Tag: Julia Roberts

  • Crítica | Tudo Por Amor

    Crítica | Tudo Por Amor

    O começo de Tudo Por Amor, sétimo longa-metragem para cinema de Joel Schumacher, se inicia no silêncio, com a bela Hilary O’Neil (Julia Roberts) indo em direção à sua casa, onde percebe que seu parceiro a traiu. Contrariada, graças ao problema de infidelidade, a protagonista decide mudar de vida e de ramo, aceitando um emprego diferente para cuidar de um jovem rico e talentoso que está fazendo quimioterapia para tratar de uma leucemia.

    O jovem é Victor Geddes (Campbell Scott), um sujeito arredio e que não gosta que as pessoas olhem para ele com pena. Aos poucos ele deixa Hilary se aproximar, e os dois passam a se enxergar como um par, com um desejo genuinamente mútuo entre eles, com direito a inseguranças e ciúmes, tudo isso em em um tempo recorde. Schumacher gasta todo seu esforço dramático demonstrar uma história amorosa de superação, mas que já foi vista inúmeras, inclusive no recente Como Eu Era Antes de Você e até o popular A Culpa é das Estrelas, embora o filme baseado no texto Richard Friedenberg, que por sua vez adapta o livro de Marti Leimbach, não seja tão descaradamente juvenil. Fato é que a fórmula do longa é bem conhecida, e ela por si só não segura a qualidade da história. Scott e Roberts não possuem química alguma, mal daria para acreditar que os dois estão juntos e por tanto tempo, se não fosse a música de James Newton Howard, que ajuda a aplacar um pouco a sensação do quanto essa relação é tola.

    A construção do romance dos dois é muito pautada em um drama barato, em alguns pontos ele parece uma adaptação dos romances folhetinescos ao estilo Sabrina ou Super Julia. O papel que Roberts apresenta aqui é até bem executado, mas repete os muitos clichês que ela vinha fazendo desde Uma Linda Mulher. De positivo, há o modo belíssimo com que Schumacher registra a imagem da atriz, claramente uma de suas musas, deslumbrante e apaixonante desde o primeiro momento em tela. Infelizmente, Tudo Por Amor é mais uma obra que abusa dos clichês e falta de química entre seus personagens.

  • Crítica | Linha Mortal

    Crítica | Linha Mortal

    A premissa por trás de Linha Mortal beira o sensacional: contar como seria o além vida. Nelson Wright (Kiefer Sutherland) é um estudante de medicina e tem a ambição de realizar uma experiência com os colegas de faculdade.

    O roteiro de Peter Filardi carece de sutilezas, o texto é bem direto e Joel Schumacher impõe uma estética e ritmo bem semelhantes aos videoclipes da MTV. Além disso, Dave Labraccio (Kevin Bacon) trabalha, praticamente sem pausas, e no auge de sua impulsividade e autocobrança extrema se frusta após a morte de um paciente que ele tenta salvar. Esse é um breve resumo de quem são os amigos de Nelson, um bando de jovens, bonitos, curiosos com a função de médico, impulsivos e que possuem poucas diferenças entre si.

    O diretor de fotografia Jan de Bont deixa os tons alaranjados sobressaírem, como já se via em outros filmes de Schumacher, fortalecendo a ideia do diretor de que as cidades urbanas dos Estados Unidos têm algo em comum, como a vigilância do Sol sobre os seus dias, aqui com um significado diferente, em um tom poético que remete a cor das chamas infernais do cristianismo.

    As cores unidas a arquitetura barroca dos cenários onde a experiência é feita demarcam a sensação de apreciar interpretações de outros infernos mitológicos, sendo o dantesco no lado externo onde estão os companheiros de Dave, e onírico e paradisíaco, como é na maioria dos ritos orientais, com misturas da descrição japonesa e um pouco dos Campos Elísios gregos, o lugar de pós-morte dos servos dos deuses. As partes “suburbanas” da cidade têm grandes grafites em neon, como na Gotham de Batman Eternamente e Batman & Robin.

    O elenco recheado de estrelas não faz feio, Julia Roberts faz o estereótipo da garota inspiradora, Sutherland mesmo caricato tem muito carisma, assim como Bacon, mas ainda parece real, até as personagens que servem como escadas, William Baldwin e Oliver Platt, funcionam bem dentro dessa equação. O primeiro ato do filme faz parecer que o drama será interessante, depois o que se vê é um arremedo mal pensado de aparições sobrenaturais. O que salva é o visual que Schumacher apresenta. O uso das luzes neon para produzir o terror é um acerto, mas até esse aspecto esbarra nas tecnobaboseiras e aparições gratuitas dos espíritos.

    O filme é longo demais, ainda mais ao colocar em perspectiva a fragilidade do roteiro. É impossível não ficar uma sensação de enfado no espectador. O maior pecado de Linha Mortal são suas escolhas narrativas. Nem nas partes mais expositivas existem conclusões a se tirar, além disso, a montagem piora o quadro, sempre parece que faltam frames ou mesmo cenas inteiras, como se a intenção do diretor fosse retratar a mente de alguém com lapsos de memórias, a ideia parece sofisticada demais para a execução empregada.

