Tag: Hilton Lacerda

  • 10 Filmes Sobre a Ditadura Militar Brasileira

    10 Filmes Sobre a Ditadura Militar Brasileira

    A tradução, pelo cinema, dos anos de chumbo, pelos militares.

    Jango (Silvio Tendler, 1984)

    Já no campo presidencial, retratando a vida política brasileira desses anos através da ascensão e queda do saudoso presidente João Goulart, somos expostos então a um material foto jornalístico e documental de grande apuro sobre o período, em questão. Com certa pompa típica aos documentários da época, e com notável precisão, conseguimos estudar pela voz de José Wilker as engrenagens, por mais de duas décadas, que levaram o presidente Jango a ser deposto no (atual) golpe de 1964 por interesses ocultos que a história foi tratando de iluminar.

    Baile Perfumado (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1997)

    E como seria, ainda no Nordeste no mais profundo agora do seu sertão, e sendo o oposto de Tatuagem, ter de lidar com o impedimento como se manda o figurino? Na tentativa de se fazer um filme sobre o rei do cangaço, o imortal Lampião e a sua tropa, um cineasta se vê atado ideológica e formalmente de rodar seu filme pernambucano sendo considerado subversivo – ou seja, alguém que pensa por si próprio, podendo atrapalhar o famoso sistema de intolerâncias. Das ficções a emblemar o tema da ditadura e suas agruras, talvez seja essa a mais icônica.

    O Que é Isso, Companheiro? (Bruno Barreto, 1997)

    Um dos filmes nacionais mais famosos, no mundo, na ficção de Bruno Barreto, o evento político que marcou os nossos anos oitenta se desdobra como pano de fundo de uma narrativa multiplot investigativa, e um tanto aventuresca, cujas personagens norteiam o espectador pela tensão coexistente na época através do sequestro por estudantes militantes do embaixador americano na época (Alan Arkin), num Rio de Janeiro tão ditatorial quando o já anunciado de 2018.

    Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009)

    Outra investigação pouco conhecida pelo povo brasileiro, e negligenciada pela mídia jornalística do país, e que o próprio Cinema tratou de desenrolar os fatos, é de onde veio parte do financiamento para toda a repressão violenta, e a tortura, no Brasil dos anos 60. As ligações do empresário Henning Boilesen, um dinamarquês naturalizado no país, com o setor privado, buscando nele fundos para estruturar a violenta Operação Bandeirantes, um centro de informações montado pelo governo do Estado de São Paulo e pelo Exército no combate às organizações de esquerda, são expostas neste documentário implacável e um tanto didático, mas com entrevistas chocantes e comoventes, principalmente pelo filho de Henning que não acredita que seu pai, tido como alegre e amável, tenha sido um cara de diversas facetas, até o fim.

    Utopia e Barbárie (Silvio Tendler, 2009)

    E se este não for o melhor documentário nacional a prestar contas ao nosso regime militar, longe ele certamente não fica. Tratando não só dos anos de chumbo brasileiros, mas de inúmeros fatos polêmicos e de grande valia para o que o século XX veio a se tornar, historicamente, Utopia e Barbárie consegue ir muito além do trato para com um tema só no pós-Segunda Guerra Mundial, em vários países aonde se sonhou utopias em meio as barbáries cometidas contra nós mesmos. Um amplo e coerente ponto de referência de investigações cosmopolitas de grandes eventos, e que merece muito mais fama e aclamação do que já passamos a lhe dar, aqui.

    O Dia que Durou 21 Anos (Camilo Tavares, 2012)

    A derradeira frase desta investigação é: tudo isso foi feito com fins democráticos. “Tudo isso”, em outras singelas palavras, referindo-se diretamente ao massacre intolerante que durou vinte anos no Brasil para estender o major monopólio estadunidense, na maior potência latino-americana. Quando o país se deu conta que o território, até então nas mãos de João Goulart, não iria trocar alianças de fino trato com os interesses do Tio Sam, no dia 1° de abril de 1964 o Brasil deixou de ser a humilde terra da banana para ser mais uma extensão da ambição dos “donos do ocidente”, como eles ainda se fazem ser.

