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  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

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    “The Red Capes are Comming”. A frase de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) que se fez famosa no trailer de Batman vs Superman: A Origem da Justiça remete ao herói da independência dos EUA, Paul Revere — que também virou música na voz de Johnny Cash — atuando como mensageiro nas batalhas de Lexington e Concord. Ele chegou a Boston em seu cavalo gritando esta frase em referência aos soldados ingleses que usavam capas vermelhas.

    E é com a reação da humanidade à vinda de um força maior coberta por capa vermelha que a trama se move por boa parte do primeiro ato. O surgimento de uma espécie alienígena representa duas grandes questões da modernidade: a retirada do ser humano do pedestal de ser mais poderoso do universo, e a materialização de sua relação ambígua entre amor e temor que boa parte das religiões têm com relação às divindades. Se na Antiguidade a existência de uma força maior era um fato, hoje a fé é desmotivada e se mostra enfraquecida, como relatou Nietzsche, indicando que a fé tornou-se secundária na vida moderna, dando origem ao que ele chamou de Super-Homem (Ubermensch – Além do Homem) capaz de controlar o mundo à sua volta e não mais um joguete das fatalidades.

    Ainda assim, porém, existe a ideia de que nossos erros são a raiz da raiva de forças as quais não alcançamos total controle, tal é com as forças da natureza. Essa ideia preenche a relação de crime e castigo, amor através do temor e fidelidade forçada, conceitos essenciais para entender por que a invasão de uma divindade causa reações tão paradoxais à população do filme, temendo um deus que perde a calma caso alguém não se ajoelhe para pedir perdão.

    O medo, a febre que cresce nos corações são o motor de uma guerra, seja ela forjada em palavras ou com fogo, e é desta característica que Lex Luthor se aproveita para trabalhar sua megalomania caótica de quem não apenas desacredita e confronta, mas pretende ser o deus de seu tempo. Sua amargura é descrita numa citação breve do argumento da contradição dos fatos do filósofo David Hume para a inexistência de um deus. Porém sua maquinação não é racional como aquela da filosofia, mas sim solitária e apaixonada a ponto de impedi-lo de se contentar em matar apenas o deus metafórico e tornar-se senhor de si. O surgimento de um verdadeiro deus não se traduz para ele como uma afronta ou temor, mas na oportunidade de vingança que vai além das ruminações de quem espera respostas filosóficas. Tudo isso relaciona-se com sua performance física e verbal ao trazer um pouco de outras encarnações deste que é um dos maiores vilões dos quadrinhos, mostrando-se leve, sagaz e manipulador ao retratar o yuppie moderno da era da informação em toda sua vaidade.

    Nenhum pecado será perdoado. E é com este mantra enraizado em seus traumas que a orfandade trouxe que Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) e Superman/Clark Kent (Henry Cavill) interagem para criar os dois lados de uma mesma moeda. A vontade e a necessidade de fazer algo frente ao que se entende como errado são uma arma poderosa, porém polissêmica, e por isso capazes de produzir não só grandes feitos como também grandes tragédias, tal qual religiões, em que um mesmo conceito é capaz de tanto fazer alguém dar a vida em prol de um ideal quanto é capaz de dar as armas para dizimá-la. Para ligar estes dois personagens, o truque foi usar uma coincidência dos quadrinhos para representar os amores mais profundos dos meninos (apesar de a Mulher-Maravilha representar muito bem o gilrpower e mostrar-se superior e mais saiba que qualquer outra pessoa da trama, este é um filme que fala essencialmente aos meninos) e ligá-los emocionalmente.

    As duas grandes surpresas do filme ficam na performance e representação que Affleck trouxe ao Homem-Morcego, e Gal Gadot como Mulher-Maravilha, todavia o casting é irrepreensível. Como seus alteregos, a coisa funciona igualmente bem. O Batman se mostra brutal, poderoso e amedrontador em sua performance física exacerbando violência e em sua postura e fala que jamais recuam, deixando claro que sua principal gadget é o medo que provoca. Uma personificação exemplar que relaciona o figurino e o forte apelo à fantasia mostrando um Batman capaz de feitos improváveis, mas não necessariamente impossíveis.

