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  • Crítica | Cruella

    Crítica | Cruella

    Navegando na onda de live actions da Disney que adapta seus clássicos para novas versões, Cruella de Craig Gillespie mira remontar a história da Cruella De Vil, vilã do clássico 101 Dálmatas, como uma espécie de anti-heroína mal compreendida, tal qual ocorreu com Malévola anos antes. O filme protagonizado por Emma Stone é estiloso, tem uma edição semelhante aos populares videoclipes da MTV típicos dos anos 90, e se vale de uma trilha cheia de sucessos do rock e do pop para exibir a história de Estella, uma garota que ainda na infância, em 1964, perde sua mãe em um momento de confusão com a Baronesa (Emma Thompson).

    Narrado em primeira pessoa pela protagonista, o filme da um salto de dez anos e apresenta a personagem se dedicando ao sonho de ser estilista tal como a Baronesa, alguém que a antagoniza. Além disso, Estela passa o restante do tempo em trambiques com dois ladrões que conhece ainda criança, após se tornar órfã.

    O roteiro é simples. Apresenta-a negando a própria identidade, pintando seu cabelo bicolor de preto e branco, como era no desenho original de 1961, como um disfarce, fingindo-se de normal. Mostra o trauma sofrido ao lado da mãe e, lógico, trata de uma história de vingança de personagens bem parecidos. Porém, em nenhum momento ela é pintada como uma mulher má, maquiavélica ou algo que o valha, por mais que hajam algumas sugestões disso durante a história.

    Os aspectos negativos englobam a narração extremamente expositiva e irritante que Stone protagoniza. Além do excesso de efeitos digitais ao mostrar os animais. O intuito de não colocar pets em risco faz com que o filme soe artificial. Os cães se encaixam mal em cena, não tem consistência, parecem bonecos. Sob esse aspecto, o filme não fica bom nem quando é comparado ao recente A Dama e o Vagabundo, feito direto para o streaming no Disney +, com um orçamento mais enxuto.

    Além da questão visual, há outros elementos que comprometem a suspensão de descrença dentro da trama. No intuito de vingar sua mãe que morreu sendo acusada de roubar, Estella resolve roubar para sobreviver, trazendo a estranha mensagem de que a natureza de sua família é a contravenção. Outro grave pecado é fazer o publico simpatizar pela personagem e depois nos levar a acreditar que ela maltratou e assassinou os cães, para somente depois mostrar que isso era um despiste. Tudo é bastante inverossímil e barato e piora em perspectiva quando se percebe o amontoado de clichês que rodeiam os personagens periféricos.

    Apesar da beleza dos figurinos, cenários e fotografia do filme (afinal, se o foco narrativo é na moda, é preciso sim cuidar de aspectos de imagem do longa), e do desempenho carismático de Stone,  o texto não acompanha isso. Nada faz crer que a personagem da Baronesa, com os olhos meticulosos de uma estilista, não perceberia o ardil de Estella-Cruella. O passado da personagem central apela para a melancolia, e ainda se acovarda em unir o seu drama com a velha condição de filiação maldita, que piora ao ser comparada com a fracassada tentativa de Cruella em soar dicotômica.

    Thompson ao menos entrega uma boa vilã, mas o resto do elenco é sub aproveitado, incluindo ai Mark Strong que parece mais um substituto a Stanley Tucci no começo da carreira, como o bom mordomo inglês, outro jargão do cinema moderno. Cruella erra muito na pretensão. Seu texto é simples mas apegado demais a formulas. Tenta embalar sua história com músicas e narrações como as obras de Martin Scorsese e como foi com o recente Coringa, mas não tem peso ou consistência para sustentar essas comparações. Ao contrário, parece um pastiche de uma personagem icônica.

  • Crítica | Um Bom Homem

    Crítica | Um Bom Homem

    O filme do brasileiro Vicente Amorim,  diretor de Corações Sujos e do recente Motorrad, começa com uma viagem de John Halder, o personagem de Viggo Mortensen, que viaja para Berlim durante o ano de 1937 para um encontro cientifico do Reich. O idioma predominante do longa é inglês, tal qual a maioria esmagadora maioria das adaptações estadunidenses a historias passadas na Europa.