    Os Dias com Ele (Maria Clara Escobar, 2012)

    Quando uma cineasta busca entender sua própria história, e a do seu pai, integrando suas vidas aos tempos da ditadura, sem apenas constituir um esbarro narrativo ao período. Maria Clara Escobar então discursa sobre o nosso país e o seu pai, Carlos Henrique Escobar, um dos intelectuais paulistas mais provocativos dos anos 60, e 70, preso e torturado como bem nos relata a ótima biografia Os Dias Com Ele. Eleito melhor filme na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2013, é uma inteligente cadência de relatos sobre uma pessoa, e a importância e o peso inseparáveis da história sobre a vida desta.

    Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2012)

    História de figura importantíssima do Brasil, Carlos Marighella, parlamentar e comunista, foi vítima de prisões e torturas considerado como o inimigo número Um da ditadura militar, e, como se não bastasse, foi o maior nome da militância de esquerda no Brasil dos anos 60. Viveu sob resistência, e junto, sua própria família. Em 1969, foi assassinado nas ruas de SP, com o documentário homônimo de 2012 resgatando, pelos cuidados de sua sobrinha, o que eles enfrentaram pelo caminho, construindo uma boa base de reflexão em prol de debate oriundos.

    Cara ou Coroa (Ugo Giorgetti, 2012)

    Saem os estudantes que chegam a sequestrar políticos, entra-nos o povo comum, de cada dia, tentando estabelecer um plano de vida digamos estabelecido, diante de um sistema totalmente contrário à sua sobrevivência – por mais que a elite econômica ache o oposto disso. Cara ou Coroa gira em torno de dois irmãos apaixonados por teatro e presos em uma dúvida: Seguir a profissão de ator, ou trilhar o mesmo caminho muito mais arriscado dos revolucionários jovens de 1971. Filme entre a veracidade do período e uma visão mais fantasiosa e encenada sobre os seus desenlaces, é uma boa pedida para a releitura mais aventuresca e bem-humorada dos fatos.

    Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013)

    No território do que acontecia paralelo à ditadura, sobre quem ainda acreditava no colorido e nos ritmos musicais de um Brasil liberal e até mesmo anárquico, Tatuagem ocupa então o que restou da liberdade de expressão num período autoritário. Filmado na efervescência do fogo constante de quem resiste a padrões ou aos mais variados impedimentos políticos, é propositalmente escrachado. Um esforço válido, imprevisível e provocativo a honrar diversos quadros do cinema brasileiro, como o próprio movimento do cinema marginal.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Big Jato

    Crítica | Big Jato

    Big Jato

    Localizado em Peixe de Pedra, cidade fictícia do interior de Pernambuco, Big Jato é a nova empreitada de Claudio Assis, após quatro anos de seu último e elogiado filme Febre do Rato. O longa, que estreou em 2015 ainda no Festival de Brasília, conta a história baseada no livro homônimo de Xico Sá e adaptada, mais uma vez, por Hilton Lacerda (diretor de Tatuagem), antigo colaborador de Assis. A história é focada no menino Chico (Rafael Nicácio), rapaz jovem que tem pretensões de ser poeta ao lado de duas figuras mentoras, seu pai Francisco, chamado de velho por seus hábitos turrões, e seu tio Nelson, um bon vivant nato, ambos vividos por Matheus Nachtergaele.

    A câmera de Assis emula a trajetória do caminhão, trêmula como o balanço do veículo a percorrer as estradas maltrapilhas e sem asfalto do interior. O amor do menino por esse tipo de vida contradiz de certa forma seus sonhos de arte, já que representa um estilo de vida mais bruto, semelhante ao trabalho de seu pai, um desentupidor de fossas, com as quais se habitua a viver em meio ao forte cheiro. Além disso, referencia o tempo todo a poesia que habita o ideal de Chico por meio da participação de Jards Macalé, que interpreta o viajante Príncipe.

