Tag: Cauã Reymond

  • Crítica | Piedade

    Crítica | Piedade

    Claudio Assis é um diretor brasileiro muito elogiado, suas obras O Baixio das Bestas, Amarelo Manga e Febre do Rato são louvadas, e até mesmo seus filmes não tão potentes, como Big Jato, tem motivos para serem apreciados.

    Piedade começa silencioso, com o personagem de Matheus Nachtergaele sozinho, em casa, e logo mostra alguns estranhos vídeos à beira-mar, vindo da cidade que dá nome ao filme. Assis localiza sua câmera em lugares obtusos, busca ângulos incomuns que miram registrar sensações diferenciadas de seus personagens. Talvez de maneira inconscientes, essa forma mais “diferente” de registro tente compensar a clara dificuldade do filme em desenvolver seus personagens que se valem de frases de efeitos e atitudes enérgicas para se impor em tela.

    Piedade é alvo de desejos de grandes corporações e os moradores parecem não querer sair dali. Isso faz com que o filme tenha algumas semelhanças narrativas com Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, embora sua abordagem não tenha nem de longe a mesma urgência. O cenário onde vive Sandro (Cauã Reymond), serve para exibir toda sorte de arte que ajudou a inspirar Assis. O complexo de cinema antigo misturado com casa de tolerância é sua chance de exibir um sem número de pôsteres de filmes antigos, e inclusive, em alguns deles o auto-referenciam, soando pretensiosa e bastante pedante. Para piorar aspectos que deveriam parecer comuns são registrados de modo artificial, o sexo é plastificado, e nem a tentativa de crítica a utilização do sexo comercial às escuras justifica a péssima construção visual e dramatúrgica. O casamento dos dois aspectos citados além de não combinar, faz se perguntar se as intenções do roteiro é o moralismo barato.

    Piedade tem muitos momentos contemplativos e expressionistas, com grande parte das cenas belíssimas, mas o roteiro simplesmente não acompanha o apuro visual, soando na maior parte do tempo frívolo. O resultado final é de uma versão aquém do cinema de Assis, graças também ao ritmo enfadonho e as críticas sociais que não passam da barreira do óbvio.

  • Crítica | Uma Quase Dupla

    Crítica | Uma Quase Dupla

    Longa de Marcus Baldini, Uma Quase Dupla é um filme protagonizado por Tatá Werneck e Cauã Reymond, e busca emular um cinema de gênero policial, misturando com elementos de comédia, semelhante em partes com o que Ritmo de Aventura, de Roberto Farias, fazia com os filmes de super espião de James Bond.  Baldini, que ficou conhecido demais por Bruna Surfistinha e Os Homens São de Marte e é Pra lá Que eu Vou, consegue trazer um filme que foge de estereótipos.

    Werneck faz uma policial competente do Rio de Janeiro chamada Keyla, ela é designada para tentar resolver os problemas graves que a pequena cidade Joinlândia está tendo. O vilarejo é acometido de alguns assassinatos estranhos, típicos de um serial killer e a moça passa a trabalhar com Claudio (Reymond), um jovem filhinho de mamãe que segue a profissão de seu falecido pai, e ambos recebem ordens de Moacyr, o delegado vivido por Ary França. Boa parte das  brincadeiras mora nas diferenças físicas entre Claudio e Keyla, e claro, na tensão sexual entre os dois.

    A graça presente no longa depende basicamente do desempenho de Weneck, que prima por um humor físico muito intenso. Ela se joga no chão, faz cambalhotas, se esgueira por muros e age como uma policial astuta de seriados como CSI, Law and Order ou NY Contra o Crime, mesmo sem ter qualquer gestual que meramente se assemelhe a isso. Além de todo esse comportamento corporal, ela também usa de muita verborragia, o que algumas vezes funciona, outras não.

    O restante do elenco parece de fato ser interiorano e parte da comunidade de Joinlândia, não só Reymond, mas também Daniel Furlan, que faz um sujeito engraçado e muito baixo. França faz um delegado surtado, muito realista e sempre nervoso com seus subordinados. A direção de arte de Rita Faustini também é muito bem trabalhada, com uma construção de aura de cidade pequena que faz tudo parecer mais crível toda a falação em torno do local.

