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  • Crítica | Indiana Jones e a Última Cruzada

    Crítica | Indiana Jones e a Última Cruzada

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    Estreando em 1989, Indiana Jones e a Última Cruzada não decepcionou e conseguiu criar outra grande aventura de sucesso para o arqueólogo mais famoso do cinema, no mesmo nível que Caçadores da Arca Perdida e Indiana Jones no Templo da Perdição.

    Quando Henry Jones é dado como desaparecido em uma expedição na busca pelo Santo Graal, Indiana Jones tenta encontrar seu pai enquanto procura escapar dos nazistas.

    O bom roteiro de Jeffrey Boam, baseado na história de George Lucas e Menno Meyjes, estrutura-se no primeiro filme da série. Se antes Indiana era contratado pelo governo para ir atrás da Arca da Aliança e alcançá-la antes dos nazistas, agora quem o contrata para encontrar outro objeto bíblico é o dono da expedição que seu pai liderava e desapareceu.

    Indiana Jones e a Última Cruzada acerta ao ampliar o espectro do personagem e mostrar a relação que tem com o pai. Apesar de ter herdado o amor por história e arqueologia, Indiana também herdou as relações conturbadas que o pai teve com mulheres. Ao ter a sua terceira amante na série, Indiana Jones se aproxima mais de 007 e se distancia um pouco da sua principal inspiração, Alan Quatermain, personagem fictício do livro As Minas do Rei Salomão, de Henry Rider Haggard. Não à toa, Sean Connery foi escalado para viver Henry Jones pai.

    Outro grande trunfo do roteiro foi apresentar o passado do protagonista, como o jovem Indiana Jones na abertura do filme. Além de reforçar as principais características do personagem desde a sua adolescência, serviu de ligação para a narrativa central ao também apresentar o seu pai. Todo o filme pode ser resumido no início.

    A direção de Steven Spielberg continua afiada, deixando ainda mais claro o seu domínio da narrativa visual como poucos. Apesar de ser uma franquia, as características fundamentais do seu cinema continua lá: problemas familiares enfrentados pelos protagonistas, uma complicada ameaça externa, atitudes fascistas de governos ou órgãos governamentais.

    Como é filme de gênero de aventura pulp, a atuação não é das mais refinadas e nem precisa ser. Harrison Ford segue canastrão como o personagem-título, mantendo os mesmos maneirismos. Mesmo no piloto automático, Connery consegue dar o charme que a parte final da trilogia necessitava, como Henry Jones pai. A grande revelação foi River Phoenix que conseguiu criar um jovem Indiana Jones tão marcante que até conseguiu se transformar em uma série televisiva. Destaque para os retornos de John Rhys-Davies e Denholm Elliott como Salla e Marcus, além de Alisson Doddy que vive Elsa e Julian Gloover (o Grande Meister Pycelle de Game of Thrones) como o vilão Walter Donovan.

    A fotografia versátil de Douglas Slocombe, que trabalhou nos outros três filmes da franquia, consegue ir do árido e amarelado deserto de Petra até os esverdeados e azulados aconchegantes salões europeus. A edição ágil de Michael Kahn, que também trabalhou nos outros títulos, manteve o bom ritmo, sempre se preocupando com os respiros necessários entre as várias sequências de ação da obra.

    Indiana Jones e a Última Cruzada vale a pena por ter se tornado um clássico mantendo o nível dos dois outros filmes, e concluindo com sucesso uma trilogia que se tornou referência para a história do cinema, principalmente nos anos 1980.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | 007: Um Novo Dia Para Morrer

    Crítica | 007: Um Novo Dia Para Morrer

    007 - Um Novo Dia Para Morrer - poster

    É impossível seguir um padrão. Por mais que se busque o linear, até o mais fervoroso fã de Harry Potter, Star Wars ou Crepúsculo vai achar prós e contras nos episódios favoritos de cada um. É bom que se saiba que esses produtos, encapados como se fossem o mais nobre Cinema, são feitos para fãs e abertos a todo tipo de debate e discussões. Quando 007 – Um Novo Dia Para Morrer estreou, a internet ainda era um luxo, mas uma coisa já se podia afirmar: o filme é o Batman & Robin das aventuras de James Bond, e este parece ser um fato difícil de se contestar.

