Tag: Martin Sheen

  • Crítica | Apocalypse Now

    Crítica | Apocalypse Now

    O filme de guerra definitivo, ou quase isso. Quase porque existe Vá e Veja, mas Francis Ford Coppola chegou muito perto em 1979 de roubar o trono desse filme soviético – essa sim, a mais delirante história de conflitos militares já feita no cinema. Veja: a perspectiva histórica aqui não poderia ser evitada, já que estamos pisando num panteão de lendas e falando sobre monumentos titânicos de uma arte engrandecida por tais façanhas. Apocalypse Now, por exemplo, é fenômeno único, um tour de force que jamais será repetido ou reproduzido pelos efeitos especiais de um James Cameron. Poucas vezes Hollywood foi tão longe com as suas imagens, tão verdadeira ao enquadrar o caos e o horror que leva um país a atacar o outro, e dentro dele, se desesperar. O diretor de O Poderoso Chefão, na década do seu mais famoso diamante, ainda estava com uma fome incontrolável de cinema, fome de contar a história mais ousada que ninguém mais seria louco de contar. E depois disso, não teve como não saciá-la.

    Baseado nos livros Despachos no Front e No Coração das Trevas, no auge da fracassada guerra do Vietnã, um coronel americano louco por poder se deserta do exército, e passa a comandar uma tropa de nativos para resistir a outros brancos invasores. O coronel Kurt (Marlon Brando) não é maluco por enxergar o imperialismo do seu povo e não aceitar sua manipulação, mas por reproduzi-lo nos vietnamitas por conta própria. Assim, uma missão saindo de Saigon visa localizar e exterminar Kurt nas profundezas das selvas de um país-manicômio, lar de um inferno na Terra devido à forte invasão “democrática” dos EUA. Helicópteros avançam ao som de Wagner numa cortina de fogo enquanto o Vietnã explode mas revida, não só com armas improvisadas nas mãos de civis, e sim com a loucura que volta como um bumerangue e atinge como um míssil a mentalidade cada vez mais fragilizada do capitão Willard (Martin Sheen) e seus recrutas. Se quem não fala inglês merecia morrer, a intolerância e a petulância dos americanos nunca sofreu por isso um carma e um trauma tão fortes igual aqui. Ninguém vai voltar pra casa, e se voltarem, nenhuma psicóloga vai lhes ajudar com os gritos daquelas crianças.

    Bem antes do coronel/ ditador Kurt finalmente expor sua face, num magnífico plano negro e alaranjado dentro de um purgatório conquistado por sua soberba de imperador, Coppola critica de forma visceral a política de invasão dos Estados Unidos através de suas consequências com os envolvidos, homens antes comuns e que perdem a moral e a sanidade servindo a pátria. Com toda a certeza pode-se averiguar que o Oscar de 1980 foi negado a Apocalypse Now por este ser dois dedos na ferida americana, potente demais na força de sua mensagem nada subliminar. Para atingir a experiência de uma catarse cinematográfica naturalista, Francis Ford Coppola quase se suicidou com as dificuldades no Vietnã, liderando uma tropa de atores e técnicos sob total pressão do governo local, com grana do próprio bolso financiando as filmagens, e um Marlon Brando impossível de se trabalhar junto (muito acima do peso, alcoólatra e relutante até o último segundo de viver na mata fechada para interpretar Kurt), além dos prejuízos financeiros pessoais e ao estúdio – o martírio nunca chegava ao fim, e os jornais já acusavam a aventura de O fracasso. O universo queria Coppola no sanatório, mas ele já estava dirigindo o seu.

