Tag: Mythos Editora

  • Resenha | Arlequina & Hera Venenosa: Paixões Violentas

    Resenha | Arlequina & Hera Venenosa: Paixões Violentas

    Em Batman: A Série Animada, desenvolvida por Bruce Timm, já havia um esboço de parceira (e até alguma tensão sexual mínima) entre as personagens Hera Venenosa e Arlequina. Diante disso, o roteirista Chuck Dixon ao lado do artista Joe Chiodo decidem explorar um pouco dessa interação entre as personagens na curta história Arlequina e Hera Venenosa: Paixões Violentas.

    Publicada há alguns anos pela Editora Mythos, e ainda que seja uma história curta, merecia uma edição mais caprichada. A arte de Chiodo emula o traço da animação dos anos 90 sem deixar de lado seu caráter próprio, apesar de apelar à sexualidade das personagens. O trabalho de cor realmente chama a atenção, se assemelhando a tintas de aquarela, infelizmente, pouco valorizado no papel desta edição.

    Na trama, Coringa expulsa a namorada após um assalto que dá errado. Ao invés dela perceber a relação abusiva existente, ela resolve obedecer sua ordem autoritária, acreditando que caso consiga se virar sozinha, ele a aceitaria de volta. Esse fato certamente serve de paralelo com a realidade de muitas mulheres abusadas física e emocionalmente, assim como a personagem.

    Há uma máxima falaciosa de que a DC Comics só começou a sexualizar a personagem após mudar seu uniforme, perto da época dos Novos 52, tal qual se vê em Batman: Assalto em Arkham e Esquadrão Suicida. Nessa história, publicada em 2001, ela luta contra a dupla dinâmica em poses praticamente impossíveis de ocorrer para uma mulher normal, faz às vezes de pinup, como um objeto sexual, assim como outras personagens.

    Em À Prova de Morte, filme  dirigido por Quentin Tarantino, há uma fala que conversa bem com a premissa desse gibi. O personagem assassino de Kurt Russell diz “existem poucas coisas mais atraentes que o ego amargurado de um anjo”, e isso combina com a postura da personagem após romper com o Palhaço do Crime. Embora Quinzel não tenha uma consciência sã de que sofria assédios constantes por parte de quem ela tinha como parceiro, enfim ela passou a ter uma postura resoluta quando tomou noção da rejeição que sofreu.

    Dixon apresenta uma história simples, com momentos de ação bem pensados e sem grandes arcos dramáticos. A temática é igualmente simples, o que mais faz brilhar certamente é o subtexto contestador de Hera reclamando que Harley que é submissa demais, ainda assim não lhe negando ajuda, seja por amizade ou por segundas intenções. Mesmo sendo uma história breve Paixões Violentas faz refletir, diferente de boa parte dos produtos da cultura pop, e isso se torna ainda mais válido quando reflete a realidade de violência doméstica existente em diversos lares.

  • Resenha | Dragonero: O Caçador de Dragões

    Resenha | Dragonero: O Caçador de Dragões

    Dragonero: O Caçador de Dragões é a série de fantasia da editora Bonelli criada por Luca Enoch e Stefano Vieti com desenhos de Giuseppe Matteoni. Essa edição especial lançada pela editora Mythos é o ponto de partida da história originalmente publicada na revista Romanzi e Fumetti em junho de 2007, introduzindo o personagem central e seus comparsas em um mundo cujo cenário remete a alta fantasia com elementos de aventuras de RPG de mesa.

    A história começa fora de Erondar, a terra civilizada além da barreira do Valo, onde se separa o Império da Terra dos Dragões. Este mundo possui figuras fantásticas como elfos, anões, orcs e humanos, figuras conhecidas pelo leitor de outras obras tanto clássicas, como Irmãos Grimm, como mais contemporâneas com J.R.R. Tolkien. Antes do leitor conhecer o protagonista são apresentados típicos personagens de aventuras de fantasia: um mago com receito de tecnologias recém-chegadas no reino, uma bela guerreira que organiza investigações contra tecnocratas, um caçador, um mensageiro imperial, um monstro civilizado, além de um chamado a aventura bem típico dos jogos de roleplay de mesa.

    Depois do começo truncado, a história flui bem. Uma mensagem imperial chega a Ian, um bravo guerreiro e caçador que, por sua vez, morava com Gmor, um orc que reside no subterrâneo de sua casa. A química entre os dois é inegável, são dois amigos, muito bem humorados e que aparentemente tiveram muitas aventuras até então, e é exatamente essa química que diferencia essa de outras histórias genéricas.

    A construção dos cenários é bem feita, as planícies são bonitas e as cavernas idem e isso  ajuda a tornar esse mundo um lugar rico e palpável. Tudo é bem detalhado e se encaixa bem, e as criaturas são bem compostas, resultando em lutas emocionantes e bem longas. Dentre os personagens, Gmor é a alma de Dragonero. Ele é engraçado, tem ótimas tiradas e lida bem até com o preconceito ligado aos membros de sua raça. Os elfos nesta versão são bem diferentes, parecem mais com o que se espera de um alienígena do que belos homens e mulheres com poucas diferenças físicas dos humanos, e a diferença entre as espécies é bem demarcada já nessa edição inicial.

    Ao ganhar a alcunha de Dragonero, Ian lamenta ter matado um ser inteligente. Ele não é um simples bárbaro, e ao seu ver isso era algo incivilizado. O código ético dele tem bastante semelhanças com o cimério Conan de Robert E. Howard e com paladinos das aventuras de capa e espada, resultando em uma história simples, direta e bastante divertida,  com roteiros e desenhos que, se não são extraordinários, ao menos cooperam com toda a aura de fantasia escapista típica dos filmes de matinê dos anos 80 e 90.

  • Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: O Crime Negado

    Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: O Crime Negado

    Iniciado em media res, técnica literária em que a narrativa se desenvolve a partir do meio da história, a ação marca o início da 17ª trama de Júlia – Aventuras de uma Criminóloga. Após uma ótima perseguição que se encerra no metrô, o assassino Murphy é pego pela equipe de Garden City. Procurado por uma série de estupros seguidos de morte, o homem nega um dos crimes do qual é acusado, e Júlia será a responsável por descobrir quem imitou seu modus operandi.