  • Crítica | Extraordinário

    Crítica | Extraordinário

    O pequeno ator Jacob Tremblay já pode ser considerado um veterano em Hollywood, com apenas 11 anos de idade, já possui 21 filmes em sua carreira. O mais expressivo de todos é o ótimo O Quarto de Jack, de 2015, pois concorreu a vários prêmios da Academia, rendendo à Brie Larson a estatueta de melhor atriz daquele ano, além de diversas outras indicações e premiações.

    Não havia escolha melhor senão Tremblay para interpretar o carismático Auggie em Extraordinário, filme que adapta a obra literária homônima, de R.J. Palacio. O menino nasceu completamente deformado, o que o levou a passar por dezenas de cirurgias com a finalidade de resolver problemas de saúde, como sua respiração e audição, além de demais cirurgias plásticas corretivas. Durante sua infância, o garoto ficou dentro de casa, local que foi transformado em seu incrível mundo de imaginação. Fã alucinado de Star Wars, o personagem tem como seu melhor amigo o Wookie, Chewbacca. Vale destacar que a franquia criada por George Lucas está presente em peso durante o filme.

    A mãe de Auggie, Isabel (Julia Roberts), parou de trabalhar para que pudesse dar aulas ao filho, enquanto seu marido, Nate (Owen Wilson) trabalhava para sustentar a família. O garoto possuía tanta vergonha de sua feição, que toda vez que precisava sair de casa, usava um enorme capacete de astronauta, tanto que o dia em que o deixava mais feliz, em vez do Natal, ou do Dia de Ação de Graças, era o Halloween, porque podia sair fantasiado sem se preocupar com que as pessoas achariam de seu rosto.

    Tudo começa a mudar quando o personagem decide ir à escola e o que vemos daqui pra frente é um filme que em vez de ser pesar a mão no melodrama e repleto de trilha sonora carregada, o que temos na realidade é uma sensação de leveza, risos e diversão. Essa sensação também é causada por conta da atuação de Tremblay, que impinge carisma em tela. Auggie não é um menino depressivo, triste e em nenhum momento se vê como um coitado, isso dá o tom do longa durante a projeção.

    Obviamente, atravessamos todos os clichês que o gênero emprega, como o preconceito, o bullying de outros colegas, entre outros acontecimentos, mas Extraordinário, curiosamente, é muito mais do que isso. O longa-metragem surpreende porque não é somente um filme sobre Auggie. É um filme sobre Isabel, sobre Nate, sobre Via (Izabela Vidovic, talvez a surpresa do filme), irmã do protagonista – que possui uma bela história paralela – e sobre Daisy, a velha cachorrinha da família. Portanto, trata-se de um filme reflexivo, não só no sentido de obrigar o espectador a pensar sobre diversas coisas, mas também no sentido de como o nascimento do menino e suas atitudes refletem diretamente na família.

    Talvez o acerto seja mérito do diretor Stephen Chbosky, que possui somente três filmes em seu currículo, dentre eles, As Vantagens de Ser Invisível. Chbosky escreveu o roteiro juntamente com outros dois roteiristas, Steve Conrad (À Procura da Felicidade) e Jack Thorne, experiente em seriados. Contudo, com o perdão do trocadilho, o filme ainda que não tenha nada de extraordinário, possui grandes méritos na forma como conduz sua narrativa e não se rende a clichês do gênero.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Jogo do Dinheiro

    Crítica | Jogo do Dinheiro

    Jogo do Dinheiro

    Jogo do Dinheiro é um produto que se vale de paralelos com a realidade, pervertendo ligeiramente os acontecimentos verossímeis, ainda fazendo um comentário sóbrio sobre paranoia, comunicação e manipulação. O longa foca no programa televisivo Money Monster, o mesmo que dá nome ao filme, um programa sensacionalista e pseudo jornalístico que faz um show de avisos sonoros e atrações teatrais, enquanto discute os rumos da bolsa de valores e demais espectros da economia americana.

    O âncora do programa é o canastrão decadente Lee Gates (George Clooney), que logo percebe que sua parceira de trabalho, Patty Fenn (Julia Roberts) está de saída da direção de seu programa, deixando-o em uma posição ainda mais degradante do que a já vista neste início de trama. No último programa que a dupla comandaria acontece um evento entrópico, com a entrada de um homem revoltado no estúdio de posse de uma arma de fogo e uma bomba. O personagem é interpretado por Jack O’Connell, e suas motivações são expostas aos poucos, inclusive incorrendo a identidade do atirador (chamado de Kyle Budwell), os motivos que o fizeram ameaçar a vida dos membros da produção e instaurar o caos ao vivo e em rede nacional.

    Jodie Foster consegue harmonizar dois estilos de direção diferentes, primeiro dando vazão a um cinema de protesto, que desdenha do american way of life, semelhante ao executado pelo cinema alternativo europeu com o cunho político de desconstrução do capitalismo clássico como meio de vida e economia ideal, ao mesmo tempo que remete à economia tanto orçamentária quanto de exploração sensacionalista, típica dos filmes mais politizados de Clint Eastwood e Robert Redford, especialmente Leões e Cordeiros e Poder Absoluto, emulando também a estética do cinema clássico norte-americano.