    Logo na cena inicial, é impossível não rir com Bond surfando no litoral norte-coreano (?) vestido numa espécie de papel alumínio (??) com pranchas equipadas com armamento militar (???). É o tipo de comédia involuntária que, quanto mais se leva a sério, pior fica. Só faltou a MGM chamar o Joel Schumacher pra direção, bem antes do cara tentar se redimir com o mundo em dois bons episódios de House of Cards, em 2013. Boa tentativa, só que não.

    Pierce Brosnam nunca foi um Bond cool, e uma edição ruim entre as cenas dramáticas para ajudar o ator, enfim, não ajuda muito. Brosnam tem essa expressão natural de “eu sei o que você tá pensando, bonitão”, e na mitologia do espião isso encaixa mais que perfeitamente, contanto, é claro, que o ator não ligue o modo-automático para tentar entender os mistérios de uma incógnita em forma de personagem. Bond, nos livros, é uma sombra, o X das questões onde é jogado para resolver, e tentar sobreviver. O filme de 2002 não consegue ser mais infantil e deselegante, com subtramas políticas profundas como pouco mais que um copo d’água; mero produto de exportação.

    Na iminência de uma guerra entre as duas Coreias, a história tenta nos convencer que Bond sabe o que faz, quando é difícil de nos fazer acreditar na sua boa pontaria. Ao descobrir, por exemplo, da possível existência de um traidor, ou traidora, dentro da agência pra quem trabalha, a MI6, Bond prefere jogar esgrima e transar num cisne de gelo (o fogo é grande!) do que prestar serviços à embaixada britânica, afinal já virou rotina enfrentar os procurados pela Interpol. Por essas e por outras, Um Novo Dia Para Morrer (interminável) é o mais perto dos piores filmes de Jackie Chan e Os Pequenos Espiões que nosso agente já chegou; é a consolidação da falta de sorte de Sean Connery e Roger Moore, quando disseram-nos que já estavam velhos para acertar a mira. O mundo é um lugar frio, sim, mas o filme escolhe a pior maneira de demonstrar o que poucos ainda não sabem.

    E que abertura cheia de faíscas, mulheres de gelo e escorpiões é essa? Nem Madonna e Halle Berry na causa, aliás, deixemos Berry fora disso; aluguel é caro. Mas quer saber o que é legal na vida? Os Vilões de Bond? Sim, a maioria, em especial o icônico Jaws, de 007-Contra o Foguete da Morte, mas no caso, bacana mesmo são dois carros (não tão legais assim porque não são Transformers) correndo no gelo e explodindo montanhas árticas com mísseis atômicos – com uma desculpa qualquer para a brincadeira acontecer. É no que o filme se molda, em torno de uma grande piada, cuja melhor cena de ação, vulgo caricatura, é a famosa sequência que Speed Racer em 2007 quis se inspirar e reproduzir, mas até essa referência os Wachoswki conseguiram estragar. Parabéns.

    Promessas de Réveillon, piadas de português, alienação, cosplay da Madonna e cachorro. Outra coisa que também não falta nesse mundo é fã de James Bond, mas com um representante assim para o universo de espionagem criado por Ian Fleming, (“Parece que seu amigo acabou de vazar“, diz Bond a seu inimigo durante um acidente de avião), fica difícil afirmar que vida de fã é um mar de diamantes. Nem sempre.

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  • Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

    Crítica | Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith

    ep3
    Mito.
    substantivo masculino
    1. 1.
      relato fantástico de tradição oral, ger. protagonizado por seres que encarnam as forças da natureza e os aspectos gerais da condição humana; lenda.
      “m. e lendas dos índios do Xingu”
    2. 2.
      narrativa acerca dos tempos heroicos, que ger. guarda um fundo de verdade.
      “o m. dos argonautas e do velocino de ouro”

    Mito. Para a antropologia é um relato simbólico, levado de geração em geração e que narra e explica a origem de um fenômeno, de um ser vivo, de um grupo ou costume social. Na matemática, é o que (ainda) não pode ser explicado por 1+1. E para o Cinema (que já foi um Mito da tecnologia), é Star Wars.

