Tag: James Woods

  • Crítica | Crime Verdadeiro

    Crítica | Crime Verdadeiro

    Crime Verdadeiro - poster

    Dois anos após dirigir duas produções e exercer dupla função em uma delas, Clint Eastwood retorna a sua bem-sucedida jornada dupla em mais uma trama baseada em uma narrativa policial. Ao contrário da estranheza de Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal e do plot conspiracional de Poder Absoluto, a narrativa de Crime Verdadeiro é uma trama tradicional apoiada na tradição dos suspenses investigativos, desenvolvendo um personagem detetivesco que retoma a trilha de um caso antigo à procura de pistas não encontradas pela polícia, tentando ajudar um homem prestes a ser executado.

    Culpado por um assalto à mão armada que vitimou uma mulher e seu filho há seis anos, Frank Louis Beechum (Isaiah Washigton) aguarda sua execução enquanto observa a agonia familiar. Mesmo que a intenção da trama seja explorar a investigação do jornalista, é notável uma inferência sobre o sistema judiciário americano, lento e mal executado, principalmente quando questões raciais estão no cerne da questão. No papel do jornalista Steve Everett, Eastwood mantém um estilo comum a muitos de seus personagens: a evidente presença da velhice como parte da composição do papel, representando uma velha guarda jornalística, a qual investigava e verificava fontes além da mera publicação das notícias,

    O ator parece explicitar seu gosto de imprimir um aspecto diferencial na idade, assim este aspecto se sobressai na análise de sua obra geral gerando uma possível teoria sobre suas personagens. Porém, suas caracterizações sempre são equilibradas entre tensões positivas e negativas. Everett é um jornalista de senso apurado que mantém uma vida amorosa indiscreta. Um pai e um marido ausente que sobrepõe o trabalho e seu instinto por notícias acima dos laços familiares, denotando certa imaturidade mesmo em idade mais avançada, um contraponto que não corrompe o carisma natural.

    Se por um lado o conflito inicial é bem desenvolvido, com o jornalista colhendo pistas para descobrir uma nova linha investigativa, a conclusão não é funcional. A trama corre contra o tempo e se passa em um dia, aproximadamente. Diante deste espaço temporal limitado, as ações da personagens se tornam inverossímeis devido ao acúmulo de situações que se apresentam e a uma rápida dedução de um caso. Mesmo que a rápida conclusão demonstre a habilidade e o faro do jornalista, a intensificação do suspense dilui parte do impacto narrativo.

    Crime Verdadeiro é funcional como um thriller e coerente com a vertente mais comercial do diretor que, na época, ainda dividia-se entre projetos mais comerciais e mais autorais, um aspecto que, com o amadurecimento e uma carreira consolidada, foi modificado a favor de grandes obras.

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  • Crítica | Era Uma Vez na América

    Crítica | Era Uma Vez na América

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    Sergio Leone teria recusado dirigir a versão cinematográfica do best-seller de Mario Puzo, entre outros motivos, para fazer o seu próprio filme de gangsters americanos. Era Uma Vez na América não poderia começar de forma melhor – violentíssimo, mostrando uma perseguição implacável a David Noodles, personagem de Robert De Niro. Os temas de Ennio Morricone casam perfeitamente com a ambientação – e é impossível não comparar seu trabalho com o de Nino Rota em O Poderoso Chefão, tão competente quanto – sua trilha concorreu ao Globo de Ouro de 1985 e ganhou o Bafta do mesmo ano. A música preenche os vazios de diálogo e eleva a aura do filme, tornando-o edificante e nostálgico em questão de segundos.

    A história segue uma linha do tempo pouco linear, e transita por três épocas: anos 20, na tenra infância da “gangue”, anos 30 com o auge de suas ações e anos 60 com a velhice e amargura de David, único sobrevivente da época marginal. A reconstituição de Nova Iorque beira a perfeição, com um trabalho primoroso da direção de arte – que também venceu o Bafta.

    Não é só a violência exposta em tela que trata de temas espinhosos, o texto também. Ainda adolescente, o personagem principal suborna um policial, acusando-o de forma justa, de cometer pedofilia. A marginalidade torna-se algo comum para ele e seus amigos, que logo sofrem um enorme baque ainda neste primeiro momento, fato que mudaria principalmente a vida de David – que viria a ser preso e só retornaria já adulto.

    O foco do filme são as relações, seja a amizade entre o protagonista e Max, um James Woods perfeito no papel, que passa por percalços e vai da rejeição no início, passa pela empatia e fraternidade e desemboca no remorso inevitável, após uma enorme divergência quanto as áreas de atuação, em especial no fim da Lei Seca.

    Outro vínculo explorado é o amor nunca concluído de Noodles com Deborah – a razão aparente para ambos não ficarem juntos é vida de “rufião” do protagonista, além claro da possessividade dele – “Você me trancaria e jogaria a chave fora!”, e ele responde positivamente, e ambos percebem o inevitável, mas antes que pudessem se despedir, um ato põe números finais a união que jamais existiu, deixando Deborah magoada e afastando de vez os dois apaixonados.

