Tag: Claudio Assis

  • Crítica | Piedade

    Crítica | Piedade

    Claudio Assis é um diretor brasileiro muito elogiado, suas obras O Baixio das Bestas, Amarelo Manga e Febre do Rato são louvadas, e até mesmo seus filmes não tão potentes, como Big Jato, tem motivos para serem apreciados.

    Piedade começa silencioso, com o personagem de Matheus Nachtergaele sozinho, em casa, e logo mostra alguns estranhos vídeos à beira-mar, vindo da cidade que dá nome ao filme. Assis localiza sua câmera em lugares obtusos, busca ângulos incomuns que miram registrar sensações diferenciadas de seus personagens. Talvez de maneira inconscientes, essa forma mais “diferente” de registro tente compensar a clara dificuldade do filme em desenvolver seus personagens que se valem de frases de efeitos e atitudes enérgicas para se impor em tela.

    Piedade é alvo de desejos de grandes corporações e os moradores parecem não querer sair dali. Isso faz com que o filme tenha algumas semelhanças narrativas com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, embora sua abordagem não tenha nem de longe a mesma urgência. O cenário onde vive Sandro (Cauã Reymond), serve para exibir toda sorte de arte que ajudou a inspirar Assis. O complexo de cinema antigo misturado com casa de tolerância é sua chance de exibir um sem número de pôsteres de filmes antigos, e inclusive, em alguns deles o auto-referenciam, soando pretensiosa e bastante pedante. Para piorar aspectos que deveriam parecer comuns são registrados de modo artificial, o sexo é plastificado, e nem a tentativa de crítica a utilização do sexo comercial às escuras justifica a péssima construção visual e dramatúrgica. O casamento dos dois aspectos citados além de não combinar, faz se perguntar se as intenções do roteiro é o moralismo barato.

    Piedade tem muitos momentos contemplativos e expressionistas, com grande parte das cenas belíssimas, mas o roteiro simplesmente não acompanha o apuro visual, soando na maior parte do tempo frívolo. O resultado final é de uma versão aquém do cinema de Assis, graças também ao ritmo enfadonho e as críticas sociais que não passam da barreira do óbvio.

  • Crítica | Big Jato

    Crítica | Big Jato

    Big Jato

    Localizado em Peixe de Pedra, cidade fictícia do interior de Pernambuco, Big Jato é a nova empreitada de Claudio Assis, após quatro anos de seu último e elogiado filme Febre do Rato. O longa, que estreou em 2015 ainda no Festival de Brasília, conta a história baseada no livro homônimo de Xico Sá e adaptada, mais uma vez, por Hilton Lacerda (diretor de Tatuagem), antigo colaborador de Assis. A história é focada no menino Chico (Rafael Nicácio), rapaz jovem que tem pretensões de ser poeta ao lado de duas figuras mentoras, seu pai Francisco, chamado de velho por seus hábitos turrões, e seu tio Nelson, um bon vivant nato, ambos vividos por Matheus Nachtergaele.

    A câmera de Assis emula a trajetória do caminhão, trêmula como o balanço do veículo a percorrer as estradas maltrapilhas e sem asfalto do interior. O amor do menino por esse tipo de vida contradiz de certa forma seus sonhos de arte, já que representa um estilo de vida mais bruto, semelhante ao trabalho de seu pai, um desentupidor de fossas, com as quais se habitua a viver em meio ao forte cheiro. Além disso, referencia o tempo todo a poesia que habita o ideal de Chico por meio da participação de Jards Macalé, que interpreta o viajante Príncipe.

    O argumento brinca de referenciar opostos, mostrando o trabalho como caminhoneiro em oposição à divulgação da arte pelo Nelson e contrapondo o trabalho do esgoto e a máquina de escrever do filho, que representa o viver do artista e o asco do patriarca pelo estilo de vida bonachão. Entre o trabalho braçal e o amor pela boemia em paralelo, as duas características representam a alma tipicamente brasileira, que carrega uma liturgia religiosa e conservadora, ao mesmo tempo que dá vazão ao comportamento despreocupado como resposta para o stress diário de uma rotina em busca de dinheiro.

    A filmografia de Assis brinca com a imagética, e Big Jato não é exceção, apresentando dois lados distintos até mesmo dentro da casa do clã principal. Enquanto o velho Francisco realiza o trabalho braçal no esgoto, sua esposa, vivida por Marcela Cartaxo, vende perfumes, mostrando um choque de ideais em seu seio familiar. A intriga está no cerne do pensamento do protagonista e biografado, inclusive pela diversidade de modos, maneiras, sexualidade e vocações entre os seus irmãos.

    Há uma rejeição ao nome e a filmografia do diretor, graças especialmente às polêmicas em que se meteu, principalmente em 2015, no incidente em que ofendeu Anna Muylaert, diretora de Que Horas Ela Volta?. No entanto, a exemplo de Amarelo Manga, este longa não possui as falhas de caráter de seu realizador, ao contrário, transparece sim uma tocante sensibilidade, que consegue poetizar temas pragmáticos como a economia moderna em colapso, trazendo, através de lirismo, uma trajetória bela e prosaica.