    O uso desse mito e sua riqueza, toda essa mitologia, na visão de Lucas, impondo a graça de suas simbologias da forma mais divertida possível, é um triunfo em A Vingança dos Sith em todos os sentidos! A história consegue se manter sóbria durante todo o tempo, sem afetações de usar mil personagens, mil cenas de ação e todo o carnaval já conhecido, numa investigação do potencial da galáxia criada em 1977, e com uma reputação quase destruída pelo baixo nível dos filmes de 1983, 1999 e 2002 (O Retorno de Jedi, A Ameaça Fantasma e O Ataque dos Clones). Parece que não seria mais possível construir uma trama boa o bastante para um universo tão rico, até esse A Vingança dos Sith aparecer e fazer as pazes com um público fiel, seguidores sedentos por um verniz de qualidade.

    George Lucas, compadre de Spielberg, sempre pareceu ter uma relação de “te amo, mas te odeio” com sua criatura. Tal George R. R. Martin, criador de Game of Thrones, Lucas sabe que manter os músculos criativos em forma é vital para suportar a enorme pressão de cultivar seu “ganha pão”. É preciso vender o peixe, ouvir o público (o cliente tem sempre a razão) e fazer tudo ser o mais interessante possível. Milagrosamente, A Vingança dos Sith tem a melhor história desde o antigo O Império Contra-Ataca, o melhor exemplar de toda a saga, exalando, no filme de 2005, uma verdadeira ode ao que faz de Star Wars um mito grego homérico de tragédias e vitórias, contudo, nos moldes do grande público pop.

    “E é assim que a liberdade termina: Com um grande aplauso.”

    Porque é lindo ver as intenções da arte casando com as do negócio. No caso, o amor pela história e o lucro almejado pelo estúdio, a Fox. Star Wars em 2005 parou de ser o videogame que começou em 1983 a ser, para reassumir o ares de drama shakespeariano de antes, dando atenção à história, complicada e cheia de elementos, mas sabendo equilibrar toda a mitologia que nos faz adorar a série. É o Poderoso Chefão da jornada nas estrelas, discutindo política, laços familiares e reinvenção pessoal diante dos conflitos da vida. No colosso de Coppola, todos lutam contra ou a favor dos seus princípios pessoais, sendo que no épico de Lucas não há tempo para profundidade filosófica, com ética, moral e valores explorados através de perseguições, conflitos e duelos de (quase) tirar o fôlego.

    É nesse episódio que podemos nos deleitar com a melhor cena de luta da saga, ao som dos hinos militares do maestro John Williams elevando o nível de duas cenas paralelas que, por mera concepção, já seriam épicas de qualquer forma. O problema é quando a mesma trilha-sonora se torna onipresente em todo o filme, como se fosse um musical imponente lotado (obeso) de efeitos especiais, muitos nem um pouco convincentes. O excesso de trilha e CGI é tanto, devido a escala surreal da história, que o filme pode até nos levar à dúvida: Seria uma animação com atores? A quebra de realismo é constante, e personagens e cenários que deveriam convencer, ser críveis, são tão falsos quanto o King Kong de 1966. Curiosidade: A Vingança dos Sith estreou depois da revolução de O Senhor dos Anéis, o que, dentro ou fora de contexto, é quase uma vergonha para o filme de George Lucas. Ainda mais se lembrarmos que, nos anos 70, quem causou uma revolução foi ele.

    O filme de 2005, na verdade, existe para nos dar certeza plena e total que há ordem no universo de Darth Vader, e companhia (Não tem bagunça, não!). Tudo tem uma causa e consequência, e o bem e o mal nem sempre é claro, mas pode ser turvo como um feixe de holograma. Há uma conspiração política prestes a explodir nos confins do universo, a fim de destruir o equilíbrio do poder e levar os de bom coração ao lado negro da força. Lucas não apenas tenta estabelecer o que aconteceu antes do primeiro filme de 1977, mas conta com inteligência e calma como Darth Vader se tornou o Hitler de Star Wars. Como alguém, antes do lado dos anjos, cai e decai tanto em uma só vida?

