos de uma das comédias mais tradicionais da Itália, esbanjando nestes dois filmes, e agora em Relatos Selvagens, então, o também nobre exercício de expor os traços mais imutáveis do ser humano (compaixão, raiva, bom-senso – ou a falta dele –, instintos primitivos de todos os tipos) em um contexto bem mais realista e de caráter emergencial, como se o mundo fosse acabar após qualquer decisão que qualquer representante das menções acima possa vir a tomar.

    Em 2014, com meia dúzia de situações absurdamente reais, ou sonoramente absurdas, o satírico cinema dos irmãos Coen casa com o cínico de Haneke na América Latina, e a boa – ótima – recepção das audiências e críticas mais diversas só pode revelar uma coisa: esse é o mérito de uma produção que contém, entre seus altos e baixos, entre o limite e o não limite, em tempos de politicamente correto, momentos de orgulho de certas fontes históricas, que o filme de Damián Szifron se apropria de atualizar, e se apropria muito bem; um antônimo bem construído de qualquer leveza que possa existir na sobrevivência humana de cada dia – ou noite.

  • Crítica | Sétimo

    Crítica | Sétimo

    setimo

    A vista aérea sobre a capital Buenos Aires já evidencia que Sétimo (Séptimo) será um filme sobre a urbanidade, sem necessidade de fala alguma. Os informes de rádio servem à história como uma espécie de narração, mostrando o quão megalomaníaca e cruel pode ser a paisagem cinza e o quanto ela é poderosa, esmagando sem dó os homens que a habitam. Patxi Amézcua dirige seu segundo filme, tendo o onipresente Ricardo Darín encabeçando o seu elenco.

    Darín faz Sebastián, um sujeito ordinário, com problemas conjugais mas que ama absurdamente o seu casal de filhos. A disputa pela atenção dos infantes com sua ex é enorme, e ganha através de um simples aviso da amarga mulher, que pediu para que não deixasse eles correrem na escada do prédio, por motivos banais, destes não se ferirem. No entanto as crianças somem e Sebastián começa a procurá-las. Nas ruas, as câmeras de segurança filmam a vigilância do pai, que aos poucos vai perdendo a paciência e vai vendo este sentimento tornar-se temor.

    Tentando não se apavorar, Sebastián procura pelo prédio, onde fala com os funcionários e o síndico. Neste momento o personagem dá mostras de que não é uma pessoa tão “querida”, já que teve um entrevero com o síndico, mas mesmo com isto, o senhor, que é policial, o auxilia, chamando a atenção do departamento para o caso e aconselhando o protagonista a arrumar dinheiro, pois podem te-los raptado. Gradativamente o desespero do pai vai aumentando e tomando-o de assalto, ele passa a agir violentamente, sem muito pudor ou gracejos, chegando até a invadir a casa de seus adjacentes. A situação piora quando seu superior liga para ele exigindo sua chegada, ameaçando-o com um “tudo acabará caso se perca este caso”.

    Ao saber do desaparecimento, Delia (Belén Rueda), a mãe dos meninos, chega ao edifício em polvorosa, primeiro preocupada, depois, acusa uma conhecida de cooptar as crianças, as acusações sobram até para seu ex-marido. A desolação leva a dupla a se sentir impotente, quanto mais o tempo passa maior é a tortura e o destempero da alma, decorrente da desolação de nada poder fazer para reaver a segurança de seus filhos.

    A paranoia toma conta do comportamento do inconsolado pai, à procura por qualquer possibilidade de um responsável pelo ato. Ele vasculha cada possibilidade, por mínima que seja, a fim de achar seus rebentos, e dado um momento as suas suspeitas recaem até sobre o policial. Suas atitudes são drásticas e quase o põem em uma situação de cárcere, mas mesmo aqueles a quem agride entendem o seu drama e seu nervosismo. Os momentos em que Sebastián precisa suplicar por ajuda são filmados de modo diferente, com a lente viajando pelo ambiente com uma movimentação contínua, de um lado para o outro, como se seu pedido fosse negado antes mesmo de ser concluído.

    O desalento de Sebastian é enorme após se dar conta de quem foi o mandante do sequestro. O que antes era apreço e amor torna-se em desprezo, ainda que a urgência por agarrar o vilão improvável seja muito maior que qualquer desesperança e decepção. O desencantamento de Sebastian rapidamente dá lugar a vontade de restituir sua família, e claro, seu direito de guarda dos pequenos. Ele segue inabalável, até o instante anterior a entrar em seu carro, já de posse dos meninos, onde ele até ensaia uma ação mais emotiva, para ficar somente na ameaça, já que ele volta a austeridade, a cabeça fria do homem moderno, do fruto da cidade cinza e das luzes vermelhas, que tomam a cidade enquanto a noite se aproxima.