    Hoje, quarenta anos depois e com várias versões do diretor, é um exagero aceitável afirmar que Apocalypse Now e Agonia e Glória, de Samuel Fuller, foram os últimos épicos de guerra vindos de Hollywood, cinemão em todos os aspectos, sujos e que nunca apelam a extravagâncias, com suas vaidades técnicas poderosamente bem aplicadas numa duração a qual nunca desejamos o fim. Steven Spielberg tentou em 1999 um feito parecido com o seu grande O Resgate do Soldado Ryan, e anos antes Oliver Stone tirou seu Platoon da manga, filme-propaganda americana e repleto de apologias irritantes que Spielberg romantizou até o talo com seu sentimentalismo divertido mas hipócrita (a bandeira americana dançando no vento ao som de fim de novela). A ironia mora, talvez, no fato de Trovão Tropical, a paródia meio esquecida de tudo isso feita por Ben Stiller, em 2008, ser bem mais interessante que toda essa panfletagem do Tio Sam. Coppola, se a fez, fez para subvertê-la sem medo. O mundo é um teatro regido por doidos que dormem mal, e esse foi aonde ninguém foi, ganhou Cannes e dinheiro nenhum, e quase se matou no carnaval pagão de criar a sua própria Monalisa de celuloide.

  • Crítica | Top Gang 2: A Missão

    Crítica | Top Gang 2: A Missão

    Hot Shot – Part Deux foi traduzido no Brasil para Top Gang 2 – A Missão, fazendo alusão ao nome do primeiro Top Gang – Ases Muito Loucos, e claro a Top Gun. Não faz muito sentido, afinal, a referencia em paródia do filme de Jim Abrahams são os filmes de ação de brucutus, em especial Rambo 2: A Missão. No entanto, toda a parte dublada da tradução brasileira é magistral, melhorando em muitas partes o roteiro de Abrahams e Pat Proft, e claro, ajudando o Topper Harley de Charlie Sheen soar ainda mais engraçado.

    O longa começa com uma ação americana, via submarino para logo depois, brincar com a imagem de Saddam Hussein, que já havia sido “bombardeado” pelo herói no primeiro filme. O ditador iraquiano é  mostrado como fã da cultura americana, um bufão, e usa biquíni e se masturba com um aspirador de sujeira. A crítica social é baixa e rasa, e não poderia ser mais engraçada dentro desse escracho, uma vez que a ideia da filmografia do cineasta é apelar para o ridículo sempre.

    Há um bocado de discussão política no filme, muito mais que no anterior, incluindo a crise de reféns, que foi mote em Braddock, Fugindo Para o Inferno e Rambo 2, corrida presidencial tendo Tomas ‘Tug’ Benson (Lloyd Bridges) que era almirante no outro filme como candidato a reeleição, e claro, uma tentativa de resgate de Topper Harley, com Sheen fazendo as vezes de Sly, incluindo aí até o mesmo mentor, com Richard Crenna fazendo Denton Walters, uma versão mais abilolada de Trautman, que reúne falas do personagem em Rambo 2 e Rambo 3, algumas literalmente iguais.

    Top Gang 2 reaproveita de certa forma o Chris de Platoon, o recruta  que Sheen fez, além de ter paralelos também com os canastrões filmes de brucutu de Chuck Norris, como Invasão USA e Braddock: O Super Comando, no entanto o melhor dos comentário é exatamente zoando esse segmento do cinema, quebrando a quarta parede fazendo referência a volúpia masculina por  se provar o mais agressivo dos machões, fazendo troça com todo o homo erotismo dos action movies populares.

    Sheen está ainda mais à vontade e mais engraçado, não se leva a sério de maneira nenhuma, principalmente quando age como predador sexual. As piadas mais lascivas fazem Debi e Loide parecer um filme sério. Os reencontros que Topper sofre e a inserção  que fazem na floresta dão chance de realizar alguns confrontos, incluindo até a participação de Martin Sheen. Apesar de aludir há um secto de filmes maior que o do primeiro capítulo, esse tem piadas um pouco menos inspiradas, mas que são compensadas pela galhofa que o elenco se mete.

    Os momentos finais envolvem Saddam  e imitações baratas, como a luta de Ben Kenobi e Vader em A Nova Esperança, as cenas de reconstrução de T-1000 em Exterminador do Futuro 2, e obviamente, a filmes de resgate dos soldados estadunidenses em antigos territórios inimigos. O filme fica hilário nos vinte minutos finais, não só na luta entre Hussein e Benson, mas principalmente na discussão sobre Bungee Jump entre Michelle (Brenda Bakke) e Hamada(Valeria Golino), eu fazem insinuações sobre lesbianismo e bissexualidade das moças, que obviamente, causam alvoroço nos machões inseguros que formam o corpo militar americano. O final de Top Gang 2 é otimista, em atenção ao visto nos filmes ditos sérios da década passada, aludindo muito bem ao gênero que o originou, sendo até inteligente levando em consideração todo o besteirol que impera em seus pouco menos de 90 minutos de exibição.