    Ja no início percebe-se que Halder fica pouco a vontade com os ritos nazistas. A saudação Heil Hitler que ele faz a Bouhler (Mark Strong) é completamente torta. É curioso como a sua rotina, de professor e pai de família cuja clã passa longe da nobreza é completamente diferente da postura totalitária e supremacista dos tiranos nazistas, dos membros de alto, médio e baixo escalão. Sua disciplina, literatura, prima pela cultura, e a câmera mostra antes dele ter todo o seu conjunto de estudos mudado a força – recomenda-se que ele ministre Marcel Proust – ele vê a força policial empilhando livros na rua, para a queimada que era comum ao Regime, e que foi bem  apontada como prática estatal da utopia de Ray Bradbury, Fahrenheit 451. Não demora nem 10 minutos para perceber o quanto ele não encaixa naquele estilo de vida.

    Halder está escrevendo um romance, e se refugiar na literatura ou em outra arte é o ideal para ter alguma alternativa mental e ideológica que faça esquecer um pouco da situação terrível pela qual passa o país. Maurice, interpretado por Jason Isaacs verbaliza isso, essa sensação de infortúnio e agonia, e acrescenta adjetivos a figura do chanceler e líder da nação que Adolf Hitler foi, isso tudo antes até do conflito da Segunda Guerra ocorrer.

    Halder, sob pressão,  acaba se afiliando ao Partido Nacional Socialista, fato que deixa Maurice nervoso, apreensivo e decepcionado com ele. É curioso como a ascensão política do protagonista se dá exatamente quando ele dá vazão a um relacionamento extra conjugal com uma aluna. John se acha justificado ao lado dos conservadores exatamente por ir na contra mão da tradição, família e propriedade, sendo infiel em seu matrimônio, no entanto essa super correção afeta diretamente seu melhor amigo,  uma vez que Maurice tem origem hebraica.

    O homem bom do titulo brasileiro – não muito diferente do original, Good – se refere ao quão frágil e mentirosa é a caracterização do cidadão de bem, já nos anos 30 do século XX, como atualmente. O comportamento conservador e de alto controle sobre os atos da população esconde uma postura hipócrita de super correção para terceiros onde os poderosos e mandatários não praticam as mesmas coisas. John ao se aliar ao partido e ao permitir ter seu nome vinculado a SS, mesmo que simbolicamente, o faz padecer de um apoio a tirania de maneira irrestrita quase. O silêncio dos bons aumenta o coro dos maus, e ser conivente com o intolerante além de fortificar essa intolerância, endossa o completamente de uma forma que em ultima analise se torna também uma forma de exclusão e opressão também.

    Muitos críticos defenestraram Um Bom Homem por associar uma indiscrição sexual amorosa com o flerta ao fascismo, no entanto a associação que o roteiro de John Wrathall (baseado na peça C.P. Taylor) claramente não parece ter essa intenção, e sim de demonstrar o quão egoísta o homem pode ser e o quão hipócrita é a faceta dos moderados ou pseudo moderados que apoiam regimes extremistas em troca de benefício próprio. John é mesquinho e egocêntrico, mesmo começando o filme com ótimas intenções. A confusão mental pelo qual ele passa nos últimos 25 minutos é uma boa prova disso, que ele se deixou corromper pela benesses do poder, incluindo aí a facilidade em esconder um caso que teve e que com o tempo, simplesmente perde importância para si.

    O maior legado do filme é denunciar como não se pode subestimar em momento nenhum o poderio e o fascínio que o fascismo faz com quem está no poder, tampouco achar que as autoridades que se munem desse pensamento e ideologia são inofensivas. Não há banalidade ou humor nessas posturas absolutistas, e o preço para quem não fica vigilante e para quem se isenta de responsabilidades, é o de ser igualado em caráter e comportamento aos executores. Toda essa mensagem é bem traduzida graças a entrega de Mortensen e Isaacs, mas também ao cuidado de Amorim com a sua incursão no cinema estrangeiro, conseguindo trazer um filme equilibrado, driblando até a questão obvia do melodrama absurdo, denunciando o autoritarismo com uma carga sentimental bem forte.

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  • Crítica | Shazam!

    Crítica | Shazam!

    Cercado de expectativas, ainda mais após Aquaman ter  dado tão certo com publico e crítica especializada, Shazam! finalmente chega ao circuito comercial de cinema mundial, no entanto, já no início se indica que este é um filme independente de Homem de Aço, Batman vs Superman, Liga da Justiça e outros crossovers, tanto que nem tem a já tradicional animação da DC que também esteve no filme de James Wan e em Mulher Maravilha. David F. Sandberg teve a árdua missão de fazer um filme que soasse juvenil, divertido e diferente de toda a atmosfera que Zack Snyder tinha feito, e o caminho pavimentado antes por Wan é muito bem conduzido, sendo esse um longa-metragem algo bem diferente de tudo que foi feito na nova fase de heróis da Warner Bros.

