Tag: viggo Mortensen

  • Crítica | Um Bom Homem

    Crítica | Um Bom Homem

    O filme do brasileiro Vicente Amorim,  diretor de Corações Sujos e do recente Motorrad, começa com uma viagem de John Halder, o personagem de Viggo Mortensen, que viaja para Berlim durante o ano de 1937 para um encontro cientifico do Reich. O idioma predominante do longa é inglês, tal qual a maioria esmagadora maioria das adaptações estadunidenses a historias passadas na Europa.

    Ja no início percebe-se que Halder fica pouco a vontade com os ritos nazistas. A saudação Heil Hitler que ele faz a Bouhler (Mark Strong) é completamente torta. É curioso como a sua rotina, de professor e pai de família cuja clã passa longe da nobreza é completamente diferente da postura totalitária e supremacista dos tiranos nazistas, dos membros de alto, médio e baixo escalão. Sua disciplina, literatura, prima pela cultura, e a câmera mostra antes dele ter todo o seu conjunto de estudos mudado a força – recomenda-se que ele ministre Marcel Proust – ele vê a força policial empilhando livros na rua, para a queimada que era comum ao Regime, e que foi bem  apontada como prática estatal da utopia de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Não demora nem 10 minutos para perceber o quanto ele não encaixa naquele estilo de vida.

    Halder está escrevendo um romance, e se refugiar na literatura ou em outra arte é o ideal para ter alguma alternativa mental e ideológica que faça esquecer um pouco da situação terrível pela qual passa o país. Maurice, interpretado por Jason Isaacs verbaliza isso, essa sensação de infortúnio e agonia, e acrescenta adjetivos a figura do chanceler e líder da nação que Adolf Hitler foi, isso tudo antes até do conflito da Segunda Guerra ocorrer.

    Halder, sob pressão,  acaba se afiliando ao Partido Nacional Socialista, fato que deixa Maurice nervoso, apreensivo e decepcionado com ele. É curioso como a ascensão política do protagonista se dá exatamente quando ele dá vazão a um relacionamento extra conjugal com uma aluna. John se acha justificado ao lado dos conservadores exatamente por ir na contra mão da tradição, família e propriedade, sendo infiel em seu matrimônio, no entanto essa super correção afeta diretamente seu melhor amigo,  uma vez que Maurice tem origem hebraica.

    O homem bom do titulo brasileiro – não muito diferente do original, Good – se refere ao quão frágil e mentirosa é a caracterização do cidadão de bem, já nos anos 30 do século XX, como atualmente. O comportamento conservador e de alto controle sobre os atos da população esconde uma postura hipócrita de super correção para terceiros onde os poderosos e mandatários não praticam as mesmas coisas. John ao se aliar ao partido e ao permitir ter seu nome vinculado a SS, mesmo que simbolicamente, o faz padecer de um apoio a tirania de maneira irrestrita quase. O silêncio dos bons aumenta o coro dos maus, e ser conivente com o intolerante além de fortificar essa intolerância, endossa o completamente de uma forma que em ultima analise se torna também uma forma de exclusão e opressão também.

    Muitos críticos defenestraram Um Bom Homem por associar uma indiscrição sexual amorosa com o flerta ao fascismo, no entanto a associação que o roteiro de John Wrathall (baseado na peça C.P. Taylor) claramente não parece ter essa intenção, e sim de demonstrar o quão egoísta o homem pode ser e o quão hipócrita é a faceta dos moderados ou pseudo moderados que apoiam regimes extremistas em troca de benefício próprio. John é mesquinho e egocêntrico, mesmo começando o filme com ótimas intenções. A confusão mental pelo qual ele passa nos últimos 25 minutos é uma boa prova disso, que ele se deixou corromper pela benesses do poder, incluindo aí a facilidade em esconder um caso que teve e que com o tempo, simplesmente perde importância para si.

