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  • Crítica | Bullitt

    Crítica | Bullitt

    Steve McQueen é o tenente Frank Bullitt considerado muito ousado pela polícia para trabalhar num caso de proteção a testemunha. Mesmo assim, Bullitt se mostra o homem certo para a missão certa nas não sem antes provar o seu mérito e conseguir que a testemunha chegue sã e salva para acusar uma organização americana de seus crimes no tribunal. Morta misteriosamente em circunstâncias obscuras num atentado sanguinário, Bullitt encara, então, o azar logo que assume esse caso. E agora o tenente não vai descansar até resolver o caso e achar o assassino – numa roleta russa cada vez mais pessoal e mortífera – pelas ruas de sua cidade ensolarada. Frank é um homem com limites e por mais obcecado que esteja para encontrar o(s) autor(es) da tragédia, não passará por cima de ninguém para isso.

    É nisso que Bullitt revela-se: além de uma magistral aventura policial e muito sofisticada, uma obra sobre o código de ética de um homem e o seu martírio para fazer com que ele prevaleça até na pior das situações. Frank tem uma reputação a zelar em São Francisco, mas até que ponto isso vale a pena, custando talvez sua vida e o seu retorno aos braços da namorada? O filme investiga isso nas entrelinhas de uma história que nunca para, tendo, é claro, o seu ápice na espetacular perseguição de carro pelas alamedas da cidade, sem um retoque de CGI, algo impensável na Hollywood de 2021. Os carros, simples e frágeis, deslizam por aquelas ruas como tubarões em alto-mar, resultando num dos momentos mais célebres da história do cinema de ação – Quentin Tarantino a homenageou em À Prova de Morte, em 2007.

    Indo além das cenas delirantes, Peter Yates comanda este discreto filme de investigação policial como se segurasse uma dinamite prestes a explodir diante dos nossos olhos. Um fantástico conto de polícia e ladrão à moda antiga, amparado por uma edição impressionante e claramente a frente do seu tempo. Em 1968, não tínhamos nada parecido com o dinamismo revolucionário das sequências de suspense e ação do filme, algo nítido desde os créditos iniciais e no equilíbrio perfeito dos seus elementos cinematográficos. Tido como um dos grandes filmes policiais dos anos 60, e com toda razão, Bullitt é obra antiga que não envelhece. Parada obrigatória para qualquer cinéfilo e/ou fã de McQueen, aqui na pele de Frank, veterano sempre no limite da dignidade e da segurança em nome da honra profissional. E ele não vai dormir enquanto não alcançar quem matou sua testemunha.

  • Crítica | Apocalypse Now

    Crítica | Apocalypse Now

    O filme de guerra definitivo, ou quase isso. Quase porque existe Vá e Veja, mas Francis Ford Coppola chegou muito perto em 1979 de roubar o trono desse filme soviético – essa sim, a mais delirante história de conflitos militares já feita no cinema. Veja: a perspectiva histórica aqui não poderia ser evitada, já que estamos pisando num panteão de lendas e falando sobre monumentos titânicos de uma arte engrandecida por tais façanhas. Apocalypse Now, por exemplo, é fenômeno único, um tour de force que jamais será repetido ou reproduzido pelos efeitos especiais de um James Cameron. Poucas vezes Hollywood foi tão longe com as suas imagens, tão verdadeira ao enquadrar o caos e o horror que leva um país a atacar o outro, e dentro dele, se desesperar. O diretor de O Poderoso Chefão, na década do seu mais famoso diamante, ainda estava com uma fome incontrolável de cinema, fome de contar a história mais ousada que ninguém mais seria louco de contar. E depois disso, não teve como não saciá-la.

    Baseado nos livros Despachos no Front e No Coração das Trevas, no auge da fracassada guerra do Vietnã, um coronel americano louco por poder se deserta do exército, e passa a comandar uma tropa de nativos para resistir a outros brancos invasores. O coronel Kurt (Marlon Brando) não é maluco por enxergar o imperialismo do seu povo e não aceitar sua manipulação, mas por reproduzi-lo nos vietnamitas por conta própria. Assim, uma missão saindo de Saigon visa localizar e exterminar Kurt nas profundezas das selvas de um país-manicômio, lar de um inferno na Terra devido à forte invasão “democrática” dos EUA. Helicópteros avançam ao som de Wagner numa cortina de fogo enquanto o Vietnã explode mas revida, não só com armas improvisadas nas mãos de civis, e sim com a loucura que volta como um bumerangue e atinge como um míssil a mentalidade cada vez mais fragilizada do capitão Willard (Martin Sheen) e seus recrutas. Se quem não fala inglês merecia morrer, a intolerância e a petulância dos americanos nunca sofreu por isso um carma e um trauma tão fortes igual aqui. Ninguém vai voltar pra casa, e se voltarem, nenhuma psicóloga vai lhes ajudar com os gritos daquelas crianças.

    Bem antes do coronel/ ditador Kurt finalmente expor sua face, num magnífico plano negro e alaranjado dentro de um purgatório conquistado por sua soberba de imperador, Coppola critica de forma visceral a política de invasão dos Estados Unidos através de suas consequências com os envolvidos, homens antes comuns e que perdem a moral e a sanidade servindo a pátria. Com toda a certeza pode-se averiguar que o Oscar de 1980 foi negado a Apocalypse Now por este ser dois dedos na ferida americana, potente demais na força de sua mensagem nada subliminar. Para atingir a experiência de uma catarse cinematográfica naturalista, Francis Ford Coppola quase se suicidou com as dificuldades no Vietnã, liderando uma tropa de atores e técnicos sob total pressão do governo local, com grana do próprio bolso financiando as filmagens, e um Marlon Brando impossível de se trabalhar junto (muito acima do peso, alcoólatra e relutante até o último segundo de viver na mata fechada para interpretar Kurt), além dos prejuízos financeiros pessoais e ao estúdio – o martírio nunca chegava ao fim, e os jornais já acusavam a aventura de O fracasso. O universo queria Coppola no sanatório, mas ele já estava dirigindo o seu.