    Literariamente falando, a presença de um serial killer sempre é um motivo de destaque na narrativa policial. Em Julia, não poderia ser diferente, já que sua estreia foi marcada por uma assassina, Myrna, grande vilã, presente em muitas narrativas futuras. Mesmo que os roteiros apresentem uma gama de crimes investigados, uma trama com um assassino serial sempre conquista a atenção rapidamente.

    Em Crime Negado, porém, não é o assassino e sua pulsão o grande foco. Mas sim, a procura pelo autor do sexto crime. Em outras palavras, a narrativa demonstra como o senso de justiça não se estabelece por aproximação ou no atacado. Cada crime merece punição específica.

    Como costumeiro nos roteiros de Giancarlo Berardi, a condução da trama e os personagem em cena são ecos da sociedade. Como Julia sempre traça um perfil psicológico tanto de agressores, quanto das vítimas, o leitor contempla um panorama das relações sociais e lados obscuros de cada um, resultado em narrativas ricas que fogem do escapismo. Nessa trama, os fetiches são combustíveis que tanto podem relevar o crime, quanto esboçam que há sempre segredos guardados na intimidade.

    Essa história foi também o último trabalho desenhado pelo argentino Gustavo Trigo, uma produção inacabada devido a sua morte. Assim, o capista Marcus Soldi e Eni finalizaram as artes para a publicação.

  • Resenha | Vampirella: Grandes Clássicos

    Resenha | Vampirella: Grandes Clássicos

    Vampirella – criação de Forrest J Ackerman com as contribuições dos artistas Trina Robbins, Frank Frazetta e Tom Sutton – é uma personagem bastante sensual que, de certa forma, repagina as condições de vampira não como uma morta-viva, mas uma alienígena de um planeta em que todos se alimentam com sangue. Suas origens remetem aos icônicos filmes de monstros da Universal da primeira metade do século XX e, claro, com seus remakes do estúdio britânico. Inicialmente, a personagem era um dos carros-chefes da editora Warren Publishing ao lado das publicações de antologias de terror Creepy e Eerie.

    Em  Vampirella: Grandes Clássicos, publicado pela Editora Mythos, há um resgate dos grandes clássicos da personagem desenhados pelo espanhol José Pepe González – principal artista da vampira alienígena – e textos de T. Casey Brennan, Budd Lewis e Archie Goodwin. O encadernado traz muito da origem de Vampirella e do seu planeta Drakulon, uma sociedade tecnologicamente avançado e evoluído. A raça dos Vampyr viviam em paz e harmonia até a tragédia cair sobre eles.

    O tom do primeiro roteiro é trágico, melancólico e até um pouco filosófico, guardadas as devidas proporções referentes a um gibi escapista e de aventura. Vampirella é menos pacífica que os outros de sua raça, ela decide tirar a vida de criaturas acreditando que essa seria a verdadeira forma de viver e de se alimentar, o que gera discussões morais interessantes. As outras histórias são repletas de clichês de horror, com criaturas que imitam as monstruosidades clássicas de contos de terror e filmes trash.

    O tom das histórias tem mais elementos de aventura que de terror. Há uma sensação de familiaridade quando se acompanham essas breves histórias, mesmo para quem não está acostumado a ler quadrinhos. O físico da alienígena faz lembrar Elizabeth Taylor e Sophia Loren, beldades do cinema clássico e contemporâneo à personagem, que aqui são unidas a clichês de pin ups. O visual dos cenários lembra Indiana Jones e o Templo da Perdição, além de se perceber que claramente Steve Dillon em Preacher  foi influenciado pelo traço característico de González. Pepe aliás, consegue dar camadas e tons bem diferentes para a heroína, mesmo com tantos roteiristas de estilos diferentes. Além disso, a versão do Drácula vista aqui faz lembrar muito a versão de Drácula 2000, filme produzido por Wes Craven – as coincidências se dão principalmente nas histórias de Brennan.

    Vampirella: Grandes Clássicos consegue ser uma bela introdução à mitologia da personagem, e exemplifica bem o espírito e caráter de seus momentos tradicionais, além de ser um bom documento histórico.

  • Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: A Sombra do Tempo

    Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: A Sombra do Tempo

    Republicado pela Mythos em formato italiano em 2019, Julia – Aventuras de uma Criminóloga segue em publicação em lançamento em grupos de cinco edições por vez. Dessa forma, a 16ª aventura ao lado de mais quatro novos números demonstram como uma das melhores séries lançadas no país adquiriu maior destaque a altura das sempre excelentes narrativas de Giancarlo Berardi.

    Em A Sombra do Tempo, o passado é gatilho para as ações do presente ao apresentar uma mulher com visões sobre um assassinato. Sem saber ao certo a origem dessas visões, a mulher pede ajuda ao seu psiquiatra que convida Júlia para analisar o caso. Fatos cuja resposta estão escondidas no inconsciente.

    Há muito dinamismo nas cenas, principalmente na qualidade entre contrapor pequenas cenas que entrelaçam a narrativa. Elementos que trazem profundidade aos personagens, mesmo que periféricos, fortificando a trama como um relato de cunho realista na medida do possível. Enfocando tanto o núcleo familiar da mulher com visões, bem como a narrativa detetivesca com Julia, observamos um equilíbrio narrativo que foge de uma trama meramente escapista. Não há intenção em apressar os fatos, mas apresenta-los com calma, dentro do espaço de páginas da edição, sem acelerá-los, simulando a vida real em que nem tudo acontece de prontidão.

    Sempre que possível, as pesquisas de Berardi feitas para cada número de Júlia são transmitidas aos leitores por seus personagens. Nessa edição, é a definição freudiana do inconsciente, um espaço de afastamento da consciência, que surge como elemento. Em algum lugar do passado, a personagem viveu um possível trauma de morte ou codificou mentalmente alguma ação agressiva a partir da personificação dessa sua visão. É nessa transição da matéria inconsciente para a realidade que reside a grande revelação da trama.

    Como cada edição de Júlia apresenta uma história fechada, novos leitores podem conhecê-la iniciando a leitura em qualquer edição. Sempre com bons roteiros, Julia é sempre uma boa leitura, bem desenvolvida na ação e nas tramas policiais.

  • VortCast 99 | Mythos: Os Bastidores de uma Editora

    VortCast 99 | Mythos: Os Bastidores de uma Editora

    Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira (@filipepereiral) e Thiago Augusto Corrêa recebem Joana Russo, gerente de marketing da Editora Mythos, para mais um programa da série de entrevistas com editoras brasileiras. Abordando os materiais publicados pela editora a equipe descobre os bastidores de produção e analisa os movimentos do mercado editorial brasileiro.

    Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Resenha | Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4

    Resenha | Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4

    De Gianfranco Manfredi e Giulio de Vita, Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4 é mais uma história da série em quadrinhos protagonizado pelo cowboy da Editora Sergio Bonelli. Dessa vez, o cenário é o noroeste americano, em uma planície gelada, e tem um tom que foge um bocado do otimismo que é comum as histórias clássicas.

    O texto de Manfredi trata do passado de Tex Willer, quando ele ainda era um fora da lei e errante, no longínquo ano de 1858. O futuro herói passeia sozinho, não tem companhia exceto seus pensamentos exibidos nos balões,  que parecem só estar lá para determinar ao leitor de que ele não enlouqueceu. O protagonista está atrás de Birdie, seu velho amigo, que se mudou para aquele lugar.

    As cores de Matteo Vattani ajudam a valorizar a arte de Vita. Os momentos que mostram uma luta contra um urso e a matança aos nativos americanos ganham muito mais força com a utilização das cores. O personagem está mais áspero, menos sentimental, é ríspido com as pessoas, agindo na maior parte do tempo de modo passivo agressivo. Essa demonstração pode referenciar um desconforto dele, além da óbvia imaturidade, pois fora de seu quente habitat, ele não seria o mesmo.

    Manfredi é o criador de Mágico Vento e Face Oculta, e a iniciativa dessas graphic novel possibilitam que autores diferentes deem sua visão sobre o ranger e seu passado. Fato é que por mais que o roteiro carregue elementos típicos das histórias do personagem, é a arte que mais chama a atenção. As paisagens são carregadas de um caráter esplendoroso, e as sequências de ação são ótimas. A pavimentação do jovem Tex foi bem pensada, e esse acaba sendo um bom aperitivo ao que seria a publicação de Tex Willer, que conta as histórias do personagem novo, antes de ser a lenda de O Herói e Lenda e demais histórias clássicas.

    O final da história é seco, agressivo e direto, e mesmo que as escolhas sobre passagem de tempo sejam estranhas (há uma cor diferente entre passado e presente), Desafio no Montana tem pontos mais altos que baixos, com elementos que pavimentam o leitor no tom que seria empregado nas publicações a respeito da juventude do cowboy, com um tom bem mais cínico nesta versão que Manfredi defende para o futuro agente da lei.

  • Resenha | Ronda Vermelha

    Resenha | Ronda Vermelha

    Um dos roteiristas de quadrinhos mais famosos da atualidade (graças ao sucesso da adaptação de The Boys), Garth Ennis é conhecido pela maioria por escrever um conteúdo vazio de significado que atrai leitores graças a uma característica bastante peculiar que chamarei de criatividade para o violento. Seus roteiros são, em sua maioria, recheados de violência e as páginas dos quadrinhos idealizados por ele geralmente pingam sangue (e, normalmente, alguns outros fluidos corporais).

    Ennis ficou muito famoso por Preacher (que virou série), The Boys (que virou série) e, principalmente, por sua fase à frente do Justiceiro Max e pelos números de Juiz Dredd que escreveu na 2000 AD. O que todos esses títulos tem em comum? Vísceras, nudez e tiros pra todo lado. Roteiro policial e um desenho bem feito são o máximo que a gente pode esperar de um quadrinho escrito pelo irlandês de Belfast e é isso que leva Ronda Vermelha à maioria dos carrinhos de compra internet afora.

    Os detetives Mellinger, Giroux, Wylie e Winburn integram a Ronda Vermelha, um grupo de agentes especiais do departamento de narcóticos da polícia de Nova Iorque. Durante um tempo, a Ronda reinou soberana no combate ao narcotráfico local mas eventos recentes os empurraram para casos menores. Longe dos holofotes e após um recente revés nos tribunais, o grupo decide tomar a justiça em suas mãos e eliminar Clinton Days, um gângster que escapou da lei muito tempo atrás e que estava na mira da Ronda antes de os detetives serem rebaixados. Utilizando as informações que tinham da época em que investigavam Days, o grupo utiliza sua perícia em armas de fogo e luta corporal para corrigir uma injustiça e está prestes a descobrir que fazer a coisa errada pode ser muito, muito sedutor.

    Ronda Vermelha é um título da Dynamite Comics lançado entre fevereiro de 2013 e março de 2014. Originalmente divido em 7 números, o título foi reunido em 2017 numa edição em capa dura com 204 páginas pela Mythos Editora e que conta com roteiros e sketches originais de bônus ao final da leitura. O material está bem traduzido com a linguagem bem adaptada para o português e a edição da Mythos é bem impressa em papel de qualidade.

    Sobre a história, a primeira coisa a se destacar é que ela é o trabalho de Ennis mais pautado na realidade que já ouvi falar. As páginas remontam toda a história de derrocada da Ronda Vermelha através do relato de seus integrantes, em depoimento oficial ao chefe da divisão. Toda a história é bastante simples e nada muito mirabolante é sacado da cartola em nenhum momento e isso, acreditem, faz da história um dos trabalhos do autor que eu mais gostei de folhear. Sem nenhum super poder, sem luta de 1 contra 50, sem ninguém ser espancado com a cabeça de outra pessoa ou dado de comer para um tubarão branco, a história simples e bastante direta do quadrinho entrega um leitura muito rápida e fácil.

    Completamente pé no chão, Ronda Vermelha não tem espaço para trabucos gigantes e planos mirabolantes.

    Não que os personagens do quadrinho sejam ruins. O grupo que forma a Ronda é bastante heterogêneo com policiais de faixas etárias e conflitos pessoais bastante diferentes. Todos os protagonistas tem suas visões de mundo apresentadas de maneira bastante óbvia e em nenhum momento um subtexto aparece para desviar a atenção do mote principal: um grupo de policiais que assassina bandidos sem passar nenhuma mensagem. É quase como se o Justiceiro (da Marvel, que deu boa parte da fama que Ennis possui) fosse possível de existir no mundo real na forma de um grupo de 4 agentes de campo e não na personificação do exagero quadrinesco e na contra mão de todas as leis da física e das características biológicas dos seres vivos.

    Formado por um detetive mais jovem (com problemas no casamento, reticente sobre o trabalho da Ronda), um oficial negro (corpulento e fiel ao líder), uma mulher (feminista e bastante desbocada) e um veterano (famoso no meio e conhecedor dos meandros da profissão). A relação entre os personagens do grupo é boa e a ação promovida por eles é bem executada do ponto de vista gráfico, e isso tudo é demonstrado com uma arte consistente.

