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  • Resenha | Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney

    Resenha | Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney

    Teorias da conspiração invadem o imaginário do homem moderno desde sempre. Permeiam boatos, histórias populares e até governos, o que de fato é lamentável. Quando residem na cultura pop, dependendo da qualidade de sua narrativa, podem gerar situações bizarras. Uma das mais famosas delas envolve a suposta morte de Paul McCartney, vocalista e baixista dos Beatles, a maior banda de rock da historia.

    Publicado nos Estados Unidos pela Image Comics, o quadrinho Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney de Paolo Baron e Ernesto Carbonetti, lançado pela Comix Zone, explora exatamente essa história. Situando-se entre a produção do disco Revolver e o posterior, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, a trama acompanha a teoria de que o baixista faleceu e foi substituído por um sósia.

    Entre todos os elementos visuais, o que mais chama a atenção são as cores, gritantes e incomuns. Variam entre as tonalidades utilizadas na capa e material de divulgação do referido disco de 1967, dando vazão à lisergia das viagens de ácido que os músicos protagonizavam quando não estavam em estúdio, já que eram regrados quanto a isso. Abrir o gibi e passear os olhos sobre a arte é extremamente prazeroso. A arte compensa boa parte das outras fragilidades da obra.

    A ambientação dos bastidores, da forma como a banda compõe e como se esmeram dentro do estúdio são fatores com alto grau de verossimilhança. Os desenhos de John, Paul, Ringo e George parecem caricaturais em alguns momentos, mas em outros se aproximam demais das facetas reais, demonstrando como houve um intenso trabalho de pesquisa da parte dos autores para retratar o quarteto de Liverpool em revista.

    Há uma sinergia entre os artistas, Carbonetti e Baron, que são apresentados nos créditos como letrista e harmonista. Um comentário válido, pois a forma como texto e desenho se misturam é bastante afinada. A atmosfera da dupla transborda intimidade e isso se vê até nas conversas desesperadas dos Beatles remanescentes. Esse comentário poderia servir como metalinguagem para a própria banda, embora a história não se preocupe em fortalecer essa ideia.

    Os momentos com o substituto William Campbell Shears tem um tom diferente em cores, como se fossem parte do mesmo universo mas em dimensões diferentes. Aqui se resgata uma sensação de dúvida, misturada à angústia e alívio pela sorte de acharem alguém tão parecido com o recém perdido baixista. Desse modo, o pesado fantasma da perda poderia ser driblado e a conspiração cresce.

    O final de Paul Está Morto é um pouco inesperado e abrupto, quebra algumas das expectativas que o próprio gibi construiu em suas páginas anteriores. Apesar de referências a eventos reais como a bronca da banda Pink Floyd por conta de um estúdio destruído por Lennon, não há nesse desfecho a mesma força e poder do restante da trama. Para os fãs da banda certamente essa é uma obra que vale conferir para matar a curiosidade, e seus maiores acertos estão exatamente quando o drama tenta ser simples e direto.

  • Resenha | Wytches

    Resenha | Wytches

    A família Rooks decide mudar de vida, deixar seu passado problemático para trás, e se mudam para um casa numa floresta para começarem do zero, em um cenário longe das memórias a que fogem. Original, não? Para a dupla Scott Snyder (Batman: A Corte das Corujas, O Despertar) e Jock (Os Perdedores, Arqueiro Verde: Ano Um), nenhuma história que tenha bruxas deixa de valer a pena, ainda mais se houver maldições que norteiam uma trama baseada na desconstrução de uma família adoravelmente disfuncional, cedendo a um sobrenatural irremediável que aos poucos se abate a mais cara, valiosa e frágil das instituições. Em Wytches, o destino ensina a jovem Sailor, seu pai Charlie e sua mãe Luce que fugir do passado pode ser a pior das ideias, em especial se ele dispor de garras letais, um faro apurado e uma onipresença, sob o sol ou sob a lua, pronto pra te devorar.

    Através de uma gama sem fim de livros (João e Maria), filmes (A Bruxa de Blair) e séries (Dark), aprendemos com essa ajudinha da cultura pop que as florestas americanas não são exatamente um bom lugar para ser vizinho, muito menos para se aventurar, sozinho ou com amigos. Pode ter sempre olhos à espreita… o que era para ser a história de uma menina amedrontada pela perseguição que sofre na escola, vira uma trama dupla com o pai de Sailor tendo que superar seus maiores medos para retirar suas filhas das garras da morte. Os autores demonstram seu esforço para transmitir um frescor a um velho clichês de bruxas e matas fechadas, ao passo que Wytches se revela uma grande (e aterrorizante) metáfora sobre o pior lado da paternidade: não poder mais proteger o seu bebê do mundo, lá fora.

    Sailor foi jurada e será perseguida, enquanto viver, por predadores do submundo que adoram cozinhar crianças no caldeirão, ou qualquer um que, a eles, é prometido. Ao descobrir isso, Charlie se debate contra o inevitável: a hora da filha chegou, junto de segredos devastadores que destroem sua família bem antes do perigo que existe debaixo daquelas árvores grossas, e ocas, que circulam a nova e bela residência dos Rooks, arrombar suas portas e janelas. As reviravoltas são o ponto alto, e quando chega a hora do leitor desvendar o real motivo da família ter se mudado, eis o grande momento que o livro se destaca entre outros contos banais por ai. Longe de ser uma leitura memorável, mas eletrizante até um fim surpreendente, o suspense aqui se apoia em excesso no estilo surrealista do traço e das cores do Jock, o que rende bons momentos perturbadores nos ambientes em geral, mas que às vezes subtrai o peso de diálogos importantes, ao invés de complementá-los visualmente.

    Como se sabe, o terror com inspiração em eventos reais é algo, digamos, irresistível. Atiça a nossa curiosidade com um charme quase que aromático, e assim somos levados para contos de gelar a espinha – ou que, pelo menos, nos prometem isso a partir de sua premissa. Com Wytches, a graphic novel que no Brasil é lançada pela editora Darkside num caprichado encadernado, com direito a cartas dos autores e seu processo de criação no final do livro, temos uma aventura com origem nas experiências de criança do escritor Scott Snyder dentro de uma sombria floresta, perto onde ele morava. Experiências essas que nunca abandonaram a sua fértil imaginação, e esperaram até ele crescer, até elas virarem algo mais: um bom livro ilustrado. Afinal, como bem disse o francês Victor Hugo (mesmo que a autoria da frase não seja até hoje comprovada a ele), “nenhum poder terrestre pode deter uma ideia cuja hora tenha chegado”. É isso.

    Compre: Wytches.

  • Resenha | The Fade Out

    Resenha | The Fade Out

    Ed Brubaker e Sean Phillips quando separados são brilhantes, e quando juntos são simplesmente espetaculares. De tempos em tempos os quadrinhos nos presenteiam com duplas criativas de alto calibre, como Brubaker & Phillips, Lee & Kirby, Claremont & Byrne, Miller & Janson, Vaughan & Staples, Bendis & Maleev, entre muitas outras equipes em que o talento de um não só se encaixa com o do outro como o eleva a patamares outrora inimagináveis.

