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  • Crítica | Turma da Mônica: Lições

    Crítica | Turma da Mônica: Lições

    Turma da Mônica: Lições é a nova versão cinematográfica das historinhas da turma do Bairro do Limoeiro, trazendo como protagonistas, naturalmente, o quarteto formado por Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali em uma aventura que põe a prova os paradigmas e estereótipos das quatro crianças. O filme é conduzido novamente por Daniel Rezende dando continuação à Turma da Mônica: Laços, baseada na história em quadrinhos homônima de Vitor e Lu Cafaggi.

    A história se desenrola no início de modo bem lúdico, com as crianças ensaiando uma peça que será apresentada em breve. Já nesse início há um belo destaque para um dos fatores mais positivos do filme, a fuga da modernidade e da atualidade. Há uma aura retrô na construção desse universo, os telefones são antigos, os vestuários e penteados também parecem ser de outra época, e ao contrário da versão de 2019, não há um apelo tão forte a um linguajar repleto de gírias típicas dos anos 2000.

    A Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, é sem dúvida a maior e mais popular série em quadrinhos no Brasil. Com as novas versões nas Graphics MSP, seria natural expandir, e lançar-se em outras mídias. Nessa tradução seria muito fácil ocorrer a diluição dessa aura mais inocente e ingênua que os gibis clássicos sempre tiveram, e Rezende, mesmo com tão pouco tempo enquanto diretor conduz bem seu elenco, para além do quarteto formado por Giulia Benite, Kevin Vechiatto, Gabriel Moreira e Laura Rauseo.

    Todas as participações (e são muitas) funcionam, há química não só entre os protagonistas, mas com todos os coadjuvantes (novos ou não). Há realmente uma sinergia presente entre eles, algo que remete diretamente a série de Cao Hambúrguer, Castelo Rá-Tim-Bum, que tinha um elenco de crianças que funcionavam juntos, mas bem mais velho, em média, dos que compõem o núcleo desta obra, o esperado é que não demore muito a fazer outros filmes, pois o elenco certamente envelhecerá, e pode ocorrer com ele o mesmo que com Stranger Things, onde os atores estão grandes demais para seus papéis nas temporadas recentes.

    O roteiro de Thiago Dottori trabalha bem não só o relacionamento entre os amigos, mas também as aparições dos personagens clássicos. Franjinha, Do Contra, Nimbus, Marina e tantas outras crianças aparecem, e cada uma delas têm pelo menos um bom momento como centro da narrativa. Até versões da Turma da Tina, com Rolo, Pipa e Zecão são bem representadas, e embora não tenham o mesmo poder do Louco no piloto automático, e sirva ao roteiro como a contraparte mais velha da Mônica, uma torta tática de roteiro utilizada desde que o cinema se tornou uma forma de arte super popular.

    Turma da Mônica: Lições apresenta uma nova versão para os meninos e meninas, obriga-os a crescer e perceber que precisam um do outro, mesmo quando são forçados a se separar. Além disso, as superações deles, por menores que sejam, representam bem os tentos que crianças devem ter ao longo de sua infância. Obviamente, o maior foco da adaptação é a diversão, mas sua história é coesa e mesmo nas interferências bobas, ainda conseguem soar doces.

     

     

  • Crítica | Amazônia

    Crítica | Amazônia

    amazonia poster

    Acostumado a realizar documentários para a televisão francesa, Thierry Ragobert encabeça a produção franco-brasileira que mostra uma floresta amazônica de modo intimista – ao menos não nos moldes humanos. Amazônia é parte da estética adotada pelo diretor de explorar as paisagens globais de modo fora do usual, semelhante ao que fizera com Planeta Branco, mas sem a pecha de documentário do anterior. Nesse filme, a história é narrada pelas desventuras de Castanha, um macaco-prego criado em cativeiro que sofre um acidente de avião e é exposto à selvageria comum da floresta.

    A intervenção dos homens é feita de modo frio. A única pessoa com quem interage o herói da jornada é uma menininha (Pietra Reis), que se despede um bocado triste do mascote. A relação dos dois é baseada na ingenuidade e inocência, mas esse background logo é deixado de lado para dar lugar a belíssimas cenas aéreas seguidas da queda do avião.

    Em terra, Castanha vê sua gaiola invadida por roedores, que se refestelam com os objetos coloridos do planador e que, sem intenção, liberam o símio de seu cativeiro. Ao perceber que não precisa mais ficar confinado, Castanha sai floresta afora, enfrentando mosquitos e se deparando com as ricas fauna e flora amazônicas. As lentes precisas grafam a multiplicidade de flores, fazendo da película algo belíssimo visualmente e significativo ante a trajetória de Castanha. Aos poucos, ele deixa os modos de bicho doméstico e dependente da intervenção dos homens para começar a interagir com os seus instintos e com sua real natureza. As expressões do macaco são as mais diversas, especialmente quando se depara com os insetos. Seus olhos dizem muito, sua face demonstra o quão frágil ele é diante da grandiosidade do mundo, o que pode ser facilmente associado a paralelos da humanidade com o cosmo.

    A trilha sonora é pouco acionada, mas, quando se faz presente, gera um contraste equilibradíssimo com os sons provenientes do comportamento dos animais. As peculiaridades das aves, dos répteis e dos outros mamíferos são tantas que é gasto um tempo demasiado explorando-as e exibindo-as, algumas vezes de modo quase divino, como se a câmera venerasse aqueles seres. A superfície epitelial dos seres à beira-mar é exibida de modo esplendoroso, e o público é convidado a se encantar com as criaturas, das menores até as de proporções colossais, do mesmo modo e de uma maneira nada didática ou panfletária do ponto de vista da patrulha ecológica. A penetração do discurso é muito maior do que qualquer argumento inflamado, já que ela mostra a alma da Floresta por dentro através do olhar de alguém que precisa dela para subsistir. Um exemplo muito mais prático do que qualquer idealismo vindo do ser predatório supremo, que cansa de usar essa fala para esconder interesses egoístas e exclusivistas, mas que, na prática, não ameniza em nada a desenfreada extração de matéria-prima e devastação das matas.

    Ao finalmente chegar ao seio de seus iguais, Castanha se enxerga como um pária, um indivíduo sem o traquejo e sem a capacidade comum que possuem os membros do bando. Mas no primeiro momento em que precisa agir de forma predatória, não titubeia, ao contrário, segue os iguais de sua espécie logo após entender como deve agir diante de sua posição na cadeia alimentar – algo que obviamente não impede Castanha de presenciar a captura de um dos macacos-pregos por uma harpia.

    No entanto, não é ser vivo algum que constitui o topo da pirâmide de poder destrutivo, e sim a água, tanto a da chuva como a que preenche os rios. A cena focando o boto, cuja pele varia entre o cinza e o rosa, é esplêndida. Castanha prova os sabores que o lugar lhe proporciona, não demorando a fazer parte da teia orgânica e comum, que é a entidade Amazônia. Ele se torna tão íntimo que, ao perceber os rastros de queimada e consequentemente a proximidade dos homens, acaba optando pela convivência com a sua espécie, ao invés de voltar ao seu estado pretérito de animal amansado.