    O maior legado do filme é denunciar como não se pode subestimar em momento nenhum o poderio e o fascínio que o fascismo faz com quem está no poder, tampouco achar que as autoridades que se munem desse pensamento e ideologia são inofensivas. Não há banalidade ou humor nessas posturas absolutistas, e o preço para quem não fica vigilante e para quem se isenta de responsabilidades, é o de ser igualado em caráter e comportamento aos executores. Toda essa mensagem é bem traduzida graças a entrega de Mortensen e Isaacs, mas também ao cuidado de Amorim com a sua incursão no cinema estrangeiro, conseguindo trazer um filme equilibrado, driblando até a questão obvia do melodrama absurdo, denunciando o autoritarismo com uma carga sentimental bem forte.

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  • Crítica | Green Book: O Guia

    Crítica | Green Book: O Guia

    A historia de Green Book – O Guia começa em Nova York, no ano de 1962, em um evento social numa boate chamada Copacabana, onde o espectador é apresentado a Tony Lip (Viggo Mortensen),um segurança ítalo-americano, que aparece no local para mais um dia comum, onde tem de conter conflitos na casa noturna.  Tony fica sem trabalho, e com o tempo, aceita uma estranha proposta, do famoso músico Don Shirley (Mahershala Ali), para que fosse seu motorista particular. O protagonista faz uma proposta alta e é coberto.

    O filme de Peter Farrelly marca aparentemente uma nova fase na carreira do diretor, que costumava dirigir filmes com seu irmão, Bobby Farrelly. A ultima vez que ele havia feito um filme solo foi em Debi e Loide, em 1994, e obviamente que, apesar de ter algumas pitadas de humor, especial na família de Lip, formada por italianos barulhentos e gesticuladores como manda a caricatura dos mesmos. A abordagem desse é tão ou mais estereotipada quanto os italianos vistos em Todo Mundo Odeia o Chris, em alguns pontos, até mais apegado ao pastiche que os negros da série, o que é péssimo, pois o programa de Chris Rock tinha um caráter bem diferente, mas nonsense que este Green Book.

    As viagens rumo aos locais onde Doc (é assim que Tony o chama) tocará são cortados por diálogos mordazes entre patrão e empregado, em conversas que invertem expectativas e mostram dois homens de formações bem diferentes, o homem negro é erudito e polido, enquantoo o descendente de europeus é mais popular, com gostos usuais, o verdadeiro homem comum. A troca de experiências dos dois é desenvolvida gradualmente e contem momentos bem engraçados e curiosos.

    Há discussões sobre Little Richards, Aretha Franklin e outros musicistas que Doc não conhece e não costuma apreciar. Além de momentos onde o empregado tem que salvar seu patrão de enrascadas, causadas basicamente por  conta dele querer tomar um drink em um bar, o que nos anos sessenta era demais para um homem negro. Esse é só um episodio de discriminação que ele sofre ao longo das pouco mais de duas horas de exibição. Doc, em sua zona de conforto é tratado como aristocrata, sem muitas diferenças entre ele e os brancos, mas basta estar em outro cenário que mesmo funcionários rasos de casas de show o tratam como alguém menor, como alguém que mal se enquadra nos padrões de humanidade.

    Shirley passa o filme inteiro prestes a estourar, por uma junção de fatores bem tangíveis. Em discussões que tem com seu subordinado, o trabalhador declara que sua realidade é bem mais precária que a dele, ao passo que Doc quando não está no castelo em que mora é tratado como qualquer outro negro segregado, e o comentário social que o roteiro de Nick Vallelonga faz serve para outras minorias também.

    O final do filme é bastante conciliador, mostra que cada personagem aprendeu sua lição moral, o que o faz soar como uma propaganda de margarina. O roteiro que foi vencedor de algumas premiações carece de uma resolução mais contundente, e obviamente que tem que se levar em conta claro que é baseado em uma história de verdade, no entanto isso não explica a falta de um dinamismo maior. O filme talvez passe por um esquecimento/boicote na maioria das premiações por conta de escândalos políticos envolvendo Vallelonga, mas independente disso ele toca em questões sociais pontuais e tem um desempenho excelente da parte de Ali e Mortensen, que além de terem uma química invejável, conseguem também ter performances individuais magistrais.

