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  • Crítica | Caçador de Assassinos

    Crítica | Caçador de Assassinos

    Produzido por Dino de Laurentiis, Caçador de Assassinos foi o primeiro filme baseado na a obra de Thomas Harris. Adaptação do livro  O Dragão Vermelho, primeiro com o personagem de Hannibal Lecter,  o longa de Michael Mann começa misterioso, com uma estranha filmagem caseira, observada pelo detetive do FBI Will Graham (William Petersen), um sujeito discreto e de poucas palavras que tenta equilibrar sua vida familiar comum com o ofício de agente responsável por investigar crimes hediondos.

    William é de Chicago, onde mora com a sua família, mas após o chamado a aventura a trama se muda para Atlanta, no estado da Geórgia, cuja atmosfera envolve paisagens cheias de fumaça e neblina, fato que causa no espectador um certo estranhamento. Por mais que Graham seja discreto, ao analisar uma cena do crime repleta de sangue o sujeito não parece se chocar, não há qualquer incomodo ao ver um quarto redecorado de vermelho. Ao ter acesso a fitas apresentando a vítima tem estranhas reações, uma estranha excitação a perceber a morte diante de seus olhos. Isso é uma mostra do quanto cenário apresentado é de desajustados, pois até o mocinho parece obtuso.

    A grande curiosidade do espectador em relação a esta obra, é como o famoso Hannibal foi retratado. O doutor é interpretado por Brian Cox que, até então, havia feito poucos papéis no cinema. O lugar onde está preso é um cenário todo branco não combina com a mente suja e com seu passado. O sobrenome do personagem é trocado, de Lecter para Lecktor. Hannibal é mostrado como um homem culto, leitor de psicopatologias com alguma formação em psiquiatria. Antes do encontro com Will pouco se sabe a seu respeito. Só que matou algumas pessoas e deixou outras no hospital. Seu quadro não é detalhado. Há bastante melindre em abordar a questão do canibalismo. Ele é tratado tão somente como um psicopata. Possivelmente, em 86, a situação para abordar o tema era ainda mais espinhosa.

    O filme faz do mistério em volta de Hannibal uma grande necessidade. O desempenho de Cox é razoável nesse sentido, mesmo com pouco tempo de tela. Ele consegue parecer adorável e charmoso em sua apresentação, mas também é capaz de causar desconfiança e desconforto exatamente por ter uma aparência de extrema formalidade, pois alguém tão requintado, para estar preso, deve ter feito algo realmente grave, mesmo que isso não seja tão explícito.

    Esse era só o terceiro longa de Mann, antes dos incontestáveis sucessos de Fogo Contra Fogo e Colateral. Sua visão do ideal a um filme policial ainda estava em formação. Por isso, esse produto é bem diferente de suas outras obras no gênero, claramente o diretor ainda estava preso a estética da série que produzia, Miami Vice. A produção  é mais silenciosa, não verborrágica, mostra uma historia que se desenrola lentamente, sem urgência, com uma trilha sonora característica, que quase não interfere na ação em si.

    Se escolhe também mostrar cenas onde a câmera lenta predomina, possivelmente em alusão ao cinema de ação de Sam Peckinpah, que usava isso para maximizar os confrontos no velho oeste de seus filmes. Aqui, isso é empregado para fortalecer a sensação de que algo está errado com o mundo. Que o lugar que Deus criou foi corrompido pelo homem.

    Os momentos finais são eletrizantes, mesmo que a cadência da desventura de Graham seja lenta. Mann apresenta uma historia fria que também tem momentos de melancolia extrema. A história é ainda mais grave por demonstrar que a alma do detetive está perdida, dado que parece ser incapaz de ter sensibilidade graças a condição auto imposta de tentar emular a mente e o coração dos psicopatas que persegue. Por mais que em Caçador de Assassinos não haja uma versão brilhante de Hannibal (até por ser breve sua participação), é de se admirar a mistura narrativa de um estilo intimista com um noir colorido.

  • Crítica | Coração Valente

    Crítica | Coração Valente

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    Mel Gibson despontou em Hollywood como nova promessa cinematográfica no filme Mad Max, de 1979, como um herói de ação de um futuro distópico ambientado em um arenoso cenário apocalíptico. Com o sucesso do filme, tornou-se um dos astros de ação mais bem pagos pela indústria, protagonizando as duas continuações da história, e posteriormente a franquia Máquina Mortífera ao lado de Danny Glover, além de outros grandes filmes memoráveis, como O Preço de um Resgate, O Troco e Sinais. Ingressando na carreira de diretor, pôde ultrapassar a barreira de idade produtiva imposta a atores e desenvolver sua criatividade artística atrás das câmeras.

