Reunindo pedaços de informes oficiais da época em que o biografado era um político ativo, Jango começa com a viagem do então vice-presidente a China, que ficaria famosa por ter sido tão “longa”, que não permitiria a João Goulart assumir seu posto como o mandante máximo do país. O medo vermelho, o mesmo que predominava no gigante asiático. O filme de Silvio Tendler não tem qualquer pudor em escolher lados, assim como os que subiriam ao poder e que seriam criticados pela fita.
Jânio Quadros, até então presidente, circulava com toda a sua ebriedade ao lado das “forças ocultas” (fala do próprio roteiro), junto aos militares, levantando uma série de teorias a respeito das origens do golpe. Enquanto corre a trilha de Wagner Tiso e Milton Nascimento, é mostrado um registro fotográfico saudosista, que remetia ao período histórico menos conturbado antes da tomada de poder e claro, a intimidade de Jango.
A narração de José Wilker busca dar ainda mais importância a biografia do político, um homem, segundo os altos, sempre comprometido com as causas sociais. A ascensão dele é flagrada, desde o começo da carreira, muito próximo ao segundo governo de Getúlio Vargas, como também seus serviços de parlamentar, as corridas eleitorais ganhas e perdidas e claro, a assessoria que prestava a Juscelino Kubitschek. Jango seria o primeiro político mandante sul-americano a ter autorização de pisar em solo soviético, o que claramente pesaria contra ele anos depois.
A ascensão de Jânio Quadros é destacada, especialmente os seus modos ultra-moralistas, que incluíam a proibição da veiculação de biquínis na televisão. Era um delegado no poder, alinhado com os interesses da classe média, a mesma que foi denunciada por Arnaldo Jabor em Opinião Pública. No entanto, a posta de Jânio era tão curiosa que ele condecorou Ernesto Guevara, conhecidamente ligado à esquerda vermelha, o que demonstrava o desequilíbrio das suas aspirações e comportamento político. Enquanto Goulart estava na China, fazendo o mesmo que fazia em Moscou, Jânio Quadros renunciaria, deixando Ranieri Mazzilli no poder provisório.
O medo de que o Brasil se tornasse uma nova Tchecoslováquia seria o principal motivo do motim organizado pelas forças armadas. Mesmo com as atitudes contrárias de famosos políticos, como Leonel Brizola, era tarde, já que os governadores de grandes estados como os de Rio e São Paulo deflagaram a repressão imediatamente.
A preocupação da direita brasileira com relação a Jango ocorria, claro, pelos contatos do presidenciável, mas foi muito agravada pela opinião declarada de John Kennedy. Além de tencionar conter a dívida externa brasileira, procurava também interferir em alguns dos seus planos econômicos, pois aos seus olhos, estes eram muito semelhantes ao ideal socialista, obviamente, quando analisados pela perspectiva do mandante da nação que era a principal inimiga da URSS.
A narrativa varia entre os momentos contemporâneos de 1984 e a pregressa vida de Jango quando ainda não era vice, até a tomada de poder por parte dos militares. O período em que Goulart foi presidente, mas com muito menos poder do que deveria, uma vez que se implantou uma política parlamentarista que curiosamente acabou com o término de seu mandato, foi curto, para logo depois ser “convidado” ao exílio, no Uruguai.
Já com o Regime instaurado no Brasil, e longe de sua pátria, João Goulart via as outras pátrias do Cone Sul serem dominadas por ditaduras de direita, tendo na deposição do chileno Salvador Allende o seu tiro de misericórdia. Segundo familiares, o ex-político sonhava em retornar a sua pátria, mas impossibilitado por sua débil saúde, morreu no exílio, em 1976, sabendo que poderia ser um dos alvos da Operação Condor, que estreitava as relações entre os governos latinos tirânicos e que “coincidentemente” teve muitos dos seus opositores encerrados em mortes misteriosas.
O jornalista Carlos Castello Branco declarou em nota que Jango “morreu como um peão perdido à procura do seu galpão“, em virtude de não poder voltar ao seu lugar de origem. Somente seu cadáver voltaria a sua cidade natal, a gaúcha São Borja. O filme de Silvio Tendler acaba contando uma parte importante da história brasileira, ainda que sua ótica seja parcial, claro, sendo jamais injusta, uma vez que essa voz nunca havia sido garantida ao político, tampouco aos seus adeptos.