    Em seu quarto filme dirigido, Foster consegue reunir uma adrenalina avassaladora com uma discrição assustadora, o que facilita e muito no brilho tanto de Clooney, que está inspiradíssimo, quanto de Roberts, que consegue reunir um conjunto de nuances enormes mesmo em um papel muito comedido. A direção de atores da realizadora já havia sido posta à prova em Um Novo Despertar e segue firme, sem permitir qualquer vacilo na apreensão causada no espectador.

    O roteiro de Jamie Linden, Alan DiFiori e Jim Kouf ainda possui dois pontos de absurda inteligência, que é a desconstrução da solidariedade gratuita, normalmente apontada pelos veículos comunicacionais mais conservadores, mostrando que mesmo a audiência de Gates pouco se importa com a vida do showman, assim como traça paralelos no comportamento de Kyle com a faceta do Justiceiro recentemente trazido para o audiovisual com a série do Demolidor e com a história do Anjo Exterminador. O personagem é tão rico que mesmo ele reconfigurando as noções de poder, ainda há espaço para mostrar uma impotência crônica com os seus conhecidos, em especial com sua noiva, que faz desconstruir sua moral de assassino assim que ganha voz, o que faz salientar ainda mais a fragilidade do sistema.

    Jogo do Dinheiro consegue fugir dos clichês dos termos técnicos e ser ácido, mostrando a crueza da alma humana e como os ditames econômicos servem aos poderosos e oneram a classe trabalhadora comum, construindo um arquétipo invertido visto no clássico de Gillo Pontecorvo Queimada!, ainda se valendo do método socrático maiêutico, além de ironizar os chavões típicos de filmes sobre televisão, como a presença de uma equipe fiel independente das adversidades. E, claro, alfinetar os finais adocicados, com um pouco de esperança mesmo para os personagens que não merecem redenção moral. Ainda assim, os últimos momentos soam realistas e pragmáticos. Mesmo com todo o rebuliço, a rotina continuará privilegiando os que já detêm o poder, tanto político quanto monetário.

  • Crítica | Olhos da Justiça

    Crítica | Olhos da Justiça

    Olhos da Justiça - poster

    O Segredo Dos Seus Olhos levou ao cinema a intrigante história escrita por Eduardo Sacheri. O filme, repleto de simbolismos sobre a psique e condição humana, ganhou uma versão hollywoodiana estrelada pela tríade Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor.

    Olhos da Justiça se passa nos EUA pós-11 de setembro, em que o agente do FBI Ray Kasten (Ejiofor) é designado para trabalhar numa divisão com a finalidade de desmantelar possíveis células terroristas infiltradas no país. Sua relação de parceria com a investigadora Jessica Cobb (Roberts) permite que ambos exerçam suas funções em sintonia; a amizade entre eles, por sua vez, concede espaço para que Jess possa, inclusive, incentivar Ray a aproximar-se da procuradora recém-chegada Claire Sloane (Kidman).

    No decorrer das investigações do departamento, os agentes descobrem um homicídio ocorrido próximo a uma mesquita, e julgando ter ligação com algum terrorista, eles partem para o local e constatam que a vítima era a filha de Jessica, Carolyn. Na sequência da descoberta do corpo, as atuações de Roberts e Ejiofor evidenciam que os profissionais dessa área, que necessitam da frieza e isenção dos sentimentos para cumprir seu dever, podem perecer diante de tamanho choque; o desespero de Ray e a dor profunda de Jess são sentidos pelo espectador, e a dupla de atores divide a tela em uma das cenas mais impactantes da trama. Tal acontecimento irá separar os amigos por pouco mais de uma década, durante a qual nenhum dos dois esqueceu o fato ou deixou de investigá-lo.

    No período entre 2002 e 2015 em que a narrativa transcorre, somos guiados por flashbacks que vão inserindo dados importantes sobre a investigação paralela de Ray, que acaba abandonando sua carreira na divisão antiterrorista e consequentemente se afasta de Claire, por quem sempre foi interessado mas nunca teve coragem de se declarar, por conta do noivado dela. As observações do agente em relação ao sentimento, aparentemente mútuo, não têm espaço numa narrativa marcada pela ação (comum no cinema norte americano); Ray é movido pela esperança de encontrar o assassino, fazendo com que abstrações sejam postas de lado. Nesse ponto, tanto o personagem de Ejiofor quanto o de Roberts perdem a oportunidade de levarem seus questionamentos um degrau acima, além de frases que remetem às falas presentes no filme de Campanella. A intenção de levar tais questões ao público existe, mas carece da força e das inserções simbólicas muito bem trabalhadas na película argentina.

    A dor de uma mãe, representada pelas feições envelhecidas de Jess, e a sede de justiça por parte de Ray guiam ambos pelo tortuoso caminho em busca do criminoso. No entanto, as pistas recolhidas pelo agente os levam a um ‘beco sem saída’ e o procurado permanece nas sombras, intacto e livre da punição. A caçada termina e Ray tenta lidar com isso, inclusive imaginando como Jess pôde suportar durante esses anos a perda de Carolyn. Em um momento de reflexão Ray relembra de conversas que havia tido com a parceira, e seu instinto investigativo o conduz a uma perturbadora revelação.