    Brubaker e Phillips, apesar de terem trilhado suas carreiras trabalhando para o mainstream, ficaram famosos ao embarcarem na Image Comics, pela qual publicaram obras como Criminal*, Incognito, Fatale e Kill or be killed, nas quais seus dotes de narradores criminais puderam aflorar com maestria e sem amarras editoriais. Em The Fade Out, série limitada em 12 edições e compilada em um encadernado pela Image Comics, a dupla concebe uma elaborada e inventiva narrativa de crime, discorrendo sobre intriga, inveja, fama e abuso na Hollywood dos anos quarenta, mergulhando de cabeça em um período romantizado por muitos e consagrado como a era de ouro do cinema norte-americano.

    Charlie Parish é um roteirista frustrado e depressivo, que se vê preso em uma vida medíocre e fracassada, sem grande destaque, até que a protagonista do filme no qual estava trabalhando aparece morta, no cômodo ao lado do qual ele se encontrava, após uma noite de bebedeira. A pergunta que perturba Parish e o conduz ao longo da narrativa gira em torno de quem matou Val Sommers, e as respostas não são tão fáceis quanto ele esperava que fossem. Disposto a descobrir o que houve naquela noite, o roteirista parte junto de seu melhor amigo, o beberrão Gil, em busca da verdade, e daí em diante ambos mergulham nas particularidades da vida de aparências que permeia o ambiente hollywoodiano, percebendo que há muito mais em jogo do que apenas o assassinato de Sommers.

    Ed Brubaker e Sean Phillips trabalham com a histeria anticomunista que dominou os EUA pós-segunda guerra mundial, espiralando os acontecimentos em um grande efeito cascata, dentro do ambiente nefasto e degradante de uma Hollywood permeada pela corrupção e pela ambição de todos que ali se encontram. Jogos de azar, apostas, disputas de ego e a busca pela fama a qualquer preço tornam o entorno do mistério pela morte de Val Sommers muito mais complexo do que Parish poderia imaginar. Atores, Diretores, profissionais de Relações Públicas, todos estão de alguma maneira comprometidos e corrompidos por um sistema que devora boas intenções, em nome do sucesso e dos holofotes. Em The Fade Out Brubaker e Phillips apresentam Hollywood em seu estado mais puro.

    O traço de Phillips e o texto ágil de Brubaker se intercambiam de forma soberba, conferindo sensualidade, mistério e crueldade para seus personagens, ao passo que as cores de Elizabeth Breitweiser em muito ajudam na ambientação noir que a narrativa visual de Phillips pede. Ed Brubaker consegue, em The Fade Out, dosar muito bem os dilemas psicológicos de seus personagens com o enigma que movimenta a narrativa, tornando a Los Angeles de 1948 um organismo vivo e atuante dentro da trama, quase como um personagem propriamente dito. Nada na história é jogado de graça para o leitor, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhum quadro.

    É interessante notarmos que “fade out” é o nome dado ao recurso cinematográfico que consiste no escurecimento gradativo da imagem até chegar ao preto total, dando encerramento a uma cena ou filme. O título da história já é um prenúncio dos autores de que nessa narrativa não há espaço para amenidades, somente para a transição crua entre atos e consequências, como num bom filme noir. Em The Fade Out, parafraseando Arquivo X, a verdade está lá fora, mas nem todos terão estômago para ir busca-la.

    Um dos grandes mistérios do mercado editorial brasileiro reside no fato de que um autor do calibre de Ed Brubaker não tem seu material autoral publicado aqui no país. O espanto fica cada vez maior na medida em que a dupla empilha seis prêmios Eisners até o momento, tendo conquistado a estatueta por obras como Criminal, Incognito e pela própria The Fade Out (Melhor Nova Série em 2015 e Melhor Série Limitada 2016). Dessa maneira, só resta aos leitores da dupla acompanhar suas obras através dos encadernados importados, vendidos pela Amazon aqui no Brasil.

    *Criminal é um caso à parte, uma vez que a série começou a ser publicada pelo selo Icon, da Marvel Comics, e migrou com Brubaker quando este passou a escrever para a Image Comics. Os direitos de publicação do selo Icon no Brasil eram da editora Panini, que chegou a publicar os dois primeiros arcos da série, “Covarde” e “Lawless”, mas que ficaram sem continuidade no país. Atualmente Criminal já conta com 7 volumes, 1 graphic novel original e 1 série mensal, todos publicados pela Image.

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  • Resenha | The Wicked + The Divine – Volume 2

    Resenha | The Wicked + The Divine – Volume 2

    Kieron Gillen e Jamie McKelvie conseguiram a proeza de estabelecer um universo ficcional bem coeso logo nas primeiras edições de The Wicked + The Divine. Tal mérito não pode ser esquecido, mas sim enaltecido. É de se admirar que no segundo arco a equipe criativa consiga expandir os horizontes da narrativa e inserir mais e mais viradas na trama.

    O segundo volume, Fandemônio, dá sequência aos eventos de “O Ato Faustiano” e, dentro do clima de conspiração e histeria provocado pelo grande acontecimento que encerra a edição anterior, coloca a figura do fã cada vez mais no centro da narrativa. Histórias de celebridades mortas pelas mãos de admiradores fanáticos são recorrentes ao longo dos anos, tendo como exemplo maior o ex-Beatle John Lennon, assassinado por Mark Chapman em 1980.

    Nesse segundo arco de WicDiv vemos Laura em busca de solução para a morte de Eleanor Rigby (AK.A. Lucifer), o que a coloca a cada vez mais em contato com as demais deidades do panteão. Divindades como Inanna, Odin e Baphomet ganham cada vez mais espaço, assim como a misteriosa Ananke. É brilhante a referência que a equipe criativa faz a Prince através de Inanna, deidade que se traja sempre de roxo e cujos poderes se manifestam sempre através de uma espécie de purple rain”.

    Investigando o atentado fatal que vitimou a jovem Lúcifer, Laura Wilson se alia a Inanna e Cassandra, para buscarem respostas, o que os leva a um maior contato com deuses como Odin, Baphomet e Dionísio. A peregrinação pelos núcleos particulares nos quais cada jovem deus habita acaba levando Laura e Cassandra por um mar de revelações e incríveis transformações, esbarrando em uma curiosa pista acerca do mistério da morte de Lúcifer.

    Por trás de todo o hedonismo que circunda a vida dos jovens deuses, uma ameaça começa a ser delineada no horizonte: A artimanha Prometeu. Tratada inicialmente como uma teoria que circula nos obscuros fóruns de fãs e que paulatinamente passa a ser levada com seriedade, a ideia consiste na aquisição de poderes divinos por parte do mortal que assassinar algum dos deuses. A questão é: e se por trás de toda essa cortina de fumaça não estiver um jovem deus, desesperado com a iminente derrocada, buscando uma escapatória através da supracitada artimanha, se dispondo a matar um de seus irmãos por alguns anos a mais?