    Big Jato habita o mesmo limbo dos filmes anteriores de Claudio Assis, reunindo a contemplação típica do novo cinema pernambucano, representando a cena de seu estado por meio de uma mistura entre ardor verborrágico e fantasia moderada, arte e vida simples do trabalhador ordeiro. Obra que trata de maneira interessante o ideário de Sá através de poemas, trovas e versos.

  • Crítica | Crítico

    Crítica | Crítico

    Crítico 1

    Trabalhando com o equilíbrio entre a análise fílmica e a superestimação da opinião própria e alheia, Kléber Mendonça Filho – crítico e cineasta – usa argumentos metafóricos, imagens essencialmente pautadas no estudo da visão, para fomentar as falas dos depoimentos colhidos, entre estrangeiros e brasileiros. Escrutinar o apreço à arte e ao mensuramento da qualidade dos objetos analisados é uma árdua tarefa, além de ter em seu exercício a tendência de supervalorização, tanto do trabalho do realizador cinematográfico quanto da relevância que uma resenha tem, sendo associada comumente – e quase sempre erradamente – à prática de uma arte por si só.

    A busca por isolar o gosto ou expectativas da experiência em assistir a um filme é custosa: quase sempre esbarra em falas que podem ser interpretadas como azedas, amargas ou ressentidas, mas que, a priori, somente buscam elucubrar sobre algo óbvio aos olhos analíticos. Numa das entrevistas, João Moreira Salles argumenta que o papel do crítico é refém dos filmes por ele analisado, e que se o cenário artístico for completo somente por espécimes medíocres, de nada adiantaria todos os seus esforços.

    Por mais que teoricamente o papel do resenhista seja o de se eximir de seus próprios gostos pessoais, o ofício do julgamento é volátil, pois a quantidade de conhecimento que se adquire com o decorrer de seus dias muda constantemente o seu ideário e repertório. Pode-se, no ato de atribuir notas à obra analisada, cometer injustiças, já que, em pouco tempo, tudo poderia mudar, especialmente em quantas estrelas a película poderia merecer.

    Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga destaca que, uma vez o filme lançado, é preciso ter noção de que o produto será analisado e sofrerá ameaças à qualidade da produção, e que é preciso ter elegância para aceitar as falas ruins, pois isto faz parte do jogo. Já Bianchi não tem uma certeza sobre qual o ideal na crítica, se é somente informar as pessoas ou também reinterpretar artisticamente a obra avalizada.

    O modo como Mendonça conduz a câmera visa mostrar a dualidade, não só entre a necessidade e  a supervalorização da “crítica”, mas também a importância do diálogo entre o cineasta e o crítico. A fala de Walter Salles sobre isso é pródiga, destacando a Carrieri du Cinema, onde dois escritores teorizavam sobre o que deveria ser a Novelle Vague e dali começaram a praticar o que seria um movimento imortal do cinema, além de incitar dois dos realizadores mais marcantes da indústria e da arte – Truffaut e Godard. Os ecos disso seguem até hoje, com relatos de cineastas contemporâneos, como Bertrand Bonello e tantos outros.

    Os depoimentos dos artistas do cinema também são interessantes por exibirem uma passionalidade ímpar, desde os diretores que não conseguem ler todo o texto – como com Babenco – até os obsessivos, que não conseguem parar de ler, mesmo quando lhes dói, a exemplo de Bruno Barreto. Há também uma parcela de astros que execram alguns dos estilos, como a erudição desmedida e uma subjetividade que não é necessária.

    Outro argumento rebatido – especialmente por Daniel Burman e Fernando Meirelles – é o do “filme ideal”, onde o analisador, munido de seu conhecimento prévio e de uma expectativa preconcebida do que deveria ser a fita exibida, começa a apontar os momentos que deveriam mudar, as sequências de quadro e montagem editorial do produto, para que tornasse, dessa forma, uma obra perfeita. A frivolidade de tencionar que algo siga a escola preferida do observador somente revela uma pretensão de proporções dantescas.

    Crítico faz justiça também ao exibir os reclames dos comunicólogos, que não aceitam de bom grado algumas das demandas da indústria. Luiz Zanim destaca uma experiência que teve em Cannes, ao cobrir o evento para um jornal. Ao chegar em terras francesas, ele teria uma bateria de entrevistas com diretores e produtores e as quais jamais havia marcado. Ao retornar ao Brasil, recebeu uma correspondência pedindo que ele redigisse uma carta bilíngue com as desculpas por não ter feito todo o conteúdo programado pela representante dos filmes que não a da pauta do jornal. Zanim obviamente não o fez, fortalecendo a fala de que, para a indústria, o ideal é que o crítico se torne um assessor de seus filmes, que somente propague releases e informações, como se fizesse parte do seu jogo comercial.

    A reflexão causada pelo roteiro passa por diversos trabalhadores da indústria e pelos olhos e falas de artistas cooptados nos oito anos usados para que o filme de Mendonça fosse rodado. O estudo trata basicamente de sentimentos e sensações, conseguindo inserir muita informação num período de tempo curtíssimo  pouco mais de uma hora , e que, ao mesmo tempo que exaure seu receptor com as variações de fala e com a câmera tão próxima de seus entrevistados, exibe, a partir desse viés, uma forçada intimidade, quase desnudando os que depõem, obrigando a quem termina de assistir a Crítico a ter uma reflexão, especialmente sobre a adjetivação de obras pertencentes ao público.