    Apesar de apelar para alguns clichês e de ter um mistério meio óbvio de se resolver, Uma Quase Dupla é bastante engraçado e não faz o espectador de burro ao apelar pra frases feitas ou bordões típicos de comédias insossas. Dependendo da renda que tiver poderá se tornar uma franquia com Tatá, que certamente ajudará a comediante a se tornar uma estrela de cinema, como já se tornou na televisão.

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  • Crítica | À Deriva

    Crítica | À Deriva

    No terceiro filme de Heitor Dhalia, logo após o corajoso e particular Nina, e a aclamada adaptação dos quadrinhos de Lourenço Mutarelli, O Cheiro do Ralo, o diretor escancara sem receio algum sua relação um tanto vaidosa com o espaço, propriamente dito. Veja-se: Inúmeros cineastas se tornam íntimos da ambientação que propõem como se ela explanasse, antes das histórias, algo deles(as) mesmos, visto que esse não é um capricho existencial dos senhores e senhoras das câmeras, já que o poder da ambientação cinemática bebe muito das fontes teatrais mais antigas, pulsantes e jamais datadas. O Cinema, arte menina por ainda manter sua juventude praticamente intacta na celuloide, ou no frame digital, é um vórtice de influências, fato este que Dhalia como todo cineasta que se preze sabe muito bem.

    Especificando: A forma como o corpo dos indivíduos submetidos a sua visão mais psiquiátrica e analítica se relacionam com os espaços, geralmente enclausurados e que vem a moldar o cosmos interior dos seres, habitualmente urbanos também, é a tônica da filmografia inteira até agora de Dhalia. Com À Deriva, escrito em parceria com Vera Egito, filme gostoso e sereno a ponto de achar-se lenitivo até aos males da perturbada protagonista de sua primeira ficção na telona, isso dramaturgicamente não vale como exceção em momento algum, em absoluto. O próprio título do filme incorpora a alma tanto da premissa quanto da abordagem da fita, tentando talvez atingir o patamar de ‘um filme completo nas intenções’, algo bastante raro devido as dificuldades de qualquer produção.

    Se Nina e O Cheiro do Ralo evidenciam criaturas ancoradas no próprio pesar das suas existências humanas taciturnas e aviltantes, como se a escravidão por ser quem são e que carregam consigo no cortejo urbano desses corpos seja mórbida demais para os tais mortos encarnados que enquadrou, até 2009, nós encontramos pela primeira vez na obra do cineasta personagens verdadeiramente flutuando ao sabor do mercado das almas terrestres, numa leveza até mesmo possivelmente poética, em certos instantes. Em certas potencialidades dramáticas que podem serpentar entre os rumos de uma família branca, de classe média, feliz e contente, em férias furtivas num Rio de Janeiro quase paradisíaco, como retratado.

    Uma célula praticamente inquebrável e sem motivos a tanto, começa então a rachar pela traição que o pai deflagra a matriarca. Um ímpeto, como num romance moderno de Ian McEwan, flagrado então pela filha deles em meio ao turbilhão hormonal da mesma, na típica passagem da adolescência para a chamada “adultescência”, que enfrenta. No mínimo curioso poder-se usar a palavra “típico” quando estamos nos referindo a uma obra de Dhalia, mas aqui o termo cai ironicamente como uma luva, e numa progressão digamos bastante crescente quanto a isso, criando dimensões sensíveis na maioria das cenas, junto a situações de fato gostosas a percepção de quem se propõe a investigar uma família além das cortinas. Além das fechaduras.

    A família, então, passa a não saber mais para aonde ir durante e após essas férias frustradas. Aonde chegará, à medida que todos os seus segredos são expostos. Começa então a desmoronar, feito castelo na areia atingido pela maré que avança. A paisagem litorânea e extremamente tropical começa, na metade do filme, a surtir um bacana (e convenhamos, esperto) elemento irônico na trama de reviravoltas, como se a beleza de uma praia brasileira fizesse parte, a partir de certo ponto, do charme farsesco de comercial de margarina na mesa da cozinha que a família tradicional brasileira, moralíssima, passa a não conseguir manter mais diante de situações subversivas, e de toda uma normalidade prévia que um seio familiar ostenta – por pouco tempo, aqui, afinal, esse ainda é um filme do diretor de O Cheiro do Ralo.