    Segunda película dirigida por Gibson, Coração Valente viveu uma pré-produção conturbada com orçamento alcançando a ordem de 73 milhões de dólares. Através da Icon Productions, companhia do diretor, conversou com diversas empresas e conseguiu tirar o projeto do papel com a condição de estrelar o filme, mesmo que já se achasse velho demais para viver William Wallace, o guerreiro que liderou a revolta escocesa contra a tirania da dominação inglesa no século 13. Baseado na lenda conhecida através do antigo poema Ações e Feitos do Ilustre e Valente Campeão Sir. William Wallace (em tradução livre), o filme populariza a história do soldado, praticamente desconhecida fora dos países anglo-saxões.

    Órfão de pai e irmão, mortos em uma batalha sangrenta após a invasão promovida pelo monarca inglês Edward I a Escócia, o pequeno William é levado por seu tio Uncle Argyle (Brian Cox) para viver na Europa. Anos mais tarde, em um salto temporal, não reconhece que seu país foi esmagado pela tirania britânica e se recusa a entrar em conflito. Instruído em várias línguas, no latim, e versado em técnicas de estratégia, argumenta que a paz não é conquistada através do derramamento de sangue de inocentes, se mantendo neutro. Com ideias simples de felicidade, Wallace incluía em seus desejos pessoais viver em paz, constituir uma família e da terra tirar seu sustento, ainda que sob vigência da Prima Nocte, lei que autorizava os senhores feudais a se deitarem com as mulheres recém-casadas em seus territórios. A fim de impôr o sangue dos nobres na descendência da Escócia desejada pela monarquia inglesa, a Prima Nocte tornou-se tão insustentável que ensejou a fagulha na luta de Wallace ao lado de seus iguais.

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    Coração Valente é um filme sobre liberdade e sobre como ela precisa ser defendida. Em um tempo em que a espada era a única maneira de buscá-la, uma população oprimida dentro de sua própria terra avistava no uso da violência uma via única sem volta. Enquanto a nobreza governava com a pena, a lâmina a respondia. Por isso não foi difícil Wallace logo amedrontar os nobres no país ao lado e encorajar soldados que não acreditavam no poder que detinham. Conquistando o status icônico por tornar unido o povo escocês, o líder evidencia o conceito de liberdade por Aristóteles, sinalizando que livre é aquele com o princípio de agir ou não agir, o sujeito como detentor do poder pleno e incondicional de escolha voluntária. Wallace escolheu agir em favor de um lado que, embora cessasse milhares de vidas, produziria no país a sensação de dignidade. Gibson faz uma leitura apaixonada de Spartacus, de Stanley Kubrick, em outro país, em outro contexto, mas com o mesmo conflito simbólico do ser humano buscando se livrar dos próprios grilhões.

    Apesar do filme não possuir muitos elementos históricos sólidos e abusar das licenças poéticas, é uma história inspiradora, e como recurso visual aliado à trama, uma obra-prima. Gibson transforma cenas simples, como a da jovem Murron (Mhairi Calvey) entregando uma flor ao pequeno Wallace, em verdadeiras pinturas. O silêncio, como mecanismo sensível de trazer ao espectador a emoção da cena através da simples expressão facial e objetos em destaque, é muito bem utilizado em seu cinema e repetido em toda a sua filmografia. Além disso, as cenas de batalhas, como a de Stirling Bridge (que infelizmente não tem exatamente uma ponte) são filmadas em detalhe, sem cortes exagerados e focados na violência crua de uma batalha real. Criticado pela crueza em seu filme seguinte, A Paixão de Cristo, Gibson utiliza a ferocidade do ser humano como um elemento real e presente em todos nós.

    Vencedor de cinco categorias no Oscar de 1996, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, Coração Valente também poderia ter premiado Gibson como melhor ator, visto que ele capta o espírito da personagem mesmo estando em idade mais avançada do que o retrato real. Resgatando parte da história deste povo, a narrativa universaliza a busca da liberdade e leva à popularidade um filme com todos os elementos para se tornar um dos maiores épicos já produzidos.

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    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | Zodíaco

    Crítica | Zodíaco

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    Assassinos seriais na história dos EUA existem aos montes. Cada um mais complexo do que o outro. O século XX, por ter sido o século da massificação (inclusive da mídia), trouxe para a população a espetacularização de eventos que antes eram confinados a círculos restritos. Se antes uma série de assassinatos em uma comunidade rural (como retratado no excelente A Fita Branca) ficava restrita a ela, no país da classe média e da informação, a produção de notícias e a reprodução de assassinos, que tinham vontade de aparecer e passar uma mensagem, também cresceram exponencialmente. Junto a esses casos, cresceram também os filmes do gênero, que tentavam reconstruir o passo a passo da investigação policial no percalço do assassino, às vezes tentando compreender o que havia por trás de pessoas tão perturbadas a ponto de cometerem tais atos.

