Tag: Bertrand Bonello

  • Crítica | Nocturama

    Crítica | Nocturama

    nocturama

    O novo filme de Bertrand Bonello – diretor de Saint Laurent – começa com uma tomada aérea, muito bonita visualmente mas que na prática, pouco acrescenta a história e a qualquer outra discussão. Esta primeira sequência é simbólica quando se trata da análise de Nocturama, uma vez que toda a trama mostra no longa envolve uma fotografia muito bela, cenários suntuosos, ambientes gourmetizados, jovens muito bonitos e uma burguesia pseudo-revolucionária que não aparenta ter qualquer consciência de classe, sobrando apenas a vontade de destruir o status quo sem um embasamento mínimo.

    O cineasta retoma o visual deslumbrante típico de sua filmografia, artigo esse que enriquece seu filme ainda que tente servir de despiste para os defeitos textuais do mesmo e claro a falta de conteúdo de discussão. Os ataques terroristas impingidos pelos jovens são registrados por uma câmera que poetiza cada ação e que romantiza isso, mas não faz qualquer julgamento do mérito ou da razão dos alvos e de quem ataca.

    Há uma tentativa de apelar para a ironia de mostrar meninos fúteis e amantes de músicas eletrônicas tentando destruir o conservadorismo urbano e europeu, a questão é que não há qualquer pensamento que meramente chegue ao ponto de se tornar uma substituição para as questões a serem destruídas. O consumismo que deveria ser derrubado é o mesmo que habita o ideário dos que causam algazarra, para ao final, aparentar ser somente mais um produto que louva a rebeldia sem causa e que acaba por banalizar as revoltas que tem uma base e pensamento político sólido.

    Nocturama é um retrato do terrorismo à moda burguesa, tentando ser um conto moderno sobre o que havia ocorrido na França durante a revolução do século XVIII, mas sem qualquer brilhantismo mínimo tanto ideológico quanto em qualidade de argumento. A inteligência dentro de seu texto mora em alguns poucos paralelos com o modo amedrontado com que a mídia retrata os perigosos infratores, quando na verdade são meninos inofensivos e fáceis de desarmar, assim como o deboche com algumas instituições justiceiras, mas ainda assim é muito pouco, em especial por essa história ocorrer em uma capital em que frequentemente ocorre esse tipo de destruição de vida, patrimônio e moral.

  • Crítica | Saint Laurent

    Crítica | Saint Laurent

    SaintLaurent_poster

    É possível sentir o cheiro dos bastidores de um teatro, de um camarim, da sala dos objetos de cena, do estoque de cheiros concentrados e misturados, assistindo este filme. Aqui, tudo parece ter cheiro, gosto, tamanha a fidelidade e realismo do charme de uma época tão bem reconstruída, tal cena de crime, todavia, e como dificilmente deixaria de ser, com uma grande liberdade ao estigma de ficção, para que o amor possa à arte, assim, integrar a obra e vida do estilista título; figura corrompida pela própria visão de mundo que ostentava, e que o filme usa em sua identidade visual, feito manifesto inter-contextual que se orgulha de ser, em resumo.

    Um fashion film autêntico, de cabo a rabo, aberto a quem não entende ou codifica o universo dos tecidos, produzido a algo mais do que impressionar aqueles que saem de casa com a primeira camisa à vista, mas não indo muito além que denunciar as “traças” que se escondem debaixo dos panos, sem cinismo ou crítica irônica, afinal, descer do salto não é o caminho. Um trem de carga leve em trilhos de porcelana: um milímetro pra fora e tudo se espatifa em louça branca. Saint Laurent, a cinebiografia, é Cinema frágil e que tenta achar um sentido mais profundo no próprio visual, a despeito de ser uma tentativa abaixo da capacidade de quem comanda o desfile.

    O esforço por colocar um coração no robô aponta semelhança com outras biografias recentes, cada uma com seu tema, é claro: A Dama de Ferro, Sete Dias Com Marilyn, Jobs, Getúlio, Versos de Um Crime, projetos incompletos que buscam no poder de suas atuações principais um gancho e uma âncora para o que nós podemos chamar de “inesquecível”. Pura falácia desonesta, injusta e, portanto, incompleta. É por não ser assim que A Rede Social, de David Fincher, merece ser um parâmetro bem-vindo e expandido a partir de suas qualidades.

    É inusitado notar como Saint Laurent, filme logo adotado nas palavras de André Bazin, antigo e famoso crítico de cinema, tem seus tímidos arcos de história de segundo plano gravitando ao redor da concepção ambulante que é o estilista, mais homem que artista, num desequilíbrio proposital de roteiro e narrativa, na pele de um inquieto Gaspard Ulliel, bom ator, empolgado e que esconde nos olhos a ânsia de ser tão grande quanto sua moda o denuncia ser. Tudo parece tão teatral, casinha de boneca, cinema britânico de tão certinho que o conjunto é, mas ainda assim, pulsante graças a um equipo à base de soro convencional. Dosagem excessiva de eficientes atuações, novamente dando o tom sensorial na projeção.

    É belo como um plano pode ser o clímax de um filme: o criador admirando sua criatura no topo da escada, ai se esconde a sutileza, o valor, o prestígio de um filme como esse, dedicado a galgar os próprios detalhes, feito a manga abotoada de uma camisa sob um terno na altura do pulso. E é chato, contudo, como o que poderia ser mais explícito acaba sendo uma gravata escondida; escondida à promessa de mais camadas de luz a favor do marco que o filme poderia ser, não apenas “mais um”, o que não reflete a posição de destaque de quem transformou a indústria da moda.

