Tag: Dermot Mulroney

  • Crítica | Zodíaco

    Crítica | Zodíaco

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    Assassinos seriais na história dos EUA existem aos montes. Cada um mais complexo do que o outro. O século XX, por ter sido o século da massificação (inclusive da mídia), trouxe para a população a espetacularização de eventos que antes eram confinados a círculos restritos. Se antes uma série de assassinatos em uma comunidade rural (como retratado no excelente A Fita Branca) ficava restrita a ela, no país da classe média e da informação, a produção de notícias e a reprodução de assassinos, que tinham vontade de aparecer e passar uma mensagem, também cresceram exponencialmente. Junto a esses casos, cresceram também os filmes do gênero, que tentavam reconstruir o passo a passo da investigação policial no percalço do assassino, às vezes tentando compreender o que havia por trás de pessoas tão perturbadas a ponto de cometerem tais atos.

    Dentro desse contexto, um dos casos mais curiosos foi do assassino que se auto intitulou “Zodíaco” e que cometeu seus crimes nos EUA entre as décadas de 60 e 70. O que torna seu caso tão emblemático é, além do assassino usar códigos publicados em jornais para chamar a atenção e ver se alguém conseguiria capturá-lo através deles, o fato de ele nunca ter sido pego. Dentro desse frenesi de teorias a respeito de quem fora esse assassino e as razões por trás de seus atos, David Fincher adaptou o livro de Robert Graysmith, cartunista, jornalista e escritor que investigou a fundo o caso e que no filme é interpretado por Jake Gyllenhaal. Também no  San Francisco Chronicle trabalhou com Graysmith o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.). No comando da investigação policial estavam os policiais locais David Toschi (Mark Ruffalo) e William Armstrong (Anthony Edwards), que são chamados após um assassinato de um taxista, mas cujas evidências apontam para algo mais complexo do que parece.

    Com aproximadamente três horas de duração, Zodíaco consegue entreter o espectador, que é preso nessa cadeia de acontecimentos e descobertas que vão se desdobrando, ao mesmo tempo que contradições aparecem, criando-se dúvidas enquanto surgem certezas. A história possui três atos distintos, onde os dois primeiros focalizam a evolução de Zodíaco como assassino e instigando as autoridades a investigá-lo, à medida que a dupla de policiais Toschi e Armstrong segue em sua busca, lidando com toda a dificuldade do sistema legal para isso. O terceiro ato volta-se para a jornada pessoal de Graysmith e sua obsessão em descobrir a identidade do assassino, o que terá um alto custo em sua vida pessoal.

    Robert Graysmith é um tímido e introvertido cartunista do San Francisco Chronicle e que adora quebra-cabeças. Quando as primeiras cartas de Zodíaco são recebidas pelos principais jornais da Califórnia, ele tenta compreender as pistas e o fenômeno por trás do assassino, mas é tratado com desdém por seus colegas. A novidade e complexidade do caso são tantas que os órgãos policiais, a imprensa e grande parte da sociedade não conseguem compreender o que está acontecendo, o que irá contribuir para o assassino permanecer solto por todo este tempo. A falta de diálogo entre as divisões, a intensa burocracia e a guerra de egos são fatores determinantes dentro da investigação e acabam por todo o instante a atrapalhá-la.

    Após, atrair a curiosidade de Avery, Graysmith começa a investigar, em companhia dele, algumas das pistas deixadas pelo assassino, tentando encontrar um padrão e, assim, tornar mais fácil sua identificação. Porém, nada se encaixa. Suas vítimas mudam, assim como a hora, o dia e o tipo dos assassinatos cometidos, para o desespero do metódico desenhista. Tamanha dificuldade acabará por levar Avery à exaustão mental, e, após ser ameaçado de morte por Zodíaco, o personagem acaba por se retrair completamente da sociedade, tornando-se jornalista de publicações pequenas.

    Passam-se anos e a dupla de policiais, Toschi e Armstrong, também toma rumos diferentes. Enquanto Toschi permanece obcecado com o caso e sofrendo pressões internas, Armstrong decide deixar tudo de lado e pede transferência para executar trabalhos internos, para a decepção do parceiro. Passada quase uma década após o aparecimento de Zodíaco, Toschi e Graysmith se unem extraoficialmente para tentar aparar arestas e dar um fechamento à investigação de forma definitiva, causando a quase completa exaustão mental de ambos, especialmente de Graysmith.