    Nisso, o universo de caos, incômodos e letargia de Dhalia é desenvolvido através do olhar cada vez mais desconfiado da testemunha do adultério, a jovem Filipa (Laura Neiva, atuando no mesmo nível da boa atuação coletiva aqui presente). Repleto dos arranjos mais pesados e mais dramáticos do realizador, essa perspectiva autoral começa, pouco a pouco, a assaltar a história e nela infiltrar-se, sorrateira, tal a bela da tarde efêmera e desestabilizadora, e tudo aquilo que veio antes na história conturbada de uma família igual a tantas outras. À Deriva é a ascensão mais do que válida a uma maturidade observatória de Dhalia que, nisso, reconhece também que, na sua visão, o peso de certos temas e a leveza inicialmente ambientada, já comentadas acima, pode sim coexistir tranquilamente bem, ambas enriquecidas assim por uma simples panorâmica à beira-mar, por exemplo, enquanto pai e filha se abraçam buscando uma provável redenção mútua no que cabe a existência desse belo drama nacional. Porventura o melhor de seu realizador.

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  • Crítica | Não Devore Meu Coração

    Crítica | Não Devore Meu Coração

    Exibido em festivais internacionais, como o Festival de Berlim, Não Devore Meu Coração resgata a história trágica envolvendo a Guerra do Paraguai, mostrando a frente entre o Brasil e seu vizinho, as margens do Rio Apa. A história se foca em dois irmãos, o menino Joca (Eduardo Macedo) e seu irmão mais velho Fernando (Cauã Reymond), o mais novo é um garoto que é apaixonado por uma garota indígena estrangeira, Basano La Tatuada (Adeli Benitez), e o mais velho um motoqueiro envolvido em corridas clandestinas, e parte de um grupo que parece ter negócios escusos.

    O roteiro que o diretor Felipe Bragança escreveu é inspirado em contos de Joca Reiners Terron (Não Há Nada Lá). Esse aliás é seu primeiro longa solo, pois já havia dirigido A Alegria e A Fuga da Mulher Gorila, com outros parceiros. Do conto, há a lembrança sobre as mortes dos índios durante o conflito histórico e ao longo dos anos, mostrando aquela zona entre Mato Grosso do Sul e as terras paraguaias como uma ex-zona de guerra histórica, que mesmo com o passar dos tempos, ainda carrega uma forte carga de ressentimento e de senso de justiça jamais justificado.

    Talvez o maior senão do longa seja o fato da historia bifurcar entre os dois irmãos. O romance entre os infantes e o crescimento do pequeno Joca não passam nem perto de ser tão tensas quanto a história de perdas, roubos e mortes que Fernando sofre. A sensação de não pertencimento a um lugar e a uma família é uma trama que, apesar de apelar para alguns clichês como Complexo de Édipo e não aceitação das gerações anteriores, ainda assim esse drama é bem desenvolvido, ao contrário do desinteresse total que é apresentado com o caçula.

    O final mostra um personagem confuso, que cede as pressões sempre o cercaram, deixando seu ódio e sentimentos torpes prevalecerem sobre sua honra e sobre o nome de sua família, sendo que essa última, para si, claramente não tinha qualquer brilho ou importância real, uma vez que sempre impingiu a ele desprezo, obviamente tendo isso retribuído já na vida adulta. De inteligente, ao menos há um fio de esperança sobre as gerações futuras, que parecem ter selado a paz nos momentos finais, para um conflito antigo que parecia jamais ter possibilidade de ter um fim. A tentativa de tornar a trama em algo espiritual também só funciona em um dos núcleos do filme, mas ainda assim Não Devore Meu Coração tem mais momentos positivos do que enfadonhos, conseguindo driblar algumas escolhas de mau gosto que tornaram filmes recentes como Motorrad em objeto de riso, trazendo elementos reflexivos profundos, apesar de tudo.

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  • Crítica | Reza a Lenda

    Crítica | Reza a Lenda

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    A estreia de Homero Olivetto como diretor é bastante curiosa. Seu background é como roteirista, e sua obra mais conhecida anteriormente era Bruna Surfistinha, de Marcus Baldini. Reza A Lenda tem uma ligação extrema com o filme já citado, não em temática, mas em produção, já que Baldini é um dos produtores do longa-metragem. A comparação mais justa é com o recente Dois Coelhos, de Afonso Poyart, no sentido de tentar emular uma estética pouca vista no cinema nacional e utilizada sem restrições no cinemão comercial. O roteiro de Olivetto, Patrícia Andrade e Newton Canitto explora o estigma de uma terra sem lei, onde há uma temível luta por sobrevivência por parte de um grupo de jovens que busca trazer a chuva para as áridas paisagens do nordeste interiorano brasileiro. Segundo o mentor e líder Pai Nosso (Nanego Lira), baseado em profecias antigas, as torrentes de água só viriam por meio de um milagre, de uma santa localizada em um ponto desconhecido, sabido somente por um mago do deserto chamado Galego Lorde (Júlio Andrade). A missão de Ara (Cauã Reymond) e seu grupo de motoqueiros é intervir junto ao bruxo e seguir as estranhas instruções dele.

