Tag: Nino Rota

  • Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Me recuso a tecer qualquer comentário sobre o primeiro O Poderoso Chefão, pois seria verborrágico e inútil. Todo mundo já viu, todo mundo concorda que é uma obra-prima intocável e não filmável, fim. Sobre a sequência, considerada por muitos como a melhor sequência do cinema (as pessoas geralmente se dividem entre essa Parte II da jornada dos Corleone na América, a primeira continuação do cinema a usar números romanos, e o fabuloso O Império Contra-Ataca), Francis Ford Coppola fez o impossível e se superou numa direção mais inteligente do que no primeiro, o que foi realmente necessário já que as tramas familiares são bem mais fragmentadas, desta vez, com ótimos flashbacks comparáveis aos de Rashomon e Cidadão Kane, e que continuam influenciando recentes clássicos como A Rede Social, de David Fincher.

    Em resumo, após o sucesso do filme de 1972, o diretor voltou dois anos depois para ganhar um Oscar pela melhor e mais interessante trilogia sobre a máfia, seus códigos e comportamentos. Porém o mais divertido é observar a briga eterna sobre qual filme é O melhor: o primeiro com Marlon Brando, ou o segundo exemplar. Uma briga eterna e inútil, mas que nutre a curiosidade dos cinéfilos mais jovens para darem um veredicto atual, afinal filmes assim não podem se perder no tempo, e com certeza não irão sofrer tal destino. O Poderoso Chefão II é o mais puro e refinado deleite de se acompanhar, demanda devoção do espectador para conseguir acompanhar a longa e complicada saga dos Corleone, e como se não bastasse, como tudo começou para essa família se tornar uma poderosa colmeia criminosa, obrigada a abandonar Nova York devido a seus processos judiciais e, igualmente, os diversos inimigos feitos e “deixados” por lá.

    Após tanto tempo, e revisões, arrisco dizer que a evolução física e moral do mestre Al Pacino, aqui, é superior que a do primeiro Chefão, pois agora Michael Corleone é o patriarca da “famiglia” e paga o preço de todos os jeitos, a todo o tempo, a ponto de fazer grandes sacrifícios éticos e se tornar mais frio à medida que os faz, seguindo sempre as regras do falecido pai, Don Vito. Enquanto isso, ao mesmo tempo, Robert De Niro interpreta os primeiros anos de Vito no início conturbado de sua vida criminosa com uma semelhança assustadora, até mesmo no modo de falar meio rouco, meio sarcástico que só Marlon Brando conseguia atingir com perfeição. De Niro fez outros mafiosos como em Os Intocáveis e Era Uma Vez na América, mais foi mais reconhecido pelo papel icônico que lhe fez ganhar um merecido Oscar, arquitetando o início, as tragédias e ascensão do personagem de Brando com semelhante talento, e intensidade. Bravo.

    A reconstituição temporal nos flashbacks também é de se admirar, tudo potencializado pela trilha sonora magnífica de Nino Rota e Carmine Coppola, criando novos temas italianos baseados nas notas musicais do primeiro filme – o resultado é épico. No visual, tons pastéis diferentes dos que são apresentados na trama principal dão o tom, mas isso porque Coppola claramente teve uma leve predileção nas cenas de prólogo, mas conseguiu equilibrar com grande serenidade e energia sua direção nos dois lados da história, sem apresentar qualquer tipo de digressão explícita.

    Há cenas filmadas com perfeição, quando, por exemplo, logo no início, acontece uma passeata religiosa entre as montanhas áridas da Sicília, e todos são surpreendidos por um atentado contra o pai de Vito Corleone por ter insultado um poderoso mafioso Siciliano. A partir daquela cena, o contexto da história inteira se fecha, e em breve mais para frente estaremos aptos para julgar o universo que Mario Puzzo escreveu, novamente adaptado tão bem para a tela com uma potência que, para quem já leu os best-sellers, conflita com o impacto do que está impresso nas páginas. Porém, o que o roteiro e a direção não conseguiram extrair de modo eficiente foi à dualidade dos fatos, presente em boa parte dos livros e que servia para enriquecer tudo. Mas isso não importa, nada mais interessa até o close final e arrebatador no rosto de Pacino. Um dos closes definitivos do cinema sobre como o poder pode acabar com qualquer um, e tornar um filme um dos melhores já produzidos.

