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  • Crítica | O Poderoso Chefão: Desfecho – A Morte de Michael Corleone

    Crítica | O Poderoso Chefão: Desfecho – A Morte de Michael Corleone

    Trinta anos passaram desde o término da franquia O Poderoso Chefão, e por mais que Francis Ford Coppola tenha sido muito criticado por fazer O Poderoso Chefão III, principalmente pela participação de sua filha como uma das protagonistas, a história do filme tem uma participação maior do escritor Mario Puzo. Qual não foi a surpresa de fãs e admiradores quando o diretor afirmou que estava reeditando o desfecho da série em uma reedição com duração modificada e diferenças narrativas diversas do material original.

    Muito se falou ao longo dos anos a respeito da possibilidade de um novo filme. No material extra da trilogia, o cineasta afirmava sua vontade de contar a história de Vincent Mancini/Corleone (Andy Garcia) e do jovem Sonny. Esse projeto jamais saiu do papel, em especial por conta do falecimento de Mario Puzo em 1999, e o corte tem claramente um tom de homenagem póstuma ao antigo escritor e roteirista. 

    Em O Poderoso Chefão: Desfecho – A Morte de Michael Corleone a primeira coisa que notamos é a diminuição da participação de Mary (Sofia Coppola), filha mais nova de Michael e Kay. Além disso, a direção narrativa é voltada para a questão da Immobiliare, empresa europeia que passaria para as mãos de Michael e sua família. O enfoque nos negócios e acordos com a igreja representada pelo padre banqueiro Arcebispo Gilday (Donal Donnelly) é mais do que acertada.

    O foco na família é diferente, ainda que permaneça da mesma forma a cena onde Mike busca seu sobrinho bastardo para participar da foto familiar – em atenção a mesma questão de Don Vito se recusar a fotografar sem a presença de Michael, em O Poderoso Chefão – aqui ela parece mais significativa, por conta da edição que prioriza a busca do padrinho por um sucessor também nos negócios espúrios. Por mais que as promessas de abandono da vida criminosa que ele fez a sua ex-esposa, o que resta (e sobressai) é a ganância e a sede pelo poder. Michael é hipócrita ao buscar um distanciamento do submundo do crime, mas não descansa enquanto não for o homem mais poderoso em seu meio, e é letárgico até na escolha de um sucessor para essa função.

    As outras personagens da família são bem enquadradas. Connie é mostrada como a matrona manipuladora, com uma máscara ainda mais venenosa do que na versão original, e Talia Shire consegue ser ainda mais decisiva aqui, mesmo com o tempo de tela reduzido. A mensagem que fica é de que o capital corrompe tudo, manifestado pela figura mítica (e com referências bíblicas) de Mamon, que chega inclusive a determinar os rumos da Santa Igreja.

    No seriado Roma, a suposta epilepsia de Julio Cesar (Ciran Hindis) é mantida em segredo para que não seja considerada um sinal de fraqueza junto aos seus inimigos. Michael aqui tem uma dinâmica semelhante, atormentado por fantasmas e demônios, o protagonista tem delírios por conta da diabetes e ataques de pânico. A ideia de crepúsculo é bem trabalhada, com o símbolo decadente de virilidade sendo enquadrado e desglamourizado. Se Coppola era acusado antes de tornar os mafiosos figuras simpáticas, nessa nova versão somos apresentados a decadência.

    O Poderoso Chefão: Desfecho – A Morte de Michael Corleone possui mais camadas e subtextos do que aquela de 1990, e ainda lida bem com o final de trajetória melancólica de um homem e um império. Repleto de equilíbrio, menos vaidade e um bom louvor aos textos do mestre Mario Puzo.

  • Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Me recuso a tecer qualquer comentário sobre o primeiro O Poderoso Chefão, pois seria verborrágico e inútil. Todo mundo já viu, todo mundo concorda que é uma obra-prima intocável e não filmável, fim. Sobre a sequência, considerada por muitos como a melhor sequência do cinema (as pessoas geralmente se dividem entre essa Parte II da jornada dos Corleone na América, a primeira continuação do cinema a usar números romanos, e o fabuloso O Império Contra-Ataca), Francis Ford Coppola fez o impossível e se superou numa direção mais inteligente do que no primeiro, o que foi realmente necessário já que as tramas familiares são bem mais fragmentadas, desta vez, com ótimos flashbacks comparáveis aos de Rashomon e Cidadão Kane, e que continuam influenciando recentes clássicos como A Rede Social, de David Fincher.

    Em resumo, após o sucesso do filme de 1972, o diretor voltou dois anos depois para ganhar um Oscar pela melhor e mais interessante trilogia sobre a máfia, seus códigos e comportamentos. Porém o mais divertido é observar a briga eterna sobre qual filme é O melhor: o primeiro com Marlon Brando, ou o segundo exemplar. Uma briga eterna e inútil, mas que nutre a curiosidade dos cinéfilos mais jovens para darem um veredicto atual, afinal filmes assim não podem se perder no tempo, e com certeza não irão sofrer tal destino. O Poderoso Chefão II é o mais puro e refinado deleite de se acompanhar, demanda devoção do espectador para conseguir acompanhar a longa e complicada saga dos Corleone, e como se não bastasse, como tudo começou para essa família se tornar uma poderosa colmeia criminosa, obrigada a abandonar Nova York devido a seus processos judiciais e, igualmente, os diversos inimigos feitos e “deixados” por lá.

    Após tanto tempo, e revisões, arrisco dizer que a evolução física e moral do mestre Al Pacino, aqui, é superior que a do primeiro Chefão, pois agora Michael Corleone é o patriarca da “famiglia” e paga o preço de todos os jeitos, a todo o tempo, a ponto de fazer grandes sacrifícios éticos e se tornar mais frio à medida que os faz, seguindo sempre as regras do falecido pai, Don Vito. Enquanto isso, ao mesmo tempo, Robert De Niro interpreta os primeiros anos de Vito no início conturbado de sua vida criminosa com uma semelhança assustadora, até mesmo no modo de falar meio rouco, meio sarcástico que só Marlon Brando conseguia atingir com perfeição. De Niro fez outros mafiosos como em Os Intocáveis e Era Uma Vez na América, mais foi mais reconhecido pelo papel icônico que lhe fez ganhar um merecido Oscar, arquitetando o início, as tragédias e ascensão do personagem de Brando com semelhante talento, e intensidade. Bravo.

    A reconstituição temporal nos flashbacks também é de se admirar, tudo potencializado pela trilha sonora magnífica de Nino Rota e Carmine Coppola, criando novos temas italianos baseados nas notas musicais do primeiro filme – o resultado é épico. No visual, tons pastéis diferentes dos que são apresentados na trama principal dão o tom, mas isso porque Coppola claramente teve uma leve predileção nas cenas de prólogo, mas conseguiu equilibrar com grande serenidade e energia sua direção nos dois lados da história, sem apresentar qualquer tipo de digressão explícita.

    Há cenas filmadas com perfeição, quando, por exemplo, logo no início, acontece uma passeata religiosa entre as montanhas áridas da Sicília, e todos são surpreendidos por um atentado contra o pai de Vito Corleone por ter insultado um poderoso mafioso Siciliano. A partir daquela cena, o contexto da história inteira se fecha, e em breve mais para frente estaremos aptos para julgar o universo que Mario Puzzo escreveu, novamente adaptado tão bem para a tela com uma potência que, para quem já leu os best-sellers, conflita com o impacto do que está impresso nas páginas. Porém, o que o roteiro e a direção não conseguiram extrair de modo eficiente foi à dualidade dos fatos, presente em boa parte dos livros e que servia para enriquecer tudo. Mas isso não importa, nada mais interessa até o close final e arrebatador no rosto de Pacino. Um dos closes definitivos do cinema sobre como o poder pode acabar com qualquer um, e tornar um filme um dos melhores já produzidos.

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  • Crítica | O Poderoso Chefão II (1)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (1)

    Após ter adaptado com maestria o livro O Poderoso Chefão de Mario Puzo, apenas dois anos depois do filme O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola, sua equipe de produção e elenco retornam para este novo toma de história, que traduziria a parte de flashbacks do livro que contava sobre a juventude do Don Vito Corleone na Sicília – feito dessa vez por Robert DeNiro – enquanto também dava seguimento aos acontecimentos da família na atualidade, comandada de novo por Michael, personagem de Al Pacino.