    A gravidade está na posse do ídolo, uma vez que o artigo é um souvenir do poderoso coronel Tenório (Humberto Martins), um tradicional manda-chuva da região, violento e autoritário ao extremo. Durante o percurso da jornada, o grupo de motoqueiros que acompanha Ara se vê em posições complicadas, repletas de contravenções, raptos e atos de moral discutível. Nesse ínterim, eles tomam como refém a jovem e bela Laura, vivida por Luisa Arraes, o que causa ciúmes na personagem de Sophie Charlotte, Severina, mulher do líder do bando.

    A ambientação no sertão nordestino e o figurino de maltrapilhos dos personagens fazem o longa ter algumas semelhanças imagéticas com a franquia Mad Max, comparação essa fortificada pelo clima apresentado no trailer. Já nas primeiras cenas de ação o estigma é contrariado, uma vez que a situação de caos não parece ser global, e sim localizada em um pequeno trecho daquela paragem, fazendo daquele lugar quase como uma pátria independente, esquecida por Deus, pelas autoridades e pelos forasteiros. A boa intenção de produzir tal isolamento esbarra num montante de sotaques mal construídos, forçados ao extremo, parecidos com a multiplicidade inexistente no repertório de ator de Tony Ramos, maximizado e distribuído por quase todo elenco. Poucas atuações passam impunes a isto, exceção, claro, a Nanego Lira e Jesuíta Barbosa.

    O longa consegue driblar a possível imitação barata produzida pela expectativa pré-filme, mas se perde em um amontoado de clichês e ideias bobas de argumento. A base dos problemas locais é real e a discussão poderia se aprofundar, mas não há harmonia entre o curioso modo de contar a história e a real problemática da região nordestina, que há anos sofre com o estado de secura e dificuldade de irrigação de plantações e demais instalações rurais.

    Somente fugir do fiasco é pouco para um produção que buscava ser um diferencial no circuito brasileiro mainstream, no entanto a qualidade da fotografia e a direção de arte fazem salvar um pouco o todo de Reza A Lenda, que evolui o conceito de filme de gênero tentado por Operações Especiais, principalmente por não conter um sub-texto tão risível e preconceituoso. A trilha sonora prejudica também a imersão na história e o acréscimo do fator fé é mostrado de modo bobo, causando risos ao invés de gerar empatia no drama dos personagens. A direção de Olivetto é competente, o que gera expectativas sobre seus futuros trabalhos, fazendo desse o aspecto mais positivo da produção, sem dúvida, além é claro da atuação de Martins, Andrade e de Lira.

  • Crítica | Tim Maia

    Crítica | Tim Maia

    De todos os tipos de produção em moda no cinema nacional atualmente, as biografias têm sido um dos mais utilizados. Em grande parte pela atração que o público brasileiro sente por grandes nomes e grandes feitos somados a narrativas novelísticas, o cinema nacional tem produzido várias obras sobre importantes figuras do cenário artístico brasileiro, resultando em produções que geralmente possuem as mesmas qualidades e defeitos.

    A produção de 2014 do diretor Mauro Lima, sobre a vida do cantor brasileiro Tim Maia e baseada no livro de Nelson Motta, reflete bem essa dualidade do cinema nacional. Tim Maia é interpretado enquanto jovem por Robson Nunes e adulto por Babu Santana. Ambas as interpretações são boas e convincentes no papel do polêmico cantor, com destaque para Babu Santana e sua semelhança física com Maia. Também estão no longa vários outros atores globais conhecidos do grande público brasileiro, como Alline Moraes no papel de Janete, esposa de Maia, e Cauã Reymond no papel do amigo Fábio, dentre outros.