    Com desenhos de Craig Cermak, Ronda Vermelha assemelha-se bastante a um documentário em quadrinhos. Nenhuma ação da história é extremamente hollywoodiana, nenhum personagem é extremamente anabolizado e nenhuma mulher é sexualizada de forma desnecessária (ou biologicamente impossível). Tal qual sugere o roteiro da aventura, os desenhos se mantém, durante todo o decorrer da série, o mais pé-no-chão possíveis. Cermak trabalha com qualidade alta se comparado a um quadrinho de linha regular mas isso não implica dizer que qualquer quadro precise ser aumentado e enquadrado para colocar na parede. O time de coloristas usa, estes sim, de forma incrível para compor as duas timelines que são exploradas e mantendo fácil de entender toda a ação noturna que o roteiro impõe. Do ponto de vista artístico, um quadrinho bonito e gostoso de folhear.

    Com arte pouco extraordinária e um dos roteiro mais realista que Ennis escreveu, Ronda Vermelha se apresentou como uma aventura de leitura rápida igualmente fácil e gostosa de acompanhar. Uma graphic novel bastante realista, que não emplaca nenhum momento épico mas que vale a pena manter na estante para mostrar àquele seu amigo que não gosta de história em quadrinho porque acha que tudo se resume ao universo dos super-heróis.

    Roteiro simples, boas artes e excelente cores: o conjunto da obra é excelente e para qualquer leitor adulto.

     

  • Resenha | Tex Graphic Novel: Drama no Deserto – Volume 3

    Resenha | Tex Graphic Novel: Drama no Deserto – Volume 3

    A série de Graphic Novels do cowboy Tex Willer segue firme, em Tex Graphic Novel: Drama no Deserto – Volume 3 o roteirista e editor da linha Tex, Mauro Boselli, retorna como foi em Tex Graphic Novel: Frontera! – Volume 2, agora acompanhado do capista de Dylan Dog, Angelo Stano na arte. A história se passa no sudoeste americano, um banco no Novo México é assaltado e a esposa do Xerife é sequestrada. O herói do oeste vai rumo ao resgate dessa moça e dos assaltantes, acompanhado do outro agente da lei.

    O cenário do Deserto Pintado é maximizado dentro da proposta da revista em tamanho grande. Os aspecto visuais se tornam deslumbrantes. As montanhas e os canyons formam quadros dignos de gravuras antigas  e o uso das cores aumenta a profundidade  dos ambientes naturais. Além disso, há um cuidado com signos e simbologia, como o uso de corvos para referenciar a morte e de animais peçonhentos referenciando os traidores.

    A origem navaja de Tex é bem explorada, desde a questão óbvia de suas vestes que incluem até uma faixa com desenhos tribais, além de outras mais sutis, como a familiaridade com a natureza. O deserto vasto, traiçoeiro, é belo e poético se tornando o túmulo das ideias dos assaltantes, servindo como um pavio curto para os planos desses malfeitores que são obviamente fadados a perecer. Tex não subestima o lugar,  parece conhecedor de lugares como esse e por isso não se permite vangloriar-se em excesso ou ao ponto de se julgar superior a terra.

    A história é curta, divertida, direta ao ponto, não possui rodeios e muito menos apego a estereótipos. Os arquétipos são invertidos e corrompidos ao longo das cinquenta páginas e isso garante ao gibi um caráter de ineditismo capaz de surpreender até o leitor mais familiarizado com o heroi de Gianluigi Bonelli. Além disso, o traço de Stano dá uma boa dimensão de qual é o universo estabelecido do defensor da lei, servindo bem não só de expansão das histórias clássicas e atuais, mas também soando atraente aos possíveis novos leitores.

    A inversão de expectativas sentimentais acompanhada da tímida manifestação sobrenatural  surpreendem quem não está acostumado ou ambientado com as histórias do ranger, mas a suspensão de descrença é meramente tocada, não há nada com grande alarde. Tex é um mero coadjuvante da uma história que é sobretudo humana, repleta de contradições e intenções torpes da parte dos homens brancos, sendo reverencial aos índios nativos americanos, defendendo eles de maneira bem eloquente, sem parecer didático.


     

  • Resenha | Ramthar

    Resenha | Ramthar

    Ramthar é um quadrinho brasileiro resgatado pela Editora Mythos. A obra reúne histórias de um mundo em colapso, com o personagem-título sendo fruto desse cenário apocalíptico, vivendo entre a violência extrema e a sobrevivência ameaçada a todo momento. Esse quadrinho resgata uma história desenhada e escrita por Mozart Couto, desenhista que marcou época nos quadrinhos nacionais, e finalizada por Mike Deodato, e outra escrita pelo pai deste último, Deodato Borges o criador do personagem, com arte do filho.

    Couto produz uma história densa e difícil. A arte em preto e branco ajuda a grafar ainda mais a agressividade da narrativa. A primeira parte é fluida, fácil de ler, repleta de elementos narrativos adultos, além de uma originalidade em sua abordagem, apesar de não ser um personagem inédito em motivações e estilo de combate, ao menos não é um genérico ou enlatado norte-americano.

    É engraçado como elementos tão diferentes se cruzam. O cenário faz lembrar o bucólico e paupérrimo presentes em O Exterminador do Futuro e Mad Max 2. No que toca o protagonista, há características singulares, como o fato de se citar em terceira pessoa, e um visual que se assemelharia ao herói dos games God of War, quase como um proto Kratos. Já os personagens periféricos guardam coincidências visuais leves com figurantes vistos em Blade Runner, Waterworld e até o filme Conan: O Bárbaro de 1982.

    A parte que cabe ao Deodato desenhar é diferente em narrativa, a história reúne outras referências visuais e em argumento também. O tom é mais sujo, cínico, uma versão bem diferente em tônica da primeira, o roteiro de Borges é verborrágico, remetendo ao Conan de Roy Thomas. Ler Ramthar faz ter curiosidade por mais momentos como esse, e por outras criações de Deodato Borges, e resulta em um resgate necessário e infelizmente isolado.

