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  • Crítica | Olhos da Justiça

    Crítica | Olhos da Justiça

    Olhos da Justiça - poster

    O Segredo Dos Seus Olhos levou ao cinema a intrigante história escrita por Eduardo Sacheri. O filme, repleto de simbolismos sobre a psique e condição humana, ganhou uma versão hollywoodiana estrelada pela tríade Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor.

    Olhos da Justiça se passa nos EUA pós-11 de setembro, em que o agente do FBI Ray Kasten (Ejiofor) é designado para trabalhar numa divisão com a finalidade de desmantelar possíveis células terroristas infiltradas no país. Sua relação de parceria com a investigadora Jessica Cobb (Roberts) permite que ambos exerçam suas funções em sintonia; a amizade entre eles, por sua vez, concede espaço para que Jess possa, inclusive, incentivar Ray a aproximar-se da procuradora recém-chegada Claire Sloane (Kidman).

    No decorrer das investigações do departamento, os agentes descobrem um homicídio ocorrido próximo a uma mesquita, e julgando ter ligação com algum terrorista, eles partem para o local e constatam que a vítima era a filha de Jessica, Carolyn. Na sequência da descoberta do corpo, as atuações de Roberts e Ejiofor evidenciam que os profissionais dessa área, que necessitam da frieza e isenção dos sentimentos para cumprir seu dever, podem perecer diante de tamanho choque; o desespero de Ray e a dor profunda de Jess são sentidos pelo espectador, e a dupla de atores divide a tela em uma das cenas mais impactantes da trama. Tal acontecimento irá separar os amigos por pouco mais de uma década, durante a qual nenhum dos dois esqueceu o fato ou deixou de investigá-lo.

    No período entre 2002 e 2015 em que a narrativa transcorre, somos guiados por flashbacks que vão inserindo dados importantes sobre a investigação paralela de Ray, que acaba abandonando sua carreira na divisão antiterrorista e consequentemente se afasta de Claire, por quem sempre foi interessado mas nunca teve coragem de se declarar, por conta do noivado dela. As observações do agente em relação ao sentimento, aparentemente mútuo, não têm espaço numa narrativa marcada pela ação (comum no cinema norte americano); Ray é movido pela esperança de encontrar o assassino, fazendo com que abstrações sejam postas de lado. Nesse ponto, tanto o personagem de Ejiofor quanto o de Roberts perdem a oportunidade de levarem seus questionamentos um degrau acima, além de frases que remetem às falas presentes no filme de Campanella. A intenção de levar tais questões ao público existe, mas carece da força e das inserções simbólicas muito bem trabalhadas na película argentina.

    A dor de uma mãe, representada pelas feições envelhecidas de Jess, e a sede de justiça por parte de Ray guiam ambos pelo tortuoso caminho em busca do criminoso. No entanto, as pistas recolhidas pelo agente os levam a um ‘beco sem saída’ e o procurado permanece nas sombras, intacto e livre da punição. A caçada termina e Ray tenta lidar com isso, inclusive imaginando como Jess pôde suportar durante esses anos a perda de Carolyn. Em um momento de reflexão Ray relembra de conversas que havia tido com a parceira, e seu instinto investigativo o conduz a uma perturbadora revelação.

    Nas sequências finais descobrimos que o homicídio cometido e o tempo decorrido não fizeram apenas Ray e Jess de prisioneiros; a dura pena cumprida em vida seria mais justa do que uma sentença de morte estipulada pela lei. Ao menos, era isso que Jessica Cobb pensava. Os velhos amigos trocam poucas palavras e gestos decisivos nos últimos minutos da trama, até que Ray finalmente enterra o doloroso passado, dando a chance para que ambos possam seguir suas vidas.

    Compre: Olhos da Justiça

    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Segredo dos Seus Olhos 1

    O premiado filme de Juan José Campanella começa com um misto de sensações terríveis, primeiro através de um bloqueio de escritor de seu protagonista, mostrando Benjamin Espósito (Ricardo Darin) não conseguindo passar suas emoções conflitantes para o papel, depois traçando paralelos entre esse incômodo e a natureza de seu trabalho, tanto em fases passadas quanto no presente. O Segredo dos Seus Olhos conta uma história de desejos e de fugas a partir da experiência do recém-aposentado jurista e servidor público que tenta escrever um romance baseado em uma história de um caso antigo, não resolvido até o presente da fita.

    A proximidade de casos violentos envolvendo mulheres se faz presente como principal fato de inconivência para o sujeito que a câmera persegue, tanto na atualidade quanto em seus sonhos acordados, frutos de sua re-memória sobre o ocorrido durante as fracassadas tentativas de escrever.

    Com o passar da película, Espósito se vê cada vez menos capaz de passar para o papel as suas ideias. Revisitar sua própria literatura torna-se um estorvo, ao contrário do trabalho de pesquisa que começa a exercer, perseguindo suas lembranças como se sua vida dependesse disso. De modo bastante obcecado, o sujeito começa a ir atrás das pistas em torno do julgamento ainda em aberto, apoiado por seu amigo Pablo Sandoval (de um irreconhecível Guillermo Francella). José consegue adentrar ambientes que claramente não são os seus, em cenários onde ocorrem cenas dantescas, em especial uma perseguição em um estádio de futebol que faz do templo esportivo o palco de corridas entre bandidos e vigilantes nos filmes policiais normativos, em uma cena bem construída na qual a câmera diz mais em poucos segundos do que todo o texto escrito.

    O roteiro de Campanella e Eduardo Sacheri não aponta para clichês comuns a outros tantos filmes sobre crime. Não há tiro, assassinatos mostrados em tela, tampouco violência gráfica. O apelo é mais sentimental e visceral, tocando no âmago dos personagens, expondo suas almas como se estivessem desnudss, em uma transparência emocional sui generis que revela o asco pelos problemas jurídicos do país, nas expressões tanto do personagem principal, como de sua chefe Irene Menéndez (Soledad Villamil), que assistem impassivos ao sistema se dobrar diante da corrupção.

    Irene captura a atenção de seu subalterno em muitos níveis, e o modo com o fascínio ocorre é apresentado no campo das sugestões. Mesmo quando ambos encaram o sentimento, há um cuidado de manter a sensação em um nível suspenso, tão velado que beira a irrealidade. A aura em torno do filme faz apontar outros tantos pontos lúdicos, fazendo do cotidiano de Espósito um misto de vida comum com leves toques do realismo fantástico pensado por Gabriel García Márquez em seus livros.

    Os atos finais são um mergulho dentro do processo detetivesco com mortes, perseguições e outras irregularidades, mostrando que na construção de uma nação, não há espaço para uma existência sem crimes e pecados. Campanella tenta falar sobre a alma e natureza humana, alcançando êxito em alguns pontos e soando desengonçado em outros tantos, deixando em muitos momentos o formato superar seu conteúdo, fator que faz os problemas de ritmo piorarem demais aos olhos do espectador mais atento. O Segredo dos Seus Olhos é um filme correto, sobretudo por seu caráter comercial bem-sucedido, e por explanar ao mundo o boom que sofreu o cinema argentino nos últimos anos, curiosamente conduzido por um diretor competente e presente no ideário audiovisual dos Estados Unidos.