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  • Crítica | Dior e Eu

    Crítica | Dior e Eu

    Dior e Eu - poster

    Tendência de consumo em vendas, principalmente em grandes centros mundiais, a moda se tornou um representativo, muitas vezes elitista, formado por um grupo de estilistas que partem de preceitos básicos de estética e arte para lançarem linhas e coleções que se destacam e posteriormente são copiadas e replicadas ao redor do globo.

    Mesmo o leigo no assunto não precisará de nenhum conhecimento prévio sobre o tema para assistir o documentário Dior e Eu. Dirigido por Freréric Tcheng em sua segunda incursão no mundo da moda – foi co-editor de uma biografia sobre o estilista Valentino e está dirigindo outro longa sobre este universo – a produção adentra os bastidores da composição de uma das coleções da famosa marca quando o estilista belga Raf Simmons assumiu o cargo de diretor criativo na companhia, após uma época conturbada em que o estilista anterior, o inglês John Galliano, foi demitido após comentários antissemitas.

    A obra apresenta a composição de um atelie de alta costura, sendo capaz de narrar uma história e, ao mesmo tempo, se desenvolver como um produto que acaba demonstrando a excelência da marca. Fundada em 1946, a Christian Dior S.A se mantém como uma conceituada empresa francesa de moda, um legado que seu criador desenvolveu nos dez anos em que esteve a frente da marca quando saiu de cena após um ataque cardíaco. A importância deste é tamanha ao ponto do fundador se tornar também um personagem do documentário, uma inspiração onipresente que adentra a trama devido a leitura de trechos do diário do estilista, potencializando a força desta figura máxima aos olhos de seus colaboradores.

    Se a visão geral de um desfile de moda sempre gera um estranhamento e certa incompreensão de como tais roupas, muitas vezes destoantes do vestuário cotidiano, se transformam em tendência, a composição de cada coleção passa pelas etapas fundamentais de qualquer criação, principalmente quando atreladas a uma empresa. Com um censo de grande cooperação em que cada membro da equipe reconhece o trabalho do outro visando o produto final, centrado no desfile anual da Dior. Os bastidores justificam quanto a dedicação é alta e também a cobrança para compor vestidos que se destacam por um trabalho artístico artesanal. A própria arte é reverenciada na moda, no caso na inspiração de Raf, tanto ao conceber sua coleção como planejar o cenário para o desfile, situando o vestuário como um objeto de composição mercadológica e artística simultaneamente.

    Com uma narrativa linear que abrange depoimentos diversos da equipe, a preparação da coleção e do desfile adquire um outro lado demonstrando que mesmo que um estilista esteja a frente da criação, é fundamental a colaboração de todos os integrantes do ateliê. Personagens que trabalham quase anonimamente mas que são reverenciados no final por sua paixão. Avesso a estrelismo, Simmons se destaca como um homem intenso e sensato, centrado na sua intenção artística e capaz de dialogar com a equipe sem nenhum maneirismo. A produção acompanha-o por oito semanas, desde sua contratação até o desfile da coleção.

    O documentário produz um olhar breve e focado sobre o universo da moda, coerente e equilibrado em uma narrativa dramática para que as personagens reais adquiram carisma evitando a monotonia didática. Como é de se esperar, o filme se encerra com cenas do desfile e faz bom uso da câmera lenta para captar a reação do público perante cada vestido e as modelos de feições sutis exibindo objetos cobiçados e analisados por uma rede de jornalistas e críticos. Ainda que os números confirmem que Raf foi responsável por reequilibrar o prestígio da Dior e lhe dar um faturamento maior do que concorrentes, enquanto Dior e Eu dava continuidade a sua campanha de lançamento iniciado em 2014 (no país, o filme foi lançado em agosto do ano passado), Simmons pediu demissão após três anos e meio a frente da marca desejando percorrer novos caminhos.