  • Resenha | Tex Graphic Novel: Frontera! – Volume 2

    Resenha | Tex Graphic Novel: Frontera! – Volume 2

    Para leitores menos acostumados com as publicações de Tex, talvez seja um pouco difícil escolher por onde começar a apreciar as publicações da Sergio Bonelli Editore, uma vez que há dezenas de publicações diferentes. A cronologia da criação de  Gianluigi Bonelli pode parecer confusa em algum momento, e uma boa porta de entrada são as versões de Tex Graphic Novel. Histórias curtas, em torno de 50 páginas, coloridas – ao contrário do restante da tradição de fumetti. Esta Tex Graphic Novel: Frontera – Volume 2 é bem o resumo da iniciativa: uma historia direta, que não carece de cronologia prévia, e bem fiel ao material original.

    Em Tex Graphic Novel: O Herói e a Lenda, o criador de Drunna (personagem voluptuosa dos quadrinhos de ficção científica italianos) Paolo Serpieri usa seu traço característico e realista para dar mais camadas a Tex Willer. No entanto o personagem de moral ilibada e comportamento típico de um paladino é tratado como uma lenda nesta história especifica, portanto, essa edição com texto de Mauro Boselli (a época, escritor e editor dos títulos Tex) e com desenhos de Mario Alberti não leva tão em conta a número 1, como se ela fosse na realidade uma edição zero. No prefácio, Davide Bonelli cogita que aquele era um sósia do real cowboy de tão diferente que ele parece.

    A vingança é um tema recorrente nos western e aqui não é diferente. A bela Blanche Denoel busca justiça e revanche. A trama por mais simples que pareça tem muito do que era o cinema clássico de mocinho e bandido pelos cenários do velho oeste. A composição visual, aliás, dá conta de paisagens belíssimas. As páginas mostram tanto os ambientes naturais quanto os lugares comuns, como cadeias e bordeis, que povoam as pequenas cidades do Oeste de um modo bem real, retratados de forma fidedigna em atenção ao que a cultura pop (sobretudo o cinema) costumavam retratar à época, dando uma atmosfera de realidade bem condizente com o que se imagina que era o período e a localidade.

    Tex é tirado de uma prisão em uma simbologia clara de renascimento, atendendo ao intuito de desvincular as versões do Volume anterior. O uso das cores também impressiona, sobretudo quando imperam o amarelo e tons derivados. Como tradicionalmente as histórias do personagem são em preto e branco, muitos leitores acham que o uso de uma camisa cor de gema de ovo seria um alvo perfeito para  a morte do herói. Mas aqui ela condiz muito com o cenário, com o deserto e até as diligências, desse modo, é como se esse uniforme tivesse o caráter de camuflagem, não literal obviamente, mas espiritual. As cidades ficam ainda mais bonitas e vistosas graças à luz do sol e ao tom de dourado que mira o das recompensas em moedas pela captura dos mal feitores.

    A arte de Alberti é tão diferenciada que faz o leitor não sentir tanta saudade de Serpieri. Claro que o estilo dos dois é diferente (e muito), mas há um realismo quase cínico da parte do desenhista. Seu traço dá uma sobriedade a história que faz lembrar que essa é uma obra italiana. E que por  mais que se emule o comum aos filmes de faroeste hollywoodiano, há muito mais de Sergio Leone, Sergio Corbucci e cia nas histórias de Willer, sobretudo nestas graphic novels. A história que Boselli apresenta está longe de ser primorosa, bem comum aliás, repleta de clichês das historias de bang-bang e dos clichês típicos das historias clássicas de Tex, mas se encaixa bem com os desenhos de Alberti, servindo não só ao intuito de introduzir novos leitores como de ser reverencial ao personagem longevo, acrescentando mais a sua mitologia, mesmo em uma história breve.

  • Resenha | Tex 607: A Filha de Satânia

    Resenha | Tex 607: A Filha de Satânia

    Tex: A Filha de Satânia é um quadrinho de linha das revistas Tex, publicada no número 607 da Editora Mythos de mesmo nome. A historia conduzida pelo escritor e editora da Bonelli Mauro Boselli, , e desenhada por Michele Benevento, mostra uma aventura do ranger Tex Willer, acompanhado de seu velho amigo Kit Carson, que veem a aproximação de uma moça, que usa as cores e o nome de uma bandida antiga, a bela e perigosa Satânia.

    A exploração da personagem resgata a ideia de legado, como é bem comum nos comics norte-americanos, a filha de uma antiga vilã ressurge com o manto de sua mãe, como aconteceu inúmeras vezes, o Duende Verde  já foi Norman e Harry Osborn nas histórias do Homem-Aranha, pai e filho também já foram os portadores do nome Kraven, o Caçador e outros tantos personagens de DC e Marvel também usaram desse artifício, não só como malfeitores como mocinhos também. Isso ajuda a guardar semelhanças dessas aventuras de faroeste com o mainstream das historias populares nos Estados Unidos, embora não pareça nada gratuito, é só uma referência bem encaixada mesmo.

    A historia é bem comum, mostra momentos escapistas, tem duelos entre animais selvagens e humanos, possui perseguições típicas entre herói e vilões, com capangas e estruturas bem normais a filmes e livros de western. Boselli escreve bem ao estilo dos clássico Bonelli, os desenhos de Benevento não tem uma grande movimentação ou dinamismo visual, a violência não é tão gráfica, até os tiroteios parecem lentos. Além disso, o texto é verborrágico, há um excesso de explicações, para o leitor que não está acostumado com o comum dentro das revistas da editora italiana.

    Se a ação não é tão gráfica, ao menos os cenários são bem detalhados, fato que ajuda a fomentar o tom tradicional da historia, que mira ser um conto escapista de tentativa de revanche, como um bom episódio das séries de faroeste que povoavam as sessões de matine nos cinemas ou as manhãs e tardes das televisões antigas. Tex: A Filha de Satânia apesar de ser uma historia bem recente, de 2019, possui um tom bem clássico, condizente com os momentos típicos do herói que enfrenta os fora da lei do velho oeste americano.

  • Resenha | Tex 609: A Fúria de Makua

    Resenha | Tex 609: A Fúria de Makua

    O jovem Makua um índio nativo sai da prisão de El Paso e vai na direção de Tex Willer, o ranger que o salvou de perder seu futuro, e em meio a essa jornada, ele encontrará outros nativos americanos. Esse é o início e sinopse de A Fúria de Makua, do revista de linha do cowboy texano publicado no Brasil pela Editora Mythos.