    Dentro desse contexto, um dos casos mais curiosos foi do assassino que se auto intitulou “Zodíaco” e que cometeu seus crimes nos EUA entre as décadas de 60 e 70. O que torna seu caso tão emblemático é, além do assassino usar códigos publicados em jornais para chamar a atenção e ver se alguém conseguiria capturá-lo através deles, o fato de ele nunca ter sido pego. Dentro desse frenesi de teorias a respeito de quem fora esse assassino e as razões por trás de seus atos, David Fincher adaptou o livro de Robert Graysmith, cartunista, jornalista e escritor que investigou a fundo o caso e que no filme é interpretado por Jake Gyllenhaal. Também no  San Francisco Chronicle trabalhou com Graysmith o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.). No comando da investigação policial estavam os policiais locais David Toschi (Mark Ruffalo) e William Armstrong (Anthony Edwards), que são chamados após um assassinato de um taxista, mas cujas evidências apontam para algo mais complexo do que parece.

    Com aproximadamente três horas de duração, Zodíaco consegue entreter o espectador, que é preso nessa cadeia de acontecimentos e descobertas que vão se desdobrando, ao mesmo tempo que contradições aparecem, criando-se dúvidas enquanto surgem certezas. A história possui três atos distintos, onde os dois primeiros focalizam a evolução de Zodíaco como assassino e instigando as autoridades a investigá-lo, à medida que a dupla de policiais Toschi e Armstrong segue em sua busca, lidando com toda a dificuldade do sistema legal para isso. O terceiro ato volta-se para a jornada pessoal de Graysmith e sua obsessão em descobrir a identidade do assassino, o que terá um alto custo em sua vida pessoal.

    Robert Graysmith é um tímido e introvertido cartunista do San Francisco Chronicle e que adora quebra-cabeças. Quando as primeiras cartas de Zodíaco são recebidas pelos principais jornais da Califórnia, ele tenta compreender as pistas e o fenômeno por trás do assassino, mas é tratado com desdém por seus colegas. A novidade e complexidade do caso são tantas que os órgãos policiais, a imprensa e grande parte da sociedade não conseguem compreender o que está acontecendo, o que irá contribuir para o assassino permanecer solto por todo este tempo. A falta de diálogo entre as divisões, a intensa burocracia e a guerra de egos são fatores determinantes dentro da investigação e acabam por todo o instante a atrapalhá-la.

    Após, atrair a curiosidade de Avery, Graysmith começa a investigar, em companhia dele, algumas das pistas deixadas pelo assassino, tentando encontrar um padrão e, assim, tornar mais fácil sua identificação. Porém, nada se encaixa. Suas vítimas mudam, assim como a hora, o dia e o tipo dos assassinatos cometidos, para o desespero do metódico desenhista. Tamanha dificuldade acabará por levar Avery à exaustão mental, e, após ser ameaçado de morte por Zodíaco, o personagem acaba por se retrair completamente da sociedade, tornando-se jornalista de publicações pequenas.

    Passam-se anos e a dupla de policiais, Toschi e Armstrong, também toma rumos diferentes. Enquanto Toschi permanece obcecado com o caso e sofrendo pressões internas, Armstrong decide deixar tudo de lado e pede transferência para executar trabalhos internos, para a decepção do parceiro. Passada quase uma década após o aparecimento de Zodíaco, Toschi e Graysmith se unem extraoficialmente para tentar aparar arestas e dar um fechamento à investigação de forma definitiva, causando a quase completa exaustão mental de ambos, especialmente de Graysmith.

    Apesar de o final do filme não se resolver por completo, ao deixar o espectador com a mesma sensação que o público tivera ao acompanhar o caso (já que ele nunca foi resolvido), toda a trajetória de investigação é feita de forma meticulosa, característica marcante do cinema de Fincher. A reconstituição material da época, desde os carros, as posições dos corpos, os penteados e roupas das vítimas, as notícias de jornal e TV, além de todo o frenesi causado por Zodíaco na época, contribuem para dar ao filme uma aura quase documental, a ponto de fazer com que o espectador se sinta na pele de Graysmith, querendo saber cada vez mais sobre Zodíaco. Após ver o filme, uma busca no Google pela história do assassino e dos personagens se torna irresistível. Também se torna quase que necessário assistir à obra mais de uma vez, pois, a cada revisão, conseguimos perceber uma nova camada dentro daquele mundo e da investigação. Sentimo-nos mais próximos de saber a verdade, lado a lado dos personagens e suas teorias.