    O tom do filme segue uma narrativa clássica de biografia, começando pela infância pobre de Sebastião Rodrigues Maia na Tijuca, entregando marmita para sua mãe e sofrendo os efeitos do racismo da sociedade brasileira por ter menos oportunidades que seus amigos brancos. Ao crescer, o jovem Maia, vendo toda essa desigualdade, acumula uma raiva, que, somada a seu gênio forte, irá causar várias das situações complicadas com as quais lidará em sua vida pessoal e profissional.

    A narração do filme, feita por Reymond, é um dos elementos que mais se destaca negativamente, não só pela narração em si, mas pelo tom quase de leitura de folheto de missa que o ator faz, sem acrescentar emoções ou informações relevantes à história. Por várias vezes, a narração simplesmente descreve o que estamos vendo em tela.

    Porém, se antes sofríamos com a baixa qualidade técnica das produções, atualmente esse não é mais um problema. Em vários dos filmes nacionais lançados recentemente, a qualidade de imagem, captação de som, enquadramento, figurino, maquiagem, dentre outros, cada vez mais se torna um nível de excelência, o que deveria favorecer o surgimento de novas produções de qualidade, já que essa tecnologia está cada vez mais acessível. Mas, infelizmente, as grandes produções ainda estão submetidas ao padrão Globo, e as produções alternativas ainda se encontram fora dos circuitos e do acesso da maioria da população.

    O filme também utiliza-se de um vício muito comum no cinema nacional, que é o apelo ao humor fácil usando situações engraçadas, muitas vezes com um tom artificial, e o abuso de palavrões para arrancar risos do espectador. Porém, nem mesmo esse artifício resiste à enrolada trama. Se o primeiro ato possui passagens muito bem filmadas, como a da briga, filmada em preto e branco e em câmera lenta, de Maia com um integrante da banda, nos outros dois o filme se perde em meio a tantos personagens e idas e vindas na vida do artista. O que parece é que a vida de Maia é tão complexa que nem mesmo o diretor conseguiu acompanhá-la nas filmagens.

    O padrão Globo também é uma das razões pelas quais a narrativa se torna tão conservadora e fechada, tornando a experiência de acompanhá-la um tanto quanto enfadonha, como usar muito tempo de tela para aprofundar relações que são secundárias, como a de Maia com Roberto Carlos (George Sauma). A duração do filme é um de seus principais problemas. Os 140 minutos se tornam totalmente desnecessários não para contar a história da vida do artista, grande e complexa, mas para mostrar a visão que Mauro Lima quis. Várias polêmicas a respeito da fidelidade do filme sobre a trajetória de Tim Maia foram levantadas por seus amigos e parentes, mas, como obra de ficção e adaptação, a questão a ser levantada não é essa, mas sim como uma história de 140 minutos poderia ser facilmente condensada em 90 ou 100 minutos.

    Ao retratar a vida adulta do cantor, mergulhado no consumo autodestrutivo de drogas e álcool, cujo problema, somado a sua personalidade problemática, acaba por afastar amigos e família, o filme dá um salto na história tentando compensar o tempo desperdiçado anteriormente. Se perdemos vários minutos acompanhando o cantor seguindo Roberto Carlos por São Paulo, subitamente sua vida pula vários anos: de um fundo do poço da carreira a uma mal explicada volta por cima, e de repente, morte.

    Em resumo, como figura história, polêmica e importante no cenário musical brasileiro, Tim Maia merecia ter sido retratado de forma mais objetiva. As escolhas de Mauro Lima tentam mostrar o lado problemático do cantor, mas acabam se perdendo em meio à complexidade do personagem, resultando na confusão da linha de condução da história, o que o diretor parece perceber e tentar consertar, sem sucesso, em seu final. Falta ao cinema nacional aprender a sair desse emaranhado de limitações artísticas e começar a se movimentar no sentido de produzir boas obras biográficas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | Alemão

    Crítica | Alemão

    No início da noite de 26 de novembro de 2013, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, com o apoio da Polícia Federal, Polícia Civil e das Forças Armadas, cercou o Complexo do Alemão, localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, para iniciar uma grande operação de retomada com o intuito de pacificar o local.

    A trajetória das UPP – Unidades de Polícia Pacificadora – ainda permanece no cerne de grandes discussões políticas e nunca teve aceitação completa da população brasileira. Profissionais em segurança, policiais, políticos e até famosos expuseram seus pontos de vista entre os prós e contras destas operações realizadas em diversos morros do Rio.