    Nas sequências finais descobrimos que o homicídio cometido e o tempo decorrido não fizeram apenas Ray e Jess de prisioneiros; a dura pena cumprida em vida seria mais justa do que uma sentença de morte estipulada pela lei. Ao menos, era isso que Jessica Cobb pensava. Os velhos amigos trocam poucas palavras e gestos decisivos nos últimos minutos da trama, até que Ray finalmente enterra o doloroso passado, dando a chance para que ambos possam seguir suas vidas.

    Compre: Olhos da Justiça

    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Diálogos entre Moda e Cinema: Comportamentos e Formas de Vestir

    Diálogos entre Moda e Cinema: Comportamentos e Formas de Vestir

    Coco Chanel

    “Vista-se mal e notarão o vestido. Vista-se bem e notarão a mulher!“, disse certa vez Coco Chanel, aquela que revolucionou o jeito de vestir e de ser da mulher do início do século XX, e cujo estilo veste, até hoje tantas almas e corações femininos. As pessoas se expressam, mais do que por palavras, através da linguagem corporal, e a roupa funciona como uma ferramenta de requinte, precisão e enfatização daquilo que queremos transmitir.

    É inegável… Mais do que isso: é notória a relação que se estabelece entre a moda e o cinema! Há de ressaltar que este foi o primeiro veículo de propagação da estilista, na década de 1930, quando as modelos não ocupavam ainda o status de glamour e difusão que manifestam nos dias atuais. O público feminino buscava nas personagens dos filmes uma identificação ou uma transformação, e isso era delineado por sua postura e seus trajes.

    Você nunca se sentiu seduzida por alguma roupa que viu em um filme, e a procurou desesperadamente nas vitrines, ou tentou copiá-la de alguma forma?

    Quando penso num modelo de elegância (e a referência não precisa ser a mesma para você), imediatamente vejo, ainda no espreguiçar da manhã sobre a 5ª Avenida, um táxi parando em frente a Tiffany & Co, e dele descendo uma silhueta esguia, vestindo com elegância o clássico tubinho preto de tafetá de seda, grandes óculos escuros enfeitando-lhe o rosto delicado, muitas pérolas no pescoço, e nos pés o feminino salto alto. Sim, estou falando de Audrey Hepburn como Holly, no filme Bonequinha de Luxo, de 1961, dirigido por Blake Edwards, e do clássico vestido assinado por Givenchy, o qual passou a estabelecer uma parceria com Audrey. Ele já havia desenhado seu figurino em Sabrina, embora Edith Head (figurinista do filme) tenha recebido os créditos.

    Bonequinha de Luxo - vestidoAudrey Hepburn em Bonequinha de Luxo

    Não, não estou misturando as coisas! Claro que o tubinho preto foi criado em 1926 pela inovadora e instigante Coco Chanel. Iconizado desde então, vem apenas sofrendo adequações ao longo das gerações.

    Foi também na década de 1920, que atrizes como Louise Brooks e Joan Crawford difundiram a moda das melindrosas, com seus cabelos curtos (lisos ou ondulados), na altura das orelhas, a expressividade dos olhos destacada por um preto esfumaçado, e a liberdade dos movimentos permitida pelos vestidos retos e soltos. Este look inspirava-se na moda francesa, principalmente na de Chanel, e a primeira aparição, tanto da palavra quanto da imagem, aconteceu no filme mudo de 1920 The Flapper, expressão traduzida como “melindrosa”, estrelado por Olive Thomas e dirigido por Alan Crosland.

    well-dressed flapper

    As calças compridas, hoje usadas pelas mulheres ocidentais com tanta naturalidade, no filme Marrocos, de 1930, cobriam as lânguidas penas de Marlene Dietrich, a primeira mulher a usá-las publicamente. No entanto, foi em 1977 que Diane Keaton imprimiu uma irreverente feminilidade aos trajes a princípio masculinos, e mostrou a tendência unissex. Quem não se lembra da sua personagem vestindo calças largas, paletó, colete e gravata, em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa?

    marlene-dietrichMarlene Dietrich

    Diane KeatonDiane Keaton

    O vestido branco de organza, com cintura marcada e mangas em tufos, tornou-se também objeto de desejo do público feminino quando Joan Crawford o vestiu em A Redimida, de 1932. E os cabelos compridos, cacheados, adorados por tantas mulheres (e homens) da geração atual, com certeza deixaram sua marca, cobrindo os ombros de Rita Hayworth, cuja nudez era permitida pelo longo tomara-que-caia de cetim preto. O cenário? Um palco, onde um strip-tease é insinuado! O filme? Gilda.

    letty_lyntonJoan Crawford, em A Redimida

    gilda-luvasRita Hayworth, em Gilda

    Nos anos de 1950, foi uma explosão de loiras platinadas, de corpos esculturais, com referências também para quem quisesse aderir ao tipo elegante e ingênuo. E não há como falar em elegância sem citar Grace Kelly. Ela e Doris Day trouxeram esta imagem e marcaram as saias amplas com cintura marcada. A primeira, em Janela Indiscreta e a segunda em Ardida como Pimenta. As duas vestidas pela figurinista de tantas personagens, e detentora de oito premiações no Oscar por seu trabalho, Edith Head.