    E com a palavra, André Bazin, que por sua vez revolucionou a crítica de cinema: “É uma tarefa ingrata, mas também a única chance do Cinema, a de tentar agradar um público vasto. Ao passo que todas as artes evoluíram desde o Renascimento para fórmulas reservadas a uma minguada elite privilegiada, o Cinema é coisa destinada às massas do mundo inteiro. Portanto, toda pesquisa estética fundada numa restrição de seu público é, acima de tudo, um erro histórico fadado ao fracasso. Um beco sem saída“.

  • Crítica | Crítico

    Crítica | Crítico

    Crítico 1

    Trabalhando com o equilíbrio entre a análise fílmica e a superestimação da opinião própria e alheia, Kléber Mendonça Filho – crítico e cineasta – usa argumentos metafóricos, imagens essencialmente pautadas no estudo da visão, para fomentar as falas dos depoimentos colhidos, entre estrangeiros e brasileiros. Escrutinar o apreço à arte e ao mensuramento da qualidade dos objetos analisados é uma árdua tarefa, além de ter em seu exercício a tendência de supervalorização, tanto do trabalho do realizador cinematográfico quanto da relevância que uma resenha tem, sendo associada comumente – e quase sempre erradamente – à prática de uma arte por si só.

    A busca por isolar o gosto ou expectativas da experiência em assistir a um filme é custosa: quase sempre esbarra em falas que podem ser interpretadas como azedas, amargas ou ressentidas, mas que, a priori, somente buscam elucubrar sobre algo óbvio aos olhos analíticos. Numa das entrevistas, João Moreira Salles argumenta que o papel do crítico é refém dos filmes por ele analisado, e que se o cenário artístico for completo somente por espécimes medíocres, de nada adiantaria todos os seus esforços.

    Por mais que teoricamente o papel do resenhista seja o de se eximir de seus próprios gostos pessoais, o ofício do julgamento é volátil, pois a quantidade de conhecimento que se adquire com o decorrer de seus dias muda constantemente o seu ideário e repertório. Pode-se, no ato de atribuir notas à obra analisada, cometer injustiças, já que, em pouco tempo, tudo poderia mudar, especialmente em quantas estrelas a película poderia merecer.

    Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga destaca que, uma vez o filme lançado, é preciso ter noção de que o produto será analisado e sofrerá ameaças à qualidade da produção, e que é preciso ter elegância para aceitar as falas ruins, pois isto faz parte do jogo. Já Bianchi não tem uma certeza sobre qual o ideal na crítica, se é somente informar as pessoas ou também reinterpretar artisticamente a obra avalizada.

    O modo como Mendonça conduz a câmera visa mostrar a dualidade, não só entre a necessidade e  a supervalorização da “crítica”, mas também a importância do diálogo entre o cineasta e o crítico. A fala de Walter Salles sobre isso é pródiga, destacando a Carrieri du Cinema, onde dois escritores teorizavam sobre o que deveria ser a Novelle Vague e dali começaram a praticar o que seria um movimento imortal do cinema, além de incitar dois dos realizadores mais marcantes da indústria e da arte – Truffaut e Godard. Os ecos disso seguem até hoje, com relatos de cineastas contemporâneos, como Bertrand Bonello e tantos outros.

    Os depoimentos dos artistas do cinema também são interessantes por exibirem uma passionalidade ímpar, desde os diretores que não conseguem ler todo o texto – como com Babenco – até os obsessivos, que não conseguem parar de ler, mesmo quando lhes dói, a exemplo de Bruno Barreto. Há também uma parcela de astros que execram alguns dos estilos, como a erudição desmedida e uma subjetividade que não é necessária.

    Outro argumento rebatido – especialmente por Daniel Burman e Fernando Meirelles – é o do “filme ideal”, onde o analisador, munido de seu conhecimento prévio e de uma expectativa preconcebida do que deveria ser a fita exibida, começa a apontar os momentos que deveriam mudar, as sequências de quadro e montagem editorial do produto, para que tornasse, dessa forma, uma obra perfeita. A frivolidade de tencionar que algo siga a escola preferida do observador somente revela uma pretensão de proporções dantescas.

    Crítico faz justiça também ao exibir os reclames dos comunicólogos, que não aceitam de bom grado algumas das demandas da indústria. Luiz Zanim destaca uma experiência que teve em Cannes, ao cobrir o evento para um jornal. Ao chegar em terras francesas, ele teria uma bateria de entrevistas com diretores e produtores e as quais jamais havia marcado. Ao retornar ao Brasil, recebeu uma correspondência pedindo que ele redigisse uma carta bilíngue com as desculpas por não ter feito todo o conteúdo programado pela representante dos filmes que não a da pauta do jornal. Zanim obviamente não o fez, fortalecendo a fala de que, para a indústria, o ideal é que o crítico se torne um assessor de seus filmes, que somente propague releases e informações, como se fizesse parte do seu jogo comercial.

    A reflexão causada pelo roteiro passa por diversos trabalhadores da indústria e pelos olhos e falas de artistas cooptados nos oito anos usados para que o filme de Mendonça fosse rodado. O estudo trata basicamente de sentimentos e sensações, conseguindo inserir muita informação num período de tempo curtíssimo  pouco mais de uma hora , e que, ao mesmo tempo que exaure seu receptor com as variações de fala e com a câmera tão próxima de seus entrevistados, exibe, a partir desse viés, uma forçada intimidade, quase desnudando os que depõem, obrigando a quem termina de assistir a Crítico a ter uma reflexão, especialmente sobre a adjetivação de obras pertencentes ao público.