    As primeiras cenas de O Poderoso Chefão II dão conta dos empregados e paisanos, participando de uma festa de Michael, o aniversário de seu filho. Os que frequentam o lugar o tratam como fizeram com Vito Corleone no casamento de Connie, normalmente beijam as mãos de Michael, prestando homenagem a ele, já que é o atual e novo Don, e por mais que esse seja um filme que intui ser bom independentemente do primeiro episódio

    Ao mesmo tempo que há essa preocupação de ser algo independente a tolice de se negar o primeiro capítulo da saga, bem como seu legado, assim como há o cuidado de mostrar uma realidade mais simples, siciliana, com o enterro do velho Andolini em 1901 e o infortúnio do pequeno Vito, que perde seu pai e seu irmão em um período muito próximo.  A essa altura, se acreditava que Vito era mudo, que não gozava da plenitude de seus sentidos e faculdades mentais, e sua mãe, implorou ao chefão mafioso local que poupasse o menino. Esse era Don Ciccio, feito por Giuseppe Sillato, e foi dessa fraqueza que surgiu a figura imponente, que no futuro, dominaria os negócios ilegais na Little Italy de Nova York.

    Toda essa jornada reflete uma forte influencia do teatro clássico, desde Sófocles até artistas mais contemporâneos como Shakespeare, e apesar de não ser exatamente original, há ali todo um cuidado em retratar uma realidade bem longe do glamour que acusavam a trilogia de Coppolla de ostentar, e de fato, ao ir atrás das raízes da família Andolini/Corleone, se humaniza toda a jornada torpe rumo ao crime, mas não a faz ser moralmente correta, tanto que um dos lemas da Saga é voltada para o assumir de que aquela é a vida que eles escolheram, com todos os infortúnios decorrentes dessas escolhas. A gênese da Família é voltada para a violência, o pequeno Vito não vê outra alternativa a não ser correr, condenado por Ciccio a ou morrer ou a vagar por lugares que não eram os seus.

    O garoto teve sorte de ter uma família caridosa, que o enviou para a “terra das oportunidades”, onde ele teve a oportunidade de trabalhar, crescer e constituir família, claro, com dificuldades típicas de um estrangeiro. Coppola e Puzo tomam cuidado para dar voz a um povo sofredor, e utilizam um menino com dificuldades de fala para explicitar isso, através de seus filmes, mostra uma parte desigual e sanguinária do país que sempre se julgou o mais justo e ordeiro dos lugares.

    É até injusto chamar a introdução que dura onze minutos de prologo, uma vez que ela casa bem com a historia recente, fomenta a ideia de repetir ciclos, e ainda mostra as marcações em cima dos meninos que chegam de barcos semelhantes e muito a marcação que se faziam nos judeus na Alemanha Nazista, embora as circunstancias do holocausto fossem clamorosamente diferentes, havia a sensação do Apartheid. Além disso, as duas linhas temporais se misturam.

    O roteiro não tem medo de quebrar seus paradigmas, há semelhanças claro  com o casamento de Connie (Talia Shire) do primeiro filme, mas há também um bocado de diferenças, não só nas vestimentas e posturas – Kay Adams Corleone por exemplo usa roupas com cores átonas – e toda a família orbita em torno do Don, mas claramente não existe da parte de Michael o mesmo cuidado que seu pai tinha. Ele é mais vaidoso e centralizador, parece seduzido pelo poder e tem gosto por ele, ao contrario de seu antecessor, que era discreto, isento de ambição e tinha o poder como norte por necessidade e não por desejo próprio.

    Entre negociatas e acordos, ele conversa com senadores e com subalternos, desde os “descendentes” de Clemenza, que permaneceram em Nova York – Frank Pentageli, de Michael V. Gazzo e Willi Cicci (Joe Spinell) – até os eméritos e famosos, que não ligam para a tradição italiana. Há uma cena que resume isso bem, envolvendo Frank, que tenta obrigar a banda do aniversario a tocar a Tarantella, mas não consegue, uma vez que eles não sabem tocar aquilo. Apesar de pequena, a demonstração ali é de que os tempos do crime organizado mudaram drasticamente, ao ponto desta nova geração não saber lidar com isso do  modo como os antigos faziam.

    É incrível como a moralidade em relação a assuntos comportamentais impera, ainda mais quando toca o sexo, mas para ilegalidades em negócios não é alta. Impressiona também como em Nova York as coisas mudaram, a profecia de Don Vito se cumpriu, os Irmãos Rosato, que deveriam ter territórios após a morte de Clemenza, não os tem entregue por desculpas de Frank de que eles vendiam muitos entorpecentes. Os sete anos foram inclementes com os Corleone de Nevada e da cidade antiga, não houve legalização dos trabalhos, tampouco havia uma hegemonia indiscutível na cidade natal do clã.

    O crescimento do comportamento criminoso de Vito, na fase passada é feito de modo quase didático, com um passo de cada vez, mas não é tão lento quanto se espera. Desde a dispensa que ele tem até matar Fanucci, o Mão Negra se vê uma frieza e uma enorme falta de escolha, assim como se percebe o início do que seria a organização criminosa, com Clemenza, Genco e companhia com suas contrapartes jovens. Ali já se percebe o cuidado dele para se livrar da arma – momento inclusive referenciado em outros filmes, como Os Bons Companheiros e O Irlandês – do crime, em só mais um símbolo do trabalho dele para se manter incógnito. Ainda assim, ele comete os atos maus, e depois vai descansar com sua família, como em mais um dia de trabalho, transbordando normalidade.

    Michael é um belo jogador, ao perceber que sofreu um ataque ludibria os dois maiores suspeitos, os faz pensar que estão livres  de seus olhos e de suas suspeitas enquanto as tramoias se desenrolam, e outros tantos tentos, envolvendo toda sorte de influenciadores da sociedade, os políticos inclusos, tudo isso, levado pela batuta de Tom Hagen (Robert Duvall) que certamente só se tornou cascudo assim pelas privações que passou, pois ele age como um autentico Don, autoritário quando precisa.

    Se o desafio do primeiro filme era retratar uma Nova York quarentista, o nesse é passar a mesma aura e atmosfera não só em NY, mas também em cenários mais tropicais. Nevada, Cuba, Florida, sempre mostrando a pompa dos que são poderosos. É curioso como o visual e figurino dos personagens pomposos do mundo inteiro não é tão diferente entre si, ao contrário, seus modos e etiquetas mostram um vestuário comum, mais voltado para algo que todos eles tem, pois sequer a língua que falam é a mesma.

    A melancolia de Fredo é muito bem representada por John Cazale, o que aliás, é ótimo já que ele foi sub aproveitado na primeira parte. Aqui, ele pode mostrar o quão ressentida ele era por ter sido maltratado por sua mãe, que o renegava e dizia que ele foi deixado por ciganos, ou por seu caçula, que tinha poder e nunca compartilhou com ele. O estado de espírito de Fredo é outro resumo do quão mal vão as relações da família, que tem como exemplo as problemáticas reconciliações entre Connie e todos os outros, o abandono do lar e até a volta dela a casa da Família. Ela, após a morte de sua mãe se torna a grande madre, exige coisas, como o perdão entre os irmãos, além de promessas de ela cuidará do atual chefe da organização/família. Isso é uma semente, que só germinaria no filme dos anos noventa, mas tudo é tão bem costurado que não há como considerar isso como algo oportunista.

    As atuações conduzidas por Coppola são assustadoramente absurdas, desde Pacino, que se firma como um dos maiores nomes entre os atores do mundo, até Shire, que prova ser algo a mais que apenas prima do direto. Cazale e Duvall também fazem papeis de peso, que variam entre a tristeza e euforia muito facilmente, e mesmo alguns coadjuvantes, como Gazzo e Cicci traduzem bem como eram os mafiosos, e se não são “realistas”, com certeza ajudaram a influenciar os criminosos do lado de fora da tela.

    A saga do herói falido prossegue, com rumos diferentes entre as gerações, e a poesia provinda disso torna toda a ópera de Puzo e Coppola em algo bonito e preocupado em passar uma mensagem além do usual e do comercial, mas sem se distanciar do caráter popular de entreter quem quer que assista.