    O poder corrompe, e o elenco se esforça para que a tensão exale da tela, mais do que qualquer trilha-sonora ou efeito especial consiga fazer. Natalie Portman (Cisne Negro) e Ewan McGregor (Toda Forma de Amor) se destacam por fazer de Obi-Wan e Padmé pessoas em constante apreensão, sentindo ambos na pele de que a escuridão está por vir, e que parte da responsabilidade de evitar tempos difíceis está em suas mãos. É Padmé, mãe de Leia e Luke Skywalker, que solta a frase acima, numa cena de clara referência nazista.

    Tudo está em sintonia, até mesmo Yoda e o supremo chanceler Palpatine carregam o mesmo carisma icônico de sempre, entre tantas outras criaturas inesquecíveis, mas escalar Hayden Christensen como futuro Vader não seria um problema se George Lucas soubesse dirigir um ator, coisa que 30 anos depois ainda se esforça a fazer (umas aulinhas com Spielberg seriam ótimas)… Hayden, de As Virgens Suicidas, luta para encarnar a maldade crescente de Anakin Skywalker, cada vez mais pervertido, num trabalho que Al Pacino recebeu, em 1972, em Chefão, mas Hayden não conta com um Coppola guiando sua atuação. Faz o que pode e se garante, feito todo mundo.

    Ao trabalhar tão bem com expectativas e a reputação de uma cultura (um filme de Star Wars é e tem a própria cultura, por si só, tamanha a carga de signos e dogmas), A Vingança dos Sith não só atualiza o mito, mas esclarece o porquê merece seu status de lenda, e apresenta ainda uma visão mais séria e coerente as lutas de sabres de luz, aos voos de naves inter-espaciais, enfim: Para toda a brincadeira, atribuída por culto a muitos, e que aqui, foi elevada a outro patamar.

  • Crítica | Escalado para Morrer

    Crítica | Escalado para Morrer

    Você é um astro. Você é o diretor. E você gosta de alpinismo e nunca pode fazer um filme do James Bond porque não é Inglês!?  É daí que surge a grande trama baseada no livro de Trevanian, Escalado para morrer (The Eiger Sanction), esta bela película que completa 50 anos em 2015.

    Filmes de espionagem não são novidade em hollywood há muito tempo, por isso mesmo é interessante ver como um grande diretor trabalha a mesma fórmula tentando dar a ela um pouco da sua própria identidade. A tomada inicial muito bem temperada com a trilha de John Williams já nos mostra ao que o filme veio, com uma paisagem sóbria de clima misterioso, acompanhamos a trajetória de um homem até sua inesperada morte num apartamento, e daí se desenrola toda a trama dessa aventura de Clint.

    Na trama, Jonathan Hemlock (Clint Eastwood) é um elegante professor de artes que não dá mole pra suas alunas. Ele é durão, dá porrada, e não tem medo mandar o garoto de recados catar coquinho se necessário. Mas temos um problema, Hemlock possuí um passado como funcionário de uma organização secreta, e seus serviços da época lhe renderam obras de arte valiosas no porão de sua casa. Então seu ex chefe o ameaça com um último serviço, para acabar com suas dívidas de uma vez por todas!

    É difícil ainda mais com a perspectiva de hoje ver um filme se dar tempo para desenvolver um pequeno problema que é parte fundamental para o desfecho que a história irá seguir. O filme tem duas horas de duração mas desenvolve todos os seus detalhes na trama de maneira bem simples. Hemlock passa quase que a primeira metade do filme desenferrujando suas habilidades fazendo caminhadas e corridas com belas tomadas panorâmicas e aéreas de paisagens e montanhas ao lado de sua instrutora índia-fatal.