    Hoje, quarenta anos depois e com várias versões do diretor, é um exagero aceitável afirmar que Apocalypse Now e Agonia e Glória, de Samuel Fuller, foram os últimos épicos de guerra vindos de Hollywood, cinemão em todos os aspectos, sujos e que nunca apelam a extravagâncias, com suas vaidades técnicas poderosamente bem aplicadas numa duração a qual nunca desejamos o fim. Steven Spielberg tentou em 1999 um feito parecido com o seu grande O Resgate do Soldado Ryan, e anos antes Oliver Stone tirou seu Platoon da manga, filme-propaganda americana e repleto de apologias irritantes que Spielberg romantizou até o talo com seu sentimentalismo divertido mas hipócrita (a bandeira americana dançando no vento ao som de fim de novela). A ironia mora, talvez, no fato de Trovão Tropical, a paródia meio esquecida de tudo isso feita por Ben Stiller, em 2008, ser bem mais interessante que toda essa panfletagem do Tio Sam. Coppola, se a fez, fez para subvertê-la sem medo. O mundo é um teatro regido por doidos que dormem mal, e esse foi aonde ninguém foi, ganhou Cannes e dinheiro nenhum, e quase se matou no carnaval pagão de criar a sua própria Monalisa de celuloide.

  • Crítica | Um Dia de Fúria

    Crítica | Um Dia de Fúria

    Um homem desesperado, sem perspectivas e que se sente desrespeitado pode ter reações mil, podendo agir passivamente, se vitimizando, aceitando os infortúnios como partes inerentes da vida ou simplesmente se revoltar e vomitar ao sistema toda a insatisfação que está presa em sua garganta e guardada em sua mente. Em Um Dia de Fúria, Joel Schumacher mostra uma história baseada nessas reações, começando seu drama pelos olhos do policial Prendergast, feito por Robert Duvall, que tenta deter o frustrado William Foster, no que talvez seja o papel mais emblemático da carreira de Michael Douglas.

    O filme inteiro se baseia numa atmosfera de incômodo, a começar pelas altas temperaturas da cidade de Los Angeles, que fazem Foster suar dentro de seu carro barato enquanto vai para o trabalho. Os primeiros minutos de exibição visam colocar o espectador na mesma condição estressante e de ansiedade que o protagonista se encontra. E funciona muitíssimo bem.

    A música de James Newton Howard ajuda a estabelecer a claustrofobia à céu aberto que Schumacher propõe, assim como os closes na face molhada de William. O trabalhador moderno parece estar preso, enjaulado na dita selva de pedra, com sua liberdade cerceada pelo sistema econômico vigente, dentro da mentalidade do American Way of Life. Sufocado pelas pessoas e obrigações, Foster acha que precisa ir para casa, enquanto sua contraparte, o investigador de assaltos, acha todo aquele stress engraçado.

    A posição dos dois sujeitos é diferente, enquanto um vê sua carreira longa chegar ao fim para um merecido descanso, o outro não consegue se encaixar na modernidade das relações. A frustração de William passa por não se adequar a sua família ou ao seu ofício. Durante algumas tentativas de se comunicar, quando ele tenta ligar para os que lhe são (ou que deveriam ser) próximos, ele se depara com um comerciante estrangeiro, que é arrogante e mal-educado, e causa nele um rompante de impaciência e xenofobia, tudo por conta da nacionalidade coreana e sua dificuldade de comunicação.

    A agressividade e intemperança do personagem são demonstradas ali, apenas como o início de força e raiva que ele dará pelo dia inteiro, como o símbolo do modelo “americano médio” que se vê ameaçado por suas próprias inseguranças e defeitos, e que prefere encarar as minorias e os estrangeiros que preenchem as ruas e estabelecimentos de seu país como os culpados por suas frustrações, e não o modelo que se encontra inserido.

    Schumacher utiliza os mesmos tons saturados e alaranjados que permeavam seus filmes, como era com Os Garotos Perdidos e Linha Mortal. Isso se vê nos cenários naturais e internos, aqui combinam com a onda das temperaturas elevadas, e com o tom das chamas que vem da imagem do inferno bíblico cristão. Esse estado, entre a fantasia e o real ajudam a estabelecer um cenário onírico, abrindo a possibilidade até de leitura de que tudo o que ocorre ao longo das quase duas horas de gritaria, troca de tiros e violência gráfica não passa de um delírio de um homem que teme se tornar invisível aos olhos da sociedade.

    O roteiro de Ebbe Roe Smith faz questão de diferencia-lo de supremacistas e fascistas, posicionando o sujeito na condição do trabalhador, cuja mentalidade passa por visões paranoicas e anticomunistas, mas que se enxerga como o homem comum. Schumacher acaba apresentando uma versão urbana e atrapalhada do John Rambo de Rambo: Programado Para Matar, um homem incompreendido por quem o cerca, que até conseguiu se reinserir na sociedade, mas não sendo bem sucedido por muito tempo. Ele é obsoleto, mesmo sempre seguindo as ordens e as recomendações dos seus superiores. Bill foi um homem para quem o sistema mentiu, e que foi corrompido por esse mesmo sistema, o mesmo que mói gente comum e os insere em uma lógica de “Nós x Eles”.

  • Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Crítica | O Poderoso Chefão II (2)

    Me recuso a tecer qualquer comentário sobre o primeiro O Poderoso Chefão, pois seria verborrágico e inútil. Todo mundo já viu, todo mundo concorda que é uma obra-prima intocável e não filmável, fim. Sobre a sequência, considerada por muitos como a melhor sequência do cinema (as pessoas geralmente se dividem entre essa Parte II da jornada dos Corleone na América, a primeira continuação do cinema a usar números romanos, e o fabuloso O Império Contra-Ataca), Francis Ford Coppola fez o impossível e se superou numa direção mais inteligente do que no primeiro, o que foi realmente necessário já que as tramas familiares são bem mais fragmentadas, desta vez, com ótimos flashbacks comparáveis aos de Rashomon e Cidadão Kane, e que continuam influenciando recentes clássicos como A Rede Social, de David Fincher.

    Em resumo, após o sucesso do filme de 1972, o diretor voltou dois anos depois para ganhar um Oscar pela melhor e mais interessante trilogia sobre a máfia, seus códigos e comportamentos. Porém o mais divertido é observar a briga eterna sobre qual filme é O melhor: o primeiro com Marlon Brando, ou o segundo exemplar. Uma briga eterna e inútil, mas que nutre a curiosidade dos cinéfilos mais jovens para darem um veredicto atual, afinal filmes assim não podem se perder no tempo, e com certeza não irão sofrer tal destino. O Poderoso Chefão II é o mais puro e refinado deleite de se acompanhar, demanda devoção do espectador para conseguir acompanhar a longa e complicada saga dos Corleone, e como se não bastasse, como tudo começou para essa família se tornar uma poderosa colmeia criminosa, obrigada a abandonar Nova York devido a seus processos judiciais e, igualmente, os diversos inimigos feitos e “deixados” por lá.

    Após tanto tempo, e revisões, arrisco dizer que a evolução física e moral do mestre Al Pacino, aqui, é superior que a do primeiro Chefão, pois agora Michael Corleone é o patriarca da “famiglia” e paga o preço de todos os jeitos, a todo o tempo, a ponto de fazer grandes sacrifícios éticos e se tornar mais frio à medida que os faz, seguindo sempre as regras do falecido pai, Don Vito. Enquanto isso, ao mesmo tempo, Robert De Niro interpreta os primeiros anos de Vito no início conturbado de sua vida criminosa com uma semelhança assustadora, até mesmo no modo de falar meio rouco, meio sarcástico que só Marlon Brando conseguia atingir com perfeição. De Niro fez outros mafiosos como em Os Intocáveis e Era Uma Vez na América, mais foi mais reconhecido pelo papel icônico que lhe fez ganhar um merecido Oscar, arquitetando o início, as tragédias e ascensão do personagem de Brando com semelhante talento, e intensidade. Bravo.

    A reconstituição temporal nos flashbacks também é de se admirar, tudo potencializado pela trilha sonora magnífica de Nino Rota e Carmine Coppola, criando novos temas italianos baseados nas notas musicais do primeiro filme – o resultado é épico. No visual, tons pastéis diferentes dos que são apresentados na trama principal dão o tom, mas isso porque Coppola claramente teve uma leve predileção nas cenas de prólogo, mas conseguiu equilibrar com grande serenidade e energia sua direção nos dois lados da história, sem apresentar qualquer tipo de digressão explícita.

    Há cenas filmadas com perfeição, quando, por exemplo, logo no início, acontece uma passeata religiosa entre as montanhas áridas da Sicília, e todos são surpreendidos por um atentado contra o pai de Vito Corleone por ter insultado um poderoso mafioso Siciliano. A partir daquela cena, o contexto da história inteira se fecha, e em breve mais para frente estaremos aptos para julgar o universo que Mario Puzzo escreveu, novamente adaptado tão bem para a tela com uma potência que, para quem já leu os best-sellers, conflita com o impacto do que está impresso nas páginas. Porém, o que o roteiro e a direção não conseguiram extrair de modo eficiente foi à dualidade dos fatos, presente em boa parte dos livros e que servia para enriquecer tudo. Mas isso não importa, nada mais interessa até o close final e arrebatador no rosto de Pacino. Um dos closes definitivos do cinema sobre como o poder pode acabar com qualquer um, e tornar um filme um dos melhores já produzidos.

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  • Crítica | O Poderoso Chefão

    Crítica | O Poderoso Chefão

    Impressiona que a primeira fala dita no clássico de Francis Ford Coppolla, O Poderoso Chefão seja dada por um homem dito “comum”, um homem chamado Bonasera, que começa  seu monólogo dizendo que acredita na America. Aos poucos, a câmera se afasta do rosto de Salvatore Corsitto, para mostra-lo em um escritório, onde é recebido pelo dona da festa de casamento, o pai da noiva Don Vito Corleone, de Marlon Brando, e seu fiel escudeiro, o advogado alemão-irlandês Tom Hagen (Robert Duvall), seu filho adotivo e seu primogênito Santino  Sonny Corleone (James Caan), nesse que seria o núcleo das principais discussões e dos rumos que a família tinha, ainda mais com a saída de Genco do posto de Consigliere.

    Pela tradição italiana, um pai de família, poderoso e ligado as leis da Omertá não pode recusar um pedido de uma paisano, mesmo que ele despreze a pessoa que o pede – como ocorre aqui – mas a ideia é mostrar que há um código de honra sobre eles, mesmo sobre os que são ditos marginais. A máfia era a lei acima da lei, e ao menos nesse ponto, há zero romantismo no filme e no conto original de Mario Puzo.