    Grace-Kelly-Rear-Window-03Grace Kelly em Janela Indiscreta

    As loiras! Ah, as loiras!

    Em Os Homem Preferem as Loiras, Marilyn Monroe influenciou a moda com seu vestido rosa, mas é no filme O Pecado Mora ao Lado, numa cena em que sua personagem passa sobre uma grade de ventilação, que o objeto de desejo de muitas garotas se transforma num vestido branco, plissado e de frente única. Então, o branco seduz de novo sobre as curvas da sedutora Elizabeth Taylor, em Gata em Teto de Zinco Quente.

    marilyn-monroe-o-pecado-mora-ao-ladoMarilyn Monroe

    liz taylor - paul newmanElisabeth Taylor e Paul Newman em Gata Em Teto de Zinco Quente

    Entre trajes mais ou menos formais, personalizando momentos mais sedutores ou mais ingênuos, não poderia esquecer aquele que se estabeleceu, de certa forma, como um grito de emancipação: E Deus Criou a Mulher! Sim, e deu-lhe curvas para que fossem reveladas, como o fez, na praia de Saint-Tropez, Brigitte Bardot, levando para as telas pela primeira vez, um biquíni. No entanto, vale lembrar que ele já havia sido criado em 1946, por Louis Réard.

    Bardot

    Brigitte Bardot em E Deus Criou a Mulher

    No final do século XX e início do XXI, tivemos ainda os vestidos de festa. Julia Roberts apareceu num longo vermelho em Uma Linda Mulher, e Jennifer Lopez apresentou um maravilhoso tomara-que-caia, em chifon salmon, no filme Encontro de Amor.

    Julia Roberts - Uma Linda MulherJulia Roberts e Richard Gere em Uma Linda Mulher

    Jennifer Lopez - Encontro de AMorJennifer Lopez em Encontro de Amor

    É importante lembrar que entre os figurinistas que atuam no universo cinematográfico, e os estilistas que criam moda associada à sua grife, existe uma diferença de função e objetivo, embora alguns destes (como Chanel e Givenchi) tenham vestido, diretamente, alguns personagens, e estabelecido parcerias com a estrela ou com o figurinista do filme. Mas há dois longa-metragem, mais recentes, que através do brilhante trabalho do figurinista, nos falam sobre a moda lançada pelos estilistas, expondo seus modelos e grifes.

    A norte-americana Patricia Field recebeu uma indicação ao Oscar, por seu trabalho em O Diabo Veste Prada, filme que nos conta a história de Anna Wintour, editora da revista de moda Vogue America. Com o nome de Miranda (editora da Runway), esta personagem, brilhantemente interpretada por Meryl Streep (indicação ao Oscar de Melhor Atriz), vestiu Donna Karan, Bill Blass e Valentino, entre outras grifes. Chanel, Calvin Klein e Dolce & Gabanna também estiveram presentes através de Andrea (Anne Hathaway, e embora o nome Prada marque o título, seus modelos aparecem apenas em um terno, uma bolsa e alguns sapatos).

    Diabo Veste Prada - Anne HathwayAnna Hathaway em O Diabo Veste Prada

    Em 2008, em Sex and the City, longa inspirado na série de televisão, Patricia Field desperta, mais uma vez, o desejo de copiar os modelos que desfilam ao longo da trama, cobrindo os corpos e definindo as personalidades interpretadas por Parker, Jones, York e Hobbes. Sob o olhar atento daqueles que não dispensam uma aula de moda, estão as criações de Dior, Chanel, Valentino (entre outros), e temos até Carrie vestindo um top do brasileiro Alexandre Herchcovitch.

    sex-and-the-city-filme

    O universo cinematográfico estendeu-se além das telas, e leva o glamour, clássico, inovador ou irreverente, a desfilar também pelo icônico “tapete vermelho”, na entrega do Oscar. Cinema e moda são dois assuntos inesgotáveis que se entrelaçam numa relação bidirecional! O tempo e o espaço são extremamente limitados para abranger o tema mais ampla e detalhadamente, mas ficam aqui alguns pontos que marcaram tendências de figurinos e comportamentos.

    Deixo para você uma reflexão: o quanto Coco Chanel estava certa quando disse que “uma mulher precisa de apenas duas coisas na vida: um vestido preto e um homem que a ame”!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Hook: A Volta do Capitão Gancho

    Crítica | Hook: A Volta do Capitão Gancho

    Hook - Blu Ray

    Hook: A Volta do Capitão Gancho é um daqueles filmes que ficam na memória de qualquer criança que hoje está na casa dos 30 anos. Lançado em 1991, com jeito de super produção e com um elenco estelar, o longa teve muitos problemas, demorando, praticamente, 10 anos para sair do papel, além de trocas de estúdio, abandono (e posterior retorno) do diretor Steven Spielberg e demissão de roteiristas..

    À época, Spielberg já tinha em seu currículo clássicos dos estilos mais variados como Tubarão, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Os Caçadores da Arca Perdida, E.T. – O Extraterrestre, A Cor Púrpura e O Império do Sol, portanto, expectativa suficiente para fazer de Hook um grande sucesso. O que se viu, então, foi um sucesso de bilheterias, mas um desastre de críticas.