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  • Crítica | A Doce Vida

    Crítica | A Doce Vida

    Federico Fellini realizou três tipos de projetos. Filmes pra saciar sua alma (A Cidade das Mulheres, 8 ½ …); em nome do público (A Estrada da Vida, Amarcord…) e sobre a arte de se produzir a tão amada sétima arte (Julieta dos Espíritos, A Voz da Lua…); não necessariamente, é claro, fazendo jus ao artista diverso que suas visões, as quais ele julgava serem sempre semelhantes, resgatam através da película e proposta, cada uma dessas impecável. Particularmente, este escritor encaixa A Doce Vida (soa melhor em italiano) na segunda categoria sugerida acima, em especial. Vejamos: Caso fosse na primeira hipótese, o artista teria feito esse perfeito documento das relações humanas, nos mais altos patamares de ficcionalização, para discursar seus próprios valores humanos no mundo de cristal das celebridades? Válido, desde que o diretor de Cinema é um dos tipos mais egoístas do mundo.

    Contudo, o alvo de Fellini desta vez não era si próprio, e sim uma valorização fora do comum à arte que usou como base e plataforma por boa parte da vida. A crítica e a adoração aqui é sempre externa, se apoiando nas beiradas da janela pela qual a assistimos; mesmo que sob as grossas cortinas da metalinguagem que o maestro aprimorou. Isso porque os filmes, assim como o homem, e a mulher ainda mais, têm alma que não pode ser vista nem mesmo em vista da mais bela fotografia – ainda que sentida por uma trilha de Nino Rota, em alguns casos. Não existem meias verdades da essência do audiovisual, esse enquanto não transcendental naquilo que cumpre, onde faz parte. Após isso, quaisquer perspicácias ficam a cabo do ponto de vista alheio, uma vez que diante dos prismas de Fellini o que é ambíguo brota da contemplação e arrebata as plateias sem o auxílio de nenhuma apologia, ou arrogância. Em A Doce Vida, Fellini já era mestre aqui, e exerce seu poder com todo o esplendor possível.

    Na jornada do jornalista Marcello (Mastroianni, debutando na carreira com o cineasta) adentro o universo individualista dos flashes, a riqueza da vida é extraída das extremidades da mesma. Personagens que correm em cordas bambas por serem incapazes de controlar suas veredas, numa sociedade colocada em microscópio por planos cênicos cirúrgicos e iluminação prateada, muitas vezes, ao invés do preto, brancos e matizes cinza normais até meados dos anos 60 na filmografia mundial. O que é imprevisível na narrativa multiplot reflete e combina, por fim, na mise en-scène arquitetada vigente; atores entrando e saindo de quadro simultaneamente em meio a diálogos que não falam mais alto que as mensagens evocadas pelas imagens do mural, este eternamente vivo e pulsante, como qualquer legítimo Fellini.

    Se A Doce Vida fosse uma ficção-científica, seus integrantes ou personas ficariam orbitando a Terra na grande missão de suas vidas: Encontrar um sentido no vácuo, o vácuo amargo, azedo, nem mesmo agridoce de suas existências interligadas. Na verdade, para um filme o qual o próprio anúncio é uma ironia ao conteúdo, não que seja trágico no que não é subjetivo, uma metáfora mais óbvia é só aquela que afirma a desglamourização da elite num filme sobre ela, no amor e na dor de pertencer a tal classe, como em qualquer outra. Um conglomerado de cenas síntese a trama existencialista, em prol de um público mais vasto que o filme almeja alcançar, e apaixonar, arrebatando a todos com imagens dignas de uma representação dionisíaca.

    Ao mesmo tempo, o mais reverenciado dos cineastas italianos profetizou em larga escala dramática a mentalidade pós-Beatles, ou seja, o tipo de público do século XX que venera a revista Caras e os besteiróis de fofoca e degradação humana no rádio, TV e internet. Por outro lado, Fellini ilustra excentricidades não apenas em A Doce Vida, sem esquecer o elemento do fascínio por parte de quem admira as cores desse circo por fora. Um filme que realmente mereceu ser filmado em PB… Por essas e por outras, o mistério que toda esfera chamada de mundo contém, seja esse rico ou pobre de intenções, “autêntico” ou “teatral”, é mantido e nutrido em forma de arte, aqui através do alter-ego do diretor numa equilibrada e emotiva posição de Mastroianni, e elenco ao todo – um fato generalizado. Isso porque no poético e balsâmico A Doce Vida, Fellini colocou com prazer a audiência no picadeiro do seu circo, domando-nos com o chicote que viria a emprestar a seu grande ator, mais tarde, e gritando desde já com ele: Ação!

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