Tag: Silvio Tendler

  • Crítica | Utopia e Barbárie

    Crítica | Utopia e Barbárie

    Alguns documentários nascem para especular. Outros, os melhores, brotam da necessidade investigativa de nos impressionar com a incredulidade que a realidade à vezes se apresenta. Utopia e Barbárie faz muito registro de domingo a noite por ai parecer piada: Na esteira dos grandes acontecimentos que antecederam e influenciaram a formação do século XXI, eis um amplo e coerente ponto de referência de investigações cosmopolitas de grandes eventos do século passado, e que merece muito mais fama e aclamação do que o olhar crítico do novo milênio já lhe deu, até aqui.

    Com sua estreia premiada em 2005, e tendo uma segunda edição ainda mais enxuta sobre seu riquíssimo material exploratório lançada em 2009, Silvio Tendler se prova um grande contador de narrativas históricas em duas horas de ambiciosa projeção sobre os marcos inesquecíveis (e tantas vezes revisitados pela ficção) que viabilizaram a construção de um mundo contemporâneo. Assim, somos convidados a voltar meio século a partir de 1999, e rever as verdades e as consequências que o término da segunda grande guerra, os golpes de estado, as lutas pela independência das colônias mundo afora, e a lógica das ditaduras militares na América Latina (o que rende as melhores sequências comentadas do filme) contribuíram para as tentativas de novos sistemas sociais sob a égide de uma isonomia conquistada a ferro e fogo.

    Abandonando qualquer inspiração didática de professor de história, Tendler constrói um panorama ultra coerente, interativo e irreverente. Um mosaico nababesco que levou quase vinte anos de produção para incorporar o peso, a urgência de eventos dos mais construtivos a respeito de um passado recente, cujas marolas ainda por nós são sentidas – e vivenciadas, algo que Utopia e Barbárie tão bem nos consegue racionalizar, como nos diversos relatos de jornalistas e outras personalidades sobre a soberania do protagonismo civil em tempos excludentes.

    A importância das multidões subestimadas nos grandes movimentos de libertação ideológica contra a barbárie institucionalizada, no Chile, e no mundo, sendo aqui mais valorizada que nunca em depoimentos de grandes utopias bem sucedidas dentro de uma realidade política desmascarada, e a base de muita coragem que não poderia ser esquecida pelas gerações que estavam por vir. Um documentário que impulsa nosso intelecto a lembrar, caso alguns de nós corramos o risco de esquecer, da importância desse gênero cinematográfico para montar e desconstruir a realidade em prol de pendê-la no tempo e alimentá-la pela verdade resultante que se pretende enquadrar – tão bem conquistada, aqui, por Tendler, num misto de quadros de correlação histórica evidente.

    A utopia nada mais é então, entre tantos relatos emocionados de quem viveu, ou tão bem entende as agruras e as revoluções de um anteontem ainda influenciador (quiçá, para sempre), que a eventualidade da esperança de brotar em cenários tão desafiadores a ela. Qual seria, hoje, a importância do ano de 1968 no Brasil e no mundo na constituição do contexto social global? Utopia e Barbárie remexe as raízes de um todo hoje globalizado e regido pelas possibilidades infinitas da tecnologia. É um convite aprofundado para quem se interessa a aprender e a sentir a experiência que foi lutar por essas possibilidades futuras ainda no século XX, e construir assim os fundamentos desse (ainda e semi) admirável mundo novo que se tornou o começo dos promissores anos 2000.

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  • 10 Filmes Sobre a Ditadura Militar Brasileira

    10 Filmes Sobre a Ditadura Militar Brasileira

    A tradução, pelo cinema, dos anos de chumbo, pelos militares.

    Jango (Silvio Tendler, 1984)

    Já no campo presidencial, retratando a vida política brasileira desses anos através da ascensão e queda do saudoso presidente João Goulart, somos expostos então a um material foto jornalístico e documental de grande apuro sobre o período, em questão. Com certa pompa típica aos documentários da época, e com notável precisão, conseguimos estudar pela voz de José Wilker as engrenagens, por mais de duas décadas, que levaram o presidente Jango a ser deposto no (atual) golpe de 1964 por interesses ocultos que a história foi tratando de iluminar.

    Baile Perfumado (Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1997)

    E como seria, ainda no Nordeste no mais profundo agora do seu sertão, e sendo o oposto de Tatuagem, ter de lidar com o impedimento como se manda o figurino? Na tentativa de se fazer um filme sobre o rei do cangaço, o imortal Lampião e a sua tropa, um cineasta se vê atado ideológica e formalmente de rodar seu filme pernambucano sendo considerado subversivo – ou seja, alguém que pensa por si próprio, podendo atrapalhar o famoso sistema de intolerâncias. Das ficções a emblemar o tema da ditadura e suas agruras, talvez seja essa a mais icônica.