    Baseada na obra e na peça escrita por J.M. Barrie, a história é centrada no pai de família Peter Banning (Robin Williams), um advogado de sucesso que não tem tempo para a família, já cansada de seus atrasos e de suas falsas promessas. Durante uma visita à casa de sua sogra, Wendy (Maggie Smith), os filhos de Peter acabam sendo sequestrados pelo Capitão Gancho (vivido brilhantemente por Dustin Hoffman). Assim, a fada Sininho (Julia Roberts) também sequestra Peter e o leva de volta à Terra do Nunca. O problema é que Peter não lembra absolutamente nada a respeito de sua época na Terra do Nunca, nem da própria Sininho, muito menos dos Garotos Perdidos, que ficam divididos naqueles que acreditam ou não que aquele Peter é, seu líder, Pan. Porém, Peter tem apenas três dias para se lembrar e se preparar para um duelo contra o Capitão Gancho e que decidirá o futuro de seus filhos.

    A premissa já foi (e ainda vem sendo) desgastada por Hollywood, e a performance do grande elenco é o que mais deixa a desejar. Julia Roberts concorreu ao Framboesa de Ouro; Robin Williams deu início à saga de papéis iguais que o tornaram famoso. Além do mais, hoje, chega a ser constrangedor vê-lo adulto, levemente fora de forma vestindo a roupa de Peter Pan. Tais fatos acabaram por deixar Dustin Hoffman sobrecarregado, mas sem perder o brilho, juntamente com seu aliado pirata, Smee (Bob Hoskins) e um ou outro Garoto Perdido que se sobressai em relação aos demais.

    Analisando friamente a fita, chega-se à conclusão que o destaque fica para a direção de arte, que construiu uma Terra do Nunca bastante lúdica, além de um navio pirata sensacional, e os figurinos dos personagens (principalmente o do Capitão Gancho), que são impecáveis. Mas em que se pesem os aspectos negativos, podemos perceber que Hook: A Volta do Capitão Gancho é um filme feito pra entreter, e ele cumpre bem o seu papel. Pelo menos, o projeto seguinte de Steven Spielberg foi Jurassic Park.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • 5 Filmes Essenciais Sobre Cassino

    O cinema sempre nos fez pressupor que cassinos são formados por luzes de halogênio, acesas o tempo todo, homens bem vestidos e mulheres sedutoras. Não que tais máximas não sejam verdadeiras. Porém, diante de tantas maneiras de apostar e conquistar o público com boas histórias, selecionamos cinco obras essenciais.

     

    Onze Homens e Um Segredo (Ocean´s Eleven, 2001)

    Baseada na produção de 1960, com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop, Onze Homens e Um Segredo trouxe novamente o cassino às tramas hollywoodianas e foi o responsável pela realização de diversos filmes com temáticas parecidas, que faziam de um assalto excêntrico e ousado o elemento central da ação.

    Neste remake, dirigido por Steven Soderbergh e estrelado por George Clooney, Brad Pitt, Matt Damon, Julia Roberts e Andy Garcia, o equilíbrio entre estilo, bom humor e um plano de assalto mirabolante é composto com perfeição. Formado por estereótipos bem delineados – o galante, o braço direito, o engenhoso, o habilidoso, o esquivo, a mulher fatal, o vilão –, o enfoque da narrativa é produzir uma história para o grande público. Diante deste espetáculo, a trama não poderia ser mais óbvia: um homem apaixonado que faz de tudo para reconquistar a ex-mulher.

    A direção de Soderbergh, que já havia misturado humor e ação em Irresistível Paixão, adaptação do livro de Elmore Leonard, traz maior requinte à história. Um roubo que se aproxima de uma obra de arte.

    Cassino (Casino, 1995)

    Martin Scorsese retorna ao submundo – depois de Cabo do Medo e Época da Inocência – nesta produção épica que carrega tudo o que há de melhor em seu estilo. Uma produção longa, brutal, em que nenhuma saída dramática é fácil. A trama se baseia na história de Frank Rosenthal, um judeu que assumiu grandes cassinos para a máfia na década de 70.

    Com Robert De Niro e Joe Pesci, com quem já havia trabalhado em outra obra mafiosa do diretor – Os Bons CompanheirosScorsese está à vontade em seu habitat natural e, como novidade, apresenta uma Sharon Stone como mulher linda, loira e fatal. Além da violência excessiva, a narrativa feita em off e os espaços temporais entrecortados comprovam a genuína marca de Scorsese.

    Até hoje, o diretor nunca deixou que as imposições de estúdios impedissem a metragem de suas produções, propositadamente longas, narrando com detalhes as jornadas de seus personagens. Um dos grandes filmes do diretor, sem dúvida.

    Cassino Royale (Cassino Royale, 2006)

    A obra primordial de Ian Fleming, finalmente gravada em 2006 e com um novo James Bond (Daniel Craig), foi capaz de promover uma bem-sucedida trinca: consagrou o novo Bond em um tipo diferente dos vistos até então, trouxe a um novo público um clássico personagem e soube ser fiel à obra original sem perder seu estilo.