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  • Crítica | Senhores do Crime

    Crítica | Senhores do Crime

    Com roteiro de Steven Knight, esta é mais uma parceria de David Cronenberg e Viggo Mortensen que, a exemplo de Marcas da Violência, deu certo. Tanto a direção de Cronenberg como a atuação de Mortensen estão impecáveis. Uma ótima explanação sobre como construir uma narrativa concisa e estruturar um personagem excepcionalmente crível. É perceptível a evolução de ambos, em comparação ao anterior.

    Assim como Marcas da Violência, o filme se inicia com cenas fortes, perturbadoras. Mal tendo tempo se ajeitar na poltrona, o espectador assiste a um acerto de contas bastante sangrento em uma barbearia e a um parto – igualmente trágico – de uma adolescente que morre ao dar à luz. As sequências dão início às duas linhas narrativas da trama: uma vingança familiar envolvendo a máfia russa de Londres e o destino de uma jovem imigrante sob a proteção de um clã, cuja trajetória será revelada aos poucos através da tradução de seu diário.

    A crueza e a violência não são gratuitas. A direção segura de Cronenberg não deixa que descambe para a banalidade. Apesar de o espectador saber desde o início que a trama envolve a versão russa da Cosa Nostra ou da Yakuza, a Vory v Zakone, fica difícil categorizar o longa-metragem. Os detalhes da estória e do caráter de cada personagem são revelados aos poucos, causando certa inquietação enquanto assistimos. Não há como prever o que virá a seguir.

    O estranhamento causado pelos temas escolhidos para seus filmes se encontra presente, não tão explícito, mas mesmo assim inconfundível. Percebe-se, pelas gargantas cortadas, pelos dedos decepados, pelas peles tatuadas, a obsessão orgânica do diretor, tão evidente em Gêmeos: Mórbida Semelhança, de 1988. Mas aqui está contrabalançada por outras questões não menos vigorosas. Destaque para a solidão sistemática dos personagens centrais: o filho psicopata marginalizado (Vincent Cassel), a parteira em busca de respostas (Naomi Watts), o motorista enigmático (Viggo Mortensen), a jovem prostituta sem esperanças (Sarah-Jeanne Labrosse).

    Mortensen mais uma vez se transforma. A interpretação concisa e contida é hipnótica. Nitidamente dedicado à mesma técnica de caracterização que Robert De Niro, Marlon Brando e Al Pacino, veste o personagem como se fosse uma segunda pele. “O diabo está nos detalhes”. As tatuagens, o sotaque, os maneirismos parecem pertencer a ele, não ao personagem.

    Armin Mueller-Stahl, Watts e Cassel também estão muito bem em seus papéis. O personagem de Mueller-Stahl, Semyon, chega a lembrar um pouco Don Corleone. Como se não bastasse, a trama é envolvente, a fotografia é primorosa – vide a nítida diferença entre os ambientes da Vory e de Anna. E a trilha sonora – sensatamente silenciada em alguns momentos – é bastante competente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Capitão Fantástico

    Crítica | Capitão Fantástico

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    Capitão Fantástico foi uma das grandes surpresas de 2016 após estrear no Festival de Sundance, ganhar o prêmio Certo Olhar em Cannes e na escolha do público no Festival de Roma.

    Ben educa sozinho seus seis filhos nas florestas do noroeste dos Estados Unidos, até que sua esposa bipolar morre em um hospital psiquiátrico e eles têm de enfrentar a civilização indo até o seu funeral.

    O roteiro do próprio Matt Ross – que também dirige o filme – se fundamenta em um preceito básico: o preço da liberdade. Educar os filhos por conta própria, o tão criticado homeschooling, tem se tornado cada vez mais comum nos EUA e em outros países da Europa, porém o roteiro subverte essa lógica ao apresentar a educação caseira baseada em uma difícil sobrevivência na selva, literatura clássica, cultura geral e política por um viés de esquerda.