    O Poderoso Chefão II contradiz a pecha de que continuações são exemplares do clichê de mais do mesmo. Há um momento em especial que mostra como Coppola driblou bem a questão de ter que dar continuidade a uma historia, se baseando no material base mas também avançando na fase atual. A cena é a famigerada espera por Vito Corleone, onde Marlon Brando faltou a gravação e o diretor improvisou e adaptou o roteiro de Mario Puzo para contar com a ausência do mesmo, como se todos os estivessem esperando, para comemorar seu aniversario, e lá se percebe as falhas de pensamento e ideal de Michael, seu desejo de não se tornar o seu pai, e ela é seguida de um momento, onde ele está sentado sozinho, em uma cadeira imponente, sozinho como no momento anterior, onde segundo Sonny, ele partiria o coração do velho, por se alistar. Naquele momento, Michael seguiu os passos de Vito, e de fato, partiu o coração do pai ao seguir seus passos, ao não ser alguém diferente. Vito se sentia obrigado a ser um criminoso, Michael não, um era abnegado e o outro vaidoso e carente por aprovação de todos.

    https://www.youtube.com/watch?v=mESL4ojdH5A

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  • Crítica | O Poderoso Chefão

    Crítica | O Poderoso Chefão

    Impressiona que a primeira fala dita no clássico de Francis Ford Coppolla, O Poderoso Chefão seja dada por um homem dito “comum”, um homem chamado Bonasera, que começa  seu monólogo dizendo que acredita na America. Aos poucos, a câmera se afasta do rosto de Salvatore Corsitto, para mostra-lo em um escritório, onde é recebido pelo dona da festa de casamento, o pai da noiva Don Vito Corleone, de Marlon Brando, e seu fiel escudeiro, o advogado alemão-irlandês Tom Hagen (Robert Duvall), seu filho adotivo e seu primogênito Santino  Sonny Corleone (James Caan), nesse que seria o núcleo das principais discussões e dos rumos que a família tinha, ainda mais com a saída de Genco do posto de Consigliere.

    Pela tradição italiana, um pai de família, poderoso e ligado as leis da Omertá não pode recusar um pedido de uma paisano, mesmo que ele despreze a pessoa que o pede – como ocorre aqui – mas a ideia é mostrar que há um código de honra sobre eles, mesmo sobre os que são ditos marginais. A máfia era a lei acima da lei, e ao menos nesse ponto, há zero romantismo no filme e no conto original de Mario Puzo.

    Esta adaptação do livro O Poderoso Chefão – que em outras traduções anteriores, era chamado só de O Chefão – é mais que um simples filme sobre bandidos e mafiosos estilosos, e é mais que uma historia sobre respeito ou protagonizada por anti heróis. A historia é rica e algo que colabora para isso é o fato de haver dois protagonistas, o veterano e já citado Brando, que , e claro seu filho, Michael, sendo que ambos foram bancados pelo desejo e insistência do realizador, por motivos diferentes, já que Brando era difícil de lidar e Al Pacino era um iniciante ator, conhecido somente no teatro. Essa dupla mostra dois  homens diferentes, ligados pelo laço de sangue, um sendo um sujeito já cansado e idoso, que está mais na ação direto mas ainda dirige os negócios da organização/família, e outra do veterano de guerra, que acompanhado de sua amada Kay Adams (Diane Keaton), diz que quer se distanciar de sua familia, mas que obviamente não consegue isto e vai aos poucos  se tornando um herói falido.

    O filme mistura momentos de explicações de como funcionam os meandros da Cosa Nostra, e outros mais sutis, como a total falta de tato de Luca Brasi , um homem feito por Lenny Montana, que mal consegue falar, mas que um pouco mais a frente está completamente a vontade ao preparar sua arma para um trabalho. Não é preciso muitos momentos para entender quem ele é, aliás o casamento é cheio destes momentos, no romance Puzo explica as indiscrições de Sonny, e aqui, se percebe as infidelidades  dele quando sua mulher pede para ele se comportar, ou quando a mesma faz um gesto com as mãos, mostrando um crescimento (no livro fala-se abertamente que ele tem um membro comparável com a de um cavalo, aqui há mais elegância e sutileza), o mais explicito dos personagens é exatamente a “ovelha desgarrada”, o correto Michael, que indignado com os rumos dos seus, conta as historias de Luca, de Johnny, discorre sobre a sucessão do Consiglieri, sobre ofertas irrecusáveis, sobre como esse mundo funciona.

    O casamento é um início perfeito, pois nele se percebe não só o modo de operar dos parentes, como a proteção  e os favores que os mafiosos prestam aos membros de sua comunidade, a influência que eles “exercem” sobre artes como a música e cinema, a postura que um homem tradicional italiano deve ter e até a recusa de Kay em participar dos  eventos familiares de seu amado, já que ela não quer sequer estar na foto do clã, e só o  faz por  insistência do rapaz. São  27 minutos que sutilmente passam praticamente toda a mensagem que o filme passará.

    Há um cuidado enorme da obra em retratar bem sua época, um esforço de Coppolla, que brigou muito com o estúdio para que fosse assim, independente do preço que custasse e a briga obviamente valeu a pena. As mansões, as vielas e até os estúdios de Woltz primam por uma atmosfera fiel e forte a época clássica do auge da criminalidade ítalo-americana, embaladas pela musica de Nino Rota e principalmente pelo tema principal, que está presente nas ações de Vito, nos crimes mais chocantes como o da cabeça do cavalo ou nos futuros atos de Michael.

    Mesmo as transições Fade In entre as ações malvadas e a intimidade da família soam boas. O artifício, que na maioria dos filmes não é bem traduzido aqui é usado de maneira sábia, talvez emulando o tradicional e cartesiano modo de pensar de Vito. É engraçado, como mesmo sem mostrar o passado do homem, se percebe que ele entende do riscado, entende como os negócios fluem. Seu modo veterano de ver as ações e o respeito que presta a qualquer sujeito que se aproxime dele com oportunidades de trabalho, mas isso não o faz parecer fraco ou frágil quando recusa trabalhar com o Turco Sollozzo (Al Lettieri), aliás, mostra-o a frente de seu tempo, ao não querer trabalhar com narco tráfico, uma vez que as penas para esse tipo de crime é enorme, e comprometeria a lei do silêncio. Claramente Corleone é mais esperto  e tem mais inteligência emocional (e opções, claro) que o cubano Tony Montana de Scarface, que se mete com entorpecentes assim que chega a Miami, e vê sua ruína assim.

    O Poderoso Chefão tem uma historia bem comum, de ascensão e derrocada de uma família e de sucessão hierárquica sanguínea, fosse um diretor menos preocupado com o legado dos italianos nos Estados Unidos certamente seria mais um filme genérico sobre criminalidade. Há momentos muito únicos no livro que são levados a tela de maneira muito singela, simples, mas carregada de emoções muito reais. A aposta tola que Sollozo faz na ganância de Sonny só dá certo porque Caan consegue emular bem o comportamento dos italianos que assistiu sua vida inteira, no bairro onde cresceu, e a facilidade que ele tem na transição do sujeito que quer dinheiro para o passional capaz de matar todos seus inimigos e capaz de espancar quem agride os seus impressiona, assim como também se nota uma ótima entrega de Lettieri, mesmo sem muito tempo de tela, só há sentido em ele acreditar que é o primogênito o elo mais fraco entre os Capos uma vez que o desempenho desses dois atores é tão intenso e repleto de uma entrega sincera aos seus papéis.

    Mas Sonny não estava de todo errado, e por mais mimado (e estragado, pela America tão louvada pelos velhos italianos) que ele fosse, ele estava correto, o jogo mudou, e mesmo com a honra entre as famílias, as drogas mudaram o jogo, e não haveria paz enquanto os Barzini, Tattaglia, Cuneo e Stracci estivessem vivos. Assim como o Crime Organizado mudou o paradigma da bandidagem do velho oeste, as drogas mudaram o modo de lidar com a máfia. Sergio Leone em seu Dossel dos Dolares já havia aludido isso, mas fez isso mais profunda e obviamente entre Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na America, e o filme de Coppolla certamente influiu na liberdade que o diretor de Westerns teve para conduzir essas duas obras. A nacionalidade de Francis Ford também o ajudou e muito, por todos os fatores já citados, ele sabia do que falava.

    O passeio que se faz pela Nova York de 1945 impressiona, realmente Little Italy clássica, Broklyn e a Cozinha do Inferno foram bem remontadas. Em ritmo de guerra, se mostram os exemplos aos traidores, sempre mortos e deixados a vista, em lugares ermos, mas não são escondidos. É preciso mostrar como funcionam as coisas, e também táticas de guerra, e intimidades entre os paisanos, pois Clemenza (Richard Castellano) cozinha, faz molho de tomate para uma macarronada que alimentará vinte homens. Esse comportamento típico do exercito italiano é surpresa para Michael, mesmo ele tendo chegado a pouco da guerra, como é dito sobre ele, por seu padrinho (o próprio Clemenza), naquele cenário, ele é civil, é o peixe fora o oceano e do mar revolto.