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  • Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Crítica | Trash: A Esperança Vem do Lixo

    Rafael (Rickson Tevez) treme com um revólver na mão, uma ânsia de fazer ou não justiça com as próprias mãos. O drama certamente seria melhor aceito caso não predominasse na retórica de Trash: A Esperança Vem do Lixo uma abordagem artificial, em uma das menos inspiradas fitas de Stephen Daldry. O tema da violência urbana, com uma perseguição de policiais a pessoas de classes menos favorecidas e secularmente marginalizadas surge com dois dos atores brasileiros com mais sucessos comercias no currículo.

    Wagner Moura vive José Angelo, um morador do subúrbio, perseguido por ter informações importantes sobre um poderoso político. Ao se livrar de sua carteira, ele condena o menino Rafael, que acha a bolsa com dinheiro e outros objetos misteriosos. O lado repreensivo do filme começa por apresentar arquétipos muito estereotipados dos moradores da favela, que embalam seu trabalho no lixão ao som do sugestivo Rap da Felicidade, cujo conteúdo é ofensivamente óbvio. A situação piora com as crianças da comunidade nadando em um rio imundo, repleto do mesmo lixo que os moradores de lá coletam, como se entre os meninos e homens não houvesse qualquer noção de saúde ou civilização. A postura de um dos garotos é de completa subserviência com a polícia, fundamentado em cima de um vocábulo pobre, baseado em gírias que mais taxam pejorativamente os jovens do que os faz parecer reais e com voz ativa.

    A sucessão de preconceitos segue, apresentando personagens sem profundidade, pessoas que moram no subterrâneo de uma estação de trem (Central do Brasil), semelhantes aos Morlocks das revistas mutantes da Marvel, mas com a pretensão de mostrar uma história real, mas que evita a todo custo o uso de palavrões, já que seria esta uma história para toda a família. Demonstrar mazelas sociais e delinquência juvenil com uma abordagem conservadora só piora o escopo do filme, que simplifica todas as relações com soluções muito fáceis.

    O Brasil para exportação exibe a civilização dentro da comunidade para os estrangeiros, vividos por Rooney Mara (Olivia) e Martin Sheen (Padre Julliard), que são os únicos dentro do complexo com acesso a internet, o que não impede os meninos de acessarem o Google como se fossem especialistas nisto, mesmo não tendo acesso a internet em casa. A verossimilhança não parece ser a pauta principal do filme, já que não há a mínima preparação de background dos personagens, ou uma maior preocupação com os cenários envolvidos. A concepção de República das bananas é a base para a maioria das ações dentro do cenário do país.

    Uma vez que o entorno é mal construído, nem os atos ultra violentos de tortura conseguem retornar a fita a uma séria abordagem. As injustiças sociais mostradas no país são tão pueris como eram em Velozes e Furiosos 5, tendo em comum com o filme de assalto até a ingerência de estadunidenses como os portadores máximos da justiça, arautos de uma civilização que a subdesenvolvida nação jamais conseguiria alcançar sozinha.

    A ótica das crianças talvez seja a maior desculpa para as incongruências, falhas de concepção e falta de lógica, mas até isto esbarra na tacanha narrativa, que é cortada pelas falas dos meninos, que quebram a quarta parede e ajudam a revelar ainda mais os problemas da história. Para alcançar o vilão e deputado Santo (Stepan Nercessian), os meninos agem como miquinhos amestrados, que invadem casas e passeiam pelos esgotos da cidade; na cadeia, mais parecidas com as dos filmes americanos do que com a realidade dos presídios de Bangu. Tudo isso para exibir uma mensagem emocional, de cunho redentor, de luta pelo povo, ainda que retratar bem a população mazelada não fosse a prioridade de Daldry.