    A Mulher-Maravilha é especialmente bem tratada, tanto por sua música-tema, que é mais impactante e carismática que a de seus companheiros de cena, quanto pela cinematografia (não por acaso é colocada no centro da Trindade), tratando de mostrar uma heroína inabalável e divina na essência do termo. Ela demonstra em suas linhas de diálogos já ter passado pelos sofrimentos que hoje os demais heróis passam. Mesmas dúvidas, mesmas tristezas, mesmas perdas, mas com a sabedoria de que não há recompensas em viver acima das nuvens, ciente de que a corrupção do poder sempre chega.

    O roteiro é coeso, mesmo com a abertura para as loucuras temporais que a DC trabalha nos quadrinhos, e possui todas as pontas costuradas pelos sempre talentosos Chris Terrio (Argo) e David Goyer, que se utilizaram de ao menos duas grandes histórias clássicas dos heróis-título. Apesar desta competência, faltam pausas para assimilar e deixar respirar certas ideias do filme e assim algumas conclusões podem soar falsas ou apressadas. Falta a mesma contemplação para justificar a ação, que, apesar de ser intensa e poderosa, conta mais com a pose do que com movimentos ao capturar muito da estética e linguagem narrativa dos quadrinhos. O recurso que nas mãos de outro diretor poderia traduzir-se em cenários enfadonhos, é bem aproveitado por Zack Snyder, o qual entende que o que há de especial na linguagem visual dos quadrinhos é justamente o preenchimento entre um quadro e o outro exigido do público, e por isso produz cenas que, independente da apreciação do todo, funcionam por si só.

    Ainda assim, o ritmo traz algumas perdas para a narrativa e à estrutura dos atos, que iniciam e terminam a ação em períodos incomuns nos demais filmes de super-heróis (tanto da Marvel quanto da Trilogia Nolan), o que afeta a noção de tempo do filme, desregulando as emoções sobre os acontecimentos e prejudicando a entrega. Ao decidir emocionar pela fantasia de se observar a trindade dos quadrinhos agora em carne e osso e pelo jogo esquemático e inteligente do roteiro, a direção acaba optando também por evitar emoções mais profundas, formando um filme rebuscado e apaixonado, mas carente de amor.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

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    O que interessa aos heróis não é brigar entre si, mas sim lutar por um bem maior. Só que alguém fez o diretor Zack Snyder – que como cineasta é um ótimo designer de videogames, além de famoso por seus exageros – entender e aplicar isso no cenário de um filme que precisava ser épico, mas diferente de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Se o Superman de Henry Cavill quer na soberania de suas ações se retratar e nos fazer esquecer de O Homem de Aço, o Batman de Ben Affleck vive num mundo à parte dos filmes de Christopher Nolan, sendo o mais sisudo e inflexível dentre os exibidos no cinema. Um personagem ao mesmo tempo limítrofe às próprias fraquezas, mas que chega a acender o bat-sinal no céu de Gotham e enfrentar um Deus, tão furioso quanto ele, para subvertê-las e não ter que enfrentá-las a base de vodka ou psiquiatria contra os traumas do passado; esses sim, invencíveis. E que tudo em Batman vs Superman: A Origem da Justiça gire em torno do peso de outrora sobre o presente, para que enfim seja erguida a ponte do universo DC Comics no Cinema, da mesma forma que a Marvel já conseguiu. Passou da hora.

    Um filme de responsabilidades, seguro de si para incorporar mais certezas que dúvidas sobre o futuro; dúvidas oriundas da falta de planejamento da DC e Warner – muita boataria e fato que é bom, nenhum! Todavia, quando o Morcego e o Homem de Aço dividem a tela pela primeira vez, num show de efeitos especiais de doer os olhos tamanha a complexidade visual, fica difícil não sorrir. Porque, numa analogia indireta à fazenda dos pais adotivos de Superman, o campo está arado e só falta colher os frutos, já que o próprio filme é fruto, em parte, das vaidades estéticas e sufocantes de seu diretor – dessa vez muito mais consciente do poder do material que tem em mãos do que quando rodou Watchmen -, filme após filme, pavimentando e aprimorando o mirabolante universo DC na telona, mesmo que essa seja uma atitude retumbante, mas atrasada e vacilante no êxito, até agora… Até agora, pois o terceiro ato é o grande trunfo da obra.