    O protagonista havia mudado de vida após um assalto que tomou a vida de seus três parceiros do crime, trocou sua identidade e se isolou, até receber um convite a uma festa. Remexer no seu passado o machuca e o faz viajar pelos bons e maus momentos que vivera, mas o que o manteve na cidade foi principalmente a curiosidade. Relembrou do plano megalomaníaco de Max, e descobre que tal artimanha era uma forma sofisticada de suicídio, pois seu amigo se via em um beco sem saída, mas não teria coragem o suficiente para fazer o que tinha que ser feito. Voltar a essas lembranças é torturante para ele, a culpa e o remorso o corroem.

    O motivo do convite se revela, o Senhor Bailey, político casado com o antigo amor de Noodles, o chama para que ele faça um último favor e possa assim enfim fazer justiça. Mesmo após perceber que grande parte da culpa que viveu foi em vão, o herói falido não cede aos seus instintos básicos e a chance da desforra, na verdade recusa o pedido de uma das pessoas que este sempre amou – os papéis se invertem, pois é Bailey que se ressente no final e tal rejeição é para ele um enorme golpe. “Meu amigo morreu num assalto, e eu o entreguei!”.

    O final é melancólico e até depressivo. O rancor de Noodles feriu sua amada, e o rancor de Deborah a impediu de ser feliz em sua velhice, aliando-se aos adversários de quem ela amava. A últimas cenas amarram as pontas soltas desde começo. O roteiro serve como uma crítica ao American Dream, principalmente quanto à gana por alcançá-lo, aliado a ganância e cobiça, suplantam as necessidades e sentimentos humanos. As cortinas se fecham, mostrando David Noodles jovem, ébrio, anestesiado, apático e a espera da tristeza que ocupará sua vida até a velhice.

  • Crítica | Jobs

    Crítica | Jobs

    Jobs

    O filme enfoca a vida do sócio-fundador da Apple, desde sua juventude hippie, passando pela fundação da empresa que lhe garantiu a fama de inovador até sua volta à empresa como CEO, depois de ter sido relegado ao ostracismo durante alguns anos.

    Mesmo não conhecendo a fundo os eventos e nem tendo lido a biografia de Steve Jobs, percebe-se que parte das críticas feitas ao filme por Steve Wozniak (fundador da Apple junto com Jobs) procedem. Nota-se que é dada muita ênfase à figura de Jobs, às suas decisões, às suas ideias e ao seu modo de conduzir os negócios. Os demais personagens, apesar de provavelmente terem participado bem mais ativamente dos acontecimentos, ficam relegados quase a meros coadjuvantes. Não que Jobs não tenha seu mérito, isso é inquestionável. Mas o roteiro exagera ao tentar induzir o espectador a achar que Jobs foi o principal – senão, único – responsável para a Apple ser o que é. Steve Jobs vai de underdog a gênio inovador quase num piscar de olhos. Sim, é clichê. Assim como é extremamente clichê a cena em que ele tem sua epifania sobre o futuro a seguir.

    O filme tem um problema de ritmo. Apesar da duração ser de pouco mais de duas horas, tem-se a impressão de que se arrasta por muito mais tempo. Mesmo que aparentemente alguns eventos tenham sido “acelerados” a fim de caberem no tempo da narrativa – o que por vezes compromete o entendimento – o fluxo narrativo parece truncado, sem fluidez. Inevitavelmente, tentar condensar cerca de 25 anos num roteiro de duas horas incorreria em problemas dessa natureza. Há ainda falhas no roteiro que atrapalham a boa compreensão da estória. Em vários momentos, Jobs tem certas atitudes cujas motivações não ficam claras e o espectador fica com a impressão de ter cochilado por alguns minutos e perdido algo importante (talvez isso aconteça eventualmente).

    Contudo, discordo de Wozniak quanto à responsabilidade de Ashton Kutcher nessa visão de Jobs. O ator apenas interpretou o que estava no roteiro. Kutcher, aliás, apesar de bastante inspirado em alguns momentos – a ponto de fazer o espectador “ver” Jobs na tela – em outros, pende para a caricatura de um modo que chega a incomodar. É necessário ressaltar o excelente trabalho de Mary Vernieu na seleção do elenco. O “garimpo” deu um ótimo resultado, pois os atores escolhidos se assemelham bastante a seus correspondentes reais.

    Ainda sobre semelhança, a cenografia e o figurino remetem o público diretamente aos anos 70, logo no início. A reconstrução de época é muito eficiente, e mesmo o efeito “foto antiga” do filme não chega a incomodar demais. Para completar a imersão, destaque para a trilha sonora bastante emblemática. A fotografia também é boa, favorecendo ângulos que deixem Kutcher ainda mais parecido com Jobs.

    Para um filme que tem a missão de contar a trajetória de alguém responsável por uma revolução no modo como as pessoas encaravam a informática e os computadores, a obra passa longe de qualquer conceito inovador, beirando a mediocridade. Não há dúvidas de que se o filme fosse um produto da Apple, após o preview, Jobs enviaria o projeto de volta para a prancheta.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | As Virgens Suicidas

    Crítica | As Virgens Suicidas

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    Sofia, aquela menina tímida que interpretou (terrivelmente) a Mary Corleone de O Poderoso Chefão III, carrega consigo um dos nomes mais pesados da Indústria Cinematográfica do século XX: Coppola.