    A tentativa de explicar tudo por meio de um documentário filmado por Olivia é o tiro de misericórdia nas motivações e intenções do filme em se levar a sério, já que convenientemente consegue registrar não só as palavras dos meninos, mas também um dos muitos pecados de Frederico (Selton Mello), um policial que faz da justiça a justificativa para qualquer miséria que pense em impingir aos personagens. Nem mesmo ante a destruição de seu mísero patrimônio os jovens conseguem se emocionar de um modo que pareça real. A triste realidade brasileira que tencionava ser finalmente exposta é risível ante toda a fantasia presente no guião de Richard Curtis.

    O costume de habitar a sujeira é comum aos personagens infanto-juvenis, uma máxima tão torta quanto a ideia genial de que o dinheiro puro e simples resolveria os problemas sociais de um país tão atrasado que permite os mandos e desmandos de estrangeiros em sua própria terra. O modo estúpido como a renda é redistribuída só é superada em tosquice pela ingênua noção de que basta a boa vontade para vencer o mal da corrupção instaurada no país. Trash revela muito de como a opinião pública internacional vê o brasileiro, de maneira xenófoba, evidenciando o quanto subestimam a inteligência do cidadão médio, se valendo de uma trama fraca sobre uma realidade que não pode ser modificada, tampouco reavivando as manifestações de Junho de 2013 através deste viés tão simplista, e pueril.

  • Crítica | Amazônia

    Crítica | Amazônia

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    Acostumado a realizar documentários para a televisão francesa, Thierry Ragobert encabeça a produção franco-brasileira que mostra uma floresta amazônica de modo intimista – ao menos não nos moldes humanos. Amazônia é parte da estética adotada pelo diretor de explorar as paisagens globais de modo fora do usual, semelhante ao que fizera com Planeta Branco, mas sem a pecha de documentário do anterior. Nesse filme, a história é narrada pelas desventuras de Castanha, um macaco-prego criado em cativeiro que sofre um acidente de avião e é exposto à selvageria comum da floresta.

    A intervenção dos homens é feita de modo frio. A única pessoa com quem interage o herói da jornada é uma menininha (Pietra Reis), que se despede um bocado triste do mascote. A relação dos dois é baseada na ingenuidade e inocência, mas esse background logo é deixado de lado para dar lugar a belíssimas cenas aéreas seguidas da queda do avião.

    Em terra, Castanha vê sua gaiola invadida por roedores, que se refestelam com os objetos coloridos do planador e que, sem intenção, liberam o símio de seu cativeiro. Ao perceber que não precisa mais ficar confinado, Castanha sai floresta afora, enfrentando mosquitos e se deparando com as ricas fauna e flora amazônicas. As lentes precisas grafam a multiplicidade de flores, fazendo da película algo belíssimo visualmente e significativo ante a trajetória de Castanha. Aos poucos, ele deixa os modos de bicho doméstico e dependente da intervenção dos homens para começar a interagir com os seus instintos e com sua real natureza. As expressões do macaco são as mais diversas, especialmente quando se depara com os insetos. Seus olhos dizem muito, sua face demonstra o quão frágil ele é diante da grandiosidade do mundo, o que pode ser facilmente associado a paralelos da humanidade com o cosmo.

    A trilha sonora é pouco acionada, mas, quando se faz presente, gera um contraste equilibradíssimo com os sons provenientes do comportamento dos animais. As peculiaridades das aves, dos répteis e dos outros mamíferos são tantas que é gasto um tempo demasiado explorando-as e exibindo-as, algumas vezes de modo quase divino, como se a câmera venerasse aqueles seres. A superfície epitelial dos seres à beira-mar é exibida de modo esplendoroso, e o público é convidado a se encantar com as criaturas, das menores até as de proporções colossais, do mesmo modo e de uma maneira nada didática ou panfletária do ponto de vista da patrulha ecológica. A penetração do discurso é muito maior do que qualquer argumento inflamado, já que ela mostra a alma da Floresta por dentro através do olhar de alguém que precisa dela para subsistir. Um exemplo muito mais prático do que qualquer idealismo vindo do ser predatório supremo, que cansa de usar essa fala para esconder interesses egoístas e exclusivistas, mas que, na prática, não ameniza em nada a desenfreada extração de matéria-prima e devastação das matas.