    O argumento brinca de referenciar opostos, mostrando o trabalho como caminhoneiro em oposição à divulgação da arte pelo Nelson e contrapondo o trabalho do esgoto e a máquina de escrever do filho, que representa o viver do artista e o asco do patriarca pelo estilo de vida bonachão. Entre o trabalho braçal e o amor pela boemia em paralelo, as duas características representam a alma tipicamente brasileira, que carrega uma liturgia religiosa e conservadora, ao mesmo tempo que dá vazão ao comportamento despreocupado como resposta para o stress diário de uma rotina em busca de dinheiro.

    A filmografia de Assis brinca com a imagética, e Big Jato não é exceção, apresentando dois lados distintos até mesmo dentro da casa do clã principal. Enquanto o velho Francisco realiza o trabalho braçal no esgoto, sua esposa, vivida por Marcela Cartaxo, vende perfumes, mostrando um choque de ideais em seu seio familiar. A intriga está no cerne do pensamento do protagonista e biografado, inclusive pela diversidade de modos, maneiras, sexualidade e vocações entre os seus irmãos.

    Há uma rejeição ao nome e a filmografia do diretor, graças especialmente às polêmicas em que se meteu, principalmente em 2015, no incidente em que ofendeu Anna Muylaert, diretora de Que Horas Ela Volta?. No entanto, a exemplo de Amarelo Manga, este longa não possui as falhas de caráter de seu realizador, ao contrário, transparece sim uma tocante sensibilidade, que consegue poetizar temas pragmáticos como a economia moderna em colapso, trazendo, através de lirismo, uma trajetória bela e prosaica.

    Big Jato habita o mesmo limbo dos filmes anteriores de Claudio Assis, reunindo a contemplação típica do novo cinema pernambucano, representando a cena de seu estado por meio de uma mistura entre ardor verborrágico e fantasia moderada, arte e vida simples do trabalhador ordeiro. Obra que trata de maneira interessante o ideário de Sá através de poemas, trovas e versos.

  • Crítica | Órfãos do Eldorado

    Crítica | Órfãos do Eldorado

    Orfãos do Eldorado 1

    Filme cujo roteiro se baseia no livro de Milton Hatoum, Órfãos do Eldorado se inicia em um ambiente arenoso, o que já dá a previsão do quão nebuloso e nauseabundo será o seu texto. O roteiro, adaptado pelo realizador Guilherme Coelho e por Hilton Lacerda (o mesmo que dirigiu o bom Tatuagem), foca no vazio existencial de um homem jovem e deprimido, que vê seu futuro ser abraçado por fantasmas do passado.

    Daniel Oliveira vive Arminto, um rapaz que tentava a vida como músico, e que retorna à casa de seu pai, que estaria com uma doença praticamente incurável. Na antiga casa, ele encontra sua antiga amante e madrasta Florita (Dira Paes), que prossegue em sua vida sem evolução ou mudanças drásticas, ao lado do homem velho.

    O romance de Hatoum pedia uma quantidade de nuances ímpar, bem como uma abordagem não óbvia de questões muito complicadas e profundas, mas não foi esse o tento de Coelho. A premissa interessante é conduzida de modo bastante bobo, tencionando um espírito elevado que jamais é alcançado, e que faz rir ao se deparar com o desempenho dramatúrgico de atores consagrados como Oliveira e Paes. Surpreendentemente, quem consegue brilhar – mais graças à beleza do que a qualquer outro fator – é Mariana Rios, que consegue se manter sublime e sensual quando é exigida.

    A aura mística também não se sustenta, graças aos sotaques forçados e cenas desnecessariamente longas, que não têm motivo ou significado algum para serem assim. Apesar de possuir uma fotografia boa, os takes mais alongados soam preciosistas, distantes demais do que deveria propor. Não há contestação, não há aprofundamento e nem um mergulho no emocional dos personagens. O que sobra é um gigantesco vazio, diferente demais do proposto por Hatoum.

  • Crítica | Tatuagem

    Crítica | Tatuagem

    tatuagem

    Após uma série de (bons) curtas-metragens, como Simião Martiniano: O Camelô do Cinema e Mata Adentro – e uma leva de colaborações como roteirista, entre eles Árido Movie, Baixio das Bestas e Amarelo Manga, Hilton Lacerda retorna com a realização de longas-metragens – o que não ocorria desde Baile Perfumado, de 1977 – com o polêmico drama Tatuagem, cuja temática e o viés contestatório são muitíssimos atuais.