    Esta adaptação do livro O Poderoso Chefão – que em outras traduções anteriores, era chamado só de O Chefão – é mais que um simples filme sobre bandidos e mafiosos estilosos, e é mais que uma historia sobre respeito ou protagonizada por anti heróis. A historia é rica e algo que colabora para isso é o fato de haver dois protagonistas, o veterano e já citado Brando, que , e claro seu filho, Michael, sendo que ambos foram bancados pelo desejo e insistência do realizador, por motivos diferentes, já que Brando era difícil de lidar e Al Pacino era um iniciante ator, conhecido somente no teatro. Essa dupla mostra dois  homens diferentes, ligados pelo laço de sangue, um sendo um sujeito já cansado e idoso, que está mais na ação direto mas ainda dirige os negócios da organização/família, e outra do veterano de guerra, que acompanhado de sua amada Kay Adams (Diane Keaton), diz que quer se distanciar de sua familia, mas que obviamente não consegue isto e vai aos poucos  se tornando um herói falido.

    O filme mistura momentos de explicações de como funcionam os meandros da Cosa Nostra, e outros mais sutis, como a total falta de tato de Luca Brasi , um homem feito por Lenny Montana, que mal consegue falar, mas que um pouco mais a frente está completamente a vontade ao preparar sua arma para um trabalho. Não é preciso muitos momentos para entender quem ele é, aliás o casamento é cheio destes momentos, no romance Puzo explica as indiscrições de Sonny, e aqui, se percebe as infidelidades  dele quando sua mulher pede para ele se comportar, ou quando a mesma faz um gesto com as mãos, mostrando um crescimento (no livro fala-se abertamente que ele tem um membro comparável com a de um cavalo, aqui há mais elegância e sutileza), o mais explicito dos personagens é exatamente a “ovelha desgarrada”, o correto Michael, que indignado com os rumos dos seus, conta as historias de Luca, de Johnny, discorre sobre a sucessão do Consiglieri, sobre ofertas irrecusáveis, sobre como esse mundo funciona.

    O casamento é um início perfeito, pois nele se percebe não só o modo de operar dos parentes, como a proteção  e os favores que os mafiosos prestam aos membros de sua comunidade, a influência que eles “exercem” sobre artes como a música e cinema, a postura que um homem tradicional italiano deve ter e até a recusa de Kay em participar dos  eventos familiares de seu amado, já que ela não quer sequer estar na foto do clã, e só o  faz por  insistência do rapaz. São  27 minutos que sutilmente passam praticamente toda a mensagem que o filme passará.

    Há um cuidado enorme da obra em retratar bem sua época, um esforço de Coppolla, que brigou muito com o estúdio para que fosse assim, independente do preço que custasse e a briga obviamente valeu a pena. As mansões, as vielas e até os estúdios de Woltz primam por uma atmosfera fiel e forte a época clássica do auge da criminalidade ítalo-americana, embaladas pela musica de Nino Rota e principalmente pelo tema principal, que está presente nas ações de Vito, nos crimes mais chocantes como o da cabeça do cavalo ou nos futuros atos de Michael.

    Mesmo as transições Fade In entre as ações malvadas e a intimidade da família soam boas. O artifício, que na maioria dos filmes não é bem traduzido aqui é usado de maneira sábia, talvez emulando o tradicional e cartesiano modo de pensar de Vito. É engraçado, como mesmo sem mostrar o passado do homem, se percebe que ele entende do riscado, entende como os negócios fluem. Seu modo veterano de ver as ações e o respeito que presta a qualquer sujeito que se aproxime dele com oportunidades de trabalho, mas isso não o faz parecer fraco ou frágil quando recusa trabalhar com o Turco Sollozzo (Al Lettieri), aliás, mostra-o a frente de seu tempo, ao não querer trabalhar com narco tráfico, uma vez que as penas para esse tipo de crime é enorme, e comprometeria a lei do silêncio. Claramente Corleone é mais esperto  e tem mais inteligência emocional (e opções, claro) que o cubano Tony Montana de Scarface, que se mete com entorpecentes assim que chega a Miami, e vê sua ruína assim.

    O Poderoso Chefão tem uma historia bem comum, de ascensão e derrocada de uma família e de sucessão hierárquica sanguínea, fosse um diretor menos preocupado com o legado dos italianos nos Estados Unidos certamente seria mais um filme genérico sobre criminalidade. Há momentos muito únicos no livro que são levados a tela de maneira muito singela, simples, mas carregada de emoções muito reais. A aposta tola que Sollozo faz na ganância de Sonny só dá certo porque Caan consegue emular bem o comportamento dos italianos que assistiu sua vida inteira, no bairro onde cresceu, e a facilidade que ele tem na transição do sujeito que quer dinheiro para o passional capaz de matar todos seus inimigos e capaz de espancar quem agride os seus impressiona, assim como também se nota uma ótima entrega de Lettieri, mesmo sem muito tempo de tela, só há sentido em ele acreditar que é o primogênito o elo mais fraco entre os Capos uma vez que o desempenho desses dois atores é tão intenso e repleto de uma entrega sincera aos seus papéis.

    Mas Sonny não estava de todo errado, e por mais mimado (e estragado, pela America tão louvada pelos velhos italianos) que ele fosse, ele estava correto, o jogo mudou, e mesmo com a honra entre as famílias, as drogas mudaram o jogo, e não haveria paz enquanto os Barzini, Tattaglia, Cuneo e Stracci estivessem vivos. Assim como o Crime Organizado mudou o paradigma da bandidagem do velho oeste, as drogas mudaram o modo de lidar com a máfia. Sergio Leone em seu Dossel dos Dolares já havia aludido isso, mas fez isso mais profunda e obviamente entre Era Uma Vez no Oeste e Era Uma Vez na America, e o filme de Coppolla certamente influiu na liberdade que o diretor de Westerns teve para conduzir essas duas obras. A nacionalidade de Francis Ford também o ajudou e muito, por todos os fatores já citados, ele sabia do que falava.