  • Crítica | O Que Os Homens Falam

    Crítica | O Que Os Homens Falam

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    A sutileza narrativa presente em diversas produções de língua espanhola sempre produz dúvida quanto ao gênero pertencente ao filme. Se a história de O Que Os Homens Falam fosse produzida por um grande estúdio americano, com elenco de estrelas e de estética perfeita, haveria a possibilidade da trama reduzir-se a uma série de cenas cômicas, entrecortadas por um roteiro que não alcança o drama desejado.

    A linha cômica que atravessa a produção dirigida por Cesc Gay não produz o riso fácil, mas corrói pela ironia que desperta no desencontro do homem adulto e contemporâneo, através de seis pequenas histórias que recortam as mesma metrópoles.

    No filme, homens na casa dos 40 anos que há muito perderam o viço da juventude e a credulidade de uma vida madura mantida com estabilidade. Vivem a crise do homem da meia-idade que se descobre imaturo e sozinho. Os diálogos travados em cena são francos. Amigos que se encontram por acaso e que, em razão da antiga intimidade, abrem seu coração. Desaguam mágoas contidas por esposas que foram embora, por traições, e, pouco a pouco, destroem a imagem viril do homem contemporâneo capaz de dominar a própria vida.

    Sem nomes estabelecidos na película, os personagens se despem emocionalmente sem vergonha de suas próprias desgraças. Nas primeira cenas, o personagem vivido por Leonardo Sbaraglia sai da terapia às lágrimas e encontra-se com um antigo colega (Eduard Fernández). Os amigos demonstram um carinho afetuoso um pelo outro mas, com o passar de suas histórias de vida, parecem desencantar-se com a própria trajetória. São homens que tiveram planos e falharam. Retornam a um momento anterior em que tentam se reconstruir, mesmo que de volta à casa da mãe. Unidos por um passado em comum, tentam resgatar a amizade, mesmo sem revelar explicitamente que ela está morta.

    A sinceridade em cena espanta por sua naturalidade. Javier Cámara interpreta um ex-marido que, ao levar o filho para a casa da antiga esposa, deseja reatar com ela. Através da porta de um banheiro, declara seu amor. Assume os erros pela traição mas, ainda assim, sente que uma chama permanece. Pouco se sabe sobre a relação do casal, exceto o término e a sensação de um homem ainda entorpecido pelo erro. Desesperado para reconstruir a própria história.

    A traição é vista sob a ótica, oposta na história, do personagem de Ricardo Darín, obcecado em frente a um apartamento que sabe ser o do amante da esposa. “Ela nunca soube mentir”, diz para um amigo que ele reconhece na praça onde está situado. De maneira franca, sem o julgamento violento de um homem traído, procura compreender a esposa, suas razões para traí-lo, e se a conduta dela foi errônea.

    Em outra trama, focando o ambiente de trabalho, Eduardo Noriega é um homem interessado em uma colega. Após anos trabalhando juntos sem trocarem uma palavra, estão preparados para um diálogo afiado entre atração física e sexual. São histórias de indivíduos à margem de si mesmos, ainda que sem o próprio reconhecimento. Possuem uma vida a qual não imaginaram no passado. O desgaste do papel masculino revela toda a fragilidade do homem contemporâneo.

    A última história reúne quatro personagens em dois diálogos que se espelham. Há uma simbólica troca de casais em cena. Enquanto A. e Maria se encontram ao acaso e decidem ir juntos de carro a uma festa, seus respectivos cônjuges, Sara e M., estão em um mercado comprando bebidas para a festa em questão.

    A intimidade demonstra o desgaste das relações e o desconforto de ambas as esposas com a falsa virilidade criada por seus maridos, e a dificuldade de fazerem-nos aceitar os próprios problemas para modificá-los. São homens vivendo a negação consigo mesmos mas ainda dispostos a dar conselhos e ajudar o próximo, como se fossem invencíveis.

    O título brasileiro da produção apoia-se na frase do pôster original: o que pensam os homens quando não estão conosco? Uma frase que parece aproximar-se de uma comédia machista cujo enfoque seria o homem em seu estado mais bruto. Porém, resulta em uma sensível narrativa onde o cômico é patético, centrando em homens que perderam as próprias amarras e estão à deriva.