    Na primeira fala de Clécio Wanderley, personagem de Irandhir dos Santos, está presente o que seria a tônica do filme. Seu grito é um brado que preconiza uma das poucas armas dos marginalizados personagens, que infelizmente têm muitos iguais a si na realidade contemporânea. O deboche constitui uma das poucas armas cabíveis aos sempre “caçados” homens que amam outros homens. O bom humor consegue cooptar até alguns dos pensamentos mais conservadores. A despeito disso, a iconografia visual escolhida por Lacerda usa alguns signos fálicos que remetem à “preferência” de seus heróis, sem qualquer receio ou rastro de pudor. O roteiro é usado livremente e sem medo de chocar, ao contrário da atitude subserviente e condizente com o discurso conservador e moralista.

    O grupo Chão de Estrelas reúne os mais diversos artistas, de diferentes grupos sociais e orientações sexuais. A ambição é grande, a despeito da época da produção – 1978, com a Ditadura ainda em voga – e também do pouco orçamento com que dispunha. Mesmo com tudo isso, o conteúdo de seus shows – largamente expostos em tela – tem conteúdo político e econômico bastante crítico e conteste.

    A sintonia entre a arte e libertação sexual é mostrada de modo sensível, leve – essa tônica é um dos melhores pontos da obra, é emotivo sem perder o tom. Mesmo nos momentos onde a nudez é explícita, esta é feita de modo natural, passando longe de ser panfletário ou gratuitamente expositivo. Quando Fininha (Jesuíta Barbosa), um jovem militar, aquartelado, com um background confuso, como mostrado em cena anteriormente, adentra o ambiente do grupo artístico, há um pequeno confronto entre dois mundos, duas ideologias que aos poucos vão se dobrando, uma a uma. O que antes era uma dúvida torna-se uma certeza, e Fininha, enfim, se entrega ao torpe prazer que tanto negava a si mesmo, sem culpa, longe de olhares inquisitivos, em um mundo completamente invertido do que lhe era comum. Após as cenas singelas, ele volta ao seu quartel, passa por um corredor polonês – a punição não tardaria, a fantasia para si ainda era algo temporário, distante de sua rotina.

    Aos poucos, o tecido da realidade é arranhado, o preconceito e a diferenciação de tratamento são expostos de ao menos duas formas: uma com o filho de Clécio, que sofre problemas na escola, e com Fininha, que é encarado por alguns dos integrantes da trupe como a presença do Regime, a repressão, o cumprimento das ordens do Exército, o que o faz ser tachado até de infiltrado. Após ter de ouvir tudo isso, Fininha vai a uma reunião familiar, cercado de senhoras que falam sobre pecado, castigo divino e moléstia, funcionando como abutres, que voam sobre a carne pútrida, valorizando conceitos retrógrados, requentando questões constrangedoras, moralistas e medievais.

    Como era de se esperar, a censura enquadrou o espetáculo do Chão de Estrelas, mas o grupo tenta lutar. De modo bravo, ostenta as suas apresentações inclusive com o acréscimo de Fininha. Mas uma das noites é interrompida pela ação da polícia, o que obviamente acaba com a carreira militar do enclausurado moço. Ele migra para São Paulo e até tenta manter contato com sua família, mas deles recebe reprimendas, faces descontentes e decepcionadas pelo flagrante desejo que incorria em seu coração.

    O final, mostrando a feitoria de um filme, serve como recurso metalinguístico da própria realização de Hilton Lacerda, responsável pela direção, roteiro e argumento. Tatuagem é uma ode à libertação, não somente da sexualidade, mas também da alma, do espírito e do sentimento, que por vezes é enclausurado pelo social. Lacerda faz tudo isso de modo sentimental, sem descuidar da verossimilhança e da triste realidade repleta de preconceitos. É uma das demonstrações do que o cinema brasileiro é capaz de alcançar.