    As primeiras cenas do filme mostram um jovem, atormentado por uma rejeição provinda de seu pai, que aliás é  interpretado por Jon Glover, o mesmo que fez o Homem Florônico em Batman e Robin, e foi o pai de Lex Luthor em Smallville, o interprete serviu de introdução portanto em três vilões em adaptações  da DC Comics. Neste início, o jovem Chad Silvana tem um encontro mágico com seres mitológicos, e a partir daí começa uma obsessão pela mágica. Esse menino se tornaria no futuro o ator Mark Strong, que faz um sujeito curioso, rico, que tem problemas sérios com seu pai e desconta toda sua frustração nessa busca.

    Em paralelo a isso, são mostrados alguns garotos órfãos, sendo o primeiro deles, Billy (Asher Angel) um menino que se perde de sua mãe e que cresce entre orfanatos, casas de adoção e reformatórios, além de Freddy Freeman (Jack Dylan Grazer), um menino hiperativo que é louco pela cultura de super heróis. O primeiro é adotado por uma família que costuma trazer meninos e abandonados para casa, enquanto o segundo já faz parte dessa casa. Os dois tem de lidar com a questão de não terem pais, além das  questões comuns a puberdade. Os dois são acompanhados por outros irmãos, cada um com sua importância e personalidade, sendo eles Darla, Pedro, Eugene  e Mary.

    Sandberg consegue colocar colocar pitadas de terror muito bem empregadas, e por mais que não seja do gênero, é mais assustador que Quando as Luzes se Apagam. Suas criaturas monstruosas são bem feitas e causam medo,  mesmo quando soam artificiais. Esses opositores, somados ao vilão maniqueísta servem bem a construção do conflito entre o ideal de Campeão do Relâmpago que vivo que Shazam/Capitão Marvel deveria ser, em confronto com a realidade dele ser um herói em formação, afinal, seu alter ego é também muito novo, vive na puberdade e tem seu caráter em formação. Como diz o mago de Djimon Hounsou (em uma participação especial bem legal por sinal), ele não é perfeito, mas é o herói que pode ser o campeão do antigo conselho dos magos que se foram.

    O roteiro repercute bem a questão da orfandade e do abandono parental, de um modo bem diferente dos quadrinhos, mas igualmente sentimental, alias é neste ponto que Billy se diferencia totalmente de Silvana ele é mais maduro e digere melhor a rejeição que o vilão , e isso ele aprende com seus irmãos adotivos, sobretudo Mary e Darla, estabelecendo assim uma união familiar melhor trabalhada até que a origem de Geoff Johns e Gary Frank em Shazam Com Uma Palavra mágica.

    O filme ainda guarda boas referências aos quadrinhos, como as que homenageiam Shazam e A Sociedade Monstruosa do Mal! de Jeff Smith, além de uma escolha de trilha sonora que funciona bem demais, mesmo em suas contradições, como quando passam os créditos, que além de ter uma animação ao estilo Deadpool, ainda é acompanhada pelo clássico dos Ramones I Don’t Want to Grow Up, que faz lembrar uma boa frase de Freddy Freeman nos quadrinhos, de que Billy se corrompeu e tornou chato ao agir como adulto, já a versão  de Zachary Levi não é isso, ao contrário, o ator está bem a vontade no papel e parece talhado para fazer um homem tão poderoso com a mentalidade de um moleque, além de ter uma química monstruosa com Grazer, estabelecendo um bromance melhor até do que a versão infantil dos dois interagindo. A escolha  dos produtores por não fazer do personagem um herói grandioso conforme as revistas antigas da editora Fawcett, e sim apelando para a fase em que a DC adquiriu as propriedades intelectuais do personagem funciona aqui, apesar de gerar curiosidade para uma versão sua que fosse mais séria e poderosa como a original

    Shazam! lembra um filme de herói tipico da Disney, escapista e fantasioso como Rocketeer, divertido e engraçado num nível que nem os filmes iniciais da Marvel conseguiram, ao mesmo tempo não se parece com praticamente nenhum filme de herói recente, causa um fascínio semelhante ao Batman de Tim Burton, mas com una aura mais despretensiosa e sem medo de ser puramente uma historia infanto juvenil.