    O clima de conspiração contagia a todos, levando Ananke a sair das sombras e influenciar as jovens deidades de acordo com seus próprios e secretos interesses. Baphomet, e Inanna se veem envolvidos de maneira contundente nesse jogo perigoso, sem muitas possibilidades de fuga, enquanto novas e surpreendentes divindades surgem, tornando todo o cenário cada vez mais incerto e permeado por muitas mentiras, intrigas e um grande conflito de egos.

    A impressão que o encerramento do segundo arco de The Wicked + The Divine dá é de que as apostas subiram, a guerra está só começando e Ananke entrou em campo pouco disposta a perder.

    Esse segundo volume da série acerta em cheio ao apresentar explicações sobre o passado do panteão, assim como progride a narrativa com agilidade e inventividade. Não dá para prever os passos que Gillen e McKelvie darão ao final de cada edição.

    Publicado pelo selo Geektopia, da editora Novo Século, o encadernado de 192 páginas e capa dura apresenta qualidade ímpar, proporcionando a melhor qualidade possível para que a exuberante arte de McKelvie e as sensacionais cores de Matthew Wilson sejam apreciadas. De igual modo, o texto ágil e conciso de Gillen se encontra devidamente diagramado em página, tornando a leitura fluida e dinâmica.

    Compre: The Wicked + The Divine: Fandemônio.

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  • Resenha | The Wicked + The Divine – Volume 1

    Resenha | The Wicked + The Divine – Volume 1

    Afinal de contas, o que é imortal, morre no final? Para Kieron Gillen, Jamie McKelvie e Matthew Wilson, a resposta para essa redundante pergunta é: sim. A equipe criativa, responsável pela elogiada fase dos Jovens Vingadores no início dessa década, se reuniu novamente sob a guarida da Image Comics, em 2014, para publicarem The Wicked + The Divine, herdeira espiritual de um título anterior do trio, Phonogram, também publicado pela editora sensação da cena autoral do quadrinho norte-americano contemporâneo.

    A trama de WicDiv mistura, tal qual sua antecessora, a cultura pop com mitologias das mais variadas, entregando uma sinopse no mínimo empolgante: doze deuses reencarnam nos corpos de jovens adultos do mundo todo, lhes dando poderes, carisma, adoração popular e todo tipo de prazeres pelos quais muitos dariam a vida para ter. Contudo, tudo tem seu custo, e tais bênçãos cobram seus preços de forma inexorável, uma vez que estes que são agraciados pelo destino acabam morrendo dentro de dois anos. 730 dias para se viver intensamente, sabendo de seu fatídico destino. Ser imortal, afinal, não significa viver para sempre.

    Amados, odiados, com poderes inimagináveis e responsabilidades ínfimas, as deidades despertam em pleno século XXI, fazendo dos jovens escolhidos verdadeiros ícones da efemeridade millenial, inevitáveis bastiões dos prazeres dionisíacos em um mundo apolíneo, como é a sociedade contemporânea. No meio desse festival de glorificação da futilidade e do hedonismo, somos apresentados a Laura. Uma adolescente comum, mortal e fissurada com os deuses-celebridade do panteão. Sob sua perspectiva nos deparamos com todo o glamour e maravilha que envolve personagens como Amaterasu, Baal, Sekhmet e, principalmente, Lúcifer.

    Como ninguém mexe com o diabo e sai impune, Laura se vê envolvida em uma conspiração que envolve misteriosos assassinatos, desconfianças mútuas e um equilíbrio prestes a ser desfeito, tal qual um barril de pólvora perto de estourar. O primeiro arco, intitulado “o ato faustiano” nos leva pelos meandros do panteão através dos olhos de Laura, partilhando de suas impressões e anseios, enquanto somos apresentados aos jovens deuses, retratados à imagem e semelhança de ícones da música mundial como David Bowie, Madonna, Florence Welch, Kanye West, Prince e Rihanna.

    O trabalho de Gillen, McKelvie e Wilson carrega organicidade, fruto de uma equipe que funciona com a precisão de um relógio suíço e com o entrosamento apurado, de forma que um complementa o trabalho do outro. WicDiv não seria tão brilhante se tirássemos o texto econômico e dinâmico de Gillen, ou se deixássemos de fora a arte limpa e fluida de McKelvie, tampouco teria o mesmo brilhantismo e senso de identidade se não contássemos com as cores de Wilson.

    Em The Wicked + The Divine somos apresentados a uma narrativa frenética e pulsante, que nos faz devorar página a página em busca de mais pistas para os misteriosos eventos que circundam esse ressurgimento dos deuses em pleno século XXI e sua globalização glorificada através do culto às celebridades e ao egocentrismo das mídias sociais como ferramentas de autoafirmação e identificação coletiva ao redor do mundo.

    Tal qual Fausto, Laura pouco a pouco se vê enveredada em uma espécie de pacto que a leva por uma jornada de amores, intrigas e perigos em meio ao clubinho dos deuses na Terra. O primeiro encadernado tem um ritmo frenético e deixa o leitor ávido por mais pistas dos mistérios escondidos por trás de toda essa pompa e circunstância que cerca os deuses que caminham entre os homens.

    Lançado no Brasil pelo selo Geektopia, da editora Novo Século, The Wicked + The Divine entrega um começo promissor para uma narrativa intrincada e intuitiva, que conta com sua belíssima arte como porta de entrada para uma trama que reflete em grande medida os prazeres e as dores da juventude atual. Contando com 160 páginas e uma belíssima capa dura, a série já teve três encadernados publicados por aqui até o momento, reunindo as 17 primeiras edições da série, que lá fora já conta com 43 edições e 6 especiais.

    Compre: The Wicked + The Divine – Volume 1.

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  • Resenha | Gideon Falls – Volume 1: O Celeiro Negro

    Resenha | Gideon Falls – Volume 1: O Celeiro Negro

    Existem histórias em quadrinhos que são aclamadas por seu texto, existem histórias em quadrinhos que são aclamadas por sua arte. E existe Gideon Falls, que atinge a excelência tanto no aspecto verbal quanto no imagético.

    A equipe criativa, formada por Jeff Lemire, Andrea Sorrentino e Dave Stewart construiu em Gideon Falls um verdadeiro clássico moderno, um tratado estético que lida com os limites da narrativa gráfica e os subverte em prol de uma experiência sensorial única, por meio de uma trama envolvente e instigante.

    O trabalho conjunto de texto, arte e cor resulta em uma poderosa e intrigante narrativa de horror, que se utiliza da fragmentação diegetica para contar sua história, a partir dos pontos de vista do Padre Wilfred e do mentalmente instável Norton, duas pessoas absolutamente diferentes e igualmente destroçados pela vida.