    É engraçado e curioso como se constrói a tensão na cena do hospital, em que Michael está cuidando de seu pai, e onde se percebe que haveria uma emboscada. Mesmo renegando seu legado de sangue, o filho desgarrado faz um plano de contingência e se aproveita da chegada do pobre Enzo, o padeiro, para fingir que há  uma ronda no hospital, mesmo quando não há. O pobre trabalhador treme muito, ao acender o cigarro, é o garoto que o consola e o mantém calmo, ele é seguro, tem nervos de aço, e a vaidade dos seus irmãos, pai e parente, tanto que é o soco que leva de McCluskey (Sterling Hayden ) o catalisador do seu futuro.

    A subsistência dos negócios depende de não ser passional, de não se levar as rotas por momentos pessoais. e mesmo que Santino demonstre que está errado, o mais racional dos filhos, Michael, também embarca igual. A discussão em torno de quem está certo (os irmãos de sangue ou o congliere adotado) se torna subalterna pelo simbolismo, na cena onde Michael está sentado, contando seu plano, dando ordens sobre os mafiosos experientes, e apesar do deboche  de Sonny, Tessio (Abe Vigoda) e até de seu padrinho, ele acaba sendo o soberano, naquele momento. As cenas fechadas, com closes no rosto dos que fazem parte dos Corleone são  ótimas, fazem a pressão aumentar e a tensão crescer.

    Toda a curva de violência passa necessariamente pelas ações do protagonista mais novo, alias, e é após sua fuga que começa a chacina entre os filhos da Itália, com o próprio indo para terra dos seus parentes.  O rapaz, que estava sendo preparado por seu pai para ser um homem fora dos negócios, para ser um político ou algo que o valha se torna assassino, enquanto seu irmão mais velho tem a cabeça quente e derrama toda sorte de sangue nas ruas. A hesitação de “Miguel” prossegue na Itália, e seu casamento é a prova disso, de que ele mesmo querendo voltar ao seu país, via também a possibilidade de não viver aquela vida, mas a tragédia o persegue, e não o deixa escapar. O infortúnio de seu irmão mais velho o fez perceber que a raiva não poderia ser o norte, e reforça a ideia de que enquanto houverem cinco famílias, uma delas sempre correrá perigo.

    A evolução do personagem é enorme, o reencontro dos antigos apaixonados ocorre só um ano após o herdeiro dos Corleone retornar, por conta de luto, planejamento e muita frieza. A legalização tão perseguida no terceiro filme é aludida já aqui, mas obviamente não ocorreu nos cinco anos que ele prometeu, e para isso era preciso mudar hierarquia familiar e o exercito como um todo. Enquanto Vito era agregador, e considerava sua família a prioridade, Michael é pragmático, não hesita em tirar Tom de seu posto, ou de contrariar Fredo, ele é tão frio que soa até insensível, e é nesse momento que Pacino mais brilha, pois ja tinha mostrado uma faceta idealista e agora, aposta em um sujeito resignado e que, apesar de fazer o necessário para subsistir, não tem a mesma sensibilidade do pai, que fugiu de Corleone para viver.

    As curvas finais do filme mostram uma natural e fluida transição de poder entre gerações.  A conversa no jardim além de mostrar que Vito é uma velha e esperta raposa, que prevê que Barzini tentará matar outro filho seu, ainda mostra o receio do velho pelo destino do seu herdeiro. Sua intranquilidade não é por achar que a família estará em mãos erradas, mas sim porque para ele, tudo aquilo era inconveniente. Ele queria que ele fosse um senador, governador ou algo assim. O desejo do pai sempre foi que os seus não sofressem, que não fossem parte da estirpe que machuca e sangra sua nova pátria, mas a falência de seu destino era exatamente essa. Seu fim é melancólico, uma dádiva divina que ele possa perecer com sua família, e não cravejado de balas em vielas, ou em uma auto estrada, ele cai de velhice, perto das laranjas que serviram de signo durante todo o passar do longa, vigiado pelos olhos inocentes de seu inocente e brincalhão neto que pouco antes, achava que ele era um monstro.

    A morte de Vito foi um evento, bem como seu  enterro. Com ele, certamente iriam toda a influência dos Corleone e era preciso requalificar as forças, remanejar e reequilibrar a balança. O batismo, o assumir o apadrinhamento que Michael faz beira o poético, lembra o teatro shakesperiano  mais clássico, o trágico, o violento, mostra quem eram os fracos e corrompidos, mas não deixa esquecer que toda a movimentação é de novo negócios, nada pessoal, embora o acerto de contas bata também em situações pessoais. As perdas envolveriam até sacrifícios para  Michael, pessoas que ele um dia “amou” cairiam, mas isso, de novo, era necessário. Há ainda um cuidado singelo, Tessio não aparece morrendo, só é mostrado ele sendo levado para o abate, há um respeito muito grande com sua figura, mesmo que seja um traidor, e ele não deveria estar no mesmo bolo dos adversários da família, que foram assassinados a sangue frio, e há de se lembrar que nem Fredo teve essa “sorte”.

    A justificativa do nome original, O Padrinho vem da transformação pela qual Michael passou, a mesmo que o jovem Vito de Robert DeNiro passaria em O Poderoso Chefão Parte 2. Ele evoluiu o conceito de seu pai, embora compartilhasse com ele boa parte do código ético. Pouco se lembra de figuras icônicas, como os assassinos Al Neri (Richard Bright) e Willi Cicci (Joe Spinell) pessoas silenciosas, que entram muito rapidamente na trama, para fazer seu papel, acompanhados claro de Clemenza, que mesmo contrariado em certa parte do filme, se manteve fiel, como bom padrinho do protagonista que é.

    As primeiras mortes ocorrem após Michael Francis Rizzi (o sobrinho e apadrinhado do agora Don) renunciar o diabo diante do padre e da pia batismal. A partir dali se desencadeia o ultimo ato desta parte da historia. Tudo o que  seguiria dali para frente seria o cumprimento do juramento silencioso que Michael faria a seu pai, a traição de sua própria pecha, de diferente, um retorno definitivo e irremediável a sua origem sanguínea, tanto em temperamento quanto em religião. Desde a cena da execução de seu cunhado, até o cinismo em consolar sua irmã recém viúva (que alias, seria um dos bons plots na Parte III) faz parte do teatro que precisaria exercer, para Kay e para si mesmo, fingindo não sentir prazer em exercer o poder e a vaidade que lhe são conferidas. A triste ópera de Michael e Vito é fechada com um certo apogeu, mas promessas de mais decadência, violência e tempestades.

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  • Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (2)

    Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (2)

    “-Você resolveu o problema dele?”, perguntou Sonny.

    “-Você não o verá mais.”, respondeu Clemenza.

    Tanto o livro quanto o filme O Poderoso Chefão, dois marcos do século XX guiados, respectivamente, pela caneta de Mario Puzzo e pela câmera de Francis Ford Coppola, são pura propaganda enganosa. Fato. Isso porque, em ambas as mídias, ou seja literatura e cinema, a história das famiglias do crime atuando em solo norte-americano, na distante década de 1940, é uma encenação irresistível dos tentáculos mafiosos de meia-dúzia de homens poderosíssimos para algo muito maior, e mais significativo que uma mera briga de gangsteres italianos. Por detrás de todo um mundo oculto e tenso de favores, cobranças e dívidas, há de forma intacta e vibrante pessoas com escrúpulos, cuja moral sempre fazia guiar o destino certo de uma bala, e que afinal de contas, acima da garantia dos seus poderes, queriam ver os seus parentes, e os seus protegidos, seguros para dormirem o sono dos justos, garantidos aqui pelos injustos.

    Puzzo vai fundo de um jeito que o clássico filme de 1972, apenas três anos após o lançamento do livro, chega perto de conseguir alcançar, tamanha a maestria com que Coppola dirige um dos melhores filmes do Cinema. Mesmo assim, a máxima do “livro ser melhor que o filme” não é uma exceção válida, e mesmo para quem revisitou O Poderoso Chefão uma centena de vezes nas telas, é possível encontrar inúmeras possibilidades na leitura do material original que explicam, de maneiras absolutamente claras e engrandecedoras ao drama narrado, as motivações dos personagens, o que está por trás de suas ações e as consequências destas (o final da obra é ainda mais completo que o da sua adaptação cinematográfica). Se Coppola usou da mais bela e encantadora liberdade poética que o Cinema oferece para preencher as lacunas da história, na tela, Puzzo pavimenta a vida dos Corleone a modo de não deixar dúvidas sobre cada um dos passos dessa gente que não admite traições, e muito menos ser chamados de “assassinos”.