    O roteiro é assinado por Pasquale Ruju, com desenhos de Afonso Font, e a revista reforça a ideia de cronologia solidificada dos personagens Bonelli. O nativo americano lembra de velhos mestres, homens maus e a libertação mental e física que Tex concedeu. As explicações em flashback ajudam o leitor mais novo a entender perfeitamente o contexto em que a história se encontra dentro da cronologia do personagem.

    Font desenha com um nível de detalhismo absurdo, desde detalhes das roupas as armas. Mesmo as expressões dos personagens são muito bem feitas e tudo passa longe do genérico, e isso se vê principalmente entre Makua e Mateus, dois nativos da mesma tribo mas muito diferentes entre si, de índole distinta, mas com o passado em comum. A história contemporânea (lançada em 2019) mostra duas versões de presente de naturezas semelhantes.

    O roteiro é igualmente afiado. As cenas de ação são enérgicas, fluídas e repleta de detalhes, além disso a configuração dos personagens é bem mostrada, há com o que se importar. Makua, o coprotagonista, é estiloso, tem formas diferentes de luta, se expressa de modo sofisticado e diferente de todos os outros homens e mulheres, até no modo de se vestir, parece um homem à frente de seu tempo.

    Tex é um herói de muitas camadas. Apesar de sua postura ter muito a ver com a do herói clássico, ele possui nuances que são percebidas ao longo de suas aventuras, e nessas mais recentes isso é bastante, desde pequenos gestos e ações mais específicas. Está longe de ser maniqueísta, mas é bastante justo, e passa esse senso para os que o rodeiam. Ele não é só o herói, mas também mentor, e isso faz dele um personagem complexo e completo, e este trabalho que Ruju faz conversa bem com o tradicional que Gian Luigi Bonelli ou Mauro Boselli fizeram com o personagem, acrescentando camadas mais sentimentais a uma historia típica do velho-oeste americano.

  • VortCast 89 | Diários de Quarentena XVII

    VortCast 89 | Diários de Quarentena XVII

    Bem-vindos a bordo. Rafael Moreira (@_rmc), Filipe Pereira (@filipepereiral), Jackson Good (@jacksgood), Bruno Gaspar e Flávio Vieira (@flaviopvieira) retornam para mais um papo sobre editores, política e muito mais.

    Duração: 100 min.
    Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Resenha | Nick Raider: Golpe de Cena

    Resenha | Nick Raider: Golpe de Cena

    Segundo volume das aventuras do detetive criado por Claudio Nizzi, Golpe de Cena traz o detetive Nick Raider às voltas com uma trama que tem um ponto de partida um tanto quanto curioso: durante o roubo de selos raros, um ladrão é surpreendido pelo dono da coleção e sua esposa. Após uma briga, o bandido acaba acidentalmente matando o colecionador e foge em pânico. Porém, o que deveria ser somente um furto, acaba se tornando uma investigação de homicídio, ao passo que as evidências apontam para a esposa do colecionador, pois o ladrão não deixou nenhuma pista e somente ela presenciou o crime.

    Com roteiro de Giuseppe Ferradino, Nick Raider mais uma vez abraça suas inspirações hollywoodianas, com uma trama rocambolesca, mas que vai se amarrando à medida que os fatos ocorrem. Elementos clássicos e recorrentes se encontram presentes na história e o protagonista se demonstra sempre obstinado na resolução do caso, nem que pra isso tenha que questionar seus superiores e agir à margem da lei, principalmente quando isso envolve uma donzela em perigo.

    Entretanto, um elemento clássico das histórias de Nick Raider não aparece aqui: o lado galanteador do detetive. Nick é retratado um pouco mais distante pelo roteiro de Ferradino, o que é algo interessante, pois aumenta a seriedade do personagem em detrimento da sua habitual (e divertida) canastrice. Outro ponto bem interessante do roteiro é o tratamento dado à Marvin, parceiro de Nick. Claramente inspirado no detetive Axel Foley, interpretado por Eddie Murphy em Um Tira da Pesada, o detetive Marvin Brown aqui participa mais diretamente da trama, deixando de ser apenas um alívio cômico, e infelizmente, alvo de piadas racistas do protagonista (algo bastante questionável à época da publicação, mas ainda recorrente em diversas mídias).

    Há de se ressaltar também, a ótima arte de Gustavo Trigo, repleta de dinamismo e detalhismo, e que trazem uma ótima noção de movimento e proporcionam prazer aos olhos do leitor. Golpe de Cena é mais uma história divertida e de fácil leitura apesar das viradas de roteiro que acontecem no seu desenrolar. Mais um bom exemplar da editora italiana Sergio Bonelli Editore lançado pela Editora Mythos.

    Compre: Nick Raider – Golpe de Cena.

  • Resenha | Juiz Dredd: Heavy Metal

    Resenha | Juiz Dredd: Heavy Metal

    O agente Dredd não tem tempo pra interrogatórios, mesmo sendo o policial Juiz de Mega-City Um. Sempre com os dentes cerrados e o queixo repleto de cicatrizes, tem no seu capacete em forma de X o seu segundo símbolo mais forte, logo depois da violência pra maiores de 18 anos que lhe é tão característica. Aqui, é fogo contra fogo o tempo todo, já que o cenário é pós-apocalíptico e a diplomacia não é mais permitida entre os seres-humanos há muitos séculos. Tudo virou martírio e safadeza, metralhadoras e zumbis, e a única lei é a da bala – o futuro repetindo um passado de cowboys e cangaceiros sem perdão, muito menos jurisdição. É em Juiz Dredd: Heavy Metal que as coisas ficam feias pra valer.

    Se em Assassinos Seriais, Dredd enfrentou todo tipo de maníaco psicótico que cruzou seu caminho, e em Sobrenatural a sua inteligência foi testada por combater forças que ele não pode tocar, nem esmurrar, em Heavy Metal Dredd parece andar literalmente num inferno de almas encarnadas, num pesadelo que nem Batman nem Spawn gostariam de experimentar. Nesta edição de capa dura da Mythos Editora, a Mega-City do Juiz nunca pareceu tão animalesca e grotesca, vestindo de uma vez por todas a face mais diabólica do terror policial urbana, em uma dezenas de histórias ambientadas nessa metrópole esquecida por Deus nas quais a paranoia reina incessante. Um mundo de crimes, luxúria e danação em narrações que só podem ser embaladas pelo mais brutal som de heavy metal, caso haja algum que se compare a força de certos momentos. Dredd está certo: aqui, ou você mata ou bebe do seu próprio sangue.