    É uma verdadeira aula de narrativa, a forma como Lemire descortina os mistérios escondidos em Gideon Falls e o enigmático Celeiro Negro que assombra a cidade. Toda a dinâmica entre os personagens é muito bem desenvolvida, de forma que a história não apresenta oscilação em seu ritmo, sem deixar o andamento da trama de lado em nenhum momento. Lemire concebe o terror em Gideon Falls através das entrelinhas de cada cena, cada diálogo, deixando que a tensão sobrenatural escape em alguns momentos, mas sem deixar muitas pistas para o leitor, sobre tudo o que se esconde por trás de toda a angústia que permeia a narrativa.

    Lemire foge da abordagem intimista de seus trabalhos autorais anteriores, criando uma dinâmica de relações intrincadas e complexas entre os personagens ao longo da narrativa, sem a necessidade de um subtexto familiar para conduzir as trajetórias de seus protagonistas. Sanidade e fé são colocadas em perspectiva pela escrita do autor canadense, através dos dilemas pelos quais Wilfred e Norton passam ao longo da história.

    A diagramação que Sorrentino faz através das páginas é igualmente deslumbrante e demonstra o pleno domínio que o quadrinista exerce sobre a história que se propõe a contar. Navegar pelas disposições dos quadros em Gideon Falls se revela uma viagem quase lisérgica pelos recônditos mais assustadores da mente humana. A alternância entre os requadros padrões e as diferentes configurações de composição de página, típicas do artista, refletem o próprio estado psicológico dos personagens em cada momento capturado no espaço-tempo contido no quadro.

    O trabalho em conjunto de Sorrentino com o colorista Stewart confere o tom psicodélico que a obra necessita, sem deixar de se preocupar em criar uma ambientação bem característica para Gideon Falls, em seus mais distintos núcleos. A arte casa perfeitamente com o brilhante texto de Lemire, de maneira que não se encontra uma sobreposição de arte pelo texto ou de texto pela arte, mas sim uma simbiose estrutural poucas vezes vista em uma história em quadrinhos.

    Gideon Falls foi de longe a melhor série lançada nos EUA em 2018 pela Image Comics e publicada no Brasil pela Editora MINO, quase que simultaneamente ao lançamento no mercado norte-americano, sendo assim um trabalho editorial digno de todos os aplausos possíveis. O encadernado brasileiro, editado por Janaína de Luna e traduzido por Dandara Palankof, compila o material originalmente publicado em Gideon Falls #01 a #06, totalizando 160 páginas, com papel de excelente gramatura e uma belíssima capa dura.

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  • Resenha | Eu Mato Gigantes

    Resenha | Eu Mato Gigantes

    Bárbara é uma jovem estudante aficionada por RPG. Seu comportamento antissocial, somado às peculiares orelhinhas falsas, tornam Bárbara a típica esquisitona da região. Apesar do comportamento recluso, a garota tem personalidade forte e afirma com todas as letras que é uma matadora de gigantes. Assim começa Eu Mato Gigantes, escrito por Joe Kelly (X-Men, Deadpool, Liga da Justiça) e desenhado por JM Ken Niimura (Academia Gotham, Homem-Aranha).

    É altamente recomendável que você leia este quadrinho com o mínimo de informações possível. O objetivo desta resenha é justamente isso: te dar um mínimo de informações para despertar seu interesse (ou não) pela obra.

    O estilo visual trazido por Niimura é interessante. Traços simples, quase rabiscos em alguns quadros, alternam com cenas intensamente detalhadas. Toda a arte é feita em preto e branco, sendo colorida apenas com tons de cinza. A leitura se torna fluida e até esquecemos que a obra não possui outras cores. Méritos também do bom roteiro de Kelly, que é o ponto forte da obra.

    Bárbara causa sentimentos diversos ao leitor. Em alguns momentos, se mostra quase uma sociopata arrogante, cabeça quente e desajustada. E momentos depois, estamos rindo dela e com ela, torcendo para que dê tudo certo. Afinal, é apenas uma criança.

    OK, a revista se chama Eu Mato Gigantes. Temos aqui uma obra de fantasia? Sim e não. Bárbara vive no presente, mas é viciada em Dungeons & Dragons, o famoso RPG de mesa. Ao longo da história, ela se imagina rodeada de criaturas míticas e alimenta a ideia de que é matadora de gigantes. Isso tornaria a história banal se não fosse as ótimas sacadas de Kelly. Ele cria uma alegoria para que Bárbara, literalmente, fuja da realidade, algo bastante comum entre as crianças. Quem nunca se imaginou em um mundo de fantasia, seja lutando contra monstros ou viajando por lugares fantásticos? Kelly brinca com essas fantasias infantis para criar uma história reflexiva sobre assuntos bem profundos.

    É satisfatório ler algo como Eu Mato Gigantes. Apesar de ser uma história simples, é muito bem trabalhada dentro de sua simplicidade. Diversos leitores poderão se identificar com a jovem Bárbara em diversos aspectos, e não somente por ela ser nerd. Sua aparência esguia, com óculos enormes e as famigeradas orelhinhas aleatórias dão muito carisma à pequena matadora de gigantes. Não espere uma fantasia medieval, e sim uma história que, apesar dos elementos fantásticos da narrativa, é mais real do que nunca. Um belo lançamento da NewPOP Editora em volume único, formato grande e papel brilhoso de excelente qualidade.

    Compre: Eu Mato Gigantes.

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  • Resenha | Savage Dragon

    Resenha | Savage Dragon

    A prova de que os quadrinhos da década de 90 foram, no mínimo, excêntricos é comprovada na leitura de qualquer título mensal lançado na época. Com cenas exageradamente coloridas, quadros irregulares com personagens invadindo outras cenas e um excesso de criatividade por parte dos desenhistas deram o tempero para atrair inúmeros leitores ainda que em tramas de qualidade duvidosa, mas divertidas. Não menos importante que tais características, em 1992, a Image Comics foi fundada para concorrer diretamente com a Marvel e DC Comics.

    Criada por Todd McFarlane, Jim Lee, Whilce Portacio, Marc SilvestriErik Larsen, Jim Valentino e o “mestre” Rob Liefeld, todos oriundos da Casa das Ideias, a Image se tornou na época a segunda editora mais popular em vendas e reconfigurou a década com suas histórias focadas na ação e personagens excessivamente bem moldados, compondo novos heróis em notáveis edições.

    Criado por Erik Larsen, o Savage Dragon como conhecemos foi reformulado e lançado em 1992. Anteriormente, três aparições deste personagem criado pelo autor em sua infância foram lançadas na década de 80. Bebendo na fonte da narrativa policial sem perder o foco de uma narrativa quadrinesca de divertimento com a clássica porradaria, a série da personagem foi uma das poucas lançadas na época no Brasil em formato americano. Embora a Abril Comics tenha lançado somente a minissérie especial que introduzia o herói e os 16 números da revista original, a série se tornou popular também no país. Mais três editoras lançaram o personagem em arcos específicos: Em 2001, a Pandora Books lançou um crossover com Hellboy; em 2007 foi a vez da HQM lançar a edição #0 narrando a origem e, recentemente em 2012, A Mythos publicou a saga Unidos, compilando  seis números da série.