    Compre: Dior e Eu

  • Diálogos entre Moda e Cinema: Comportamentos e Formas de Vestir

    Diálogos entre Moda e Cinema: Comportamentos e Formas de Vestir

    Coco Chanel

    “Vista-se mal e notarão o vestido. Vista-se bem e notarão a mulher!“, disse certa vez Coco Chanel, aquela que revolucionou o jeito de vestir e de ser da mulher do início do século XX, e cujo estilo veste, até hoje tantas almas e corações femininos. As pessoas se expressam, mais do que por palavras, através da linguagem corporal, e a roupa funciona como uma ferramenta de requinte, precisão e enfatização daquilo que queremos transmitir.

    É inegável… Mais do que isso: é notória a relação que se estabelece entre a moda e o cinema! Há de ressaltar que este foi o primeiro veículo de propagação da estilista, na década de 1930, quando as modelos não ocupavam ainda o status de glamour e difusão que manifestam nos dias atuais. O público feminino buscava nas personagens dos filmes uma identificação ou uma transformação, e isso era delineado por sua postura e seus trajes.

    Você nunca se sentiu seduzida por alguma roupa que viu em um filme, e a procurou desesperadamente nas vitrines, ou tentou copiá-la de alguma forma?

    Quando penso num modelo de elegância (e a referência não precisa ser a mesma para você), imediatamente vejo, ainda no espreguiçar da manhã sobre a 5ª Avenida, um táxi parando em frente a Tiffany & Co, e dele descendo uma silhueta esguia, vestindo com elegância o clássico tubinho preto de tafetá de seda, grandes óculos escuros enfeitando-lhe o rosto delicado, muitas pérolas no pescoço, e nos pés o feminino salto alto. Sim, estou falando de Audrey Hepburn como Holly, no filme Bonequinha de Luxo, de 1961, dirigido por Blake Edwards, e do clássico vestido assinado por Givenchy, o qual passou a estabelecer uma parceria com Audrey. Ele já havia desenhado seu figurino em Sabrina, embora Edith Head (figurinista do filme) tenha recebido os créditos.

    Bonequinha de Luxo - vestidoAudrey Hepburn em Bonequinha de Luxo

    Não, não estou misturando as coisas! Claro que o tubinho preto foi criado em 1926 pela inovadora e instigante Coco Chanel. Iconizado desde então, vem apenas sofrendo adequações ao longo das gerações.

    Foi também na década de 1920, que atrizes como Louise Brooks e Joan Crawford difundiram a moda das melindrosas, com seus cabelos curtos (lisos ou ondulados), na altura das orelhas, a expressividade dos olhos destacada por um preto esfumaçado, e a liberdade dos movimentos permitida pelos vestidos retos e soltos. Este look inspirava-se na moda francesa, principalmente na de Chanel, e a primeira aparição, tanto da palavra quanto da imagem, aconteceu no filme mudo de 1920 The Flapper, expressão traduzida como “melindrosa”, estrelado por Olive Thomas e dirigido por Alan Crosland.

    well-dressed flapper

    As calças compridas, hoje usadas pelas mulheres ocidentais com tanta naturalidade, no filme Marrocos, de 1930, cobriam as lânguidas penas de Marlene Dietrich, a primeira mulher a usá-las publicamente. No entanto, foi em 1977 que Diane Keaton imprimiu uma irreverente feminilidade aos trajes a princípio masculinos, e mostrou a tendência unissex. Quem não se lembra da sua personagem vestindo calças largas, paletó, colete e gravata, em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa?

    marlene-dietrichMarlene Dietrich

    Diane KeatonDiane Keaton

    O vestido branco de organza, com cintura marcada e mangas em tufos, tornou-se também objeto de desejo do público feminino quando Joan Crawford o vestiu em A Redimida, de 1932. E os cabelos compridos, cacheados, adorados por tantas mulheres (e homens) da geração atual, com certeza deixaram sua marca, cobrindo os ombros de Rita Hayworth, cuja nudez era permitida pelo longo tomara-que-caia de cetim preto. O cenário? Um palco, onde um strip-tease é insinuado! O filme? Gilda.

    letty_lyntonJoan Crawford, em A Redimida

    gilda-luvasRita Hayworth, em Gilda

    Nos anos de 1950, foi uma explosão de loiras platinadas, de corpos esculturais, com referências também para quem quisesse aderir ao tipo elegante e ingênuo. E não há como falar em elegância sem citar Grace Kelly. Ela e Doris Day trouxeram esta imagem e marcaram as saias amplas com cintura marcada. A primeira, em Janela Indiscreta e a segunda em Ardida como Pimenta. As duas vestidas pela figurinista de tantas personagens, e detentora de oito premiações no Oscar por seu trabalho, Edith Head.