    O passeio que se faz pela Nova York de 1945 impressiona, realmente Little Italy clássica, Broklyn e a Cozinha do Inferno foram bem remontadas. Em ritmo de guerra, se mostram os exemplos aos traidores, sempre mortos e deixados a vista, em lugares ermos, mas não são escondidos. É preciso mostrar como funcionam as coisas, e também táticas de guerra, e intimidades entre os paisanos, pois Clemenza (Richard Castellano) cozinha, faz molho de tomate para uma macarronada que alimentará vinte homens. Esse comportamento típico do exercito italiano é surpresa para Michael, mesmo ele tendo chegado a pouco da guerra, como é dito sobre ele, por seu padrinho (o próprio Clemenza), naquele cenário, ele é civil, é o peixe fora o oceano e do mar revolto.

    É engraçado e curioso como se constrói a tensão na cena do hospital, em que Michael está cuidando de seu pai, e onde se percebe que haveria uma emboscada. Mesmo renegando seu legado de sangue, o filho desgarrado faz um plano de contingência e se aproveita da chegada do pobre Enzo, o padeiro, para fingir que há  uma ronda no hospital, mesmo quando não há. O pobre trabalhador treme muito, ao acender o cigarro, é o garoto que o consola e o mantém calmo, ele é seguro, tem nervos de aço, e a vaidade dos seus irmãos, pai e parente, tanto que é o soco que leva de McCluskey (Sterling Hayden ) o catalisador do seu futuro.

    A subsistência dos negócios depende de não ser passional, de não se levar as rotas por momentos pessoais. e mesmo que Santino demonstre que está errado, o mais racional dos filhos, Michael, também embarca igual. A discussão em torno de quem está certo (os irmãos de sangue ou o congliere adotado) se torna subalterna pelo simbolismo, na cena onde Michael está sentado, contando seu plano, dando ordens sobre os mafiosos experientes, e apesar do deboche  de Sonny, Tessio (Abe Vigoda) e até de seu padrinho, ele acaba sendo o soberano, naquele momento. As cenas fechadas, com closes no rosto dos que fazem parte dos Corleone são  ótimas, fazem a pressão aumentar e a tensão crescer.

    Toda a curva de violência passa necessariamente pelas ações do protagonista mais novo, alias, e é após sua fuga que começa a chacina entre os filhos da Itália, com o próprio indo para terra dos seus parentes.  O rapaz, que estava sendo preparado por seu pai para ser um homem fora dos negócios, para ser um político ou algo que o valha se torna assassino, enquanto seu irmão mais velho tem a cabeça quente e derrama toda sorte de sangue nas ruas. A hesitação de “Miguel” prossegue na Itália, e seu casamento é a prova disso, de que ele mesmo querendo voltar ao seu país, via também a possibilidade de não viver aquela vida, mas a tragédia o persegue, e não o deixa escapar. O infortúnio de seu irmão mais velho o fez perceber que a raiva não poderia ser o norte, e reforça a ideia de que enquanto houverem cinco famílias, uma delas sempre correrá perigo.

    A evolução do personagem é enorme, o reencontro dos antigos apaixonados ocorre só um ano após o herdeiro dos Corleone retornar, por conta de luto, planejamento e muita frieza. A legalização tão perseguida no terceiro filme é aludida já aqui, mas obviamente não ocorreu nos cinco anos que ele prometeu, e para isso era preciso mudar hierarquia familiar e o exercito como um todo. Enquanto Vito era agregador, e considerava sua família a prioridade, Michael é pragmático, não hesita em tirar Tom de seu posto, ou de contrariar Fredo, ele é tão frio que soa até insensível, e é nesse momento que Pacino mais brilha, pois ja tinha mostrado uma faceta idealista e agora, aposta em um sujeito resignado e que, apesar de fazer o necessário para subsistir, não tem a mesma sensibilidade do pai, que fugiu de Corleone para viver.

    As curvas finais do filme mostram uma natural e fluida transição de poder entre gerações.  A conversa no jardim além de mostrar que Vito é uma velha e esperta raposa, que prevê que Barzini tentará matar outro filho seu, ainda mostra o receio do velho pelo destino do seu herdeiro. Sua intranquilidade não é por achar que a família estará em mãos erradas, mas sim porque para ele, tudo aquilo era inconveniente. Ele queria que ele fosse um senador, governador ou algo assim. O desejo do pai sempre foi que os seus não sofressem, que não fossem parte da estirpe que machuca e sangra sua nova pátria, mas a falência de seu destino era exatamente essa. Seu fim é melancólico, uma dádiva divina que ele possa perecer com sua família, e não cravejado de balas em vielas, ou em uma auto estrada, ele cai de velhice, perto das laranjas que serviram de signo durante todo o passar do longa, vigiado pelos olhos inocentes de seu inocente e brincalhão neto que pouco antes, achava que ele era um monstro.