    Ao finalmente chegar ao seio de seus iguais, Castanha se enxerga como um pária, um indivíduo sem o traquejo e sem a capacidade comum que possuem os membros do bando. Mas no primeiro momento em que precisa agir de forma predatória, não titubeia, ao contrário, segue os iguais de sua espécie logo após entender como deve agir diante de sua posição na cadeia alimentar – algo que obviamente não impede Castanha de presenciar a captura de um dos macacos-pregos por uma harpia.

    No entanto, não é ser vivo algum que constitui o topo da pirâmide de poder destrutivo, e sim a água, tanto a da chuva como a que preenche os rios. A cena focando o boto, cuja pele varia entre o cinza e o rosa, é esplêndida. Castanha prova os sabores que o lugar lhe proporciona, não demorando a fazer parte da teia orgânica e comum, que é a entidade Amazônia. Ele se torna tão íntimo que, ao perceber os rastros de queimada e consequentemente a proximidade dos homens, acaba optando pela convivência com a sua espécie, ao invés de voltar ao seu estado pretérito de animal amansado.

  • Crítica | Spawn: O Soldado do Inferno

    Crítica | Spawn: O Soldado do Inferno

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    No auge da popularidade do personagem, pelos idos de 1997, quando a Image já se fortaleceu o suficiente para bater de frente com a DC e Marvel, seria exibido nos cinemas do mundo inteiro a adaptação do personagem ícone da editora de Todd McFarlane. A abertura pobre já prenunciava o que seria a toada de todo o conteúdo de Spawn: O Soldado do Inferno, onde seria entregue o passado do personagem, ainda que neste “recordatório” não haja qualquer aprofundamento.

    O diretor, Mark A.Z. Dippé, tem o background de ser especialista em efeitos especiais, e seu foco narrativo é nesse quesito, mostrando um sem número de arrombos experimentais com um CGI dos mais vergonhosos – mesmo levando em conta a questão da precariedade de recursos da época. Há muitos fatos curiosos sobre o filme, entre eles um pôster, no lançamento em laser disc, com os dizeres: “The special effects movie event of the year!” – os tempos eram difíceis. O “melhor” deste quesito é o chefe do inferno, Malebolgia, que é o capeta no formato de um cachorro pequinês gigante de moicano grisalho.

    O roteiro também é de um primor inigualável, mostrando Al Simmons (Michael Jai White) como um chefe de família sentimental, que contradiz essa máxima sendo um soldado anti-terroristas, que se encarrega de assassinar muçulmanos malvados – nada muito diferente do que era retratado nos quadrinhos, mas nada que justifique uma exploração tão porca. Outro fato curioso é que, nos primeiros arcos do personagem, haviam escritores laureados, como Moore, Gaiman e Miller, mas a escolha do enredo não passou por estas fases, que se não eram o melhor momento destes escritores, certamente garantiriam melhores situações que as apresentadas em tela.

    O elenco era bom, e tinha tudo para segurar a impossibilidade da trama, mas nem isso o fez. O primeiro nome destacado é o de John Leguizamo, o terceiro é o de Martin Sheen (que deve sentir mais vergonha neste do que em toda sua filmografia junto aos filhos, em paródias acéfalas), o casting é anunciado em meio a créditos em CGI, novamente uma demonstração tosca de efeitos visuais, imitando um vórtex de fogo. Os personagens são tão bem construídos quanto seu protagonista. Jason Wyyn (Sheen) é um chefe do crime dos mais canastras, a gostosa que o acompanha (a ainda muita jovem Melinda Clarke) é a autêntica mulher genérica que aprecia o perigo e brinca com tarântulas. Mas a cereja do bolo certamente é o vilão, que rouba a cena. O Violador de Leguizamo é a pior/melhor coisa do filme. Suas flatulências são compostas de fogo verde, ele profere piadinhas com sonhos (doce da padaria) cheios de esperma. Pouca coisa se salva, mas por incrível que pareça, a sua transformação nem é tão mal feita se comparada com o resto, o CGI quase se encaixa.