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  • Crítica | Kingsman: O Círculo Dourado

    Crítica | Kingsman: O Círculo Dourado

    A carreira de Mathew Vaughn enquanto diretor é bastante promissora. Sua filmografia passa principalmente por adaptações de quadrinhos, foi assim com Stardust, Kick-Ass, X-men: Primeira Classe e Kingsman: Serviço Secreto. Em Kingsman: O Círculo Dourado, oVaughn retorna para adaptar a continuação dos quadrinhos de seu amigo, Mark Millar, e mais uma vez repete toda a fórmula de sucesso que já está habituado.

    Para muitos, o primeiro Kingsman ficou entre os melhores filmes de 2014, o que é um exagero, uma vez que nele havia apenas o desenvolvimento de uma fórmula pré-estabelecida nas outras traduções do Millarverso, com protagonistas juvenis em situações limites e edição rápida, se valendo do formato de videoclipes. Talvez o diferencial de Círculo Dourado para Serviço Secreto seja o foco no emocional dos personagens, movimento esse muito parecido com o ocorrido em Guardiões das Galáxias Vol. 2.

    O roteiro de Vaughn e Jane Goldman  introduz um novo grupo de vilões, uma organização chamada Círculo Dourado, capitaneada pela excêntrica Poppy (Juliane Moore), uma especialista em robótica que resolve regularizar seus negócios ilegais. Para isso, ela organiza um ataque a Kingsman, obrigando Eggsy (Taron Egerton) e Merlin (Mark Strong) a reinventar a organização, indo até os Estados Unidos, trabalhar com a Statesman, filial americana do serviço.

    A viagem aos EUA serve para fazer diversas piadas com o American Way of Life, seja na figura grotesca do seu presidente (Bruce Grenwold), que é mais uma caricatura inteligente de Donald Trump e seu reacionarismo, como também no modo agressivo e descerebrado que alguns personagens vivem, tanto Poppy, uma psicopata adorável que faz questão de consumir todos os traidores de seu clã, quanto com os membros do alto escalão do Statesman.

    O problema maior dessa versão é que parte dos seus méritos passam longe de serem inéditos, que funciona no primeiro volume funciona, e não tão brilhantemente em sua continuação – fato que talvez justifique as notas baixas nas cabines do filme. As lutas em computação gráfica, por exemplo, abusam de bonecos digitais sem textura, e em transmissões em IMAX se percebe o quão toscos são os personagens brigando. Outro grave sintoma dos novos tempos de filme de heróis, é o retorno de Harry (Colin Firth), que não foi sequer escondido nos primeiros trailers. Não há sequer um impacto emocional do seu retorno em tela, uma vez que já havia sido anunciado em todos os materiais de divulgação.

    Ainda assim e apesar das reclamações por parte dos críticos que achavam o primeiro filme um pseudo-libelo de originalidade no subgênero de super-heróis, Kingsman: O Círculo Dourado segue divertidíssimo, com piadas rápidas e um tom de humor superior ao original, inclusive com uma participação bem ativa de Elton John. Mesmo tendo um discurso sobre a guerra às drogas um pouco anacrônico, todo o restante da aura de espiões super-fantásticos funciona bem, o carisma dos personagens segue intacto, só uma pena que claramente haja uma repetição tão evidente de ciclos dentro do subgênero, e a tendência com o tempo é que tal filão caia em impopularidade, como foram os filmes de brucutus dos anos 1980 e 1990 ou os faroestes pós anos 1960. Somente o futuro dirá.

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  • Crítica | Armas na Mesa

    Crítica | Armas na Mesa

    O dito cinema “liberal” americano vez ou outra entrega filmes promissores com interessantes e profundos debates sobre temas que estão em evidência na sociedade. Porém, quando se faz cinema com um objetivo apenas político sem sensibilidade artística e subestimando o espectador, por vezes temos filmes que apenas raspam na beira de discussões interessantes, mas passam longe de trazer qualquer debate verdadeiramente profundo sobre o que se propõe, e este é o maior problema da nova produção do diretor John Madden, chamado Armas na Mesa (Miss Sloane).

    O filme conta a história de Elizabeth Sloane, personagem ficcional baseada no mundo dos lobistas profissionais do congresso americano, interpretada por Jessica Chastain, que trabalha em uma grande firma do ramo, sempre agindo de formas obscuras no limite da lei. Ao ser contatada pela indústria armamentista para tentar fazer o público feminino comprar armas, tem uma crise de consciência e vai trabalhar em uma pequena firma que quer passar uma lei de controle de armas, mas que quer apenas fazer com que pessoas em listas de terrorismo e criminais não consigam armas tão facilmente, semelhante a polemica que se deu recentemente no país quando Obama lutou em vão para tentar restringir o fácil acesso a armas de fogo no país.