    Gotham City parece a Disney no fim de tarde perto dos domínios vigiados por Dredd. Em O Fã, talvez a melhor histórica do encadernado (um primor gráfico feito sob medida aos mais exigentes colecionadores), temos uma celebridade do rock sequestrada por assassinos bestiais junto do seu maior fã, um adolescente de roupas coloridas e que vive entusiasmado com tudo – tudo, mesmo. Talvez seja esse conto o exemplo mais sagaz e irônico da adrenalina que permeia Heavy Metal, num turbilhão de loucuras que só encontram na figura de Dredd um possível limite – e o fim, geralmente escorrendo pela parede ou numa morte involuntária. Na perversa e absurda A Lenda de Johnny Motoqueiro, dois motoqueiros apostam corrida um com o outro, e é claro que tudo dá errado e cabe a Dredd acalmar os ânimos deles. Eis uma violência (aqui, exagerada) que nasce de dentro do instinto de competição do homem, e que seja qual for o ambiente, sempre se manifesta e faz a razão de refém, em largas ou pequenas doses.

    Todavia, se o propósito de Heavy Metal é extremista quanto a essência do caos que a humanidade, sem a esperança de um futuro melhor, permite-se extravasar e se auto destruir, artistas como John Wagner, Alan Grant, Simon Bisley e John Hickleston montam um mural surreal de dar inveja a qualquer história do Motoqueiro Fantasma, com ilustrações chocantes e um suspense bem construído página a página, feito as imagens perturbadoras de A Guitarra Mais Perigosa do Mundo, o suspense de O Grande Alvo e, é claro, o clima infernal de Chimpassinos, em que velhinhas moralistas se conectam aos cérebros de macacos gigantes para cometerem as maiores atrocidades com quem elas consideram imoral, enquanto ficam sentadas em suas poltronas fofinhas. Ser o Dredd não é fácil, mas pelo menos ele tem estilo, muita lenda pra contar e sempre sobrevive no final, igual o John Constantine. Esses dois juntos iam botar pra quebrar.

    Compre: Juiz Dredd – Heavy Metal.

  • Resenha | Campos de Batalha – Volume 1

    Resenha | Campos de Batalha – Volume 1

    Campos de Batalha – Volume 1 compila duas minisséries escritas por Garth Ennis ambientadas na Segunda Guerra Mundial. O quadrinho publicado pela Editora Mythos (e infelizmente descontinuado devido as baixas vendas) mostram uma faceta bem elogiada do escritor especialista ao mostrar os terrores e meandros do ambiente sujo da guerra, como foi em sua fase à frente do Justiceiro Max, sendo essa edição com foco em mulheres protagonistas, mostrando um lado pouco explorado dentro da estética e atmosfera da guerra.

    A primeira história, Bruxas da Noite, tem três partes e apresenta um grupo de aviadoras russas. O desenhista Russel Braun tem dois aspectos positivos bem pontuados: primeiro, nos combates aéreos e nos detalhes das máquinas voadoras, e segundo (e mais importante) na violência absurda do combate em solo, seja na troca de tiros na terra, ou nas consequências dos disparos aéreos.

    Essa visceralidade dá ao roteiro camadas profundas, pois contrastam bem com a desolação sentimental dos personagens que se veem no meio de um conflito que abreviará (ou desgraçará) a vida de quase todos dali. O grafismo é equilibrado, e a arte é discreta em matéria de corpos e feições humanas. As páginas duplas são esplêndidas, sobretudo nas batalhas de aviões e nos golpes secos de armas brancas entre os nazistas e soviéticos.

    Ao escrever super heróis, Ennis é normalmente associado como um cínico, mas ao tratar de guerra, é natural que os temas espinhosos sejam apresentado com mais equilíbrio como a prática hedionda do estupro, algo que em tempos normais é encarado como crime hediondo mas, em épocas de guerra, é visto como um pecado menor, ainda mais quando a ação ocorre contra o “inimigo” (basta ver outros quadrinhos que retratam o momento como Maus  ou o sul-coreano Grama).Até os momentos mais chocantes são mostrados aqui sem alarde, de maneira pragmática, reiterando a sensação de que a guerra desperta no homem os instintos mais primitivos e cruéis.

    A parte dois, Querido Billy (Batttlefields Dear Billy) se apresenta com uma capa alternativa linda de Garry Leach (alias, as capas das edições internacionais são sensacionais. John Cassaday traz artes deslumbrantes que mostram a sede de sangue dos soldados sanguinários. ). Seu inicio é sem respiros com mulheres sendo dizimadas por fuzilamento em uma praia, mostrando em seguida uma delas sobrevivendo a chacina.

    Os desenhos dessa vez são de Peter Snejberg que tem um talento para desenhar dilacerações como ninguém. As cores de Bob Steen destacam um quadro bonito e melancólico, seja nas paisagens ou na tentativa de uma vingança pessoal. Aqui se percebe que mesmo pessoas de boa índole e intenção tendem a se transformar em monstros com sede de vingança e sangue.

    Snejberg desenha veículos de maneira bem detalhada, especialmente os bombardeiros aéreos. Sua arte combina ainda mais com o texto de Ennis do que Braun. O desfecho da história poetiza o sentimento suicida e revanchista, mostrando o grande lado humano de seus personagens.

    Campos de Batalha ainda possui no final de cada história alguns esboços dos dois desenhistas. É realmente uma pena que a série não tenha feito o sucesso que merecia, talvez com um trabalho de marketing mais acurado e especifico, certamente geraria melhores resultados. As histórias são curtas, fáceis de ler, e por mais que a violência seja um bocado perturbadora, é fácil apreciar este trabalho, que denuncia o caráter totalmente nefasto das guerras modernas.

    Compre: Campos de Batalha.

  • Resenha | Juiz Dredd: Sobrenatural

    Resenha | Juiz Dredd: Sobrenatural

    “Os mortos julgam os seus.”

    As histórias pós-apocalípticas do Juiz Dredd em sua famosa cidade de Mega-City Um, rodeada por um mundo de zumbis além de suas muralhas, carregam um gosto de fatalidade que pode ser notado, inclusive, no forte erotismo letal que parece punir os cidadãos (e jovens) de maior luxúria, tanto quanto a fúria da justiça cega – simbolizada pelo capacete do X vermelho, tapando os olhos do Juiz. Uma alegoria da sobrevivência urbana em zonas extremamente violentas, e com o aval de uma deliciosa ficção científica bem distópica que, em Juiz Dredd – Sobrenatural, flerta com demônios e fenômenos inexplicáveis para complicar as investigações pelo submundo do crime. Entre os maiores e mais perturbadores inimigos do Juiz, nem todos vivem na Terra ao alcance de seus punhos e suas balas. Às vezes, a escuridão prevalece.