    Outra subversão é a jornada de autoconhecimento que a família passa. Apesar de eles se acharem intocados pela sociedade capitalista fascista de consumo, é lá que eles encontram o conforto que tanto precisam, a sua família. Este é o ponto alto do roteiro, o choque da família com quem eles encontram no caminho, principalmente seus parentes, é o que deixa o filme cômico e mais interessante, e que servem à premissa da obra.

    Por último, outra discussão que a história levanta é a discussão política de toda a esquerda através da educação que Ben dá aos filhos, onde um é anarquista, outra é taoista, e, claro os marxistas. Neste ponto, o filme é pragmático ao mostrar que a educação caseira de Ben não passava de uma ilusão, e a ironia é a tentativa de proteger os filhos do convívio em sociedade ou quem sabe de perdê-los para outras ideologias.

    O elenco é outro ponto alto do filme. Viggo Mortensen é o grande nome e segura bem as pontas como um pai frustrado que tenta manter a família unida. As crianças estão todas bem, cada um a sua maneira; destaque ainda para a pequena e sempre ótima participação de Frank Langella.

    A direção de Matt Ross é consistente e o seu domínio da narrativa é visível, principalmente no começo da obra e até a sua metade. Ela cai um pouco de qualidade no terceiro ato ao focar no drama familiar e perder um pouco da discussão política, porém fez o dever de casa ao não esquecer da dramaturgia.

    A fotografia de Stéphane Fontane é naturalista e se destaca nas cenas da floresta, assim como e a edição pontual e bem cadenciada de Joseph Krings. Capitão Fantástico deve agradar quem busca uma história original e diferente que traz questionamentos relevantes para a discussão política na sociedade.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Jauja

    Crítica | Jauja

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    Quando o exercício filosófico brota de uma realidade bruta, a favor e servindo a uma mitologia moldada em delírio, instintos, carma e a coragem natural que move o espírito de um pai, no caso, em busca da filha e seu sonho de vida, e principalmente, à procura de seu papel no mundo. Uma viagem pelo subconsciente insondável e imprevisível de um homem, de psiquê por vezes violenta e melancólica, tal qual a nossa, transvestida em forma de deserto e danação. Bem-vindo a Jauja, um cenário sem fim como base a infinitas expedições e interpretações.

    O diretor Lisandro Alonso  externiza esse subconsciente, essa parte sombria e tão pouco inexplorada de cada um de nós, na dúvida de que tudo ali, na tela à nossa frente, não passa de uma fantasia moldada pela ambição humana e a poesia visual exuberante em cada plano (poesia assinada pela energia dos planos, e do tempo, desses planos em cena), partes de um quebra-cabeça ambíguo e questionável, de propósito, para uma definição única. A tanto, há uma trama bem simples para os que gostam de racionalizar as coisas: no meio de uma expedição a fim de encontrar o mítico destino homônimo nunca antes alcançado, espécie de terra prometida, pai e filha, carne do general Gunnar, são separados sem motivo aparente. Aliás, é a falta de esclarecimentos em qualquer leitura de qualquer camada da trama, junto à poesia já mencionada, que torna Jauja um desses enigmas visuais cuja narrativa vale mais que as (impossíveis) conclusões.

    Nós, a certo ponto, percebemos assumir o papel de Gunnar (Viggo Mortensen), ou seja, nos tornamos os exploradores da terra que este vaga, sem fim, visando miragens e espectros na pradaria argentina sob o sol escaldante, sob a luz das estrelas; talvez pedaços de si mesmo, alucinações que fazem parte do mero ser. É claro que nesta circunstância, se para ele o que vale são as descobertas, a nós o que vale é o caminho. Ao público, a ficha cai aos poucos, inconscientemente, muito antes de percebermos, na experiência coletiva de uma sala de cinema, quando já fomos engolidos pela escala transcendental do filme. E se a Gunnar é concebido o desprendimento forçado de sua filha, o próprio filme nega e se separa da história, afinal um filme é sempre maior que as palavras – incluindo as desta crítica, feito que Jauja alcança desde a estranha atração que sentimos, no início da projeção, na tela de formato 4:3, achatando um universo para que seja a nossa tarefa expandi-lo, engrandecê-lo, com a imaginação de quem vê e sente o poder do audiovisual.