    Don Corlone, o Padrinho, é o patriarca que todo homem sente vontade de ser, bem no fundo das nossas feiras de vaidades. A imortal atuação de Marlon Brando ganha ainda mais camadas psicológicas e emocionais quando o leitor é confrontado com um Don Vito Corleone nu, dissecado no livro até sentirmos o cheiro de sua alma resistente mas velha, marcada e traumatizada seja pelos triunfos que cometeu, seja pelos erros cujas lições aprendeu. Ele quer se aposentar, e no auge de uma guerra entre as famílias que mandam nos EUA, nas quais o poder das leis está sempre abaixo de cada uma delas, tenta encontrar qual dos seus filhos está à altura do cargo de Chefão dos Corleone. A trama gira em torno de sua busca um tanto trôpega pela sucessão, e como o destino fez questão de atrapalhar os rumos dessa procura quando a violência e inúmeros outros infortúnios do mundo da máfia se impõem, impiedosos feito o diabo, ao teto de vidro não só dessa gente, mas de todos os não-envolvidos ao lado honesto da vida.

    Agora, em 2019, no aniversário de meio-século da data de sua publicação, o livro já pode e deve ser encarado como um aprofundamento do popular filme, vencedor de três Oscares, guardando em si todo o charme de uma época em que a América era sinônimo do paraíso das oportunidades aos bem-aventurados, refugiados e afins que vinham de todo o globo para o comércio, a malandragem, o crime – ou tudo junto. Os Corleone são narrados como intocáveis, é verdade, mas sempre na berlinda. Os poderosos ameaçados que nunca dormem em paz longe de janelas blindadas, e da certeza de que seus inimigos estão mais próximos que seus amigos mais leais. Jamais Puzzo tentou glamourizar ou redimir a máfia e seus valores, com certeza, mas simbolizou tudo de forma tão sedutora que é impossível não nos envolver com os mais célebres desdobramentos às gerações dos Corleone, num livro igualmente célebre, por natureza.

    Compre: O Poderoso Chefão – Mario Puzzo.

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  • Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (1)

    Resenha | O Poderoso Chefão – Mario Puzo (1)

    Primeiro livro encomendado à Mario Puzo no final da década de 1960, em que o autor recebeu um valor adiantado para realizar uma obra sobre a máfia. Filho de imigrantes italianos, com o primeiro livro lançado em 1950, já com 30 anos, essa temática desde cedo ambientou seus romances. O Poderoso Chefão gerou dois filmes dirigidos por Francis Ford Coppola, em que o primeiro trata da história de Don Corleone já como capo di tutti capi, e da ascensão de Michael Corleone como novo Don. E a segunda produção apresenta a evolução de Vito com um extra sobre Michael. Puzo ajudou a escrever os dois roteiros, e também lançou sequências para a obra inicial: O Último Padrinho, O Siciliano e Omertá (sobre sequencias vale dar uma lida em nosso artigo).

    Sobre o livro, Puzo não peca, na verdade. A questão é a cultura estadunidense que age nos escritores. Poucos escritores, talvez os que tiveram maior influência de outras culturas, como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald (existe uma enormidade de outros, apenas dois exemplos para entendimento), conseguem se desprender da literatura hambúrguer, ou seja, aquele livro que é bem escrito, tem uma história legal, mas carece de certa profundidade. São boas literaturas, com enredos interessantíssimos criados por eles, talvez o ponto diferencial pra literatura do restante do mundo. Contudo, falta um pouco mais daquela funcionalidade da arte que é a crítica social e, também importante, a densidade. Ressalto tudo isso em função dessa história não fugir à regra. Temos críticas sociais nas obras? Existem, contudo são, de certa forma, defasadas (não confundir com questões de posição ideológica), se debate a validade do poder instituído (Estado) , do funcionamento da Cosa Nostra, de questões éticas de honra. E a fala da densidade, de originalidade para a arte da escrita em si, transparece no livro.

    Algumas questões sobre o enredo, o personagem Michael se vê obrigado à assumir as questões da família, mesmo tentando de todas as formas se adaptar ao mundo americano em que vive, até mesmo se alistando para lutar na segunda guerra. Contudo a família fala mais alto que o estado ou as leis, é uma questão, novamente, de honra e compromisso familiar.

    Entrando na questão da honra vale destacar o conjunto de leis da Omertá. Podemos comparar essa lei antiga aos costumes do inicio do século XX no nordeste brasileiro (lei da vingança) assim como o Kanun albanês, praticado ainda hoje. Esse conjunto e regras oralizadas, que todos conhecem e transferem de geração em geração não se conciliam com a prática e o entendimento do estado moderno, baseado nos filósofos franceses como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. A tentativa de universalizar os direitos humanos e a democracia tenta penetrar nessas sociedades regidas por regras bem diferentes, e nem todas aceitam passivamente essa adaptação. A Cosa Nostra é um exemplo prático, hierárquica, patronal, machista e violento, regido pela Omertá. Mesmo inserida em um ambiente institucionalizado, com leis e valores diferentes, a máfia consegue se esgueirar e criar mecanismos para manter a sua própria lei paralelamente.

    Talvez uma das poucas originalidades na apresentação da história seja a quebra do tempo linear. O livro inicia com o casamento da filha de Vito e transcorre até seu atentado, divide o livro uma pequena história do crescimento de Vito na América, a história de Michael na Sicília, de forma um pouco deslocada do tempo, em seguida, o retorno e ascensão do novo Don. Não que seja uma grande novidade, mas é um artificio que produz uma quebra na narrativa, tornando-a mais instigante.

    Não se pode dizer que não seja um bom livro, a leitura desliza, por assim dizer, pelas páginas, e a história instiga bastante a continuidade, mas se está na vibe de uma literatura mais complexa, desafiadora, não é o livro para o momento.

    Compre: O Poderoso Chefão – Mario Puzo.

    Texto de autoria de Róbison Santos.

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  • Superman: Do Cinema Para a Eternidade

    Superman: Do Cinema Para a Eternidade

    SUPERMAN, Tom Mankeiwicz, Marlon Brando, Director Richard Donner, Pierre Spengler, 1978

    Toda a história a respeito da produção da franquia de Superman no cinema passa pela trajetória de Alexander Salkind, que é bastante curiosa por si só. O produtor, natural da Polônia, era filho de Michael Salkind, o mesmo que produziu alguns clássicos, como o conto kafkiano O Processo de Orson Welles e a versão de Os Três Mosqueteiros, dirigido por Richard Lester. Alexander vinha da experiência de filmes dramáticos, como Vidas em Jogo, de Claude Chabrol, além de alguns trabalhos com seu pai, e foi seu filho Ilya que indicou a ele a compra dos direitos para a produção de um filme sobre o último descendente de Krypton.

    Após o sucesso de O Poderoso Chefão, o clã decidiu chamar o escritor Mario Puzo para participar do roteiro inicial. A primeira opção para direção era Guy Hamilton, que acabava de sair de quatro continuações de 007 – Goldfinger, Os Diamantes São Eternos, Viva e Deixe Morrer e O Homem com a Pistola de Ouro. O filme seria rodado na Inglaterra, e já tinha inclusive datas marcadas para as gravações. Mas a possibilidade de mudar a locação para a Inglaterra, onde os custos seriam bem menores, impossibilitou o prosseguimento de Hamilton no projeto, graças a um problema com imposto que só o permitia ficar no país por 30 dias no ano.

    O nome de Richard Donner surgiu graças ao seu sucesso em A Profecia, fator que seria bastante curioso, ligando as bases desta nova versão a filmes de terror, uma vez que seu realizador surgiu a partir desse tipo de produção, assim como a mocinha, Margot Kidder, que havia feito Noite de Terror (Black Christmas) de Bob Clark, A Reencarnação de Peter Proud, além de protagonizar Horror em Amityville pouco tempo depois de Superman. Com Donner, houve também o acréscimo de Tom Mankieewicz como consultor de roteiro – e roteirista, função esta não oficialmente creditada, o que demonstra o quão injusta poderia ser a indústria nestes tempos, tratando quem faz dela realidade como seres descartáveis.