    Outro grande trunfo do filme é ser muito divertido pelos comentários sarcásticos e atitudes pávio-curto do nosso protagonista junto aos diálogos dele com George Kennedy que possuí tiradas engraçadíssimas também. É óbvio que aquela história toda não se leva a sério e essa é sem dúvida a melhor parte dela, principalmente pelo clima aventureiro que a trilha de Williams proporciona durante toda a duração, com arranjos de violão muito interessantes em alguns momentos, e o tema principal que é uma variação ambivalente de jazz e música sintética nessa trama meio espião/ filme de aventura. Não se compara em peso com muitos dos grandes trunfos de direção de Clint, mas nos faz lembrar que esse mesmo senhor tem um ótimo senso de humor e gosta de entreter o espectador além de evocar emoções.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • A Verborragia de Joyce – Parte 2

    A Verborragia de Joyce – Parte 2

    ulyssesegoist

    Aqui estão copilados, em onze artigos rápidos e descritivos, fracionados em duas partes, análise acerca da grande jornada decorrida das proporções de Ulysses, provável magnum opus do escritor James Joyce. Digo provável devido à inconstância de vários críticos sobre qual é a maior contribuição à literatura de Joyce: Nosso objeto de estudo abaixo, ou seria Finnegans Wake, livro que poucos se atrevem a ler pela dificuldade do exercício narrativo? Seja como for, abaixo está listada quase uma dezena de marcas que Ulysses deixa no leitor à mercê de sua composição, o que não deixa de ser um resumo honesto e um convite à leitura de quem nunca se aventurou nas entrelinhas de um dos maiores romances do século XX. Você não lê Ulysses, você estuda, e estudá-lo não é um dia no parque, é uma estadia de duas semanas em uma biblioteca. Vale pelo mesmo.

    (20/06/2014) 7° DIA – 700 páginas: Como é difícil acompanhar o raciocínio de Joyce na primeira leitura, antes de uma releitura de um parágrafo. Difícil e injusto. É preciso reler e reler e reler, pela terceira e quarta tentativa de compreensão, em prol de um avanço na decodificação da leitura, e de uma provável epifania sobre a intenção no indescritível jogo de palavras, palavras e signos que não parecem clamar qualquer identificação, cada vez menos, aliás. Cada vez mais, a técnica penetra e alavanca o texto como tema e como alma da escrita. Está frio e ando lendo na cama, algo que Stephen Dedalus também o faria, com certeza.

    (23/06/2014) 8° DIA – 800 páginas: Joyce vai além das expectativas geradas num impensável e caótico julgamento da vida de um pobre cidadão, de orientação ética duvidosa, enquanto o escritor dificulta o julgamento das atitudes dos personagens através de uma linguagem de dificílimo acesso, justificando assim sua ambição descritiva com a forma demonstrativa da sua versão do julgamento da vida, e suas consequências numa estrutura insana e ofegante, o que me faz lembrar do método de Saramago. James Joyce vai tão longe nas implicações dessas 800 páginas – e nas suas megalomanias na conjetura promocional do conteúdo sugerido numa ousada empresa, com a literatura de Shakespeare e a poesia de Homero e Hesíodo sendo celebradas  que fica difícil imaginar as próximas dimensões que as próximas 100 páginas poderão ter.

    (26/06/2014) 9° DIA – 900 páginas: Joyce conclui que a falta de um fluxo definido e constante é menos importante do que o número elevado que contabiliza seus ganhos e méritos além-obra na narrativa mais desafiante até o momento, com uma centena de páginas realmente labiríntica e perturbadora, cortesia mais da trama que da estrutura, por enquanto, e encerra seu conjunto formulaico através de suas próprias resoluções literárias, junto a um bocado de semi-conclusões ainda aéreas, com sentidos e definições ainda a serem totalmente empregados adiante – eu espero! De fato, o melhor verbo para definir Ulysses, se isto for realmente possível, é Englobar! Mesmo com suas viciantes e hipnotizantes ambições, James Joyce parece começar a ter certa piedade do leitor a partir de certo ponto, antes de completar 1000 páginas, e abranda a narrativa, enquanto, todavia, faz borbulhar ainda mais todo o contexto (literalmente) hiper-multifacetado.