    De Platão: “Tente mover o mundo – o primeiro passo será mover a si mesmo.” Mover-se num universo que nos atrai e repele, este achatado pelas dimensões da câmera, e que não pode, nem passa despercebido por quem nele embarca de cabeça. Uma trilha banhada pela luz e a escuridão que encontram os seres jogados à própria sorte. Um filme sobre dimensões internas, exteriorizadas nas veias ora da representação teatral ao ar livre, ora de uma ficção permeada em metáforas e signos e elementos além de nossa vã filosofia casual. Filme livre, de peito e mente aberta num ângulo de 360º que nada condiz com sua forma de exibição, mas cuja abertura crítica não encontra limites junto ao término da sessão, sendo então o começo de uma reflexão bem-vinda. Filme que pede nossa atenção e lucidez para nos guiar por um espaço-tempo tão encantador, quanto particular. Filme filho de Leone, Bresson, Resnais e tantos outros. Jauja é uma aula de educação artística, obra platônica oriunda da atração coletiva e individual pelas curvas, e veredas, do desconhecido.

  • Crítica | As Duas Faces de Janeiro

    Crítica | As Duas Faces de Janeiro

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    Em sua primeira aventura solo como diretor de longas-metragens, Hossein Amini pretende construir uma história em que os participantes têm fortes pecados morais, restando quase nenhuma opção para o público torcer. No passado de Amini como roteirista, incluem-se filmes como Drive, 47 Ronins e Branca de Neve e o Caçador. Essa miscelânea que compreende sua filmografia ajuda a traçar o esboço do que seria seu As Duas Faces de Janeiro, que trata da criminalidade – vista no filme com Gosling –, assim como mostra-se o intuito comercial – presente no filme com Reeves – e a desconstrução de mitos do conto de fadas repaginado, ao adaptar o livro homônimo de Patrícia Highsmith.

    O tripé de personagens centrais envolve o casal de americanos Chester MacFarland (Viggo Mortensen) e Colette MacFarland (Kirsten Dunst), os quais viajam pela Grécia em um encontro romântico. A diversão que os acomete é interrompida pela presença de Rydal (Oscar Isaac), um guia turístico bastante carismático, mas que esconde em seu sorriso e no verniz social um comportamento de vigarice, se aproveitando freneticamente dos viajantes carentes, e vendo no casal MacFarland, uma boa possibilidade de golpe quase certo, dada a ingenuidade dos dois.

    Ao visitar a dupla, Rydal acaba se deparando com um evento entrópico, com Chester saindo de seu quarto com um cadáver, tentando enganar a ele e a qualquer outra pessoa que viu a cena, fingindo estar cuidando de um amigo bêbado. Logo, o destino do casal e o do malandro se conectam, fazendo da união algo necessário, porém não muito agradável, fato consumado ao analisar as feições tensas de cada uma das partes.

    A tarifa cobrada a Chester pelo segredo que guarda é demasiado alta. Seus níveis de tensão e ansiedade aumentam com o tempo, deixando sua psiquê frágil e seu comportamento errático. Devaneios provindos da insegurança o fazem desconfiar até de seu par, com o marido achando que sua cônjuge tem um caso com seu cúmplice. A ambiguidade da questão é levada por grande parte da fita, o que proporciona ao filme um clima de teoria da conspiração durante toda sua duração.

    Logo, a crise acomete o trio de viajantes, como em um Na Estrada, cuja bad trip é ainda mais exagerada e calcada na inconfiabilidade. Os papéis de fidelidade se invertem, visto que Colette não olha mais para seu marido com o mesmo respeito de antes; em seu lugar, entram questões básicas, como o questionamento da lealdade, que são tão fortes na argumentação que fariam até do possível adultério algo muito subalterno comparado ao crime cometido.