    O motivo da morte de Simmons é completamente jogado e a lógica é totalmente inexistente, numa emboscada sem pé e nem cabeça. Um outro momento clássico, é a transformação que Michael Jai White tem no comportamento de sua personagem, mudando do vinho para água assim que se deforma, mostrando que os deformados são necessariamente pessoas bobas e feias. Ele se torna um cara mal caráter de marca maior, que transformação. Interessante é a escolha do ator com nenhum talento dramatúrgico e incapaz de passar qualquer nuance de comportamento para a tela, seus dotes são unicamente ligados aos feitos físicos. Não é compreensível o diminuto volume de cenas com a máscara, até porque o rosto de White não é tão famoso – ainda mais quando o rosto está desfigurado graças às queimaduras.

    O guião é pavoroso principalmente por mostrar o capeta não sabendo desenvolver um plano decente para derrotar o exército divino, o filme eleva a máxima “Deus é Mais” a uma condição mais que sagrada e intransponível. As cenas de ação são muito ruins, com direito a show-off de arminhas infernais. O mentor é misterioso e é envolvido por uma luzinha verde que se destaca no escuro, além é claro de ser um servo infernal arrependido que mostra o bom caminho a Spawn. O ato final sinaliza para uma possível continuação, que felizmente não foi para frente. Spawn: o Soldado do Inferno é um legítimo filho do meio, produto condizente com a qualidade da produção da Image à época.

  • Crítica | Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo

    Crítica | Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo

    Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo

    A destruição como o fim em potencial sempre causa certa comoção. Seja pelo lado sensível, por uma liberdade anárquica ou o alívio de um fardo. Como nossa civilização ainda não chegou a um fim, o exercício especulativo está sempre presente em diferentes artes que sempre dão vazão ao sentimento de finitude das personagem acomodando-as em padrões. Alguns se sentindo confortáveis em realizar os trabalhos até o último minuto, outros que compreendem o fim como um espaço para mudar tudo, e seguem as variáveis.

    Em Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo um meteoro colidirá com a Terra. Todas as tentativas de salvar o planeta falharam e resta apenas se conformar. Dodge é um homem solitário que representa bem sua tristeza pelo semblante. Foi largado pela mulher após o aviso do armaggedon e vive com a sensação de morrer sozinho sem ninguém para uma última despedida.

    Não há nenhum motivo evidente para que a trama utilize o argumento do fim, exceto por tentar trazer um contorno diferenciado a esta produção. Como até mesmo um estilo alternativo de narrativa se transformou em fórmula na indústria cinematográfica, a maneira que a diretora Lorene Scafaria encontrou para sua história de amor foi configura-la em um espaço finito de tempo. Elemento fatalista não muito inédito e presente, só para citarmos um exemplo bobo, em diversos romances do escritor Nicholas Sparks (todos devem se lembrar da açucarada história de Amor Para Recordar).

    No meio de seu desolamento, Dodge encontra-se com Linda, outra personagem deslocada dentro de seu mundo e que vê no fim uma oportunidade, mesmo que limitada, de recomeçar. Juntos começam uma jornada atravessando o pais para, respectivamente, procurar um grande amor e reencontrar a família. Evidente que os caminhos se transformarão em um laço amoroso.

    A necessidade de sempre se promover uma história de amor retira da trama um possível potencial positivo de apenas situar duas personagens solitários no contexto apocalíptico sem a necessidade de uma relação. Mas movidos apenas pela vontade de não permanecerem solitárias no final, com o toque de melancolia necessário.

    Curiosamente, o cineasta Lars Von Trier também realizou um exercício de destruição final em Melancolia, gerando até mesmo comparações entre sua produção e este filme. Porém, colocado de maneira tão desimportante a trama não funciona nem para gerar reflexão, se tornando mais uma história de amor que tem um leve valor pela competência de Steve Carell em fazer um perdedor, personagem que, alias, foi bem melhor executada pelo ator em Pequena Miss Sunshine.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Fazendo uma analogia bem óbvia, assistir O Espetacular Homem-Aranha pode ser comparado facilmente à experiência de andar numa montanha russa. Não pelas grandes variações dentro da trama – uma vez que não há muitas, já que se trata de mais um filme de origem – mas muito mais pelos altos e baixos da qualidade do roteiro, com um equilíbrio assustador entre os dois lados. Primeiro, vamos aos melhores momentos.