    O número inicial de The Savage Dragon foi lançada no país em 1997 e em apenas 25 páginas estabelecem com qualidade a personagem e a ambientação. Savage Dragon é um super agente da polícia de Chicago. Sua memória mais antiga é despertar de um local em chamas (sua origem seria explicada em uma edição posterior, a tradicional número zero) , motivo que mantém sua origem desconhecida. Com superforça, invulnerabilidade e fator de cura, o policial se torna o personagem principal para proteger a cidade de ameaçar super-humanas.

    Com um físico avantajado (a década de 90 e seus personagens com músculos mais definidos que os mais rigorosos body buldings), o personagem alinha bom humor e boas cenas de ação. Na primeira edição, Dragon lida com a ameaça de um rato gigante que mata impiedosamente a população da cidade. Ao mesmo tempo em que lida com as dúvidas sobre si mesmo e sua origem.

    A trama estabelece com qualidade a ambientação do submundo de Chicago e a verve voltada para a violência. Narrado pelo próprio personagem, o tom relembra os clássico detetives policiais em um mundo decadente, agindo primeiro e perguntando depois. Como trabalha para a polícia da cidade, há um conjunto de regras que o herói tem de seguir mesmo que, em alguns momentos, tenha dificuldade de lidar com tais obrigações. Em poucas páginas, o eficiente roteiro de Larsen – que ainda hoje escreve para a revista – estabelece o interesse amoroso da personagem, o parceiro que ajudou-o a entrar na polícia, bem como aponta as primeiras parcerias heroicas com Barbarie e Ricochete.

    Nos números seguintes, o roteiro mantém a tônica de ação, introduzindo personagens que farão parte do grupo heroico de Dragon (há algumas edições que apresentam pequenas histórias narradas pelos novos personagens). O segundo número, por exemplo, tem um eficiente crossover com as Tartarugas Ninja. Na época, o grupo foi incorporado no universo Image possibilitando esse encontro que funciona tanto como boa história como um chamariz a mais para o público leitor diante da novidade do novo herói.

    Hoje reconhecido como um dos personagens mais populares da Image Comics. O início de Savage Dragon é divertido e bem desenvolvido em sua origem. Um início que merece ser relembrado em tempos presentes e revisto por novos leitores de quadrinhos.

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  • Resenha | Savage Dragon Especial

    Resenha | Savage Dragon Especial

    Dez anos após a fundação da Image Comics, a editora decidiu celebrar em uma edição especial reunindo as equipes iniciais de seus títulos em um lançamento numerado com histórias inéditas. A princípio, somente nessa edição comemorativa tais histórias estariam disponíveis. O atraso da entrega do material, porém, atrasou em três anos a publicação. E posteriormente, as histórias foram lançadas em edição simples, para aqueles que não havia adquirido a versão comemorativa.

    Lançado em fevereiro de 2007 pela HQM Editora, Savage Dragon Especial apresenta a origem do personagem, lançado originalmente na edição comemorativa da Image e posteriormente em edição solo em 2006 nos Estados Unidos. No posfácio da edição, há um texto do criador Erik Larsen explicando os motivos para uma trama de origem. Inicialmente, o autor nunca havia imaginado fundamentar o passado de Dragon. Porém, como a edição especial deveria trazer algo extra, diferente de uma história dos mensais, a escolha foi desenvolver quem era o personagem antes de se tornar um policial de Chicago sem nenhuma memória do próprio passado.

    A origem de Dragon não apresenta nada em especial além da ideia de um homem sem memória que desconhece o seu passado, sendo assim, podendo ser diferente daquilo que foi. A trama revela que o policial era o tirano Korr que estava a procura de um novo planeta para sua população. Considerando que os terráqueos eram desnecessários, Korr decide destruir a Terra para colonizá-la. Porém, devido a uma resistência de dois cientistas de sua equipe, o tirano é abatido e jogado na Terra sem nenhuma memória.

    A jornada da personagem parte, portanto, da modificação de um ser malévolo para um personagem bondoso. Pelos comentários do roteirista no referido prefácio, a trama foi feita mais como um agrado para o público, bem como para fornecer um extra para os leitores da edição mensal. Como o lançamento original do gibi no Brasil foi interrompido há mais de dez anos, é uma pena que novos leitores tenham conhecido Dragon por essa revista, quando sua mensal é muito mais divertida e bem composta.

    Se a trama é uma narrativa comum, a edição da HQM se destaca com papel brilhante em uma época que nem mesmo a Panini Comics lançava as edições mensais em um bom papel. Pelo texto que acompanha a revista, a editora tinha planos em lançar Dragon novamente no país se a edição fosse bem recebida e pedida pelo público. Pelo visto, as vendas foram aquém do esperado, resultando em mais um breve lançamento de um bom personagem da Image Comics que atualmente parece esquecido em terras brasileiras.

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  • Resenha | Shockrockets: Esquentando os Motores

    Resenha | Shockrockets: Esquentando os Motores

    shockrockets

    Originado na obra de Kurt Busiek, Shockrockets: Esquentando os Motores se localiza num cenário pós-guerra espacial, em um momento político catastrófico, quando um general despótico comanda os rumos dos territórios entre o México e Estados Unidos. O protagonismo cabe ao latino Alejandro Cruz, um sujeito que se vira como pode, com sua autocicleta, um veículo munido da tecnologia alien para se locomover e levar sua vida em tempos de crise e racionamento de comida.

    A dobradinha com Stuart Immonem – com quem fez uma dupla formidável em Superman: Identidade Secreta – ajuda a fortalecer o nível de qualidade alto da publicação, assim como estabelece um viés de contestação semelhante às outras parcerias dos dois. Cruz vive com sua família, diferente de tantos outros órfãos nesse mundo pós-calamidade, mas em si há um descontentamento que o faz recusar o trabalho terrível de buscar algas no fundo do mar, conceito que alude a indignidade e futilidade do trabalho comum e a vontade de fazer a diferença no ambiente usual.

    Apesar de tratar de um personagem de minorias, o cunho das aventuras é escapista ao misturar a utopia de união mundial, já referenciada em Jornada nas Estrelas, de Gene Ronddenberry, com o espírito massavéio das produções japonesas que colocavam, em contraponto, máquinas poderosas e monstros gigantes. As camadas superficiais e mais profundas são exploradas de uma forma fluida neste começo.

    A mistura de influências visuais de Capitão Sky e O Mundo do Amanhã e Rocketeer funciona ao juntarem-se com os elementos kubrickianos de Doutor Fantástico, resgatando para os quadrinhos parte dos elementos escapistas dos três filmes citados, servindo como uma rede de confluência curiosa e rica em detalhes temáticos.