    Na versão, o bacará do original cede espaço ao poker, um dos jogos mais populares até mesmo no espaço virtual. Envolvendo o jogo de espionagem, o agente com licença para matar deve competir nas mesas contra Le Chifre (Mads Mikkelsen), um banqueiro com investimentos no submundo. A trama dirigida por Martin Campbell produz um dos jogos de poker mais aflitivos do cinema, em parte devido às boas interpretações de Craig e Mikkelsen.

    Além deste impasse, as cenas de ação apresentam um estilo diferenciado, fundamentando um conceito de realidade que a trilogia Bourne ajudou a criar: um estilo de luta menos coreografado e mais brutal, longe do balé da década de 90. Muitas grandes cenas da produção – como a perseguição de carros e a tortura sofrida por Bond – vieram diretamente da obra de Flemming. Um clássico que não envelheceu.

    Crupiê – A Vida em Jogo (Croupier, 1998)

    Após anos distante do cinema, Mike Hodges (Carter – O Vingador, Flash Gordon) retorna com este drama sobre um escritor falido, que retorna à sua antiga profissão de crupiê graças ao um pedido do pai. Conduzido com uma parcela de um thriller de mistério, foi graças a este papel de Clive Owen, no papel central de crupiê, que seu talento foi evidenciado com atenção suficiente para estrelar produções como Rei Arthur e Closer – Perto Demais.

    O rosto sisudo e o olhar penetrante do ator adequavam-se à vida desencantada de um homem incapaz de galgar sucesso na profissão desejada. Seu papel como crupiê é melancólico, uma mera subsistência banal. Um símbolo de uma vida paralisada, que parece não se importar com as ações – criminosas ou não – as quais pode cometer. É um drama cuja análise concentra-se na existência do próprio ser e suas motivações pessoais, sem nenhum arroubo de violência explícita ou glamour.

    Maverick (Maverick, 1994)

    Mel Gibson ainda era cool e Richard Donner, diretor de filmes significativos quando Maverick, adaptado da série homônima de 50, estreou nos cinemas. A trama apresentava dois elementos-fetiche que sempre encantaram uma grande parcela do público: o ambiente western e jogos de aposta. Uma história que parecia impossível dar errado.

    Sem perder o tom aventuresco, o roteiro de William Goldman (Todos Os Homens do Presidente, Uma Ponte Longe Demais, Louca Obsessão e Butch Cassidy) apoia-se no humor para apresentar a história do malandro Maverick, que junta o dinheiro necessário para um jogo de apostas em um barco do Mississipi e acredita ser capaz de sentir as energias das cartas antes de tirá-las – uma das cenas mais divertidas da produção.

    Se hoje o gênero Western é pontuado pelo lançamento anual de poucos filmes, ainda na década de 90 grandes obras foram relevantes, tanto as que se apoiaram no drama, caso de Os Imperdoáveis, quanto nesta comédia aventureira, bem realizada e que não envelheceu.

  • Crítica | The Normal Heart

    Crítica | The Normal Heart

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    A AIDS como denúncia enquanto produto do meio inexplicável. Teorias da conspiração são o tipo de coisa que não falta nesse mundo, e até hoje seguem feito esporte efetivo aos incapazes de compreender a pandemia, alastrada nos anos 80, do vírus de tantos amores soropositivos, de segregação sexual. Você sente que The Normal Heart é dedicado a todas as vozes caladas no passado, esquecidas na época por seus representantes políticos (que hoje ganham ou perdem votos por apoiar o casamento homo, como se o direito fosse alienígena), e cientes de que nunca seriam lembradas. Um daqueles raros filmes gays que não tenta se heteronormatizar, não tenta se encaixar no contexto que a maioria do público gosta de ver. Se faz com total orgulho acerca de uma minoria, e realizado para ela mesma, ainda que possa ser totalmente adotado por qualquer pesquisador da raça humana e usuário do cinema para tanto.

    Se resgatar atos e fatos de um passado recente e incômodo indispõe muita gente, o telefilme do canal HBO tem a força de mil elefantes, carregada nas costas da visibilidade, da expressão, sendo tal expressão totalmente econômica e serena durante toda a projeção, além de utilizar-se como ponto central da polêmica enfermidade, já tratada antes mas não debatida ainda com tamanho realismo, seja em Clube de Compras Dallas ou em Meu Querido Companheiro, os dois melhores exemplos até então.

    A questão do direito foi mencionada acima. Direito de ser o que é? Quanto ao amor, esse é guerra. Quanto ao filme, Ryan Murphy, o cineasta, se apropria da história em mãos para tecer uma analogia própria e intrínseca ao enredo, ou seja, constrói uma obra democrática e bilateral, de pontos de interpretação diversos junto a um dínamo ligado a todos eles, ao fator ambíguo da proposta derivado de cada personagem apresentado; ora pelo representante do presidente dos Estados Unidos que se apavora na dúvida de que a AIDS poderia ser transmitida em contato hetero, ora pelos amigos, desesperados e a ponto de explodirem, do ativista da causa Ned Weeks – Mark Ruffalo, melhor atuação da carreira, com postura de Milk, de Sean Penn, e ecos do Lincoln de Daniel Day-Lewis. Weeks também não sabe direito quais procedências tomar em relação a uma doença que deixou de ser simples endemia ou caso isolado há muito, ou em quem acreditar, senão na responsável doutora Emma Brookner (Julia Roberts, a joia do filme). Em The Normal Heart, provocações só nascem de quem ainda não sabe o que lhe agrada.