    A produção vem lotada de surpresas, e isso não poderia ser melhor, principalmente num tempo em que qualquer easter-eggs de fenômenos pop é motivo de intermináveis fóruns, internet afora. Também por isso, o filme apresenta um bom equilíbrio entre tantos personagens dividindo a mesma história. É notável, em especial no ótimo terceiro ato, como Snyder sabe aproveitar a extremidade da tela de cinema IMAX, ampliando sem comiseração esse potencial da situação, o que faz uma lenda ser mito quando a máscara racha durante a luta, o que neste caso aprimora o espetáculo e amplia suas ilusões, mesmo que o 3D ao longo do filme seja 100% preguiçoso e inútil, o que parece demonstrar que o diretor estava preocupado demais na empolgação da coisa, para “enxergar” onde mora o razoável numa luta tridimensional como essa.

    Filme frenético, moderno, cheio de fúria, fogo e barulho, mas calma, não é Mad Max, mesmo! Do começo ao fim, estudamos e sentimos o poder que move o certo e o errado, o bem e o mal que o Cinema nos ajuda a definir e validar no valor de seus símbolos e mitos. Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filmaço, é o desenho da Liga da Justiça com atores reais e um pouco da seriedade de Nolan (um dos produtores do filme), mas o melhor, claro, feito sobremesa, é deixado para o fim.

  • Crítica | Coração Valente

    Crítica | Coração Valente

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    Mel Gibson despontou em Hollywood como nova promessa cinematográfica no filme Mad Max, de 1979, como um herói de ação de um futuro distópico ambientado em um arenoso cenário apocalíptico. Com o sucesso do filme, tornou-se um dos astros de ação mais bem pagos pela indústria, protagonizando as duas continuações da história, e posteriormente a franquia Máquina Mortífera ao lado de Danny Glover, além de outros grandes filmes memoráveis, como O Preço de um Resgate, O Troco e Sinais. Ingressando na carreira de diretor, pôde ultrapassar a barreira de idade produtiva imposta a atores e desenvolver sua criatividade artística atrás das câmeras.

    Segunda película dirigida por Gibson, Coração Valente viveu uma pré-produção conturbada com orçamento alcançando a ordem de 73 milhões de dólares. Através da Icon Productions, companhia do diretor, conversou com diversas empresas e conseguiu tirar o projeto do papel com a condição de estrelar o filme, mesmo que já se achasse velho demais para viver William Wallace, o guerreiro que liderou a revolta escocesa contra a tirania da dominação inglesa no século 13. Baseado na lenda conhecida através do antigo poema Ações e Feitos do Ilustre e Valente Campeão Sir. William Wallace (em tradução livre), o filme populariza a história do soldado, praticamente desconhecida fora dos países anglo-saxões.

    Órfão de pai e irmão, mortos em uma batalha sangrenta após a invasão promovida pelo monarca inglês Edward I a Escócia, o pequeno William é levado por seu tio Uncle Argyle (Brian Cox) para viver na Europa. Anos mais tarde, em um salto temporal, não reconhece que seu país foi esmagado pela tirania britânica e se recusa a entrar em conflito. Instruído em várias línguas, no latim, e versado em técnicas de estratégia, argumenta que a paz não é conquistada através do derramamento de sangue de inocentes, se mantendo neutro. Com ideias simples de felicidade, Wallace incluía em seus desejos pessoais viver em paz, constituir uma família e da terra tirar seu sustento, ainda que sob vigência da Prima Nocte, lei que autorizava os senhores feudais a se deitarem com as mulheres recém-casadas em seus territórios. A fim de impôr o sangue dos nobres na descendência da Escócia desejada pela monarquia inglesa, a Prima Nocte tornou-se tão insustentável que ensejou a fagulha na luta de Wallace ao lado de seus iguais.

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    Coração Valente é um filme sobre liberdade e sobre como ela precisa ser defendida. Em um tempo em que a espada era a única maneira de buscá-la, uma população oprimida dentro de sua própria terra avistava no uso da violência uma via única sem volta. Enquanto a nobreza governava com a pena, a lâmina a respondia. Por isso não foi difícil Wallace logo amedrontar os nobres no país ao lado e encorajar soldados que não acreditavam no poder que detinham. Conquistando o status icônico por tornar unido o povo escocês, o líder evidencia o conceito de liberdade por Aristóteles, sinalizando que livre é aquele com o princípio de agir ou não agir, o sujeito como detentor do poder pleno e incondicional de escolha voluntária. Wallace escolheu agir em favor de um lado que, embora cessasse milhares de vidas, produziria no país a sensação de dignidade. Gibson faz uma leitura apaixonada de Spartacus, de Stanley Kubrick, em outro país, em outro contexto, mas com o mesmo conflito simbólico do ser humano buscando se livrar dos próprios grilhões.