    Aos que restam, fica a necessidade de apoio mútuo. Em uma sociedade macabra, semelhante a da premissa do hitchcockiano Pacto Sinistro (outra obra de Highsmith), e emulando-se também a relação eufemisticamente abordada em um pacto de sangue presente em Festim Diabólico, a básica diferença que há neste, As Duas Faces de Janeiro, é que a credibilidade entre os criminosos é nula.

    A conclusão da trama é salientada por uma perseguição frenética, cujo suspense predomina no drama e nos personagens. Os dois homens, antes simpáticos um ao outro, chegam ao ponto de tornarem-se inimigos mortais, para, então, reatar o coleguismo, enxergando-se mutuamente como errados, mas ainda assim, iguais, análogos àquele universo errático, onde até a moral e ética são conceitos discutíveis. A entrega de Chester a Rydal exibe uma compreensão madura de que, mesmo ante a possibilidade de traição, o sentimento que deveria predominar era a cumplicidade, para o bem e para o mal.

  • Crítica | Na Estrada

    Crítica | Na Estrada

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    Walter Salles é um diretor que gosta de road movies: Central do Brasil e Diários de Motocicleta, seus dois filmes mais conhecidos, se passam quase inteiros na estrada. Foi provavelmente o sucesso na biografia de Che Guevara que fez com que Francis Ford Coppola (detentor dos direitos do romance e produtor executivo de Na Estrada) desse a Salles a direção de um filme que parecia impossível de ser feito (Gus Van Sant e Joel Schumacher já haviam desistido da adaptação).

    Salles prova que sim, Na Estrada era um livro adaptável e inclusive bastante cinematográfico, mas talvez sua vontade de ser fiel ao romance impeça o filme de ser extraordinário.

    Na Estrada é um bom filme e, principalmente, uma boa adaptação: é fiel ao espírito do livro e a maior parte de sua trama, bem atuado, com fotografia impecável, edição eficiente e bons planos na maior parte. Mas é um filme que poderia ser excelente.

    Salles constrói bons contrastes: entre Sal e Dean; Marylou e Camille; Nova Iorque e a Califórnia; entre planos fechados, cheios, quase claustrofóbicos e enormes paisagens abertas; a linguagem direta, simples e apressada de Jack Kerouac e as frases longas e pomposas de Proust (Sal carrega No Caminho de Swann por quase todo o filme). Mas tudo isso não parece se achar no filme que não explora a fundo as contradições e os personagens que tem na mão. Da mesma forma a beleza da fotografia acaba servindo apenas pra isso, não tem função narrativa, não ajuda na construção de uma ideia, o que é uma pena vindo do diretor de Abril Despedaçado.

    Em diversos momentos o diretor faz mais literatura do que cinema, se apoia mais em diálogos e na narração em off do que nas imagens que possui e na boa atuação dos protagonistas. Aliás, um dos grandes méritos do filme é o trabalho dos atores, com um destaque surpreendente para Kristen Stewart, que  equilibra bem o apelo e a fragilidade de Marylou e consegue não ficar apagada perto do trabalho Kirsten Dunst.

    A impressão final é de um diretor com medo de seu material original: um medo de se distanciar do livro, que faz com que o filme perca em linguagem, e medo de cortar passagens, o que o torna um pouco longo e cansativo. Não é um filme ruim, mas não é o filme que Walter Salles poderia fazer, há um encantamento e um frescor em Diários de Motocicleta que deveriam estar presentes aqui, mas não estão.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | A Estrada

    Crítica | A Estrada

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    O que a estrada nos oferece? Aonde ela nos leva? Há sequer um destino?

    Essas questões permeiam a jornada de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) na brutal, crua e também simples realidade em que se encontram.

    Sobrevivência (ou a luta por ela) é o que mantém a relação quase simbiótica dos personagens principais. Em um mundo exaurido de recursos, percebemos que de nada adianta lutar para manter a integridade física se a sanidade mental se esvai, ponto bem representado pela personagem de Charlize Theron. O filho, por sua simples existência provê essa sanidade ao pai, o mantém em foco, dá a este homem um final objetivo de vida: preparar o filho para sobreviver neste mundo, quando ele não mais fizer parte dele.