    Ao ter uma suposta crise de consciência, é abordada pelo “outro lado” e vai trabalhar para o lobby a favor de uma maior regulamentação da venda de armas, e aí que a trama começa a desenrolar, pois o telespectador começa a ser jogado de um lado para o outro, como se estivesse vendo um thriller de espionagem, onde uma Elizabeth Sloane começa a ficar cada vez mais fora de controle em sua obsessão pela vitória, o que a leva a decadência final, quando sua antiga equipe a coloca frente a uma comissão de ética do Senado.

    Mas eis que uma antiga e fiel assistente, interpretada por Alison Pill, reaparece. Em uma cena anterior, ela havia sido estabelecida como fiel a Sloane. Depois as duas rompem. E depois, claro, ela se mostra uma infiltrada e na verdade estava trabalhando para Slone durante todo o tempo. Tudo enquanto Sloane dá o seu discurso moralista e destrói a imagem dos bandidos corruptos e malvadões de Washington.

    Desta forma, Armas na Mesa, com a qualidade e orçamento que teve, se tivesse uma história e roteiro à altura, poderia trazer à tona discussões interessantes sobre lobby, sobre o controle de armas, sobre corrupção, sobre qualquer assunto. Mas o que traz é o mesmo moralismo dos libleft americanos e o ar de superioridade intelectual e moral que avassala as produções do gênero. E contar com uma parte do elenco de uma produção tão boa quanto The Newsroom deixa isso ainda pior.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    https://www.youtube.com/watch?v=591hCwxsNsM

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  • Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Crítica | Kingsman: Serviço Secreto

    Kingsman - Serviço Secreto

    A semelhança estabelecida entre Kingsman, a história em quadrinhos, e o filme, é parcial. Há um mote fundamental e cada desenvolvimento é feito à sua maneira, levando-se em consideração as diferentes mídias abordadas. Evitando apropriações indevidas, quadrinhos e cinema dialogam de maneira sincronizada, sem que um exagero de recurso de um ou de outro destoe da história.

    A narrativa de um grupo especial focado em operações especiais sigilosas surgiu durante a parceria do diretor Matthew Vaughn e o roteirista Mark Millar na adaptação de Kick Ass – Quebrando Tudo. Dessa maneira, cada um trabalhou com o mesmo ponto de partida, mantendo certa originalidade nesta obra, que é uma homenagem explícita aos filmes de espionagem antigos que apresentavam um mundo mais polarizado entre bem e mal.

    A referência quadrinesca do longa se mantém nas cenas de ação impossível, mas o foco principal é a paródia dos cinemas de espionagem. Mantêm-se, assim, as referências conhecidas pelo público, modificadas por uma visão que demonstra o quanto tais personagens são anacrônicas e estereotipadas.

    Vaughn continua seguindo em sua carreira uma tendência mista de adaptar quadrinhos mantendo o estilo de cada um mas trabalhando simultaneamente com a linguagem do cinema. As cenas de ação são bem compostas e evitam as câmeras lentas – usadas somente em uma cena de alto impacto –, preservando a referência contemporânea de filmes de ação com cenas ágeis ou brutas.

    Samuel L. Jackson interpreta outro personagem coadjuvante interessante, outra tipificação após o papel de velho escravo em Django Livre. Dessa maneira, o habitual excesso interpretativo do ator (conhecido como o motherfucker Jackson ou o massavéio dos massavéios) é deixado de lado para dar vida a um vilão bobo, um plano maligno e megalomaníaco como de costume, e uma língua presa que explicita sua caracterização de bobo.

    Na fronte dos mocinhos, representando um dos agentes Kinsgman, está Colin Firth como o tradicional britânico educado. O ator evidencia conforto nesse papel de ação e comprova estar sempre coerente em sua interpretação sendo, sem dúvida, um dos britânicos em atividade com maior habilidade em sustentar uma gama de personagens diferentes.