    A morte de Vito foi um evento, bem como seu  enterro. Com ele, certamente iriam toda a influência dos Corleone e era preciso requalificar as forças, remanejar e reequilibrar a balança. O batismo, o assumir o apadrinhamento que Michael faz beira o poético, lembra o teatro shakesperiano  mais clássico, o trágico, o violento, mostra quem eram os fracos e corrompidos, mas não deixa esquecer que toda a movimentação é de novo negócios, nada pessoal, embora o acerto de contas bata também em situações pessoais. As perdas envolveriam até sacrifícios para  Michael, pessoas que ele um dia “amou” cairiam, mas isso, de novo, era necessário. Há ainda um cuidado singelo, Tessio não aparece morrendo, só é mostrado ele sendo levado para o abate, há um respeito muito grande com sua figura, mesmo que seja um traidor, e ele não deveria estar no mesmo bolo dos adversários da família, que foram assassinados a sangue frio, e há de se lembrar que nem Fredo teve essa “sorte”.

    A justificativa do nome original, O Padrinho vem da transformação pela qual Michael passou, a mesmo que o jovem Vito de Robert DeNiro passaria em O Poderoso Chefão Parte 2. Ele evoluiu o conceito de seu pai, embora compartilhasse com ele boa parte do código ético. Pouco se lembra de figuras icônicas, como os assassinos Al Neri (Richard Bright) e Willi Cicci (Joe Spinell) pessoas silenciosas, que entram muito rapidamente na trama, para fazer seu papel, acompanhados claro de Clemenza, que mesmo contrariado em certa parte do filme, se manteve fiel, como bom padrinho do protagonista que é.

    As primeiras mortes ocorrem após Michael Francis Rizzi (o sobrinho e apadrinhado do agora Don) renunciar o diabo diante do padre e da pia batismal. A partir dali se desencadeia o ultimo ato desta parte da historia. Tudo o que  seguiria dali para frente seria o cumprimento do juramento silencioso que Michael faria a seu pai, a traição de sua própria pecha, de diferente, um retorno definitivo e irremediável a sua origem sanguínea, tanto em temperamento quanto em religião. Desde a cena da execução de seu cunhado, até o cinismo em consolar sua irmã recém viúva (que alias, seria um dos bons plots na Parte III) faz parte do teatro que precisaria exercer, para Kay e para si mesmo, fingindo não sentir prazer em exercer o poder e a vaidade que lhe são conferidas. A triste ópera de Michael e Vito é fechada com um certo apogeu, mas promessas de mais decadência, violência e tempestades.

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  • Crítica | As Viúvas

    Crítica | As Viúvas

    Steve McQueen é um diretor que mesmo com poucos elementos em sua filmografia sempre causa alvoroço no publico e na crítica. As Viúvas era um filme bastante esperado, não só por ser um retorno depois de cinco anos do lançamento de 12 Anos de Escravidão, e também graças ao elenco muito estrelado, comandado por Viola Davis e acompanhado por tantas outras estrelas, como Colin Farrell, Robert Duvall e Liam Neeson. O thriller inicia mostrando o casal Rawlings, Veronica e Harry (Davis e Neeson), vivendo sua intimidade de modo luxuoso e ordeiro, até que o trabalho como assaltante do homem dá errado, em uma sucessão de eventos violentos e trágicos, que chacina todos os integrantes, cada um deles deixando para trás sua respectiva companheira.

    Logo é mostrado outro quadro, uma disputa política entre candidatos a vereador de uma comunidade de Chicago, disputada basicamente por Jack Mulligan (Farrell), um político tradicional, herdeiro do já idoso Tom Mulligan (Duvall) que está em vias da aposentadoria, e o negro Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um sujeito ligado ao crime organizado da região, normalmente acompanhado por Jatemme (Daniel Kaluuya).

    Dado o cenário, Veronica é encurralada por Jamal, que quebra o protocolo da suposta trégua que estava implícita dentro de sua campanha, basicamente para ameaçar pessoalmente a mulher, acusando seu marido de te-lo roubado, em decorrência disso, as outras viúvas Linda (Michelle Rodriguez), Alice (Elizabeth Debicki) e Amanda (Carrie Coon) são chamadas pela primeira, para tentar se organizar e tentar levantar algum dinheiro, levando em conta o trabalho dos seus parceiros mortos.

    Apesar de ter um elenco grande, não só no número de estrelas como na quantidade de pessoas mostradas, há um mergulho na intimidade das personagens, em especial a já citada Veronica, que permite a Viola desempenhar alguns momentos em que ela está só com câmera e suas angústias são mostradas através do derramar de sua alma. Dentro do seu universo particular cada uma das mulheres tem suas desolações, decepções e contato com o que há de mais nefasto e mesquinho da vida humana.

    O filme é baseado no livro homônimo Lynda La Plante, o roteiro fica a cargo de McQueen e Gillian Flynn, e se nota a influência da autora de Garota Exemplar, principalmente no equilíbrio entre os aspectos de thriller e os elementos de filme de assalto. O diretor consegue podar bem os excessos de Gillian e se mostra mais firme até que Fincher. Sem dúvida alguma esse é bem mais equilibrado e interessante que Lugares Escuros, em especial porque mesmo personagens secundários, como Belle (Cynthia Erivo), parecem realistas e possuem profundidade, quando se assiste se entende perfeitamente as dores que elas vivenciam.

    As Viúvas é pautado na mistura de apreensão, suspense e expectativa pela inabilidade das personagens em nunca terem executado o que precisam realizar, além de apresentar um cenário político-social muito rico e tangível. Há ainda uma sensibilidade enorme da direção com todas as reviravoltas da trama, tornando até palatável a quantidade de tentativas de plot twists apresentados, tudo soa tão natural que até a suposta artificialidade é driblada. Mérito do realizador.