    O Que é Isso, Companheiro? (Bruno Barreto, 1997)

    Um dos filmes nacionais mais famosos, no mundo, na ficção de Bruno Barreto, o evento político que marcou os nossos anos oitenta se desdobra como pano de fundo de uma narrativa multiplot investigativa, e um tanto aventuresca, cujas personagens norteiam o espectador pela tensão coexistente na época através do sequestro por estudantes militantes do embaixador americano na época (Alan Arkin), num Rio de Janeiro tão ditatorial quando o já anunciado de 2018.

    Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009)

    Outra investigação pouco conhecida pelo povo brasileiro, e negligenciada pela mídia jornalística do país, e que o próprio Cinema tratou de desenrolar os fatos, é de onde veio parte do financiamento para toda a repressão violenta, e a tortura, no Brasil dos anos 60. As ligações do empresário Henning Boilesen, um dinamarquês naturalizado no país, com o setor privado, buscando nele fundos para estruturar a violenta Operação Bandeirantes, um centro de informações montado pelo governo do Estado de São Paulo e pelo Exército no combate às organizações de esquerda, são expostas neste documentário implacável e um tanto didático, mas com entrevistas chocantes e comoventes, principalmente pelo filho de Henning que não acredita que seu pai, tido como alegre e amável, tenha sido um cara de diversas facetas, até o fim.

    Utopia e Barbárie (Silvio Tendler, 2009)

    E se este não for o melhor documentário nacional a prestar contas ao nosso regime militar, longe ele certamente não fica. Tratando não só dos anos de chumbo brasileiros, mas de inúmeros fatos polêmicos e de grande valia para o que o século XX veio a se tornar, historicamente, Utopia e Barbárie consegue ir muito além do trato para com um tema só no pós-Segunda Guerra Mundial, em vários países aonde se sonhou utopias em meio as barbáries cometidas contra nós mesmos. Um amplo e coerente ponto de referência de investigações cosmopolitas de grandes eventos, e que merece muito mais fama e aclamação do que já passamos a lhe dar, aqui.

    O Dia que Durou 21 Anos (Camilo Tavares, 2012)

    A derradeira frase desta investigação é: tudo isso foi feito com fins democráticos. “Tudo isso”, em outras singelas palavras, referindo-se diretamente ao massacre intolerante que durou vinte anos no Brasil para estender o major monopólio estadunidense, na maior potência latino-americana. Quando o país se deu conta que o território, até então nas mãos de João Goulart, não iria trocar alianças de fino trato com os interesses do Tio Sam, no dia 1° de abril de 1964 o Brasil deixou de ser a humilde terra da banana para ser mais uma extensão da ambição dos “donos do ocidente”, como eles ainda se fazem ser.

    Os Dias com Ele (Maria Clara Escobar, 2012)

    Quando uma cineasta busca entender sua própria história, e a do seu pai, integrando suas vidas aos tempos da ditadura, sem apenas constituir um esbarro narrativo ao período. Maria Clara Escobar então discursa sobre o nosso país e o seu pai, Carlos Henrique Escobar, um dos intelectuais paulistas mais provocativos dos anos 60, e 70, preso e torturado como bem nos relata a ótima biografia Os Dias Com Ele. Eleito melhor filme na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2013, é uma inteligente cadência de relatos sobre uma pessoa, e a importância e o peso inseparáveis da história sobre a vida desta.

    Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2012)

    História de figura importantíssima do Brasil, Carlos Marighella, parlamentar e comunista, foi vítima de prisões e torturas considerado como o inimigo número Um da ditadura militar, e, como se não bastasse, foi o maior nome da militância de esquerda no Brasil dos anos 60. Viveu sob resistência, e junto, sua própria família. Em 1969, foi assassinado nas ruas de SP, com o documentário homônimo de 2012 resgatando, pelos cuidados de sua sobrinha, o que eles enfrentaram pelo caminho, construindo uma boa base de reflexão em prol de debate oriundos.

    Cara ou Coroa (Ugo Giorgetti, 2012)

    Saem os estudantes que chegam a sequestrar políticos, entra-nos o povo comum, de cada dia, tentando estabelecer um plano de vida digamos estabelecido, diante de um sistema totalmente contrário à sua sobrevivência – por mais que a elite econômica ache o oposto disso. Cara ou Coroa gira em torno de dois irmãos apaixonados por teatro e presos em uma dúvida: Seguir a profissão de ator, ou trilhar o mesmo caminho muito mais arriscado dos revolucionários jovens de 1971. Filme entre a veracidade do período e uma visão mais fantasiosa e encenada sobre os seus desenlaces, é uma boa pedida para a releitura mais aventuresca e bem-humorada dos fatos.

    Tatuagem (Hilton Lacerda, 2013)

    No território do que acontecia paralelo à ditadura, sobre quem ainda acreditava no colorido e nos ritmos musicais de um Brasil liberal e até mesmo anárquico, Tatuagem ocupa então o que restou da liberdade de expressão num período autoritário. Filmado na efervescência do fogo constante de quem resiste a padrões ou aos mais variados impedimentos políticos, é propositalmente escrachado. Um esforço válido, imprevisível e provocativo a honrar diversos quadros do cinema brasileiro, como o próprio movimento do cinema marginal.