    Apesar de o final do filme não se resolver por completo, ao deixar o espectador com a mesma sensação que o público tivera ao acompanhar o caso (já que ele nunca foi resolvido), toda a trajetória de investigação é feita de forma meticulosa, característica marcante do cinema de Fincher. A reconstituição material da época, desde os carros, as posições dos corpos, os penteados e roupas das vítimas, as notícias de jornal e TV, além de todo o frenesi causado por Zodíaco na época, contribuem para dar ao filme uma aura quase documental, a ponto de fazer com que o espectador se sinta na pele de Graysmith, querendo saber cada vez mais sobre Zodíaco. Após ver o filme, uma busca no Google pela história do assassino e dos personagens se torna irresistível. Também se torna quase que necessário assistir à obra mais de uma vez, pois, a cada revisão, conseguimos perceber uma nova camada dentro daquele mundo e da investigação. Sentimo-nos mais próximos de saber a verdade, lado a lado dos personagens e suas teorias.

    Mais do que um filme sobre um serial-killer, Zodíaco mexe fundo no imaginário coletivo de uma humanidade que havia acabado de entrar em uma sociedade de consumo e informação de massa. A avalanche de assassinos seriais que os EUA enfrentariam nesse período não é mera coincidência, pois todos nós somos atraídos pelo que há de mais sombrio na nossa natureza. O comportamento coletivo em cima desse fenômeno raramente é racional; a mídia o usou largamente e ainda o usa para lucrar em cima de acontecimentos como esses. A sociedade dos EUA, com sua obsessão por armas, violência e a retidão moral, consegue produzir fenômenos únicos que suscitam diversas análises e entendimentos. O serial-killer se torna, então, um desses fenômenos dentro da cultura pop. Filmes como Zodíaco, ao invés de sensacionalizar o evento, nos ajudam a compreendê-lo de maneira sóbria e séria. Em uma época de tamanha passionalidade, tais obras são sempre bem-vindas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Álbum de Família

    Crítica | Álbum de Família

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    Tracy Letts é um escritor pouco ortodoxo. Suas peças já renderam ótimos roteiros de filmes, como Possuídos e Killer Joe: Matador de Aluguel, ambos de William Friedkin. Em Álbum de Família, o autor parece querer grafar uma afeição em trocar farpas com a instituição família, pervertendo o tempo inteiro os seus conceitos e tradições só para demonstrar o quanto o circo é anacrônico e hipócrita em sua essência.

    Cada um dos rebentos possui o seu próprio código ético e um conjunto de perversões com peculiares e curiosidades. Eles fazem questão de ser assim: seus pecados são a marca registrada de suas vidas, o que os diferencia do mundo e, claro, uns dos outros. A casa da matriarca Violet, interpretada por Meryl Streep, é sempre muito movimentada, e quando está cheia transpira incômodo e sufocamento, produzindo calor em quem a adentra (exceto aos os que lá vivem), além de parecer uma mansão de filme de terror. Violet é amarga, ácida, opressora com todos que a cercam e pouco preocupada com as pessoas na maior parte de tempo. Ainda assim, ela mostra-se interessada em cuidar dos seus, demonstrando a dicotomia que é ser mãe e sofrer do mal misantrópico.

    O momento em que Barbara, a filha mais velha (interpretada pela veterana Julia Roberts), atravessa é muito semelhante ao da mãe. A estética das duas serve como avatar do estado depressivo que atravessam, simplificado pelos cabelos maltratados de ambas. Diante  das tristezas que elas possuem, não há muita lógica em cuidar-se ou transpirar feminilidade. No lugar disso há o cansaço e o enfado em ter de prosseguir uma vida sem muitos objetivos. O único momento em que a primogênita escova os cabelos e demonstra amor próprio é quando está tomada pelo desespero, assim que descobre que pereceu — seu superego assumira e, no estado de emergência, ela age, baseando em seu instinto de preservar o melhor que consegue. As semelhanças entre as duas também se dão na personalidade passiva-agressiva e, obviamente, opressora com as figuras masculinas.

    O trabalho com os personagens utiliza-se do uso de estereótipos cômicos, até mesmo para tornar a louca história mais universal possível, maximizando a sensação de sufocamento e claustrofobia, tanto dos caracteres quanto do espectador.

    Demonstrações pequenas de ódio, como o desprezo pelos mais jovens, é um argumento também mostrado, mas a praxe durante as brigas é o amargor, que segundo Violet, tem a ver com a forma como a mulher envelhece, deixando a leveza e graça para se tornar algo feio, não só externa como internamente. A verdade torna-se uma arma branca que fere os familiares, explicitando de forma cruel como a decadência destrói a auto-estima. O canhão de ofensas de Violet consegue atingir a todos, e ela se usa dos segredos de toda a vida para humilhá-los, mesmo os que não disputam rivalidade com ela.