    Exagerando na metalinguagem, com personagens que falam sobre a própria impossibilidade dos filmes de espionagem, Kingsman ri do gênero como Kick-Ass riu dos super-heróis, uma replicação de um conceito realista que, mesmo parecendo cópia, foi bem-sucedida. Como roteirista, Millar demonstra talento em criar narrativas do zero, sem personagem pré-fabricados do eixo DC/Marvel. Ainda que uma parcela de seus leitores aponte-o hoje como um escritor que compõe suas tramas pensando na futura adaptação cinematográfica, o sucesso da produção confirma que o gênero quadrinhos é hoje uma das fontes de inspiração do cinema, tanto como novo argumento quanto como reciclagem de novas maneiras de narrar velhas histórias.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    O primeiro corte de cena em Antes de Dormir remete à vermelhidão dos olhos de sua personagem principal, Christine Lucas, vivida por Nicole Kidman, uma mulher de meia-idade que sofre um mal raro, causado por um golpe acidental na cabeça. Sua memória é muito curta, dura apenas os momentos em que está acordada de dia, o que a faz duvidar de sua condição de esposa.

    Seu par, Ben Lucas – Colin Firth – é um marido devotado, que tenta a todo custo reconstruir o que deveria restar da combalida psiquê de Christine, ajudando-a a anotar fatos importantes de sua vida em um diário, reunindo em escrito o que deveria ser importante para sua vida. Nesse ínterim, Christine, que acabou de saber de sua condição, recebe o telefonema do Doutor Nash (Mark Strong), que tenta ajudá-la a se reabilitar, montando com ela um banco de memórias através de vídeos, mas sem o conhecimento do seu marido, que já num primeiro momento parece ser uma ameaça ou certa possibilidade de reter alguma lembrança.

    Rowan Joffe tem em sua filmografia uma variedade de filmes de temática ansiosa, desde o thriller de ação Extermínio 2, ao filme de espionagem O Homem Misterioso. Tal experiência tem a função de produzir os momentos de tensão máxima, elementos chave para atiçar no espectador a curiosidade para os dramas exibidos em tela. O que salta aos olhos é a vertente da ambiguidade, presente em praticamente todas as conclusões que são tiradas a partir da investigação minuciosa de uma personagem que não consegue lembrar o que fez na noite anterior.

    A repulsa ao sexo presente no comportamento de Christine é um dos indícios de que sua mente combalida realiza na tentativa de consertar seu defeito primordial, um modo de tentar não repetir as derrotas para seus agressores. A opressão faz reprimir mais que suas lembranças, mas também sua feminilidade e instinto materno, nunca inteiramente satisfeito, até o final.

    O embate físico a que a protagonista se submete é acompanhado da mais importante de suas gravações, fruto da libertação que a realidade lhe traz, ao poder abraçar a verdade que deveria regê-la de uma vez por todas. O dia seguinte ao combate começa em um hospital, onde os seus desejos finalmente têm um fim ideal, aparando as arestas que se puseram ante a existência da mulher e mãe que Nicole Kidman vive. O final, resolvido de modo agradável, destoa um bocado do resto da fita, fechando a curva descendente e óbvia do que poderia ter sido uma história bem mais transgressora. Mas seu fim não é uma decepção completa exatamente por entregar um fim de jornada justo para uma personagem que labutou o tempo inteiro.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    Antes-de-Dormir-poster-brasileiro

    A memória faz parte da composição de nossa identidade. É sua função organizar e registrar os acontecimentos vividos e, mesmo que de maneira transformadora, produzir uma linha narrativa de nossa própria história. A ausência da lembrança, seja crônica ou como um sintoma passageiro, é um tema recorrente em produções cinematográficas, tanto como enfoque central, visto em Amnésia, de Christopher Nolan, quanto usado como elemento para encorpar um roteiro, casos de Como se Fosse a Primeira Vez e Como Não Esquecer Essa Garota, romances cujos personagens possuem um curto espaço de lembrança memorial, gerando um viés bem-humorado.

    Adaptado da obra de S. J. Watson, relançado pela Editora Record devido ao lançamento do filme, Antes de Dormir reúne novamente Colin Firth e Nicole Kidman como casal, repetindo a parceria do drama Uma Longa Viagem. Kidman é Christine Lucas, uma mulher que sofreu um acidente traumático e que, todos os dias, acorda sem nenhuma lembrança de seu passado. Cada despertar de sua vida é uma reconstrução de seus próprios passos. Com a ajuda de um médico psiquiatra que recentemente acompanha seu caso, a personagem tenta restaurar pontos de sua vida. À medida que avança, surge a desconfiança natural do meio que a cerca.

    Se a confiança é uma construção mútua e naturalmente lenta, a condição da personagem depende da segurança que sente ao lado do marido, quem a atualiza diariamente sobre o casamento duradouro. Trata-se de uma fé cega diante de um homem aparentemente desconhecido, que não teria motivos para mentir para sua amada. À procura de exercícios que melhorem o quadro da paciente, o Dr. Nash (Mark Strong) aconselha Christine a fazer um diário filmado, mantendo-o escondido do marido, para lembrar-se do dia anterior. Este será o elemento de intriga que apresenta histórias que a personagem desconhece.