    O modo de contar a história faz o leitor perder um pouco do interesse no sub-texto, em especial por causa do ritmo, que varia entre momentos estáticos narrativamente e ações desenfreadas. Sensação compartilhada em Shockrockets mescla escapismo e representatividade, sem deixar de lado a diversão, ainda que esteja longe de ser um produto de qualidade indiscutível.

    O desfecho mistura uma sequência de urgência enorme, que traz de volta a adrenalina perdida no decorrer da publicação, com um cliffhanger que determinaria um viés revolucionário, mas que não teve prosseguimento nem por parte dos autores, nem da Image Comics, infelizmente – ao menos para os amantes da arte de Busiek e Immonem.

    Compre: Shockrockets – Esquentando os Motores

  • Resenha | He-Man e os Mestres do Universo

    Resenha | He-Man e os Mestres do Universo

    He Man e os Mestres do Universo - Panini

    “No mundo de Etérnia, bem distante daqui / Na luta pela paz um guardião vai surgir…” Quem foi criança nos anos 80 cantava essa música do grupo infantil Trem da Alegria quase que como hino nacional ou religioso. Afinal, todos os dias, no saudoso Xou da Xuxa, víamos o Príncipe Adam levantar sua espada e invocar os “poderes de Grayskull“, para se transformar no poderoso campeão da justiça conhecido como He-Man e chutar a bunda de uns caras malvados!

    A série da Filmation tinha uma premissa muito simples: um grupo de heróis que defendia o Castelo de Grayskull das investidas de um grupo de vilões liderado pelo temível Esqueleto, um feiticeiro cruel com cara de caveira que queria derrotar He-Man e sua turminha por motivos de… Bem, na verdade a gente nunca se importava muito com os motivos. O que sempre importava era que Adam vencia no final e nos passava valorosas lições sobre a vida.

    O desenho  era, na verdade, uma grande propaganda da linha de brinquedos surgida antes e tinha até mesmo uma premissa diferente. Aos poucos, a linha de brinquedos foi se inteirando com a animação e outras mídias foram se adaptando a ela. Além de alguns esquecíveis jogos de videogame e do sofrível filme live-action de 1987, com Dolph Lundgren no papel principal, He-Man estrelou sua própria série de quadrinhos na Marvel, publicada no país em formatinho pela Editora Abril. Essa série, para atender à grande demanda, acabou recheada de produção nacional.

    A série animada ganhou uma nova versão em 2002, que embora contasse basicamente a mesma história, atualizou para o novo século não só os traços e a animação, mas também a temática. Ali conhecemos um pouco a origem do Esqueleto, do Castelo de Grayskull e de outros elementos do cenário que, quase 20 anos antes, fizeram a cabeça da garotada. Mas a série não teve o retorno financeiro esperado e foi cancelada logo na primeira temporada.

    Junto com a nova versão, surgiu também uma história em quadrinhos baseada nela. A nova casa dos campeões de Etérnia, após passar pela Marvel e pela DC, agora seria a Image Comics. A HQ se manteve fiel ao design de personagens do novo desenho animado, mas não teve longa duração e parou por aí mesmo. Agora, uma década depois, He-Man e os Mestres do Universo voltam para a DC Comics. E a nova (velha) casa não faz feio!

    Nessa nova série em quadrinhos, temos uma história que se passa alguns anos depois da que estamos acostumados. Não fica muito claro se é uma continuação da série clássica ou de sua contraparte do começo deste século, mas isso não importa muito. O que importa é que todos os personagens oitentistas, que os mais saudosos conheciam e cresceram amando, estão lá, em versões que, embora bastante modernas, conseguem ser fiéis à essência de cada um deles.

    A história começa bastante confusa e deixa o leitor meio que sem entender o que está se passando, mas isso tudo é proposital. Adam não tem nenhuma lembrança de seu tempo como príncipe de Etérnia e vive como um simples lenhador, numa cabana no meio da floresta. A princípio, o leitor pode até achar que se trata de uma “história de origem”, o que contraria totalmente tudo o que sabemos sobre o personagem, mas aos poucos o roteiro vai dando pistas do que realmente está acontecendo. Adam teve, na verdade, a mente apagada, e junto com o leitor vai desvendando o que aconteceu em seu passado recente.

    Essa apreensão envolve o leitor de tal maneira que é praticamente impossível parar de ler. Isso porque, embora o personagem principal nada saiba sobre seu passado, os vilões que vão aparecendo gradualmente sabem! Eles parecem saber quem é Adam, e aos poucos vemos as novas versões de Aquático, Mandíbula, Homem-FeraMaligna, além de seus aliados Teela e Mentor. Adam e Teela partem juntos em uma jornada que os leva a descobrir a verdade e relembrar seu passado progressivamente. E aí fica a parte perturbadora: de alguma forma, Esqueleto dominou Etérnia e manipulou a mente dos heróis. Após vários perigos, Adam finalmente encontra sua espada e diz as palavras mágicas “Pelos poderes de Grayskull: EU TENHO A FORÇA!” e se transforma em He-Man para finalmente lutar contra o Esqueleto – aqui cabe ressaltar: é simplesmente impossível ler as palavras entre aspas da frase anterior sem ouvir, em sua mente, a voz inesquecível de Garcia Júnior, dublador do He-Man da série dos anos 80! Aliás, não só a voz do personagem como a do Esqueleto também nos vem à mente a cada balão de diálogo do vilão.

    Se há algo que poderia frustar o leitor é a transformação tardia de Adam em He-Man. Em uma história de sete partes, a espada só é levantada no final da penúltima, o que nos deixa com vontade de ver um pouco mais. Principalmente quando a espada aparece cheia de sangue, o que significa que algumas gargantas foram cortadas e que essa série não é tão ingênua quanto o desenho. Embora pouco nos tenha sido revelado, dá pra imaginar algumas coisas e esperar pelo desenvolvimento da história, principalmente devido a algumas dicas que os personagens nos revelam ao longo da trama (o destino do Gorpo, por exemplo, parece ser um ponto-chave, embora tenha sido citado apenas em um ou dois quadrinhos).

    A arte reveza entre momentos espetaculares e outros apenas O.K., mas não chega a ser ruim. Talvez a pouca roupa de Teela tenha sido um exagero, até porque não acredito que fan service seja algo necessário numa série como essa. E a tradução da Panini respeitou os fãs antigos da série ao manter os nomes dos personagens do jeito que nos acostumamos a ela – na série de 2002, a dublagem manteve todos os nomes no original, o que causou estranheza, pois falar Skeletor ou Man-At-Arms não nos soava muito natural. Apenas um pontinho negativo: por mais de uma vez, a palavra “mais” foi utilizada no lugar de “mas”. Parece bobagem para quem está acostumado a ler tantas atrocidades na internet, mas tais erros em uma publicação como essa causam certo incômodo e necessitam de atenção.

    He-Man e os Mestres do Universo tem potencial para ser uma ótima série se a Panini continuar sua publicação no Brasil. Se continuar dessa forma, talvez o crossover com a Liga da Justiça não pareça algo tão absurdo assim, e podemos ter a certeza de diversão garantida por um bom tempo! E talvez, como na continuação da música do primeiro parágrafo, “unidos venceremos a semente do Mal” (La-la-la-la-la-la-la-la-la-la: HE-MAN!).