    Mais do que um filme sobre um serial-killer, Zodíaco mexe fundo no imaginário coletivo de uma humanidade que havia acabado de entrar em uma sociedade de consumo e informação de massa. A avalanche de assassinos seriais que os EUA enfrentariam nesse período não é mera coincidência, pois todos nós somos atraídos pelo que há de mais sombrio na nossa natureza. O comportamento coletivo em cima desse fenômeno raramente é racional; a mídia o usou largamente e ainda o usa para lucrar em cima de acontecimentos como esses. A sociedade dos EUA, com sua obsessão por armas, violência e a retidão moral, consegue produzir fenômenos únicos que suscitam diversas análises e entendimentos. O serial-killer se torna, então, um desses fenômenos dentro da cultura pop. Filmes como Zodíaco, ao invés de sensacionalizar o evento, nos ajudam a compreendê-lo de maneira sóbria e séria. Em uma época de tamanha passionalidade, tais obras são sempre bem-vindas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Anna

    Crítica | Anna

    A investigação criminal ganha contornos fantásticos em Anna (Mindscape no original) onde nos primeiros cinco minutos já é mostrado um método bem diferente de detecção. Mark Strong faz John, um detetive com um poder especial – o de se inserir na lembrança alheia, revivendo os momentos que outros viveram, como um autêntico expectador, mas passivo em seu caráter, uma vez que ele só pode observar, ao menos em um primeiro momento. O thriller sci-fi é o primeiro longa-metragem realizado pela madrilenho Jorge Dorado.

    A prática deste tipo de detecção é comum, já que a Mindscape, empresa que emprega os préstimos de John, é a principal agência de detetives do mundo, e o personagem citado é o mais conhecido dos profissionais da área. Tal fama não foi o suficiente para que ele fosse requisitado para um caso de repercussão grande, envolvendo um político. Após ter isto recusado, ele aceita o caso de uma adolescente com problemas de isolamento e suspeita de sociopatia, de nome Anna (Taissa Farmiga). Ao encontrá-la, John percebe um pessimismo que pode indicar tanto a depressão quanto o niilismo, com uma leve inclinação (consciente e voluntária da parte da moça) para o segundo, uma vez que o cinismo impera em seu discurso.

    A fotografia nas cenas de inserção muda de tom completamente, primeiro porque o ambiente fica polvilhado de uma granulação, remetendo a películas mais antigas, já que estas são lembranças de um passado não muito agradável. A cor que predomina nos cenários também muda muito, descendo uma escala de tonalidade, onde tons grafite dão lugar a amarelados, que visam remeter ao mesmo pretérito incômodo encontrado no granulado. O que ocorre na viagem ao âmago da mente da menina incorre aos motivos que a fizeram se fechar em si, e claro, nas suspeitas de ter um instinto assassino desde a infância. A orfandade claramente a abala, ainda que ela não assuma, e sua relação com Robert (Richard Delane), seu padrasto, não é das melhores, a despeito do testemunho de sua mãe, Michelle (Saskia Reeves), que não percebe com total clareza as desavenças entre os dois membros de sua família.

    Com o desenrolar da trama, os casos de violência e tentativa de assassinado vão aparecendo e cercando toda a existência de Anna, fazendo seus argumentos perderem valor graças ao que John vê, no entanto ele teima em dar mais crédito a ela do que a qualquer outro suspeito, enxergando todas as exceções segundo o julgamento desta. Seu passado trágico o faz se identificar com ela e até relevar alguns de seus “pecados”, ainda que os mais sérios ele não consiga ignorar, procurando ir a fundo, no cerne da polêmica atitude dela, pesquisando os motivos que fazem ter o inventário cibernético que tem.

    Os devaneios invadem a visão de John, dificultando a sua percepção do que é real e do que é imaginário, a natureza do seu trabalho atrapalha a visão dos fatos, fazendo-o, ironicamente, não ter clarividência sobre o que acontecia ao seu redor e sobre a arapuca que se formava acima de sua cabeça. A inversão de papéis é muitíssimo bem construída e é de uma urdição ímpar, coroada com um final que não chega a ser surpreendente, ainda que não seja completamente esperado.

    Todo o suspense e a trama só funcionam graças às atuações, não tanto a de Mark Strong, já que este serve o tempo todo de escada para a personagem título. Taissa Farmiga parece ter o mesmo talento de sua irmã, Vera Farmiga, e seu papel em Mindscape é cuidadosamente montado para intrigar e para deixar dúvida em quem o investiga, seja o detetive mental ou o público ávido por chegar a verdade, e sua persona sabe impingir todo o mistério necessário para intrigar os analistas e os investigadores citados.