    Trata-se de uma produção em que tudo não é o que parece. Cada dia é como o primeiro de conquista e confiança, e a trama vai desafiando cada personagem e trazendo ao público a dúvida sobre a índole dessa pessoa. Durante a exibição, o público se representa pela personagem de Kidman tentando desafiar as intrigas e desfiar o fio da verdade, se é que há somente uma. A parcialidade narrativa promove uma maior intensidade do suspense. Como o público reconhece a base da história e se atrai por ela devido à curiosidade gerada, cada momento é visto com a expectativa de uma reviravolta. O quebra-cabeça mental será revelado até o final da trama e, mesmo que siga a cartilha de suspenses atuais, a dúvida é suficiente para que o enredo se sustente sem desembocar em exageros narrativos.

    Novamente permanece a impressão de que Nicole Kidman está tentando superar uma fase ruim de sua carreira. Porém, seu parceiro parece mais consciente de sua interpretação, e exterioriza melhor tanto o olhar cândido de um marido amoroso, como a fúria de um possível inimigo. A atriz reduz sua caracterização às naturais caras de pânico e medo que, em comparação com outros personagens de suspense/terror feitos por ela, como Grace, de Os Outros, permanece aquém em gestuais com leve exagero.

    O filme, que entrega ao público o suspense esperado, é uma destas produções tradicionais que se valem do talento de seus atores centrais. No entanto, no decorrer do ano, com diversos lançamentos semelhantes, pode não se destacar entre os melhores do gênero.

  • Crítica | Anna

    Crítica | Anna

    A investigação criminal ganha contornos fantásticos em Anna (Mindscape no original) onde nos primeiros cinco minutos já é mostrado um método bem diferente de detecção. Mark Strong faz John, um detetive com um poder especial – o de se inserir na lembrança alheia, revivendo os momentos que outros viveram, como um autêntico expectador, mas passivo em seu caráter, uma vez que ele só pode observar, ao menos em um primeiro momento. O thriller sci-fi é o primeiro longa-metragem realizado pela madrilenho Jorge Dorado.

    A prática deste tipo de detecção é comum, já que a Mindscape, empresa que emprega os préstimos de John, é a principal agência de detetives do mundo, e o personagem citado é o mais conhecido dos profissionais da área. Tal fama não foi o suficiente para que ele fosse requisitado para um caso de repercussão grande, envolvendo um político. Após ter isto recusado, ele aceita o caso de uma adolescente com problemas de isolamento e suspeita de sociopatia, de nome Anna (Taissa Farmiga). Ao encontrá-la, John percebe um pessimismo que pode indicar tanto a depressão quanto o niilismo, com uma leve inclinação (consciente e voluntária da parte da moça) para o segundo, uma vez que o cinismo impera em seu discurso.

    A fotografia nas cenas de inserção muda de tom completamente, primeiro porque o ambiente fica polvilhado de uma granulação, remetendo a películas mais antigas, já que estas são lembranças de um passado não muito agradável. A cor que predomina nos cenários também muda muito, descendo uma escala de tonalidade, onde tons grafite dão lugar a amarelados, que visam remeter ao mesmo pretérito incômodo encontrado no granulado. O que ocorre na viagem ao âmago da mente da menina incorre aos motivos que a fizeram se fechar em si, e claro, nas suspeitas de ter um instinto assassino desde a infância. A orfandade claramente a abala, ainda que ela não assuma, e sua relação com Robert (Richard Delane), seu padrasto, não é das melhores, a despeito do testemunho de sua mãe, Michelle (Saskia Reeves), que não percebe com total clareza as desavenças entre os dois membros de sua família.

    Com o desenrolar da trama, os casos de violência e tentativa de assassinado vão aparecendo e cercando toda a existência de Anna, fazendo seus argumentos perderem valor graças ao que John vê, no entanto ele teima em dar mais crédito a ela do que a qualquer outro suspeito, enxergando todas as exceções segundo o julgamento desta. Seu passado trágico o faz se identificar com ela e até relevar alguns de seus “pecados”, ainda que os mais sérios ele não consiga ignorar, procurando ir a fundo, no cerne da polêmica atitude dela, pesquisando os motivos que fazem ter o inventário cibernético que tem.