    O boom de Star Wars fez toda a engrenagem do cinema funcionar nas direções do seu sucesso, elevando a necessidade de efeitos especiais mais esmerados, além de fazer do espaço um novo cenário a ser explorado pelo mainstream. Como foi com Alec Guinness no filme de Lucas, Superman também precisava de um chamariz poderoso e renomado, e coube a Marlon Brando introduzir o início da trama, ainda em uma Krypton existente, mostrando que a bravura já estava presente em Jor-El, o pai biológico do herói que ostentava o mesmo emblema.

    A presença de Brando se deu em específico por dois fatores primordiais, com o envolvimento de Puzo, que em parte foi o responsável por seu retorno ao estrelato no filme de Coppolla, e claro, pela enormidade de dinheiro que ganhou, fato este informado em qualquer entrevista que concedia, sem o menor pudor.

    Por já contar com uma estrela no elenco, o estúdio começou a descartar figuras fáceis para o herói, como Paul Newman e Robert Redford, não só por questões financeiras, mas também por correr o risco da fama do intérprete rivalizar com a do ícone. Christopher Reeve foi descoberto em peças de teatro obscuras e participações escassas na televisão. Os testes de cena do ator eram engraçados, e ele mantinha as mãos na cintura o tempo inteiro, fato este que servia de símbolo de uma época, na formalidade em relação ao cumprimento ao público.

    Superman Artigo 1

    A parte técnica do filme também seria destaque dentro da super produção, seja na música de John Williams, que vinha do sucesso em Star Wars e Tubarão, como também nos efeitos visuais de Roy Field, que inclusive venceu o Oscar de sua categoria. Foram utilizadas escalas bem diferentes para as cenas de avião, que variavam de tamanho de acordo com a aproximação da lente de Reeve. O auxílio de John Barry também foi importante, pois foi de sua mente que surgiu a ideia de usar os flashbacks com Brando fazendo Jor-El falando em momentos psicodélicos, bem como a difícil tarefa de tornar aquilo o mais real possível.

    Todo o material, provindo dos documentários especializados e financiado pela Warner, não é plenamente claro sobre a saída de Donner e sua demissão para o segundo filme, que já estava sendo rodado em paralelo. As cenas restantes são acopladas à continuação de Richard Lester, fazendo de Superman 2: A Aventura Continua um monstro de Frankenstein, repleto de outros corpos já falecidos.

    O cunho do filme e da franquia mudou, deixando de ser uma aventura fantasiosa carregada de escapismo para obter um ideal mais ligado a comédia. Donner ficou além de contrariado, mas bastante magoado, em especial por Alexander e Ilya Salkind tentarem interferir em seu papel de realizador. Uma das razões declaradas a respeito de sua saída seria o corte das cenas com Brando na parte 2, para que não pagassem ao ator o cachê alto que já haviam dado no primeiro.

    Junto a Donner sairia Mankewicz, o editor Steve Baird e John Williams, que teria seus acordes tocados por Ken Thorne. Lester assumiria a cadeira de direção a contragosto, uma vez que fez a mediação entre Donner e o estúdio durante a execução do primeiro filme, e teria seu trabalho dificultado pela recente morte do cinematógrafo Geoffrey Unsworth e do produtor de design John Barry. Donner seria convidado a retornar a sua função, mas as suas exigências eram grandes, contando a demissão do co-produtor Pierre Spengler, além de uma autonomia maior nos rumos da saga.

    Superman Artigo 3

    Superman II pareceria em sua versão de cinema apenas o protótipo do que seria a versão terceira. Superman III é co-protagonizado pelo astro Richard Pryor, que, na prática, assume o papel principal e finalmente dá vazão à esteira humorística que habitava o ideário dos Salkind, e que foi refreado até então por Donner. Lester era um bom diretor, mas seu pulso não era nem de longe tão firme quanto de seu homônimo.

    Puzo não estava mais escrevendo o esboço do roteiro, então mudou por completo o caráter da franquia. Até os efeitos visuais foram mudados, privilegiando efeitos paupérrimos. Fatores externos, como cachês altos, influenciaram em pedaços da trama, como a saída de Lois Lane como par romântico, para explorar a Lana Lang de Anette O’Toole, sendo um retorno ao passado que poderia ser mais emocional e que nunca atinge o ponto. Outro fator ignorado foi o Luthor de Hackman, excluído e nem mencionado.

    Mesmo no material complementar e nos making-offs, os roteiristas David e Leslie Newman assumem que erraram ao tentar aludir a um aspecto de Dr. Jekyll e Mr Hyde, algo que foi agravado por não ter qualquer possibilidade de ser levado a sério. Com o tempo, os Salkind deixaram de lado os filmes com Reeve – que claramente ficou contrariado e topou versão da Cannon para seu Superman IV – e começou a investir em spin-offs, voltados para outra faixa de público, primeiro com o fracasso de Supergirl, em 1984 e depois com o seriado Superboy em 1988, ambos com orçamentos em nada condizentes com os dos filmes originais.

    A trajetória dessas produções terminou de maneira melancólica, encerrada por um time que não tem identidade, nem participações de todos os que fizeram o Superman do cinema ser algo crível, e muito distante de fazer o homem acreditar que é capaz de voar. O pioneirismo da obra de Donner, supervisionada de perto pelos produtores, foi o embrião de toda a exploração do cinema ao termo super-herói, inaugurando um filão que antes era bastante tímido e que se tornou uma fonte inesgotável para toda a parcela do público afeita à fantasia e ao escapismo, especialmente para aqueles que ainda guardam um carinho especial por um personagem tão retilíneo e moral como modelo. O herói que fez a humanidade se elevar, segundo o pensamento nietzschiano a respeito do Super Homem, em parte cumprindo o paradigma sem tanta complexidade, e com muito mais sentimento e emoção.

  • 10 Sequências de Best-Sellers

    10 Sequências de Best-Sellers

    É possível ressuscitar o detetive Hercule Poirot com toda a sua astúcia? O que dizer de reviver Drácula sem a pena sinistra de Bram Stoker? Criar um personagem de sucesso nos livros é um feito para poucos. Há alguns tão atraentes que nos sentimos miseráveis quando o último livro de uma série acaba, no caso de o autor original já não estar mais entre nós. Mas você sabia que há vários casos de livros famosos que ganharam sequências criadas por autores alternativos?

    Por mais estranho que pareça, a história está recheada de continuações para livros inesquecíveis, seja porque a obra caiu em domínio público ou os herdeiros dos direitos autorizaram uma retomada. Em alguns casos, as continuações são bem aceitas pela crítica e continuam a conquistar gerações de leitores. Em outros, são jogadas na sarjeta do esquecimento.

    A seguir, selecionamos 10 sequências que nasceram de um sucesso, mas escritas pelas mãos de segundos autores. Confira aí e diga qual você achou mais estranha.

    A Casa de seda - Anthony Horowitz

    1- A Casa de Seda – Anthony Horowitz

    O britânico Anthony Horowitz é um apaixonado confesso por Sherlock Holmes. Tem várias inserções na literatura policial e juvenil, além de onze episódios da série de TV Agatha Christie’s Poirot e também um romance para a franquia James Bond. Em A Casa da Seda (Zahar, 2012), Horowitz faz as vezes de Arthur Conan Doyle numa trama que se passa em Londres, em novembro de 1890. O livro foi o primeiro a ser oficialmente reconhecido pelo Conan Doyle Estate, que administra o legado do autor. Horowitz disse que levou longos três segundos para aceitar o convite da organização! Assim, “A casa da seda” foi lançado em homenagem aos 81 anos da morte de Conan Doyle.

    Morte em Pemberley - P. D. James

    2 – Morte em Pemberley – P. D. James

    Imagine uma das principais escritoras policiais sequenciando uma das maiores autoras clássicas inglesas. Pensou em P. D. James e Jane Austen? Acertou. A baronesa do crime retoma a atmosfera de Orgulho e Preconceito, avança um pouco no tempo, e nos oferece um enredo daqueles! Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy se casaram, tiveram dois filhos e têm tudo para viverem felizes para sempre em sua propriedade rural. Até que assassinam o cunhado de Elizabeth… Morte em Pemberley (Cia das Letras, 2013) traz a aristocracia, seu glamour e suas intrigas. Nossos amáveis personagens não estão apenas envolvidos em gravatas e echarpes, mas cobertos também por um manto de mistério.