    Grace-Kelly-Rear-Window-03Grace Kelly em Janela Indiscreta

    As loiras! Ah, as loiras!

    Em Os Homem Preferem as Loiras, Marilyn Monroe influenciou a moda com seu vestido rosa, mas é no filme O Pecado Mora ao Lado, numa cena em que sua personagem passa sobre uma grade de ventilação, que o objeto de desejo de muitas garotas se transforma num vestido branco, plissado e de frente única. Então, o branco seduz de novo sobre as curvas da sedutora Elizabeth Taylor, em Gata em Teto de Zinco Quente.

    marilyn-monroe-o-pecado-mora-ao-ladoMarilyn Monroe

    liz taylor - paul newmanElisabeth Taylor e Paul Newman em Gata Em Teto de Zinco Quente

    Entre trajes mais ou menos formais, personalizando momentos mais sedutores ou mais ingênuos, não poderia esquecer aquele que se estabeleceu, de certa forma, como um grito de emancipação: E Deus Criou a Mulher! Sim, e deu-lhe curvas para que fossem reveladas, como o fez, na praia de Saint-Tropez, Brigitte Bardot, levando para as telas pela primeira vez, um biquíni. No entanto, vale lembrar que ele já havia sido criado em 1946, por Louis Réard.

    Bardot

    Brigitte Bardot em E Deus Criou a Mulher

    No final do século XX e início do XXI, tivemos ainda os vestidos de festa. Julia Roberts apareceu num longo vermelho em Uma Linda Mulher, e Jennifer Lopez apresentou um maravilhoso tomara-que-caia, em chifon salmon, no filme Encontro de Amor.

    Julia Roberts - Uma Linda MulherJulia Roberts e Richard Gere em Uma Linda Mulher

    Jennifer Lopez - Encontro de AMorJennifer Lopez em Encontro de Amor

    É importante lembrar que entre os figurinistas que atuam no universo cinematográfico, e os estilistas que criam moda associada à sua grife, existe uma diferença de função e objetivo, embora alguns destes (como Chanel e Givenchi) tenham vestido, diretamente, alguns personagens, e estabelecido parcerias com a estrela ou com o figurinista do filme. Mas há dois longa-metragem, mais recentes, que através do brilhante trabalho do figurinista, nos falam sobre a moda lançada pelos estilistas, expondo seus modelos e grifes.

    A norte-americana Patricia Field recebeu uma indicação ao Oscar, por seu trabalho em O Diabo Veste Prada, filme que nos conta a história de Anna Wintour, editora da revista de moda Vogue America. Com o nome de Miranda (editora da Runway), esta personagem, brilhantemente interpretada por Meryl Streep (indicação ao Oscar de Melhor Atriz), vestiu Donna Karan, Bill Blass e Valentino, entre outras grifes. Chanel, Calvin Klein e Dolce & Gabanna também estiveram presentes através de Andrea (Anne Hathaway, e embora o nome Prada marque o título, seus modelos aparecem apenas em um terno, uma bolsa e alguns sapatos).

    Diabo Veste Prada - Anne HathwayAnna Hathaway em O Diabo Veste Prada

    Em 2008, em Sex and the City, longa inspirado na série de televisão, Patricia Field desperta, mais uma vez, o desejo de copiar os modelos que desfilam ao longo da trama, cobrindo os corpos e definindo as personalidades interpretadas por Parker, Jones, York e Hobbes. Sob o olhar atento daqueles que não dispensam uma aula de moda, estão as criações de Dior, Chanel, Valentino (entre outros), e temos até Carrie vestindo um top do brasileiro Alexandre Herchcovitch.

    sex-and-the-city-filme

    O universo cinematográfico estendeu-se além das telas, e leva o glamour, clássico, inovador ou irreverente, a desfilar também pelo icônico “tapete vermelho”, na entrega do Oscar. Cinema e moda são dois assuntos inesgotáveis que se entrelaçam numa relação bidirecional! O tempo e o espaço são extremamente limitados para abranger o tema mais ampla e detalhadamente, mas ficam aqui alguns pontos que marcaram tendências de figurinos e comportamentos.