    O excelente elenco sustenta cada uma das seis histórias de maneira talentosa. O onipresente Ricardo Darín tem destaque maior tanto no cartaz brasileiro quanto no espanhol. Porém, sua presença em cena é a mesma de outras personagens, ainda que sua figura como ator seja sempre um atrativo aos olhos do público, o que explica sua projeção um pouco mais acima nas imagens de divulgação.

    Um drama irônico sobre a imagem do homem viril em contraposição ao seu frágil interior. O Que Os Homens Falam é uma dessas pequenas histórias cotidianas que conquistam pelo bom elenco e pela relação sincrônica com o contemporâneo.

  • Crítica | Tese sobre um Homicídio

    Crítica | Tese sobre um Homicídio

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    Analisemos o pressuposto seguinte: mesmo que cada obra de arte contenha uma intenção clara de seu artista, haverá interpretações subjetivas. A condição se justifica por elementos diversos e define a opinião de cada um que intenta produzir uma análise crítica de uma obra.

    O pretexto subjetivo em que me apoio é o apreço pelas narrativas policiais que tenho desde minha formação como leitor. Um motivo que me deixa em alerta quando vejo uma história que apresenta um mistério, seja ele tema central da história ou periférico.

    Tese Sobre Um Homicídio deve seu prestígio ao carisma talentoso de Ricardo Darín. O representante máximo do cinema argentino há mais de dez anos, onipresente em diversas produções, em parte porque tem reconhecimento internacional, e suas produções, sem exceção, ganham boa distribuição. Dando-nos a impressão de que somente o ator trabalha no mercado dos hermanos.

    A presença do ator e a história envolvendo um assassinato foram os responsáveis pelo sucesso em seu país de produção, com destaque para a personagem de Darín que se destaca desde sempre pela competência e entrega com que o argentino realiza.

    Roberto Bermúdez (Darín) é um advogado que, devido ao prestígio da carreira, realiza seminários no curso de direito da faculdade, escreve livros sobre a doutrina jurídica e possui laços com a polícia para consultas em casos que necessitam de maior atenção.

    Em sua primeira aula do novo curso, um assassinato ocorre no estacionamento da faculdade. Ao inserir na sala de aula a realidade do crime recém ocorrido, faz com que a suspeita recaia sobre Gonzalo Ruiz Cordera, aluno que chega atrasado no dia em questão

    A história se constrói ao redor destas personagens: Bermúdez, como grande advogado admirado desde a infância por Gonzalo, que esteve em seu seio familiar devido à amizade com o pai. As poucas aproximações entre professor e aluno produzem um discurso oposto sobre a força da justiça, a punição e a morte. Nascendo uma sombra de dúvida no advogado-mestre que o faz investigar de forma informal o homicídio.

    Se a margem da dúvida faz parte da investigação criminal, há outros fatores e procedimentos que determinam a investigação de um crime. A lacuna da suspeita é o espaço para que se compreenda que o crime em si se desenvolve a margem da história, como o gatilho para as dúvidas do advogado.

    A personagem de Darín foi comparada por alguns críticos a um clássico personagem noir por sua perdição. Mas vejo proximidade somente quando se observa que a personagem é maior do que a história em si, maior que o crime. Semelhante a muitas histórias do gênero citado, que fazem da morte apenas uma prerrogativa para apresentar um ambiente dúbio.

    Reconhecemos este elemento quando observamos que o advogado bem sucedido sente-se deslocado do curso natural da vida. Perdeu a esposa, não tem filhos, não vê mais planos futuros na carreira e passa a maior parte do tempo sozinho em sua casa bem decorada, bebendo e fumando.

    No vazio existencial nasce o jogo obscuro da dúvida alimentada pela obsessão de descobrir certa noção da verdade, suspeita que se volta para o aluno sem suspeita aparente. Tudo que vemos é modificado aos olhos do advogado. O elemento parcial convence o espectador de uma certeza não provada, cativada pela composição da personagem, induzido pela dúvida uma certeza.

    De maneira equilibrada, a decupagem trabalha a favor das inferências apresentadas pela dúvida. Em diversas cenas, a câmera passeia por espelhos, reflexos, vidros distorcidos, revelando que nem sempre observar um objeto é vê-lo da maneira como é, sendo impossível vê-lo com olhos imparciais ou, pressupondo-se que não há uma verdade absoluta, vendo da maneira mais fiel possível.

    Mediando a dúvida está o espectador, tão heroico como o personagem central, que deseja descobrir e acreditar que a suspeita da personagem é verdadeira. Ainda que, a parte a subjetividade, não há nada de concreto.

    A tese é apenas a enumeração de possíveis acontecimentos, cabíveis de interpretação pelo público. Um roteiro construído para equilibrar-se na dúvida.