    Scarlett - Alexandra Ripley

    3 – Scarlett – Rhett Butler

    “Francamente querida, eu não dou a mínima”. Será que Rhett Butler repetiria a clássica frase de E o Vento Levou… para Alexandra Ripley? Afinal, a romancista norte-americana escreveu a primeira sequência oficial do relato épico da Guerra de Secessão, originalmente criada em 1936 por Margaret Mitchell. O livro é a continuação da saga, mostrando como a vida seguiu para a temperamental Scarlett O’hara, Rhett Butler e Ashley Wilkes. Apesar de ter agradado o público – o livro vendeu 6 milhões de cópias -, a história foi rejeitada pela crítica. Scarlett saiu em 1991 pela Editora Record.

    images.livrariasaraiva.com.br

    4 – A Garota na Teia de Aranha – David Lagercrantz

    Fenômeno editorial da última década, a série Millennium vendeu cerca de 100 milhões de exemplares no mundo desde o primeiro volume, Os Homens que Não Amavam as Mulheres. O sueco Stieg Larsson, jornalista e ativista pelos direitos humanos, utilizava o tempo livre para criar as histórias com a alucinante Lisbeth Salander, expondo violências sofridas pelas mulheres e uma heroína disposta a lutar por elas. Larsson morreu antes da publicação do primeiro livro e sem imaginar o tamanho do sucesso que conquistaria. Em 2015, seus herdeiros autorizaram uma continuação para a até então trilogia, liberando o volume 4 com A Garota Na Teia de Aranha (Cia das Letras, 2015). A sequência foi escrita pelo também jornalista sueco David Lagercrantz, e causou polêmica principalmente por não ter tido o aval da viúva Eva Gabrielsson. Um dos lançamentos mais populares do ano – foram vendidos duzentos mil exemplares só na primeira semana nos Estados Unidos -, o livro deve ser adaptado para o cinema pela Sony Pictures.

    Dracula - Morto Vivo - Drace Stoker

    5 – Drácula – O morto-vivo – Drace Stoker e Ian Holt

    Veja o sobrenome! Sim, Dacre Stoker é sobrinho-bisneto de Bram Stoker, o irlandês que publicou Drácula em 1897. Para dar sequência ao clássico gótico, Dacre pesquisou documentos e anotações não aproveitadas pelo bisavó, encontradas no Museu Rosenbach (Filadélfia). Também usou o título que Bram originalmente pensou para o clássico. Ambientada em 1912, a trama tem até uma aparição do “pai” do vampiro. Publicado em 2010 pela Ediouro, o livro vem com ilustrações de Ian Holt.

    James Bond Books

    6 – James Bond, a série

    O espião James Bond é uma criação do escritor e jornalista britânico Ian Fleming. O agente secreto mais famoso do mundo ganhou vida em 1953, com Cassino Royale, e todo ano Fleming escrevia uma nova história do personagem. Foi assim até 1966, quando o autor morreu de ataque cardíaco. Desde então, vários autores escreveram sequências para a franquia, como Kingsley Amis, John Edmund Gardner, Raymond Benson, Sebastian Falks, Jeffery Deaver e William Boyd. O cinema foi o terreno onde Bond mais brilhou e, após todas as tramas originais serem adaptadas, a série passou a produzir filmes com roteiristas que procuraram manter o estilo de Fleming. Parece que deu certo.

    Os Crimes da Monogamia - Sophie Hannah

    7 – Os Crimes do Monograma – Sophie Hannah

    Recolocar o detetive Hercule Poirot em cena e agradar aos milhões de fãs de Agatha Christie são tarefas que deveriam compor os doze trabalhos de Hércules! A inglesa Sophie Hannah aceitou o desafio em Os Crimes do Monograma, lançado em 2014 pela Nova Fronteira. Ao contrário do que se possa imaginar, o detetive não reaparece em tempos modernos mas sim em 1929, investigando crimes misteriosos no coração de Londres. Ao seu lado está o policial Edward Catchpool, o equivalente ao Capitão Hastings, o parceiro original. A sequência foi autorizada pelos herdeiros de Agatha mas dividiu opiniões entre os fãs, que não viam uma nova história com o detetive desde a morte da escritora, em 1976.

    A Volta do Poderoso Chefão -  Mark Winegardner

    8 – A Volta do Poderoso Chefão –  Mark Winegardner

    Quem não conhece os Corleone, essa família simpática, repleta de gente que não aceita quando as coisas contrariam seus interesses? Mario Puzo fez história ao trazer à tona mafiosos que não apenas matam e se livram dos corpos de seus desafetos. Eles se casam, têm filhos, são religiosos! É difícil não se apaixonar por personagens tão sanguíneos e sanguinários, que nos foram apresentados  nos anos setenta e chegaram às telonas nas décadas seguintes. Muitos fãs esperavam que Puzo retomasse a história, mas ele não mostrou interesse. Antes de morrer em 1999, ele autorizou Mark Winegardner a fazer a sequência, que saiu em 2005 pela Editora Record.

    60 anos depois - do outro lado do campo de centeio - Fredrik Colting

    9 – 60 Anos Depois – Do Outro Lado do Campo de Centeio – Fredrik Colting

    Em qualquer lista de livros obrigatórios do século 20, encontraremos O Apanhador no Campo de Centeio, um clássico de J.D.Salinger que ajudou a inventar a adolescência norte-americana. Criou fama pelo protagonista, o personalíssimo Holden Caulfield, e por levar o escritor ao seu completo isolamento. Salinger virou um bicho do mato, e isso alimentou uma série de lendas em torno dele. O fato é que, nesta sequência, Fredrik Colting junta criador e criatura num mesmo enredo. Imagine o sempre jovial e rebelde Holden na pele de um velhinho que simplesmente deixa pra trás o lar de idosos e parte atrás de mais uma aventura.

    A Loura de Olhos Negros - Benjamim Black

    10 – A Loura de Olhos Negros – Benjamim Black 

    Quem gosta de romances policiais certamente conhece o detetive Philip Marlowe, o mais durão da literatura (mais que Dirty Harry!). Marlowe é uma criação de Raymond Chandler, e no cinema foi vivido por Humphrey Bogart. Fato é que Chandler morreu em 1959, mas seu detetive continua vivíssimo. Benjamin Black é o nome, ou melhor, o pseudônimo do responsável pela volta de Marlowe. Em A Loura dos Olhos Negros (Rocco, 2014), o escritor irlandês recria a Los Angeles dos anos 1950, narrando a investigação de um misterioso desaparecimento. Tem clima noir, hipocrisia e femme fatale, combinação ao estilo de Marlowe & Chandler. Em tempo: Benjamin Black é, na verdade, John Banville, vencedor do prêmio Príncipe das Astúrias em 2014. Tem gabarito ou não para fazer um revival de Marlowe?

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | Terremoto

    Crítica | Terremoto

    Terremoto 1

    O começo do filme, com uma tomada aérea que compreende a cidade de Los Angeles em todo seu esplendor, já denota o que seria Terremoto, filme de Mark Robinson com roteiro de Mario Puzo (junto a George Fox), lançado pouco tempo depois do sucesso retumbante de O Poderoso Chefão. A música de John Williams ajuda a aumentar o espectro de classicismo do filme, que não demora a registrar imagens com seu herói tradicional Stuart Graff, vivido por um Charlton Heston já decadente física e profissionalmente.

    Aos poucos, é mostrado que Stuart vive uma grave crise conjugal, já não suportando mais os disparates de sua cônjuge, Remy (Ava Gardner), uma mulher possessiva, dissimulada e extremamente ciumenta. O homem então passa a visitar a viúva da ex-colega de trabalho, a bela Denise Marshall (Geneviève Bujold), ainda que a intenção dúbia não seja correspondida pela senhora ainda em luto.

    É bastante curioso a demora em que o roteiro tem para se inserir na questão tragédia natural, apresentando uma porção significativa de personagens cujas feições e comportamentos são bastante datados, exibindo como era o visual e ações típicas dos anos setenta, especialmente no que tange a sexualidade feminina e vestuário peculiar de mulheres caucasianas e negras, reproduzindo o pitoresco padrão de beleza em tela. A aura de filme b permeia toda a fita, que aparenta em cada detalhe da direção de arte um aspecto mambembe, ainda que não seja risível.

    A tragédia começa a ocorrer pelos idos dos cinquenta minutos de exibição, sobrando cenas cômicas, com os prédios e câmeras balançando, graças a precariedade não só de recursos, mas de possibilidades de efeitos visuais que fizessem jus a um arrombo da natureza de proporções dantescas. As maquetes sendo destruídas e miniaturas de carros e casas caindo só não são mais toscas e mal feitas do que as subidas que o solo se permite dar, levantando terra para todos os lados.