    (27/06/2014) 10° DIA – 1000 páginas: De fato, nada louvável se não for visto e pesado por uma ótica ativa, eficiente e não-preguiçosa, o décimo e décimo primeiro capítulos são os mais fáceis e acessíveis até o presente marcador de páginas acusar repartição na milésima. As analogias de Joyce com a reles vida humana, meio que rejeitando todas as suas inúmeras pretensões posteriores  irredutíveis da memória de quem as lê –, são espetaculares, no complemento de uma perspectiva sideral, cósmica e astrológica a todo um cinturão de ocorrências humanas forjadas no tempo sobre a crosta terrestre  precisa e orgulhosamente na Irlanda, propriedade intelectual de Joyce. Através de infinitas exaltações culturais e concordâncias a partir do indivíduo, rumo à identificação de um coletivo social, o autor torna sua pátria um matagal de valores, fetiches, peso moral, valor histórico e nomenclatura original – devido às suas percepções exclusivamente irlandesas e conclusões agora definitivas a respeito de uma forte e volátil, porém insolúvel, narrativa necessária às veredas que Joyce assume no decorrer da trama, regida com o máximo de fôlego prestado à regência e que também é requerido para decifrá-la.

    (30/06/2014) 11° DIA – 1106 páginas: Hoje termina junho, e eu levei 20 anos para me preparar pra ler Ulysses, com minhas limitações culturais já em terceiro plano após a leitura do livro, após essa experiência cara e transgressora de um antes e depois inevitável. É preciso elevar o nível, se deixar refinar em processo desafiador de desconstrução, um refluxo transformador culminante ao epitáfio travestido de alívio, frescor e de gratidão embutidos no final da obra. Joyce não termina sua odisseia sem apresentar todos os seus réus ao júri que os julga, tão humanos e imperfeitos quanto qualquer outro representante da literatura do escritor, com tamanha miscelânea de perspectivas diante de uma mesma história, além das possibilidades que qualquer narrativa até agora conseguiu alcançar, até agora, em suas abordagem transitórias e com as mesmas responsabilidades na condução desta façanha em forma de livro. O lugar comum nas últimas resoluções é o assombro diante da soberania do artista, é a audácia do realismo destilado e modelado, da honestidade jogada sem qualquer cerimônia ou filtros a favor de um mural diferente e único que cada um do júri  nós – tem o livre direito de traçar, finalmente, as próprias resoluções. Por fim, Ulysses é o último delírio agridoce de uma noite de sonhos e pesadelos a afetar nossas razões, nossos princípios, padrões de comportamento e técnicas de leitura que ficam 100% obsoletas logo nas primeiras páginas deste tijolo em forma de manuscrito confidencial. Última frase marcante: “O sol brilha por você.” – página 1104 na brilhante tradução de Caetano W. Galindo.

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  • A Verborragia de Joyce – Parte 1

    A Verborragia de Joyce – Parte 1

    Ulisses - Joyce - Penguin

    Aqui estão copilados onze artigos rápidos e descritivos, fracionados em duas partes, acerca da grande jornada decorrida das proporções de Ulysses, provável magnum opus do escritor James Joyce. Digo provável devido à inconstância de vários críticos sobre qual é a maior contribuição à literatura de Joyce: Nosso objeto de estudo abaixo, ou seria Finnegans Wake, um livro que poucos se atrevem a ler pela dificuldade do exercício narrativo? Seja como for, abaixo é listada quase uma dezena de marcas que Ulysses deixa no leitor à mercê de sua composição, o que não deixa de ser um resumo honesto e um convite à leitura de quem nunca se aventurou nas entrelinhas de um dos maiores romances do século XX. Você não lê Ulysses, você estuda, e estudá-lo não é um dia no parque, é uma estadia de duas semanas em uma biblioteca. Vale pelo mesmo.