    Apesar do filme não possuir muitos elementos históricos sólidos e abusar das licenças poéticas, é uma história inspiradora, e como recurso visual aliado à trama, uma obra-prima. Gibson transforma cenas simples, como a da jovem Murron (Mhairi Calvey) entregando uma flor ao pequeno Wallace, em verdadeiras pinturas. O silêncio, como mecanismo sensível de trazer ao espectador a emoção da cena através da simples expressão facial e objetos em destaque, é muito bem utilizado em seu cinema e repetido em toda a sua filmografia. Além disso, as cenas de batalhas, como a de Stirling Bridge (que infelizmente não tem exatamente uma ponte) são filmadas em detalhe, sem cortes exagerados e focados na violência crua de uma batalha real. Criticado pela crueza em seu filme seguinte, A Paixão de Cristo, Gibson utiliza a ferocidade do ser humano como um elemento real e presente em todos nós.

    Vencedor de cinco categorias no Oscar de 1996, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, Coração Valente também poderia ter premiado Gibson como melhor ator, visto que ele capta o espírito da personagem mesmo estando em idade mais avançada do que o retrato real. Resgatando parte da história deste povo, a narrativa universaliza a busca da liberdade e leva à popularidade um filme com todos os elementos para se tornar um dos maiores épicos já produzidos.

    Compre: Coração Valente (Dvd | Blu Ray | Edição Especial)

    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

    Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

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    Mito.
    substantivo masculino
    1. 1.
      relato fantástico de tradição oral, ger. protagonizado por seres que encarnam as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana; lenda.
      “m. e lendas dos índios do Xingu”
    2. 2.
      narrativa acerca dos tempos heroicos, que ger. guarda um fundo de verdade.
      “o m. dos argonautas e do velocino de ouro”

    Mito. Para a antropologia é um relato simbólico, levado de geração em geração e que narra e explica a origem de um fenômeno, de um ser vivo, de um grupo ou costume social. Na matemática, é o que (ainda) não pode ser explicado por 1+1. E para o Cinema (que já foi um Mito da tecnologia), é Star Wars.

    O uso desse mito e sua riqueza, toda essa mitologia, na visão de Lucas, impondo a graça de suas simbologias da forma mais divertida possível, é um triunfo em A Vingança dos Sith em todos os sentidos! A história consegue se manter sóbria durante todo o tempo, sem afetações de usar mil personagens, mil cenas de ação e todo o carnaval já conhecido, numa investigação do potencial da galáxia criada em 1977, e com uma reputação quase destruída pelo baixo nível dos filmes de 1983, 1999 e 2002 (O Retorno de Jedi, A Ameaça Fantasma e O Ataque dos Clones). Parece que não seria mais possível construir uma trama boa o bastante para um universo tão rico, até esse A Vingança dos Sith aparecer e fazer as pazes com um público fiel, seguidores sedentos por um verniz de qualidade.

    George Lucas, compadre de Spielberg, sempre pareceu ter uma relação de “te amo, mas te odeio” com sua criatura. Tal George R. R. Martin, criador de Game of Thrones, Lucas sabe que manter os músculos criativos em forma é vital para suportar a enorme pressão de cultivar seu “ganha pão”. É preciso vender o peixe, ouvir o público (o cliente tem sempre a razão) e fazer tudo ser o mais interessante possível. Milagrosamente, A Vingança dos Sith tem a melhor história desde o antigo O Império Contra-Ataca, o melhor exemplar de toda a saga, exalando, no filme de 2005, uma verdadeira ode ao que faz de Star Wars um mito grego homérico de tragédias e vitórias, contudo, nos moldes do grande público pop.

    “E é assim que a liberdade termina: Com um grande aplauso.”

    Porque é lindo ver as intenções da arte casando com as do negócio. No caso, o amor pela história e o lucro almejado pelo estúdio, a Fox. Star Wars em 2005 parou de ser o videogame que começou em 1983 a ser, para reassumir o ares de drama shakespeariano de antes, dando atenção à história, complicada e cheia de elementos, mas sabendo equilibrar toda a mitologia que nos faz adorar a série. É o Poderoso Chefão da jornada nas estrelas, discutindo política, laços familiares e reinvenção pessoal diante dos conflitos da vida. No colosso de Coppola, todos lutam contra ou a favor dos seus princípios pessoais, sendo que no épico de Lucas não há tempo para profundidade filosófica, com ética, moral e valores explorados através de perseguições, conflitos e duelos de (quase) tirar o fôlego.