    Ao se aproximar de seu desfecho, a fita opta por explorar espaços de escombros, subterrâneos, onde as filmagens seriam mais fáceis de executar, e claro, de construir suspense. O grave erro é que a maioria dos personagens não geram empatia no público, já que não tem nem muito tempo de tela, e nem uma boa construção de caráter e personalidade. O excessivo tempo de duração ajuda a fomentar a atenção nos graves defeitos de produção, não restando quase nenhuma sensação que não seja de reprimenda a feitoria deste Terremoto, que não consegue se sustentar nem através da persona carismática de seu astro e nem através das miniaturas em chamas.

  • Crítica | Era Uma Vez na América

    Crítica | Era Uma Vez na América

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    Sergio Leone teria recusado dirigir a versão cinematográfica do best-seller de Mario Puzo, entre outros motivos, para fazer o seu próprio filme de gangsters americanos. Era Uma Vez na América não poderia começar de forma melhor – violentíssimo, mostrando uma perseguição implacável a David Noodles, personagem de Robert De Niro. Os temas de Ennio Morricone casam perfeitamente com a ambientação – e é impossível não comparar seu trabalho com o de Nino Rota em O Poderoso Chefão, tão competente quanto – sua trilha concorreu ao Globo de Ouro de 1985 e ganhou o Bafta do mesmo ano. A música preenche os vazios de diálogo e eleva a aura do filme, tornando-o edificante e nostálgico em questão de segundos.

    A história segue uma linha do tempo pouco linear, e transita por três épocas: anos 20, na tenra infância da “gangue”, anos 30 com o auge de suas ações e anos 60 com a velhice e amargura de David, único sobrevivente da época marginal. A reconstituição de Nova Iorque beira a perfeição, com um trabalho primoroso da direção de arte – que também venceu o Bafta.

    Não é só a violência exposta em tela que trata de temas espinhosos, o texto também. Ainda adolescente, o personagem principal suborna um policial, acusando-o de forma justa, de cometer pedofilia. A marginalidade torna-se algo comum para ele e seus amigos, que logo sofrem um enorme baque ainda neste primeiro momento, fato que mudaria principalmente a vida de David – que viria a ser preso e só retornaria já adulto.

    O foco do filme são as relações, seja a amizade entre o protagonista e Max, um James Woods perfeito no papel, que passa por percalços e vai da rejeição no início, passa pela empatia e fraternidade e desemboca no remorso inevitável, após uma enorme divergência quanto as áreas de atuação, em especial no fim da Lei Seca.

    Outro vínculo explorado é o amor nunca concluído de Noodles com Deborah – a razão aparente para ambos não ficarem juntos é vida de “rufião” do protagonista, além claro da possessividade dele – “Você me trancaria e jogaria a chave fora!”, e ele responde positivamente, e ambos percebem o inevitável, mas antes que pudessem se despedir, um ato põe números finais a união que jamais existiu, deixando Deborah magoada e afastando de vez os dois apaixonados.

    O protagonista havia mudado de vida após um assalto que tomou a vida de seus três parceiros do crime, trocou sua identidade e se isolou, até receber um convite a uma festa. Remexer no seu passado o machuca e o faz viajar pelos bons e maus momentos que vivera, mas o que o manteve na cidade foi principalmente a curiosidade. Relembrou do plano megalomaníaco de Max, e descobre que tal artimanha era uma forma sofisticada de suicídio, pois seu amigo se via em um beco sem saída, mas não teria coragem o suficiente para fazer o que tinha que ser feito. Voltar a essas lembranças é torturante para ele, a culpa e o remorso o corroem.

    O motivo do convite se revela, o Senhor Bailey, político casado com o antigo amor de Noodles, o chama para que ele faça um último favor e possa assim enfim fazer justiça. Mesmo após perceber que grande parte da culpa que viveu foi em vão, o herói falido não cede aos seus instintos básicos e a chance da desforra, na verdade recusa o pedido de uma das pessoas que este sempre amou – os papéis se invertem, pois é Bailey que se ressente no final e tal rejeição é para ele um enorme golpe. “Meu amigo morreu num assalto, e eu o entreguei!”.

    O final é melancólico e até depressivo. O rancor de Noodles feriu sua amada, e o rancor de Deborah a impediu de ser feliz em sua velhice, aliando-se aos adversários de quem ela amava. A últimas cenas amarram as pontas soltas desde começo. O roteiro serve como uma crítica ao American Dream, principalmente quanto à gana por alcançá-lo, aliado a ganância e cobiça, suplantam as necessidades e sentimentos humanos. As cortinas se fecham, mostrando David Noodles jovem, ébrio, anestesiado, apático e a espera da tristeza que ocupará sua vida até a velhice.

  • Crítica | Superman: O Filme

    Crítica | Superman: O Filme

    superman-the-movie

    O primeiro nome nos créditos iniciais é o de Marlon Brando e  logo após vem o de Gene Hackman, acompanhado é claro pela magistral música de John Williams. A abertura é longa: entre o Prólogo e o anuncia da direção ocorrem mais de cinco minutos, milimetricamente planejados para gerar expectativa no público.

    A história é de Mario Puzo – de Poderoso Chefão – e começa com o julgamento dos três super-criminosos kriptonianos, encabeçado por Jor-El. Neste momento já é possível perceber a prepotência, arrogância e imponência de Zod , que dispara bravatas contra o “juiz”.

    Os efeitos especiais de Roy Field eram magníficos para a época, e não fazem feio hoje, claro fazendo-se algumas concessões. Grande parte da magia em Superman é fazer o espectador acreditar que O Homem poderia voar. O roteiro de Puzo se vale das origem contada por Siegel/Shuster, a criança recém-chegada a Terra tem um força descomunal e a demonstração de suas habilidades é muito parecida com a abordagem das primeiras histórias de Action Comics dos anos 30. A criação discreta dos Kent, a forma de esconder os poderes evitando-se exibições e seu uso para benefícios próprios, tornam Clark no herói sempre preocupado com o bem estar dos menos favorecidos.  Outro fator que colaborou para isso foi à instrução de Jor-El, por meio do sistema de inteligência artificial kriptoniano, ele diz que a humanidade é boa, só precisa de alguém para guiá-los.

    Apesar da lentidão, as passagens de tempo são muito bem executadas, desde o prólogo em Krypton, passando pela infância e adolescência de Kal-El em Pequenópolis. O Herói só veste seu uniforme depois de passados 48 minutos de exibição. A atuação de Christopher Reeve vivendo um pacato repórter capial é muito boa, e o deixa como o completo avesso do imponente escoteiro. Mesmo com Margot Kidder fazendo uma Lois Lane cheia de caras e bocas e voz insuportável, há de se acreditar no casal, graças à química e ao enorme carisma de Reeve. Os outros personagens também possuem uma caracterização bastante peculiar, Lex Luthor em sua primeira aparição assassina um detetive que o perseguia, se auto-intitula a maior mente criminosa do universo – sua personificação varia entre o cientista louco com gênio criminoso extremamente maniqueísta, soberbo e mal por essência. Os capangas também exageram no tom humorístico, mas não é nada que atrapalhe o bom andamento do filme.

    Interessante como o Super deixa um barco de algumas toneladas sobre uma avenida bem em frente a uma delegacia – de quem seria a responsabilidade de rebocar o encouraçado? Impressionante também é como o dono da prisão leva numa boa a invasão ao seu “estabelecimento”, onde o herói deixa dois criminosos no interior das dependências do cárcere.

    A maneira como o Super-Homem cai na armadilha de Luthor é estúpida, imprudente, óbvia e inaceitável. Nesses momentos os elementos da história parecem inspirados nas versões mais pueris do Super-Homem, como as mostradas no desenho Superamigos. Em contrapartida as façanhas e sacrifícios que ele faz pela população, mesmo com os exageros tornam o caráter cinematográfico ainda mais épico. Suas promessas são cumpridas, o dever com os inocentes é maior que as suas necessidades pessoais. Um ponto fraco no roteiro é o artifício utilizado no final – a viagem no tempo – em que liga-se uma variação de Deus Ex-Machina completamente desnecessária, sem falar no fato disso ser uma desobediência direta a ordem de seu pai de “não interferência na história humana”. Isso mostra que o kriptoniano é suscetível a tentações.

    Super-Homem o Filme é um clássico incontestável, mesmo que não seja perfeito. Certamente é o melhor filme de super-herói realizado até o presente momento, além é claro de ter servido de inspiração para as outras adaptações que viriam depois. Uma grande realização de Richard Donner – talvez a mais notável de toda a sua carreira.