    Após um evento cataclísmico que pouco nos é explicado, percebemos que o mundo vive agora um cenário de pós-guerra nuclear, onde a luz do sol se tornou uma vaga lembrança, e nos resta apenas paisagens áridas e desoladas a serem contempladas. Pai e filho partem em uma jornada determinados a chegar à costa americana, com uma vaga e ingênua esperança de que as coisas simplesmente serão melhores por lá. O destino da jornada no entanto, se mostra apenas um detalhe, quase um subterfúgio mental quando analisamos a obra de uma forma mais profunda.

    Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy (autor de Onde os Fracos Não Têm Vez), a direção de John Hillcoat e o roteiro de Joe Penhall mantêm o teor sombrio da obra. A fotografia do filme proporciona exatamente o tom que A Estrada quer nos passar. Um mundo sem vida, cinza, com o inverno nuclear sempre presente.

    Neste cenário não há espaço para sutilezas ou eufemismos. Sobra sim o grotesco, o visceral, o medo generalizado de qualquer outro ser que possa cruzar o seu caminho. Qualquer um que possa querer tomar o pouco alimento que lhe resta, seu abrigo, ou simplesmente seu precioso sapato.

    A resposta deste medo é representada ao extremo no personagem de Viggo, com uma atuação tocante e verdadeira, conseguimos ver e compreender em seu olhar, em seu corpo corrompido, o que este homem sofreu e o que ele é capaz para manter imaculada (outro esperança ingênua) sua prole.

    Poucos filmes pós-apocalípticos tratam o tema com tamanha crueza e subjetividade. Muitos enveredam por caminhos onde a ação desenfreada ou o escapismo ficcional acabam se sobressaindo, deixando pouco espaço para uma reflexão sobre questões humanas primordiais dentro do cenário escolhido. Sejam elas de sobrevivência, relação interpessoal ou até mesmo de confiança. Esta última, vale notar, ainda presente no garoto e quase que completamente esgotada no pai. Mais um ponto interessante na relação pai/filho do filme.Pode-se questionar a verossimilhança do modos operandi de alguns grupos retratados no filme na luta pela sobrevivência. Mas basta um pouco de reflexão histórica para percebermos que os atos que nos causam mais asco no filme, não seriam assim tão difíceis de serem concretizados pela nossa natureza animalesca.

    A jornada empreendida aqui é análoga a caminhos tortuosos trilhados por todos nós. Viggo não sabe o que vai encontrar na costa, nem exatamente por que decidiu ir para lá. Mas sabe sim que não pode ficar estático, inerte ao destino reservado para ele e seu filho. Sabe que não pode parar, em certo momento abre mão até de certos recursos que ele sabe serem indispensáveis para ele e para o garoto. Este, não compreende a obsessão do pai, a importância de terem um objetivo final traçado, a sua (sempre presente) desconfiança para com o mundo deixado para eles. Um mundo destruído, sem cor, morto… e ao mesmo tempo, real.

    Texto de autoria de Amilton Brandão.

  • Agenda Cultural 02 | Loucas na Gaiola, Duelo de Aliens e um Coelho Branco no Fim do Mundo

    Agenda Cultural 02 | Loucas na Gaiola, Duelo de Aliens e um Coelho Branco no Fim do Mundo

    We’re back! Segunda edição da Agenda Cultural com Flávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc), se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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    Comentados na edição

    Quadrinhos

    Resenha Loveless: Terra sem Lei

    Games

    Crysis 2

    Música

    Megadeth (show)
    Ratt – Infestation

    Séries

    Review | V: Visitors

    Teatro

    Gaiola das Loucas

    Cinema

    Crítica Utopia e Barbárie
    Lissi no Reino dos Birutas
    Crítica Sonhos Roubados
    Mais que o Máximo
    Crítica A Estrada
    Crítica Alice no País das Maravilhas

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