    (12/06/2014) 1° DIA – 200 páginas: Os dois primeiros capítulos se provaram de uma precisão e dispersão de significados impressionantes, mesmo que haja, no inconsciente de quem lê, a certeza perspicaz de um enredo solene nas histórias geralmente narradas em terceira pessoa, seja por Joyce ou por um narrador que ainda é inviável de se identificar. Nestas primeiras 200 páginas os dois protagonistas são apresentados de forma prática e livre, sem quaisquer preceitos. Tanto no primeiro capítulo acerca de Stephen Dedalus e sua culpa e desespero existencial, tanto na segunda parte sobre Leopold Bloom e sua curiosidade tímida a respeito de quem faz o mundo, a obra já se mostra filosoficamente pulsante, socialmente sensível, moralmente alarmante e religiosamente audaciosa e corajosa. A seguir, a investigação continua páginas adentro. É uma aventura ler Ulysses.

    (13/06/2014) 2° DIA – 300 páginas: Já é possível entender, agora, de onde vem a preocupação soberana de Joyce com a forma diversificada ao invés da responsabilidade principal com a história. A diferença entre os capítulos é gritante não através da numeração divisória, mas das diferentes narrativas recorrentes e sempre específicas. Daí a razão para o extenso tamanho da obra, pois é o meio encontrado para desenvolver, da melhor forma, os inúmeros tipos de tratamentos narrativos tecidos ao longo de contextos em constante construção, alinhados entre si, numa perfeita teia joyciana.

    (14/06/2014) 3° DIA – 400 páginas: No decorrer argumentativo de noções de paladar e visões hipotéticas de Shakespeare e suas crias, Joyce estampa e escancara realidades cada vez mais particulares e psicológicas em nome da Irlanda. Essa visão expansiva, e um tanto marxista, se reflete na formosa citação da pág. 374: “Se Sócrates deixar sua casa hoje, ele encontrará o sábio sentado em seu limiar. Se Judas sair de sua casa nesta noite, é a Judas que seus passos tenderão”. Portanto, é de se esperar, – ou melhor, de se notar – como dimensões de temas como o preconceito social, o orgulho e o conservadorismo explícito do espírito irlandês retratado, começam então a brotar por essas páginas de maneiras cada vez mais fortes e aparentes. Vertentes que de tão subjetivas se tornam visíveis apenas a um (a) leitor (a) prudente.

    “Eu temo aquelas palavras largas que nos fazem tão infelizes”

    (15/06/2014) 4° DIA – 500 páginas: As primeiras cem páginas que se tornam o maior desafio de decodificação para mim, até agora. Joyce sabia muito bem que seu prazer de intimidar o leitor seria pleno e contínuo até metade do livro, devido à genial e ofegante dinâmica da qual se deriva todo o montante de manifestações e inquisições culturais intrínsecas e indivisíveis ao surrealismo de uma realidade nua e inquietante, como qualquer outra com conflitos de interesse. A verborragia nunca foi tão rica e enlouquecedora quanto nestas 500 páginas! Frase marcante: “Os amigos que nós amamos estão do nosso lado, e os inimigos que odiamos estão à nossa frente.”

    (18/06/2014) 5° DIA – 600 páginas: Entre paralelos e associações internas, Joyce expande ainda mais seu mosaico de personas e cria um espelho dramático entre duas fantásticas personagens centrais, não como um estudo teórico, mas um estudo prático, irracional como o vento, daí a maravilhosa verborragia joyciana. Cem páginas românticas entre o masculino e o feminino da alma humana, onde a justaposição e a aglutinação de palavras e intenções lexicais transcendem e apontam a um “mix” megalomaníaco de diversas noções, todas nobres e atemporais enquanto notavelmente ambiciosas, à maneira metodológica de costume.

    (19/06/2014) 6° DIA – 650 páginas: Joyce parece querer provar que há história de exímia qualidade edificante paralela à simetria da narrativa, no oásis verbal submetido às páginas a fio. O momento notoriamente mais sensível, “emocional-sem-ser-apologético” do livro. As intenções sexuais de Joyce já não são mais sugeridas com reles metáforas. Tudo agora é explícito e esquematizado para apenas aumentar o impacto das questões psicológicas e sexuais que emergem com uma força inédita, até agora. Frase marcante: “Um hábito repreensível na puberdade é vício e opróbrio na meia-idade”. Frase mais contextual ao momento, impossível. Ulysses se torna, então, finalmente, um complexo livro de confissões, e nós somos, obrigatoriamente, o padre.

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