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  • Crítica | THX 1138

    Crítica | THX 1138

    THX 1138 - poster

    Finalizado com apoio de Francis Ford Coppola, o primeiro longa-metragem de George Lucas já deixaria claro uma das influências que o ajudariam a criar o arquétipo space opera que o tornou famoso anos mais tarde, ao selecionar cenas do seriado televisivo de Buck Rogers, para emular o escapismo como sua marca própria. A história, de Lucas e Walter Murch, contaria com dois nomes fundamentais da indústria cinematográfica, ambos já consagrados em suas carreiras.

    Robert Duvall vive THX 1138, mais um ser humano comum, dentro da estranha sociedade asséptica predominante naquela faixa de futuro, semelhante a de inúmeros romances distópicos. O modo de vida da população humana é viver em cidades subterrâneas, cuja rotina é intimamente ligada ao funcionamento de computadores, que por sua vez produzem nos seres de carne uma autoridade coercitiva, obrigando-os a fazer trabalhos sob efeitos de drogas que coíbem seus sentimentos e sensações básicas, incluindo demonstrações de sexualidade e afeto.

    THX começa a agir fora do protocolo imposto, dando vazão a sentimentos e sensações, se importando pouco com as consequências de seus atos, ao menos considerando que o estorvo das punições seriam “validados” pelo prazer que teria com sua parceira Luh (Maggie McOmie). Ao ser encarcerado, o personagem põe em risco a tranquilidade de todos que se envolveram com ele, gerando a partir daí uma justificativa para tencionar invadir o mundo terreno, a parte da Terra inalcançável para os humanos.

    Donald Pleasence vive SEM 5241, o comum sujeito aproveitador, um covarde homem que tenciona alcançar novos ares, mas que não tem coragem suficiente para fazê-lo sem ter alguém para se fazer de pioneiro. Em se tratando de um rascunho de sociedade autoritária, a pena para atos mínimos de rebeldia é altíssima.

    A partir do momento em que a fuga começa a ocorrer, novos cenários são explorados, e a direção de arte começa a ser exigida mais a fundo, além dos cenários brancos pasteurizados e de policiais mascarados com alumínio. As tentativas de se embrenhar atrás de novos rumos fazem lembrar a tentativa mal-sucedida de Michael Bay em A Ilha, mas sem o óbvio fracasso mega explosivo que os momentos finais reservam ao seu público.

    A versão remasterizada do longa contém os mesmos exageros que o diretor inseriu em suas versões pós-produzidas de Star Wars, mas ainda assim mantém grande parte do assombro e furor causado na época, preconizado pela versão em curta-metragem, lançada em 1967, ainda na universidade. THX 1138 discorre sobre o desejo de liberdade e sobre um regime fascista moderno, com uma crítica não tão profunda quanto a de Orwell e Huxley, mas igualmente ácida, inclusive sobre a inevitabilidade do drama no futuro reservado ao homem.

  • Crítica | O Juiz

    Crítica | O Juiz

    Filmes de tribunal sempre foram recorrentes na história do cinema. O ótimo 12 Homens e Uma Sentença, de 1957, provou que é possível fazer um filme com assuntos jurídicos ser interessante para o público. Mas foi em 1993 que o gênero explodiu com A Firma, estrelado por Tom Cruise e Gene Hackman. Hollywood viu no autor John Grisham uma fonte quase inesgotável de roteiros vindo de seus livros. Grisham, até hoje, é bastante respeitado pelos seus romances extremamente competentes, recheados de intrigas, mistérios e com histórias bem diferentes umas das outras. Com isso, pudemos assistir a O Dossiê Pelicano, O Cliente, Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Homem que Fazia Chover, Até Que a Morte Nos Separe e, mais recentemente, O Júri, todas adaptações dos livros do autor.

    Quando O Juiz foi anunciado, os atores estavam no primeiro estágio de negociação. O astro Robert Downey Jr., além de confirmar presença como protagonista, assina também como produtor executivo e, para contrabalancear com ele, o nome de Jack Nicholson chegou a ser cogitado. Infelizmente, as negociações não avançaram e coube ao veterano Robert Duvall dar vida ao juiz Joseph Palmer, ou juiz Palmer, como é chamado.

    O que difere O Juiz das adaptações de Grisham é que o filme tem uma premissa extremamente simples, e até mesmo clichê. Porém, o diretor e roteirista David Dobkin, que tem no currículo filmes como Bater Ou Correr em Londres e Penetras Bons de Bico, surpreende ao inserir um humor pouco convencional à trama, além de outras situações extremamente sutis que acabam funcionando por completo.

    Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado bem-sucedido que há anos abandonou sua cidade natal por não se dar bem com seu pai, o juiz Palmer (Duvall). Embora Hank more numa mansão e seja casado com uma bela jogadora de vôlei, ele se vê no meio de seu próprio divórcio e, para piorar a situação, durante um julgamento, recebe uma ligação de que sua mãe havia morrido. Era hora de retornar à sua cidade depois de tantos anos. Era hora de confrontar o seu pai depois de tantos anos.

    A sutileza do diretor já é percebida logo quando Hank chega ao velório. Somos apresentados ao seu caçula e especial irmão, Dale (Jeremy Strong), e o irmão mais velho, Glen (Vincent D’Onofrio). O juiz Palmer, ao chegar, cumprimenta todos, menos seu filho, mostrando que nem o luto da esposa amoleceu seu coração. Aliás, a maneira como Hank é tratado pelo pai faz que ele resolva ir embora no dia seguinte ao funeral, sendo que, dentro do avião, ele fica sabendo que seu pai foi acusado de homicídio por ter atropelado um ex-condenado que agora está solto.