    Logo de cara, é possível fazer uma afirmação: a escolha de Andrew Garfield para o papel de Peter Parker foi um acerto superlativo. Em sua interpretação, ele concede fragilidade e senso de humor em níveis bem mais profundos que Tobey Maguire, protagonista da trilogia anterior, que também já havia feito um bom trabalho. Os momentos nos quais são mostrados o peso da responsabilidade que acompanha os poderes recém-adquiridos são particulamente interessantes na interpretação de Garfield.

    Se por um lado as cenas de ação perderam o tom épico impressos pelo trabalho de direção de Sam Raimi nos três primeiros filmes – quem não se lembra do momento no qual Tobey Maguire para um trem usando o próprio corpo em Homem-Aranha 2? – , as mesmas agora são mais frenéticas e cortadas num ritmo mais acelerado.

    Isso não acontece por acaso. Como se sabe, esse novo filme mira num público bem mais jovem, menos interessado em planos longos e demorados e bem mais ávido por ação desenfreada.

    Sim, a ação está lá. Mas o diretor Mark Webb (500 Dias com Ela) não comete o erro de focar a história apenas nela, dando boa profundidade emocional a Peter Parker; seja por meio do enigma que envolve o desaparecimento de seus pais, seja na relação não necessariamente tranquila com seus tios Ben (Martin Sheen) e May (Sally Field), seja na dificuldade de aproximação com seu interesse romântico, Gwen Stacy (Emma Stone).

    Infelizmente o mesmo não acontece com a representação do doutor Curt Connors (Rhys Ifans), alter ego do vilão deste episódio, o Lagarto. As variações motivacionais dele parecem muito mais fruto de um personagem mal construído que de um trabalho mais rico de caracterização. O vai-e-vem de sua postura em relação a Peter Parker e às circunstâncias que o cercam fragilizam a sua presença.

    A situação se agrava quando o próprio Lagarto surge em cena. A aproximação visual aos movimentos do réptil que lhe concedeu os poderes é um ponto positivo da produção. Mas paramos por aí. O inimigo do Homem-Aranha aqui é retratado de forma civilizada, reflexiva e até mesmo excessivamente estratégica. Ele fala, raciocina e planeja, uma postura muito mais próxima a um Doutor Destino que à natureza original do personagem.

    O Lagarto é – ou deveria ser – uma máquina assassina e devastadora, exatamente como nos quadrinhos. Para os que não o conhecem, vale a pena procurar por Tormento, microssérie (apenas dois episódios) do Homem-Aranha escrita por Todd Mcfarlane lançada aqui no Brasil na primeira metade dos anos 1990 pela Editora Abril. Ali, o Lagarto aparece em toda a sua natureza bestial.

    Da maneira como foi retratado no filme, entretanto, o personagem provoca muito mais simpatia que horror.

    Há furos de roteiro graves. Um dos piores ocorre numa constrangedora e forçada cena que envolve guindastes, já próximo ao fim do filme. Nela, numa tentativa desesperada de mostrar a simpatia e agradecimento que alguns habitantes de Nova York começam a demonstrar pelo cabeça de teia, os roteiristas extrapolam todos os limites da suspensão de descrença em favor de um momento “edificante”.

    Avaliando friamente – como, aliás, toda crítica a uma obra deveria ser – fica evidente que Sam Raimi possui muito mais recursos como cineasta que Mark Webb. Este último faz um bom trabalho. Mas a mão para composição e enquadramento de Raimi está anos-luz à frente do novo diretor.

    E já que mencionamos os dois realizadores, chegamos a um ponto igualmente importante: é muito difícil – na verdade, quase impossível – assistir o novo filme sem compará-lo à série anterior. E isso ocorre por um motivo bastante óbvio: além de ter sido bem realizada (com exceção da dispensável terceira parte, de 2007), a primeira trilogia é muito recente e, sem dúvida, ainda está impressa nas mentes dos fãs. Até mesmo porque seus episódios são repetidos exaustivamente nos canais de TV por assinatura.

    Em última análise, O Espetacular Homem-Aranha funciona bem para o que se propõe: um reboot da série do aracnídeo no cinema. No entanto, ao fim do filme, fica a sensação de que o que poderia ter sido ótimo foi apenas bom.

    Texto de autoria de Carlos Brito.