    A trama de Alemão utiliza a invasão policial como pano de fundo da ação. A produção inicia-se com cenas televisivas sobre o acontecimento, e, em cena, somos apresentados a um grupo de policiais infiltrados no local para informar in loco o desenvolvimento da ação. Mudanças de táticas feitas pelo alto escalão e o bloqueio – também planejado – dos sinais de transmissões deixam estes policiais às cegas, sem saber qual procedimento seguir e acreditando ter entre eles um traidor em potencial.

    Diferentemente de uma história que explora a questão policial e a favela ou de um argumento que explora de maneira global os acontecimentos, tomando ou não partido de um lado, boa parte da ação inicial se desenvolve no interior de uma pizzaria, ponto de encontro do grupo infiltrado. Sem nenhuma informação da Inteligência, os agentes estão em campo desconhecido e de olhos vendados. Há uma sensação de um drama de guerra, com personagens sitiados no fronte inimigo tentando sobreviver e sem se revelarem. Conforme as horas em confinamento se estendem, as discussões ficam acaloradas e os ânimos começam a se acirrar.

    O policial é apresentado como uma figura frágil, independente de sua personalidade, que faz da coragem a guia para seguir em frente. O grupo aprisionado é representado por tipos característicos de outras histórias policiais: o homem esquentado sem nada a perder; aquele que focaliza sua força na família; outro que, embora não tenha talento tático, é hábil com a inteligência. Forma-se, assim, um grupo heterogêneo de investigação. Em comum, todos possuem a dúvida em relação à eficiência da operação e sabem que foram esquecidos pela corporação. Devem se virar por conta própria, sem qualquer heroísmo, se quiserem sobreviver.

    Formado por grandes atores com domínio dramático, visto em outros longas-metragens ou em novelas televisivas, o quinteto formado por Caio Blat, Milhem Cortaz, Otávio Müller, Gabriel Braga Nunes e Marcello Melo Jr é responsável por sustentar a parte inicial da trama de maneira favorável. O drama que aflige os policiais ultrapassa a barreira da profissão, e o público, mesmo contrário às políticas estabelecidas, reconhece o histórico pessoal de cada um dos envolvidos.

    Do lado de fora desta intriga, dois polos contrários também estão em cena. A polícia representada por Antonio Fagundes, um dos chefes da invasão que conduziu a operação dos infiltrados, e o bandido dono do morro, um jovem apelidado de Playboy por sua pose rica e ostensiva, interpretado por Cauã Reymond. Fora do confinamento, a história não tem a mesma intensidade. A representação da polícia feita pelo Delegado Valadares (Fagundes) é de um sistema que mal reconhece sua própria estrutura. O delegado perde qualquer comunicação com sua equipe e, não querendo que o erro caia em sua mão, omite esta problemática dos outros, tentando resolver à sua maneira o resgate de sua equipe. Uma demonstração da fragilidade da operação como um todo. É questionável como uma operação de grande porte possa suportar erros como este apresentado.

    Enquanto isso, do outro lado da lei, o bandido de Raymond passa a maior parte do tempo apenas contemplando de maneira fria a queda de seu império, talvez incrédulo de que uma operação deste estilo fosse implantada de fato. Salvo um relacionamento amoroso que lhe deixa apreensivo, o personagem não tem carisma e não produz sentimento algum no público. Ao contrário de outros personagens limítrofes entre a lei e a sobrevivência, vistos em Cidade de Deus ou Tropa de Elite.

    A semelhança do estilo narrativo deste filme em relação aos outros é visível. E, de fato, sem o sucesso de Cidade de Deus ou Tropa de Elite, um filme como Alemão talvez seria produzido de maneira diferente. A estética visual que foi consagrada imprimou verossimilhança a tais tramas e não sem razão é retomada; difícil seria uma história sobre polícia e tráfico sem esta influência. E o resultado desta aproximação é um roteiro que modifica sua estrutura em sua segunda parte ao escolher mostrar ângulos diferentes de uma mesma situação, fazendo da boa proposta inicial do confinamento obrigatório se perder em cenas de ação e em resoluções que negam os próprios argumentos desenvolvidos entre os policiais sobre a questão da humanidade e o heroísmo. Se nem mesmo a produção tem confiança no argumento inicial que se propõe, não há público que não perceba a fragilidade da história, que decide a saída mais conhecida para uma história já conhecida pelos brasileiros.