    Tendo isso em mente, pode-se imaginar que uma pressão enorme, tanto por parte dos profissionais desse meio quanto da expectativa dos fãs de seu pai, deve ter caído sobre ela quando foi anunciada em 1999 que dirigiria e escreveria seu primeiro longa-metragem: As Virgens Suicidas. Hoje em dia Sofia Coppola tem em seu currículo quatro longas, mas não deixa de ser válido mencionar o primeiro deles, já que para uma obra de estreia, um filme desse porte não pode nunca ser deixado em segundo plano.

    Produzido por Francis Ford Coppola e baseado em um romance homônimo de Jeffrey Eugenides, As Virgens Suicidas mostra a fase final da vida de cinco irmãs do ponto de vista de um grupo de garotos que cultivam grande fascinação por elas. É importante mencionar a diferença de idade entre elas que é de apenas um ano, o que significa que o cenário consiste em uma casa onde vivem simultaneamente cinco garotas na adolescência. Mantidas pelos pais autoritários e religiosos em isolamento domiciliar, as irmãs Lisbon tornam-se ídolos inalcançáveis para os meninos que, sendo seus vizinhos e frequentando a mesma escola, analisam e especulam sobre cada aspecto da vida delas que são capazes de observar. Da perspectiva da narração (feita por Giovani Ribisi, ator que também está presente na obra posterior da diretora, Encontros e Desencontros), um desses garotos tenta, a partir dessa obsessão, entender os motivos que as levaram a cometer suicídio (quem disser que é spoiler, leia o título do filme) de uma maneira no mínimo bizarra.

    Com uma direção inspirada e controversa, Sofia conta em um turbilhão de cores, gestos e expressões uma história poderosa e comovente. A fotografia do filme é delicada, feminina e incitante, exibindo em muitos momentos um brilho ofuscante e uma aura sonhadora. A trilha sonora é impecável, contando com a introspecção eletrônica da maravilhosa banda francesa “Air” e algumas faixas da banda de rock “Sloan”.

    O pontapé inicial do enredo é a tentativa de suicídio da irmã mais nova Cecilia, logo de cara deixando claro que a melancolia dessa história não será manipulada pelos recursos clássicos de suspense e drama que normalmente vemos em filmes que focam a natureza feminina – os girl flicks. Em vez disso, a diretora carrega sutilmente ao longo do filme a tristeza de uma vida limitada por dogmas culturais no contexto da juventude dos subúrbios americanos. Geralmente ao assistir a filmes que relatam “dramas adolescentes”, o que se vê é uma verborragia um tanto novelesca, além de conflitos banais que acabam por serem resolvidos magicamente por fórmulas igualmente banais.

    O diferencial dessa obra é que para entender o que se passa com as irmãs Lisbon, é preciso acima de tudo observar atentamente aos detalhes, que são o ponto forte desse filme. Um bom exemplo é a cena do cinema, em que o talento de Sofia consegue de uma belíssima maneira transmitir as emoções implícitas na situação proposta, e com apenas uma frase, culminar no grande clímax da história do carismático casal que lidera o elenco das personagens, Kirsten Dunst e Josh Hartnett. Alguns críticos atiraram tomates dizendo que as personagens são superficiais e mal construídas, quando na verdade, para um observador externo, é impossível definir os sentimentos e anseios que ditam o comportamento de pessoas reais e, consequentemente, o que se vê pode não fazer perfeito sentido dentro dos parâmetros de uma história linear simplesmente por não conhecer o contexto das vidas delas por completo.

    Para enxergar a realidade da (des)motivação dessas garotas é preciso imaginar o que não se vê, através de gestos e detalhes, justamente como fazem os garotos que espionam as vizinhas com binóculos para satisfazer sua curiosidade. Compreender plenamente o que se passa com elas é uma tarefa impossível, afinal sabemos que muitos pais passam a vida toda sem ter a menor pista de quem seus filhos realmente são. No final o espectador ainda se encontra sem saber exatamente o que concluir, deparando-se com um desfecho ambíguo e aberto a diversas interpretações diferentes, o que faz jus ao peso dessa história e ao realismo das circunstâncias em que ela toma forma.

    Com atuações sensíveis de Kathleen Turner e James Woods, As Virgens Suicidas é um filme que pode comover ambos os gêneros, especialmente para o cinéfilo que gosta de analisar as personagens sem que sua caracterização seja mastigada e entregue de bandeja pelo autor. Não é um filme fácil, mas não pelos motivos óbvios. É perfeitamente inteligível mesmo para o espectador mais leigo, porém exige um total envolvimento com a trama e as personagens para que se compreenda o que ele realmente tem de melhor. A princípio, na história pode parecer que existe uma falta de propósito, mas pra quem gosta do Cinema que expressa através da linguagem visual, é um prato cheio e uma deliciosa viagem de sutileza e melancolia.

    Texto de autoria de Thiago Debiazi.