    Com o sucesso de Homem de Ferro, Downey Jr. resolveu de vez assumir a identidade de Tony Stark, tanto que nas junkets de divulgação do filme do ferroso, o astro ia praticamente vestido como o gênio, bilionário, playboy e filantropo da Marvel, usando o mesmo cavanhaque e os mesmos ternos, algo que faz até hoje. Essa fusão entre ator e personagem atrapalha o primeiro ato de O Juiz, pois não se enxerga Downey Jr. como Hank Palmer, mas sim como Tony Stark.

    Isso muda quando Hank decide ficar e ajudar seu pai. Ele encontra na sua antiga bicicleta e numa camiseta surrada do Metallica um propósito para poder relembrar a sua infância e sua adolescência, revendo, inclusive, seu antigo amor, Samantha (Vera Farmiga), que hoje é dona de um restaurante e mãe solteira de uma bela jovem, que morde o cabelo da mesma forma que a filha de Hank.

    A química entre Downey Jr. e Robert Duvall funciona bastante, rendendo ótimos momentos de tensão e drama, o que pode levar o telespectador a diversas emoções. Aos poucos, também conhecemos o motivo pelo qual os dois se odeiam e como isso interfere diretamente no curso do processo e do julgamento do juiz Palmer.

    Aliás, a relação entre todos os personagens e suas boas subtramas acaba deixando a trama principal em segundo plano, o que faz com que um dos personagens fundamentais, o promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), fique meio apagado, o que de certa forma não chega a ser ruim, já que o filme, como dito, tem uma premissa bastante simples. E isso talvez seja mérito do diretor por escrever e filmar ótimas cenas que intercalam drama junto ao humor de forma sutil e delicada sem ficar chato ou fora do lugar. Não há nenhuma cena cômica que não se encaixe.

    O Juiz, por ter participado de festivais, poderá ser um dos nomes do Oscar em 2015, rendendo indicações para Downey Jr. como melhor ator, Robert Duvall, como melhor ator coadjuvante, e talvez para melhor roteiro e direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Estrada

    Crítica | A Estrada

    the-road

    O que a estrada nos oferece? Aonde ela nos leva? Há sequer um destino?

    Essas questões permeiam a jornada de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) na brutal, crua e também simples realidade em que se encontram.

    Sobrevivência (ou a luta por ela) é o que mantém a relação quase simbiótica dos personagens principais. Em um mundo exaurido de recursos, percebemos que de nada adianta lutar para manter a integridade física se a sanidade mental se esvai, ponto bem representado pela personagem de Charlize Theron. O filho, por sua simples existência provê essa sanidade ao pai, o mantém em foco, dá a este homem um final objetivo de vida: preparar o filho para sobreviver neste mundo, quando ele não mais fizer parte dele.

    Após um evento cataclísmico que pouco nos é explicado, percebemos que o mundo vive agora um cenário de pós-guerra nuclear, onde a luz do sol se tornou uma vaga lembrança, e nos resta apenas paisagens áridas e desoladas a serem contempladas. Pai e filho partem em uma jornada determinados a chegar à costa americana, com uma vaga e ingênua esperança de que as coisas simplesmente serão melhores por lá. O destino da jornada no entanto, se mostra apenas um detalhe, quase um subterfúgio mental quando analisamos a obra de uma forma mais profunda.

    Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy (autor de Onde os Fracos Não Têm Vez), a direção de John Hillcoat e o roteiro de Joe Penhall mantêm o teor sombrio da obra. A fotografia do filme proporciona exatamente o tom que A Estrada quer nos passar. Um mundo sem vida, cinza, com o inverno nuclear sempre presente.

    Neste cenário não há espaço para sutilezas ou eufemismos. Sobra sim o grotesco, o visceral, o medo generalizado de qualquer outro ser que possa cruzar o seu caminho. Qualquer um que possa querer tomar o pouco alimento que lhe resta, seu abrigo, ou simplesmente seu precioso sapato.

    A resposta deste medo é representada ao extremo no personagem de Viggo, com uma atuação tocante e verdadeira, conseguimos ver e compreender em seu olhar, em seu corpo corrompido, o que este homem sofreu e o que ele é capaz para manter imaculada (outro esperança ingênua) sua prole.

    Poucos filmes pós-apocalípticos tratam o tema com tamanha crueza e subjetividade. Muitos enveredam por caminhos onde a ação desenfreada ou o escapismo ficcional acabam se sobressaindo, deixando pouco espaço para uma reflexão sobre questões humanas primordiais dentro do cenário escolhido. Sejam elas de sobrevivência, relação interpessoal ou até mesmo de confiança. Esta última, vale notar, ainda presente no garoto e quase que completamente esgotada no pai. Mais um ponto interessante na relação pai/filho do filme.Pode-se questionar a verossimilhança do modos operandi de alguns grupos retratados no filme na luta pela sobrevivência. Mas basta um pouco de reflexão histórica para percebermos que os atos que nos causam mais asco no filme, não seriam assim tão difíceis de serem concretizados pela nossa natureza animalesca.

    A jornada empreendida aqui é análoga a caminhos tortuosos trilhados por todos nós. Viggo não sabe o que vai encontrar na costa, nem exatamente por que decidiu ir para lá. Mas sabe sim que não pode ficar estático, inerte ao destino reservado para ele e seu filho. Sabe que não pode parar, em certo momento abre mão até de certos recursos que ele sabe serem indispensáveis para ele e para o garoto. Este, não compreende a obsessão do pai, a importância de terem um objetivo final traçado, a sua (sempre presente) desconfiança para com o mundo deixado para eles. Um mundo destruído, sem cor, morto… e ao mesmo tempo, real.

    Texto de autoria de Amilton Brandão.