    Murphy comanda o show e seu elenco com uma serenidade e um desejo de perícia, entre causa e efeito, inesperados, em especial para um cara que não detinha provas reais do seu talento, a despeito da fraca trilha sonora aqui, que perde a chance de embalar várias sequências, num incentivo voltado a uma maior profundidade sensorial. Todavia, num filme que contém a difícil cena de uma mãe, em prantos agonizantes que, junto do namorado de seu filho infectado, deve enterrar o próprio herdeiro rejeitado pelo nojo dos médicos que atestaram seu óbito, seria previsível um clima pesado, apelativo ou cético, certo? Nada mais contraditório a tal expectativa num filme acerca do amor, que aqui sofre a desconstrução a partir de quem o sente, jamais do sentimento.

    Trilhando caminho oposto aos taxativos de plantão, o explícito da obra gira em torno da necessidade de mostrar o que é preciso na tarefa de escancarar um mundo semi-proibido, sob uma economia de recursos eficiente para uma experiência serena, informativa e bem temperada, ao longo de elementos cuja intensidade vai além de um romance de Woody Allen.

  • Crítica | Álbum de Família

    Crítica | Álbum de Família

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    Tracy Letts é um escritor pouco ortodoxo. Suas peças já renderam ótimos roteiros de filmes, como Possuídos e Killer Joe: Matador de Aluguel, ambos de William Friedkin. Em Álbum de Família, o autor parece querer grafar uma afeição em trocar farpas com a instituição família, pervertendo o tempo inteiro os seus conceitos e tradições só para demonstrar o quanto o circo é anacrônico e hipócrita em sua essência.

    Cada um dos rebentos possui o seu próprio código ético e um conjunto de perversões com peculiares e curiosidades. Eles fazem questão de ser assim: seus pecados são a marca registrada de suas vidas, o que os diferencia do mundo e, claro, uns dos outros. A casa da matriarca Violet, interpretada por Meryl Streep, é sempre muito movimentada, e quando está cheia transpira incômodo e sufocamento, produzindo calor em quem a adentra (exceto aos os que lá vivem), além de parecer uma mansão de filme de terror. Violet é amarga, ácida, opressora com todos que a cercam e pouco preocupada com as pessoas na maior parte de tempo. Ainda assim, ela mostra-se interessada em cuidar dos seus, demonstrando a dicotomia que é ser mãe e sofrer do mal misantrópico.

    O momento em que Barbara, a filha mais velha (interpretada pela veterana Julia Roberts), atravessa é muito semelhante ao da mãe. A estética das duas serve como avatar do estado depressivo que atravessam, simplificado pelos cabelos maltratados de ambas. Diante  das tristezas que elas possuem, não há muita lógica em cuidar-se ou transpirar feminilidade. No lugar disso há o cansaço e o enfado em ter de prosseguir uma vida sem muitos objetivos. O único momento em que a primogênita escova os cabelos e demonstra amor próprio é quando está tomada pelo desespero, assim que descobre que pereceu — seu superego assumira e, no estado de emergência, ela age, baseando em seu instinto de preservar o melhor que consegue. As semelhanças entre as duas também se dão na personalidade passiva-agressiva e, obviamente, opressora com as figuras masculinas.

    O trabalho com os personagens utiliza-se do uso de estereótipos cômicos, até mesmo para tornar a louca história mais universal possível, maximizando a sensação de sufocamento e claustrofobia, tanto dos caracteres quanto do espectador.

    Demonstrações pequenas de ódio, como o desprezo pelos mais jovens, é um argumento também mostrado, mas a praxe durante as brigas é o amargor, que segundo Violet, tem a ver com a forma como a mulher envelhece, deixando a leveza e graça para se tornar algo feio, não só externa como internamente. A verdade torna-se uma arma branca que fere os familiares, explicitando de forma cruel como a decadência destrói a auto-estima. O canhão de ofensas de Violet consegue atingir a todos, e ela se usa dos segredos de toda a vida para humilhá-los, mesmo os que não disputam rivalidade com ela.

    O roteiro de Letts é cruel e pródigo em causar terror, mostrando, nas relações familiares doentias, os sentimentos que variam entre o ódio completo e o cinismo exacerbado, contrastando com a solidariedade mútua. Todos os personagens são repletos de defeitos, não há por quem torcer, tampouco existe redenção moral; mesmo os que aparentam fragilidade e quietude, escondem uma carga de ofensas e um potencial destrutivo, condição esta que parece inerente ao clã. O que Barbara faz, em relação às mágoas impingidas sobre suas irmãs para supostamente protegê-la da verdade, a faz perceber que ela não está tão distante do lodo da geração anterior. O signo da peruca de Violet funciona como uma máscara no intuito de esconder a fragilidade da alma da mãe, que só é agressiva quando veste a cabeleira postiça; quando não a usa, se mostra vulnerável e semi-morta, como sua alma prossegue.

    John Wells conduz o filme com a maestria de não atrapalhar as ótimas atuações de seu elenco e nem manchar o belo roteiro que tem em mãos.