  • Crítica | Spawn: O Soldado do Inferno

    Crítica | Spawn: O Soldado do Inferno

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    No auge da popularidade do personagem, pelos idos de 1997, quando a Image já se fortaleceu o suficiente para bater de frente com a DC e Marvel, seria exibido nos cinemas do mundo inteiro a adaptação do personagem ícone da editora de Todd McFarlane. A abertura pobre já prenunciava o que seria a toada de todo o conteúdo de Spawn: O Soldado do Inferno, onde seria entregue o passado do personagem, ainda que neste “recordatório” não haja qualquer aprofundamento.

    O diretor, Mark A.Z. Dippé, tem o background de ser especialista em efeitos especiais, e seu foco narrativo é nesse quesito, mostrando um sem número de arrombos experimentais com um CGI dos mais vergonhosos – mesmo levando em conta a questão da precariedade de recursos da época. Há muitos fatos curiosos sobre o filme, entre eles um pôster, no lançamento em laser disc, com os dizeres: “The special effects movie event of the year!” – os tempos eram difíceis. O “melhor” deste quesito é o chefe do inferno, Malebolgia, que é o capeta no formato de um cachorro pequinês gigante de moicano grisalho.

    O roteiro também é de um primor inigualável, mostrando Al Simmons (Michael Jai White) como um chefe de família sentimental, que contradiz essa máxima sendo um soldado anti-terroristas, que se encarrega de assassinar muçulmanos malvados – nada muito diferente do que era retratado nos quadrinhos, mas nada que justifique uma exploração tão porca. Outro fato curioso é que, nos primeiros arcos do personagem, haviam escritores laureados, como Moore, Gaiman e Miller, mas a escolha do enredo não passou por estas fases, que se não eram o melhor momento destes escritores, certamente garantiriam melhores situações que as apresentadas em tela.

    O elenco era bom, e tinha tudo para segurar a impossibilidade da trama, mas nem isso o fez. O primeiro nome destacado é o de John Leguizamo, o terceiro é o de Martin Sheen (que deve sentir mais vergonha neste do que em toda sua filmografia junto aos filhos, em paródias acéfalas), o casting é anunciado em meio a créditos em CGI, novamente uma demonstração tosca de efeitos visuais, imitando um vórtex de fogo. Os personagens são tão bem construídos quanto seu protagonista. Jason Wyyn (Sheen) é um chefe do crime dos mais canastras, a gostosa que o acompanha (a ainda muita jovem Melinda Clarke) é a autêntica mulher genérica que aprecia o perigo e brinca com tarântulas. Mas a cereja do bolo certamente é o vilão, que rouba a cena. O Violador de Leguizamo é a pior/melhor coisa do filme. Suas flatulências são compostas de fogo verde, ele profere piadinhas com sonhos (doce da padaria) cheios de esperma. Pouca coisa se salva, mas por incrível que pareça, a sua transformação nem é tão mal feita se comparada com o resto, o CGI quase se encaixa.

    O motivo da morte de Simmons é completamente jogado e a lógica é totalmente inexistente, numa emboscada sem pé e nem cabeça. Um outro momento clássico, é a transformação que Michael Jai White tem no comportamento de sua personagem, mudando do vinho para água assim que se deforma, mostrando que os deformados são necessariamente pessoas bobas e feias. Ele se torna um cara mal caráter de marca maior, que transformação. Interessante é a escolha do ator com nenhum talento dramatúrgico e incapaz de passar qualquer nuance de comportamento para a tela, seus dotes são unicamente ligados aos feitos físicos. Não é compreensível o diminuto volume de cenas com a máscara, até porque o rosto de White não é tão famoso – ainda mais quando o rosto está desfigurado graças às queimaduras.

    O guião é pavoroso principalmente por mostrar o capeta não sabendo desenvolver um plano decente para derrotar o exército divino, o filme eleva a máxima “Deus é Mais” a uma condição mais que sagrada e intransponível. As cenas de ação são muito ruins, com direito a show-off de arminhas infernais. O mentor é misterioso e é envolvido por uma luzinha verde que se destaca no escuro, além é claro de ser um servo infernal arrependido que mostra o bom caminho a Spawn. O ato final sinaliza para uma possível continuação, que felizmente não foi para frente. Spawn: o Soldado do Inferno é um legítimo filho do meio, produto condizente com a qualidade da produção da Image à época.

  • Resenha | Tomb Raider e Witchblade (1 e 2)

    Resenha | Tomb Raider e Witchblade (1 e 2)

    Tomb Raider - Witchblade

    Poucas coisas são tão odiosas para um leitor de quadrinhos vanguardista do que crossovers. Algo que também incomoda muito esta mesma “instituição”, é a adaptação a partir de personagens de vídeo games. E para o leitor mais cascudo, os espécimes da Image Comics são dignos de ódio e reprimenda. Juntando esses três fatores e acrescentando a arte e roteiro acumulados em cima de Michael Turner, fazendo às vezes de Jim Lee, surgiria Tomb Raider e Witchblade, publicada em dezembro de 1997.

    Havia dois números, o primeiro encontro denominou-se Vendetta, e começaria com um relatório policial de Sara Pezzini (alter-ego de Witchblade), mas mostra primeiro Lara Croft em ação, em trajes sumários, mostrando agressivamente as suas sensuais curvas, já preconizando que a história primaria pelo visual – justo, uma vez que ambas personagens são símbolos sexuais. No entanto, esse parece ser o único ponto destacável nos quadrinhos. Lara se enfia numa perseguição a uma criatura monstruosa, que atravessa a cidade de Nova Iorque, e logo é parada pela detetive Sara Pezzini.

    O caso que levou a arqueóloga até aquele ponto é genérico, e envolve uma estreita relação com o sobrenatural – lugar comum nas histórias da heroína da Imagem Comics. Mas a ação é mal construída, parece feita somente para Turner desenhar enfoques em peitos enormes e flagrar as protagonistas apontando suas derrières para a lua. O velho Scarponi, vilão vencido pela dupla de mulheres e que se transformava em uma imitação do Alien, de Hans Ruegi Giger e Carlo Rambbaldi, sobrevivera, apesar de vencido. A edição ainda contava com uma demonstração da extinta Ação Games sobre o jogo Tomb Raider 3, que deveria ser bem mais valiosa do que a história em si.

    O segundo encontro começa polêmico, com um recordatório da detetive de NYPD fazendo uma declaração um tanto “voluptuosa” em relação a Lara Croft, dizendo que seu estilo James Bond de ser é atrativo. O argumento desta vez é de Turner e Bill O’Neil, mas mesmo com o acréscimo de mais um escritor o foco nos decotes generosos mudou. Ao menos o vilão desta história é melhor apresentado, não à toa, o algoz é uma mulher, a grande ladra (grisalha, mas gostosa) Genvieve Lecavaler, que tem uma rixa pessoal com Lara, quando a vilã decidiu roubar um ídolo felino pertencente a musa dos vídeo games.