    O roteiro de Letts é cruel e pródigo em causar terror, mostrando, nas relações familiares doentias, os sentimentos que variam entre o ódio completo e o cinismo exacerbado, contrastando com a solidariedade mútua. Todos os personagens são repletos de defeitos, não há por quem torcer, tampouco existe redenção moral; mesmo os que aparentam fragilidade e quietude, escondem uma carga de ofensas e um potencial destrutivo, condição esta que parece inerente ao clã. O que Barbara faz, em relação às mágoas impingidas sobre suas irmãs para supostamente protegê-la da verdade, a faz perceber que ela não está tão distante do lodo da geração anterior. O signo da peruca de Violet funciona como uma máscara no intuito de esconder a fragilidade da alma da mãe, que só é agressiva quando veste a cabeleira postiça; quando não a usa, se mostra vulnerável e semi-morta, como sua alma prossegue.

    John Wells conduz o filme com a maestria de não atrapalhar as ótimas atuações de seu elenco e nem manchar o belo roteiro que tem em mãos.

  • Crítica | Jobs

    Crítica | Jobs

    Jobs

    O filme enfoca a vida do sócio-fundador da Apple, desde sua juventude hippie, passando pela fundação da empresa que lhe garantiu a fama de inovador até sua volta à empresa como CEO, depois de ter sido relegado ao ostracismo durante alguns anos.

    Mesmo não conhecendo a fundo os eventos e nem tendo lido a biografia de Steve Jobs, percebe-se que parte das críticas feitas ao filme por Steve Wozniak (fundador da Apple junto com Jobs) procedem. Nota-se que é dada muita ênfase à figura de Jobs, às suas decisões, às suas ideias e ao seu modo de conduzir os negócios. Os demais personagens, apesar de provavelmente terem participado bem mais ativamente dos acontecimentos, ficam relegados quase a meros coadjuvantes. Não que Jobs não tenha seu mérito, isso é inquestionável. Mas o roteiro exagera ao tentar induzir o espectador a achar que Jobs foi o principal – senão, único – responsável para a Apple ser o que é. Steve Jobs vai de underdog a gênio inovador quase num piscar de olhos. Sim, é clichê. Assim como é extremamente clichê a cena em que ele tem sua epifania sobre o futuro a seguir.

    O filme tem um problema de ritmo. Apesar da duração ser de pouco mais de duas horas, tem-se a impressão de que se arrasta por muito mais tempo. Mesmo que aparentemente alguns eventos tenham sido “acelerados” a fim de caberem no tempo da narrativa – o que por vezes compromete o entendimento – o fluxo narrativo parece truncado, sem fluidez. Inevitavelmente, tentar condensar cerca de 25 anos num roteiro de duas horas incorreria em problemas dessa natureza. Há ainda falhas no roteiro que atrapalham a boa compreensão da estória. Em vários momentos, Jobs tem certas atitudes cujas motivações não ficam claras e o espectador fica com a impressão de ter cochilado por alguns minutos e perdido algo importante (talvez isso aconteça eventualmente).

    Contudo, discordo de Wozniak quanto à responsabilidade de Ashton Kutcher nessa visão de Jobs. O ator apenas interpretou o que estava no roteiro. Kutcher, aliás, apesar de bastante inspirado em alguns momentos – a ponto de fazer o espectador “ver” Jobs na tela – em outros, pende para a caricatura de um modo que chega a incomodar. É necessário ressaltar o excelente trabalho de Mary Vernieu na seleção do elenco. O “garimpo” deu um ótimo resultado, pois os atores escolhidos se assemelham bastante a seus correspondentes reais.

    Ainda sobre semelhança, a cenografia e o figurino remetem o público diretamente aos anos 70, logo no início. A reconstrução de época é muito eficiente, e mesmo o efeito “foto antiga” do filme não chega a incomodar demais. Para completar a imersão, destaque para a trilha sonora bastante emblemática. A fotografia também é boa, favorecendo ângulos que deixem Kutcher ainda mais parecido com Jobs.

    Para um filme que tem a missão de contar a trajetória de alguém responsável por uma revolução no modo como as pessoas encaravam a informática e os computadores, a obra passa longe de qualquer conceito inovador, beirando a mediocridade. Não há dúvidas de que se o filme fosse um produto da Apple, após o preview, Jobs enviaria o projeto de volta para a prancheta.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.