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  • Crítica | Jango

    Crítica | Jango

    Reunindo pedaços de informes oficiais da época em que o biografado era um político ativo, Jango começa com a viagem do então vice-presidente a China, que ficaria famosa por ter sido tão “longa”, que não permitiria a João Goulart assumir seu posto como o mandante máximo do país. O medo vermelho, o mesmo que predominava no gigante asiático. O filme de Silvio Tendler não tem qualquer pudor em escolher lados, assim como os que subiriam ao poder e que seriam criticados pela fita.

    Jânio Quadros, até então presidente, circulava com toda a sua ebriedade ao lado das “forças ocultas” (fala do próprio roteiro), junto aos militares, levantando uma série de teorias a respeito das origens do golpe. Enquanto corre a trilha de Wagner Tiso e Milton Nascimento, é mostrado um registro fotográfico saudosista, que remetia ao período histórico menos conturbado antes da tomada de poder e claro, a intimidade de Jango.

    A narração de José Wilker busca dar ainda mais importância a biografia do político, um homem, segundo os altos, sempre comprometido com as causas sociais. A ascensão dele é flagrada, desde o começo da carreira, muito próximo ao segundo governo de Getúlio Vargas, como também seus serviços de parlamentar, as corridas eleitorais ganhas e perdidas e claro, a assessoria que prestava a Juscelino Kubitschek. Jango seria o primeiro político mandante sul-americano a ter autorização de pisar em solo soviético, o que claramente pesaria contra ele anos depois.

    A ascensão de Jânio Quadros é destacada, especialmente os seus modos ultra-moralistas, que incluíam a proibição da veiculação de biquínis na televisão. Era um delegado no poder, alinhado com os interesses da classe média, a mesma que foi denunciada por Arnaldo Jabor em Opinião Pública. No entanto, a posta de Jânio era tão curiosa que ele condecorou Ernesto Guevara, conhecidamente ligado à esquerda vermelha, o que demonstrava o desequilíbrio das suas aspirações e comportamento político. Enquanto Goulart estava na China, fazendo o mesmo que fazia em Moscou, Jânio Quadros renunciaria, deixando Ranieri Mazzilli no poder provisório.

    O medo de que o Brasil se tornasse uma nova Tchecoslováquia seria o principal motivo do motim organizado pelas forças armadas. Mesmo com as atitudes contrárias de famosos políticos, como Leonel Brizola, era tarde, já que os governadores de grandes estados como os de Rio e São Paulo deflagaram a repressão imediatamente.

    A preocupação da direita brasileira com relação a Jango ocorria, claro, pelos contatos do presidenciável, mas foi muito agravada pela opinião declarada de John Kennedy. Além de tencionar conter a dívida externa brasileira, procurava também interferir em alguns dos seus planos econômicos, pois aos seus olhos, estes eram muito semelhantes ao ideal socialista, obviamente, quando analisados pela perspectiva do mandante da nação que era a principal inimiga da URSS.

    A narrativa varia entre os momentos contemporâneos de 1984 e a pregressa vida de Jango quando ainda não era vice, até a tomada de poder por parte dos militares. O período em que Goulart foi presidente, mas com muito menos poder do que deveria, uma vez que se implantou uma política parlamentarista que curiosamente acabou com o término de seu mandato, foi curto, para logo depois ser “convidado” ao exílio, no Uruguai.

    Já com o Regime instaurado no Brasil, e longe de sua pátria, João Goulart via as outras pátrias do Cone Sul serem dominadas por ditaduras de direita, tendo na deposição do chileno Salvador Allende o seu tiro de misericórdia. Segundo familiares, o ex-político sonhava em retornar a sua pátria, mas impossibilitado por sua débil saúde, morreu no exílio, em 1976, sabendo que poderia ser um dos alvos da Operação Condor, que estreitava as relações entre os governos latinos tirânicos e que “coincidentemente” teve muitos dos seus opositores encerrados em mortes misteriosas.

    O jornalista Carlos Castello Branco declarou em nota que Jangomorreu como um peão perdido à procura do seu galpão“, em virtude de não poder voltar ao seu lugar de origem. Somente seu cadáver voltaria a sua cidade natal, a gaúcha São Borja. O filme de Silvio Tendler acaba contando uma parte importante da história brasileira, ainda que sua ótica seja parcial, claro, sendo jamais injusta, uma vez que essa voz nunca havia sido garantida ao político, tampouco aos seus adeptos.

  • Agenda Cultural 02 | Loucas na Gaiola, Duelo de Aliens e um Coelho Branco no Fim do Mundo

    Agenda Cultural 02 | Loucas na Gaiola, Duelo de Aliens e um Coelho Branco no Fim do Mundo

    We’re back! Segunda edição da Agenda Cultural com Flávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc), se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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