    É nesse episódio que podemos nos deleitar com a melhor cena de luta da saga, ao som dos hinos militares do maestro John Williams elevando o nível de duas cenas paralelas que, por mera concepção, já seriam épicas de qualquer forma. O problema é quando a mesma trilha-sonora se torna onipresente em todo o filme, como se fosse um musical imponente lotado (obeso) de efeitos especiais, muitos nem um pouco convincentes. O excesso de trilha e CGI é tanto, devido a escala surreal da história, que o filme pode até nos levar à dúvida: Seria uma animação com atores? A quebra de realismo é constante, e personagens e cenários que deveriam convencer, ser críveis, são tão falsos quanto o King Kong de 1966. Curiosidade: A Vingança dos Sith estreou depois da revolução de O Senhor dos Anéis, o que, dentro ou fora de contexto, é quase uma vergonha para o filme de George Lucas. Ainda mais se lembrarmos que, nos anos 70, quem causou uma revolução foi ele.

    O filme de 2005, na verdade, existe para nos dar certeza plena e total que há ordem no universo de Darth Vader, e companhia (Não tem bagunça, não!). Tudo tem uma causa e consequência, e o bem e o mal nem sempre é claro, mas pode ser turvo como um feixe de holograma. Há uma conspiração política prestes a explodir nos confins do universo, a fim de destruir o equilíbrio do poder e levar os de bom coração ao lado negro da força. Lucas não apenas tenta estabelecer o que aconteceu antes do primeiro filme de 1977, mas conta com inteligência e calma como Darth Vader se tornou o Hitler de Star Wars. Como alguém, antes do lado dos anjos, cai e decai tanto em uma só vida?

    O poder corrompe, e o elenco se esforça para que a tensão exale da tela, mais do que qualquer trilha-sonora ou efeito especial consiga fazer. Natalie Portman (Cisne Negro) e Ewan McGregor (Toda Forma de Amor) se destacam por fazer de Obi-Wan e Padmé pessoas em constante apreensão, sentindo ambos na pele de que a escuridão está por vir, e que parte da responsabilidade de evitar tempos difíceis está em suas mãos. É Padmé, mãe de Leia e Luke Skywalker, que solta a frase acima, numa cena de clara referência nazista.

    Tudo está em sintonia, até mesmo Yoda e o supremo chanceler Palpatine carregam o mesmo carisma icônico de sempre, entre tantas outras criaturas inesquecíveis, mas escalar Hayden Christensen como futuro Vader não seria um problema se George Lucas soubesse dirigir um ator, coisa que 30 anos depois ainda se esforça a fazer (umas aulinhas com Spielberg seriam ótimas)… Hayden, de As Virgens Suicidas, luta para encarnar a maldade crescente de Anakin Skywalker, cada vez mais pervertido, num trabalho que Al Pacino recebeu, em 1972, em Chefão, mas Hayden não conta com um Coppola guiando sua atuação. Faz o que pode e se garante, feito todo mundo.

    Ao trabalhar tão bem com expectativas e a reputação de uma cultura (um filme de Star Wars é e tem a própria cultura, por si só, tamanha a carga de signos e dogmas), A Vingança dos Sith não só atualiza o mito, mas esclarece o porquê merece seu status de lenda, e apresenta ainda uma visão mais séria e coerente as lutas de sabres de luz, aos voos de naves inter-espaciais, enfim: Para toda a brincadeira, atribuída por culto a muitos, e que aqui, foi elevada a outro patamar.

  • O Cinema em 1914

    Ele ainda não era arte – não aos olhos de quem o assistia, e o via não mais do que mero divertimento, fadado ao limiar do tempo. O Cinema não ganhava C maiúsculo e não era levado a sério em 1914, mas já tinha arrumado a mala e se posto na estrada para ser. Griffith e DeMille ainda engatinhavam, com Chaplin mamando sedento no seio de todo o experimentalismo que marcaria a ascensão além-mar da sétima das expressões, tecnológica e grande enquanto teatro filmado no começo do século XX, mas sob a confiança daqueles que floresceram aos lados de uma câmera de filmar. Eis a memória reunida do que de melhor foi captado há um século.