    O roteiro está tão em segundo plano que praticamente dá para se entender tudo somente analisando as figuras. Quase toda a interação entre as heroínas é homo-afetiva e por meio de pin-ups de cunho sexual, as expressões de quando elas estão atreladas uma a outra é semelhante a intimidade de uma relação de cunho lésbico, feita para atingir os fetiches de fãs de quadrinhos e games.

    Logo, o plano da grisalha vilã é mostrada, liberando do além Bastet, uma egípcia em trajes sumários, que já teria enfrentado Lara Croft antes. Sua figura reforça o caráter fetichista da publicação, que tenta vender a ideia de que todas as mulheres são malhadas e fazem de seus corpos motivo para qualquer exibição de cunho erótico, geralmente de alto grau. A história denominada O Segundo Encontro é datada de julho de 2000, e termina com um gancho para uma possível nova aventura, coisa que certamente não deve ter enchido o público de muitas expectativas, visto o quão ordinárias e genéricas foram estas duas aventuras do saudoso Michael Turner.

  • Resenha | Savage Dragon: Unidos

    Resenha | Savage Dragon: Unidos

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    Está de volta ao Brasil um dos mais clássicos personagens da Image, com o encadernado Savage Dragon – Unidos, lançado recentemente pela Mythos Editora. Publicado ininterruptamente nos EUA desde 1993, o fortão verde com barbatana na cabeça nunca deu muita sorte por aqui: teve apenas uma breve série mensal nos anos 1990 e alguns especiais (quase sempre crossovers com heróis da Marvel ou da DC). O diferencial de Dragon é que ele é até hoje escrito e desenhado por seu criador, Erik Larsen, sendo assim um recorde nos quadrinhos norte-americanos.

    Neste especial, Dragon se junta a outros personagens da Image (Spawn, Witchblade, Shadowhawk e Invencível) para deter o Solar Man, um poderosíssimo super-herói que resolveu exterminar todos os criminosos do mundo, sem ligar para os inocentes pegos no fogo cruzado de sua jornada. A história tem bons conceitos, principalmente ao evidenciar que o vilão é uma das inúmeras versões/paródias do Superman que existem nas HQs, além de momentos bem-humorados típicos das aventuras do Dragon. Por outro lado, há alguns sérios problemas no que diz respeito à acessibilidade para os leitores.

    O encadernado não traz uma minissérie, ou mesmo uma “nova fase” preparada para angariar um novo público: é simplesmente um compilado das edições 139 a 144 da série mensal do personagem. Dessa forma, alguns subplots que vinham sendo trabalhados nas histórias anteriores (que não foram publicadas no Brasil) tomam espaço. E, como a aventura principal se concluiu na metade do especial, o restante é um grande fechamento de coisas como o sumiço da esposa e do filho do herói. Fora isso, temos vários personagens dando as caras sem serem apresentados, além da verdadeira zona que é o universo Image, com seus “subuniversos” onde cada autor trabalha como quer e cria zilhões de heróis irrelevantes só pra coadjuvar. A opção da Mythos foi apostar que estampar na capa outros personagens conhecidos ajudaria a vender, mas para o leitor talvez fosse mais palatável lançar as histórias seguintes do título, em que realmente há um recomeço na vida do Dragon.

    Sobre o trabalho de Larsen, é interessante frisar o seu desde sempre assumido estilo “free style” ao criar os roteiros. O autor sempre declarou improvisar saga a saga, sem grandes planejamentos, o que lhe confere maior liberdade para produzir. Claro que tal postura só é possível na Image, onde os criadores realmente mandam no que fazem (imagine isso acontecendo nas gigantes DC e Marvel). Se o fôlego criativo se mantém mesmo após quase vinte anos a frente da sua criação, nos desenhos a história infelizmente é outra. Seja por cansaço ou pelos implacáveis prazos mensais, Larsen simplificou ao máximo seu traço. Ainda que faça alguns quadros inspirados (que lembram até Frank Miller nos bons e veeeelhos tempos), no geral ele se aproxima do rústico, inclusive com a ausência do cenário de fundo.

    Apesar das falhas, Savage Dragon – Unidos pode ser uma forma de conhecer o personagem e experimentar um tipo mais descompromissado (sem cair na galhofa) de super-herói. Fica a expectativa por mais material dele em terras brasileiras.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | The Walking Dead

    Resenha | The Walking Dead

    The Walking Dead - 01 - capa

    Para aqueles que se amarram em filmes e histórias de zombie, The Walking Dead é o que faltava para nos completar. Quem não adoraria ver nos filmes de zombies, se os mocinhos conseguem sobreviver, se os humanos sobreviventes conseguem ser resgatados, ou o que acontece depois?

    The Walking Dead, conta a história de alguns poucos sobreviventes em um mundo dominado pelo terror e por mortos vivos. Diferente do que vimos nos últimos filmes, os mortos-vivos não correm, não pensam e pouco oferecem perigo aos humanos. Aqui, o maior problema são os próprios sobreviventes, que por benefício próprio muitas vezes matam, brigam, cortam e mutilam uns aos outros.

    A historia é centrada em Rick Grimes, um policial que antes de toda a bagunça começar, foi baleado em serviço e ficou largado em coma na cama de um hospital. Quando Rick acorda, ele não entende o que está acontecendo e começa a procura por sua família. Logo Rick é encontrado por um grupo de sobreviventes acampados próximos a cidade de Atlanta, e junto destes, estava a família de Rick, sua esposa Lori e seu filho Carl.

    Morte de sobreviventes é algo constante nesta fabulosa HQ, o que faz com que dia a dia nossos protagonistas mudem o que sempre foram.

    Com o passar do tempo, Rick e o resto dos sobreviventes se unem a outro grupo de pessoas que procuram por abrigo e comida, e isto passa ser mais importante do que fugir dos zombies. Logo eles encontram uma prisão, com estoque de comida para muitos e muitos dias e resolvem ficar por ali mesmo, mas dentro da prisão alguns detentos faziam moradia e estavam se protegendo dos zombies.

    Sangue, sexo, estupro, mutilação, lutas, tudo freqüente neste HQ que trata de pessoas tentando sobreviver em um mundo pós-apocalíptico. O que vai acontecer depois? Todos serão salvos? Podem confiar em qualquer outro sobrevivente? Estas incógnitas fazem com que não percamos um único frame deste quadrinho.

    A história foi criada por Robert Kirkman e desenhada por Tony Moore, substituído por Charlie Adlard a partir do número 7. A história esta sendo adaptada para seriado e que iremos ver finalmente Rick Grimes e sua família na telinha. Aguardemos os próximos números e esperamos que realmente vire seriado, precisamos de algo novo na telinha.

    Compre: The Walking Dead.

    Texto de autoria de Henrique Romera.