    Os devaneios invadem a visão de John, dificultando a sua percepção do que é real e do que é imaginário, a natureza do seu trabalho atrapalha a visão dos fatos, fazendo-o, ironicamente, não ter clarividência sobre o que acontecia ao seu redor e sobre a arapuca que se formava acima de sua cabeça. A inversão de papéis é muitíssimo bem construída e é de uma urdição ímpar, coroada com um final que não chega a ser surpreendente, ainda que não seja completamente esperado.

    Todo o suspense e a trama só funcionam graças às atuações, não tanto a de Mark Strong, já que este serve o tempo todo de escada para a personagem título. Taissa Farmiga parece ter o mesmo talento de sua irmã, Vera Farmiga, e seu papel em Mindscape é cuidadosamente montado para intrigar e para deixar dúvida em quem o investiga, seja o detetive mental ou o público ávido por chegar a verdade, e sua persona sabe impingir todo o mistério necessário para intrigar os analistas e os investigadores citados.

  • Crítica | Sunshine: Alerta Solar

    Crítica | Sunshine: Alerta Solar

    sunshine

    Sunshine – Alerta Solar é uma ficção científica de 2007, dirigido por Danny Boyle (dos excelentes Extermínio e Cova Rasa). Já tinha ouvido falar bem do filme, e por ser fã do gênero sci-fi, resolvi conferir.

    Na trama, a Terra do futuro corre o risco de ter toda a vida extinta, pois o sol está para desaparecer. A última esperança é a nave espacial Icarus II e sua tripulação de 8 pessoas (Michelle Yeoh, Cillian Murphy, Chris Evans, Rose Byrne, Cliff Curtis, Troy Garity, Hiroyuki Sanada e Benedict Wong), que transporta uma bomba atômica do tamanho da ilha de Manhattan, que teoricamente alimentará uma nova vida dentro do Sol. Porém, durante a viagem e sem contato com a Terra, eles descobrem o sinal de S.O.S. da Icarus I, a nave enviada 7 anos antes com o mesmo objetivo e cuja causa do fracasso é desconhecida. A tripulação fica dividida entre alterar a trajetória da missão, de forma a obter a bomba existente na Icarus I, o que traria à missão mais uma chance de sucesso, ou seguir o plano original. A decisão recai sobre Capa (Murphy), o físico da tripulação, que decide ir à outra nave. Porém a mudança de trajetória causa avarias à Icarus II, iniciando uma série de problemas enfrentados na reta final da missão.

    A princípio, o filme começa bem, falando sem explicar muito que, num futuro mais ou menos distante, o sol brilha menos, a terra é um lugar congelado, e uma segunda missão (já que a primeira sumiu sem deixar rastro) foi enviada para tentar detonar uma mega-bomba atômica no sol na tentativa de fazê-lo voltar a brilhar.

    As explicações sutis de como a nave funciona, as razões pelas quais estão ali, algumas neuras de personagens a tanto tempo isolados no espaço são bem encaixadas, e a falta de explicações tão comuns no gênero não incomoda, por realmente não importar, naquele momento, as razões pelas quais o sol está acabando. O problema é que, a partir do 2º ato, a história passa de uma ficção científica bem construída para um terror-espacial ao estilo Alien um pouco pobre, com alguns toques de 2001 – Uma Odisséia no Espaço.

    Está tudo lá. A nave antiga abandonada sem razão aparente, a tensão gerada pelo silêncio, a Inteligência Artificial que é desligada, o ocupante misterioso que caça cada um dos tripulantes e tudo mais. Porém, no meio de todos os fatores conhecidos, o espectador ainda consegue se perder em meio a tantos acontecimentos. A escolha do uso expressivo da cor amarela em tantas cenas (para demonstrar a força e potência do sol) é boa e causa um impacto interessante, mas prejudica a narrativa pois nos impede, também pelo trabalho precário de câmera, de entendermos realmente o que está acontecendo. O filme também peca ao abordar diálogos grandiosos sobre Deus e o Homem, e a tentativa de negarmos o nosso destino, de uma forma um pouco infantil e clichê, em um “deus ex machina” que não traz muita coisa de novo a quem conhece bem o gênero.

    Apesar de toda a virtuosidade técnica e do excelente início, o que marca o filme é o seu final, deixando no espectador essa marca, fazendo-o esquecer um pouco dos conflitos e motivações de cada personagem, deixando o drama de lado e favorecendo mais as cenas de ação e tensão, que também poderiam ter sido melhor construídas se respeitassem a premissa inicial.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.