    Figuras de Cera
    Figuras de Cera, de Maurice Tourneur

    Primário e interessante exercício das dimensões de uma câmera, do ofício de suspense através do ângulo de uma imagem, e da importância do cenário e do uso da trilha sonora no produto final.

    Corrida de Automóveis
    Corrida de Automóveis para Meninos, de Henry Lehrman

    Primeiro curta-metragem com Charles Chaplin, onde nos foi apresentada a figura de Carlitos. Despretensiosa e bem-humorada introdução ao símbolo do mito.

    The Perils of Pauline
    The Perils of Pauline*, de Louis Gasnier e Donald MacKenzie

    O filme que eternizou a cena da donzela presa nos trilhos do trem, como metáfora implícita de todo o machismo que permeia o filme como tema que move a história, aqui mascarado de ambição. Aula de como equilibrar drama e comédia em uma trama de reviravoltas constantes, numa escola clássica de Cinema.

    In the land of the Head Hunters
    In the Land of the Head Hunters*, de Edward S. Curtis

    Teste de elenco incluso numa narrativa empolgante de gêneros paralelos (drama, comédia e aventura), que através da direção de Curtis já tentava provar o potencial da montagem cinematográfica. É Cinema cada vez menos como teatro filmado ao ar livre.

    Photo-Drama of Creation
    Photo-Drama of Creation, de Charles T. Russell

    Documentário (literalmente) primitivo de temática religiosa e evolucionista, e principalmente transgressora, devido a enorme iniciativa de uma produção de mais de 400 minutos, acerca da criação da vida no planeta Terra. Conhecido como o primeiro documentário a incorporar som sincronizado a um slide colorido de imagens históricas, biblicamente ou não.

    Judith de Betúlia
    Judith de Betúlia, de D.W. Griffith

    Filmado em 1913, mas tendo sua estreia um ano depois, por motivos de pós-produção, provavelmente, foi um dos ensaios profissionais do lendário Griffith para realizar sua maior contribuição ao cinema, em 1915, O Nascimento de uma Nação. Já é possível atestar em Judith, contudo, a visão técnica que vira arte nas mãos do diretor, mesmo pontuada pela emoção e leveza de uma história de amor à moda antiga.

    Amor de Índio
    Amor de Índio, de Oscar Apfel e Cecil B. DeMille

    O primeiro projeto do diretor de Os Dez Mandamentos no cinemão, e exemplo de um dos primeiros faroestes da América, numa conflituosa história política, e também pelo choque da cultura britânica com a americana, com uma pitada de romance, talvez apenas para satisfazer o inocente e impressionável público da época. A montagem de B. DeMille em Amor de Índio, característica do ponto de vista dos personagens, foi extremamente copiada e aprimorada ao longo do tempo.

    Carregadores de Piano
    Carregadores de Piano, de Charles Chaplin

    A falta de responsabilidade lógica na narrativa e na história, e as “proezas” de Chaplin e elenco, remetem de forma notória à Meliès, cineasta francês já reconhecido nos Estados Unidos. Divertidíssimo!

    Cabíria
    Cabíria, de Giovanni Pastrone

    O primeiro épico do cinema e o mais famoso filme de 1914, a obra de Pastrone segue, cem anos depois, como uma das mais inacreditáveis estilizações e reproduções de uma realidade babilônica em larga escala para um filme, com a liberdade criativa de desconstruir as palavras do roteiro e se apropriar do poder lúdico e expansivo da imagem em movimento, em prol de uma inédita mitologia de um mundo novo, nada menos que admirável. Para os moderninhos compreenderem tamanho impacto artístico, Cabíria foi O Senhor dos Anéis de 1914, ainda que incomparável, é claro, em diversos fatores.

    O Paladino da Vitória
    O Paladino da Vitória, de Cecil B. DeMille

    No mesmo ano de Amor de Índio, é notável a naturalidade, o criticismo, a sagacidade e a elegância das duas direções iniciais de B. DeMille, agora com o estilo do diretor começando a emergir, ainda em processo de conduta estética e narrativa. O filme tem muito mais tensão e interesse derivado da continuidade dos planos e sequências, criando uma história nada frágil e segura de si, com várias referências de Griffith para ajudar a criar as facetas da natureza do faroeste norte-americano, muito antes de John Ford virar sinônimo do gênero e um dos inúmeros discípulos dessas criações esquecidas, ou quase esquecidas, do caldo primordial do Cinema.