    Deixo para você uma reflexão: o quanto Coco Chanel estava certa quando disse que “uma mulher precisa de apenas duas coisas na vida: um vestido preto e um homem que a ame”!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Saint Laurent

    Crítica | Saint Laurent

    SaintLaurent_poster

    É possível sentir o cheiro dos bastidores de um teatro, de um camarim, da sala dos objetos de cena, do estoque de cheiros concentrados e misturados, assistindo este filme. Aqui, tudo parece ter cheiro, gosto, tamanha a fidelidade e realismo do charme de uma época tão bem reconstruída, tal cena de crime, todavia, e como dificilmente deixaria de ser, com uma grande liberdade ao estigma de ficção, para que o amor possa à arte, assim, integrar a obra e vida do estilista título; figura corrompida pela própria visão de mundo que ostentava, e que o filme usa em sua identidade visual, feito manifesto inter-contextual que se orgulha de ser, em resumo.

    Um fashion film autêntico, de cabo a rabo, aberto a quem não entende ou codifica o universo dos tecidos, produzido a algo mais do que impressionar aqueles que saem de casa com a primeira camisa à vista, mas não indo muito além que denunciar as “traças” que se escondem debaixo dos panos, sem cinismo ou crítica irônica, afinal, descer do salto não é o caminho. Um trem de carga leve em trilhos de porcelana: um milímetro pra fora e tudo se espatifa em louça branca. Saint Laurent, a cinebiografia, é Cinema frágil e que tenta achar um sentido mais profundo no próprio visual, a despeito de ser uma tentativa abaixo da capacidade de quem comanda o desfile.

    O esforço por colocar um coração no robô aponta semelhança com outras biografias recentes, cada uma com seu tema, é claro: A Dama de Ferro, Sete Dias Com Marilyn, Jobs, Getúlio, Versos de Um Crime, projetos incompletos que buscam no poder de suas atuações principais um gancho e uma âncora para o que nós podemos chamar de “inesquecível”. Pura falácia desonesta, injusta e, portanto, incompleta. É por não ser assim que A Rede Social, de David Fincher, merece ser um parâmetro bem-vindo e expandido a partir de suas qualidades.

    É inusitado notar como Saint Laurent, filme logo adotado nas palavras de André Bazin, antigo e famoso crítico de cinema, tem seus tímidos arcos de história de segundo plano gravitando ao redor da concepção ambulante que é o estilista, mais homem que artista, num desequilíbrio proposital de roteiro e narrativa, na pele de um inquieto Gaspard Ulliel, bom ator, empolgado e que esconde nos olhos a ânsia de ser tão grande quanto sua moda o denuncia ser. Tudo parece tão teatral, casinha de boneca, cinema britânico de tão certinho que o conjunto é, mas ainda assim, pulsante graças a um equipo à base de soro convencional. Dosagem excessiva de eficientes atuações, novamente dando o tom sensorial na projeção.

    É belo como um plano pode ser o clímax de um filme: o criador admirando sua criatura no topo da escada, ai se esconde a sutileza, o valor, o prestígio de um filme como esse, dedicado a galgar os próprios detalhes, feito a manga abotoada de uma camisa sob um terno na altura do pulso. E é chato, contudo, como o que poderia ser mais explícito acaba sendo uma gravata escondida; escondida à promessa de mais camadas de luz a favor do marco que o filme poderia ser, não apenas “mais um”, o que não reflete a posição de destaque de quem transformou a indústria da moda.

    E com a palavra, André Bazin, que por sua vez revolucionou a crítica de cinema: “É uma tarefa ingrata, mas também a única chance do Cinema, a de tentar agradar um público vasto. Ao passo que todas as artes evoluíram desde o Renascimento para fórmulas reservadas a uma minguada elite privilegiada, o Cinema é coisa destinada às massas do mundo inteiro. Portanto, toda pesquisa estética fundada numa restrição de seu público é, acima de tudo, um erro histórico fadado ao fracasso. Um beco sem saída“.