    Com um misto de horror e imaginação científica no maior estilo Blade Runner, com carros voadores, androides e uma paranoia instalada no comportamento das pessoas, as histórias de Sobrenatural testam a resistência do policial mais casca dura de Mega- City Um, a Megona, revirando e sendo capturado por forças ocultas e toda a sorte de bizarrices e armadilhas espetaculares que nem o seu aparato tecnológico, e nem as leis humanas de punição conseguem lidar, ou reprimir seus efeitos. Em O Satanista, o leitor de cara já é seduzido por uma trama de um culto de adoração a Satã e canibalismo, num suspense muito bem construído (e inventivo) fazendo-nos duvidar se, realmente, o Juiz durão vai viver pra contar essa estória. Como lidar com as trevas quando o mundano já se embrenhou em nós, nos tornando céticos para que, de repente, o fantástico venha à tona? Dredd subestima as sombras; não dá pra bater no tinhoso.

    Em O Julgamento, uma entidade misteriosa, cuja imagem lembra a de Dredd, promove sentenças públicas e o castigo (e a vingança) a todos os rebeldes e meliantes, até ela ficar fora de controle e ameaçar ainda mais a vida na metrópole futurista. Eis a mais bela história do encadernado da editora Mythos, contando aqui com as cores e o traço muito expressivo de Ian Gibson para compor cenas eletrizantes de pura perseguição policial, e um terror gótico que aumenta ao longo das páginas, e casa muito bem com esses contos de “polícia e ladrão”. O Julgamento nos introduz a policial Anderson, parceira de Dredd e com poderes paranormais que vem a calhar, mas nem Anderson é o suficiente para conter a fúria de seres de mundos inferiores. Em O Aniversariante e na sombria Chapa Astral, histórias de sacrifício humano e almas penadas compõe um mural colorido de poderosos delírios extra físicos, já que raça humana é inútil diante de poderes bárbaros e pagãos que riem dos nossos sistemas, e da nossa fé.

    Sobrenatural reúne 13 histórias (olha a numerologia) que enriquecem a mitologia do Juiz Dredd, já que a cidade que protege é um purgatório e ele, o seu guardião mais implacável, mas nenhuma tem o impacto de The Walking Dredd. Nenhuma trama desta coleção vai tão longe ao explorar os extremos do terror e a perfeita junção com o humor que pode ter nas histórias em quadrinhos, ao retratar a bestialidade humana sem limites. No que parece um pesadelo, Dredd e seus parceiros agentes da lei estão presos numa operação na Terra Maldita, um inferno que existe fora dos já mencionados portões de Mega-City Um, quando um zumbi morde e infecta o Juiz em trabalho. Mesmo assim, e sem perder o senso de justiça, o Juiz faz todo o possível para chegar até seu ‘Lar, Doce Lar’ e ser vacinado, antes que seja vire um dos descerebrados selvagens que amam vísceras, e políticos tão desumanos quanto eles. Um exemplo de resistência a dialogar com os nossos tempos. Nada mais necessário.

    Compre: Juiz Dredd – Sobrenatural.

  • Resenha | Júlia – Graphic Novel: O Caso do Criminólogo Assassino

    Resenha | Júlia – Graphic Novel: O Caso do Criminólogo Assassino

    Publicado pela Editora Mythos desde 2004, a série Júlia ou J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga é uma das séries de maior qualidade em publicação no mercado editorial brasileiro. Desde o ano passado, a HQ tem ganhado um merecido destaque em uma reedição em novo formato e novo papel. A iniciativa dá prosseguimento a um investimento feito pela editora para popularizar títulos da editora italiana Bonelli. Saem o formatinho e o papel jornal, e entra o formato italiano e papel offset. Inicialmente, Dylan Dog e Martin Mystere foram lançados no formato, em seguida uma edição limitada de Tex, pavimentando o espaço para Júlia.

    Júlia Graphic Novel é mais um desdobramento do sucesso da republicação da personagem. Uma edição de luxo, parte do selo Prime, que dá sequência à série de aventuras especiais publicadas originalmente na revista italiana Julia Almanacco Del Giallo. Depois de dez especiais em preto e branco – alguns publicados no país em edição extra e outras na edição bimestral – a série finalmente ganhou uma edição especial colorida na Itália em 2015.

    O espaço-temporal é o que diferencia as aventuras especiais de Júlia da tradicional. Nessas narrativas especiais, a personagem central ainda é uma estudante de criminologia, revelando um brilhantismo precoce em suas participações investigativas ao lado do mentor, o professor Cross. Porém,  a estrutura narrativa em que a personagem descreve parte da ação como um diário e os roteiros apurados de Giancarlo Berardi se mantêm constantes.

    O caso do criminólogo assassino expõe uma das vertentes mais tradicionais da narrativa policial: a investigação de um crime de assassinato. Embora Júlia não seja limitada a apenas esse estilo, fator que sempre traz dinamismo às varias vertentes abordadas, sem dúvida o assassinato é uma das mais cativantes.

    Convidada por seu professor a uma convenção de criminólogos, Júlia é posta no centro da ação quando um dos participantes é assassinado. A trama expõe a clássica estrutura do caso do crime do quarto fechado. Formalmente, o estilo infere um crime relativamente impossível, mas também se desdobra em assassinatos que envolvem um grupo específico de pessoas que estão presas ou situadas em um mesmo ambiente. A intenção é ampliar o mistério e instigar o leitor. Afinal, um dos presentes na narrativa é o culpado. No caso dessa trama, os personagens estão em uma vila para a conferência de criminólogos e não podem sair do local enquanto o culpado não for descoberto.

    Após mais de 200 roteiros de Júlia na época da publicação desse especial, o roteirista Berardi não perde a mão. Trabalha cada caso com afinco, desenvolvendo tramas críveis e soluções possíveis para as tramas. Seus personagens, mesmo aqueles que entram em cena brevemente, parecem fundamentais. Se destacam em cena como se fossem reais devido a verossimilhança, transformando as investigações em grandes narrativas sobre o gênero.

    Embora as narrativas utilizem recursos que se desdobram sempre com Júlia no centro da ação e da resolução do caso, não há desequilíbrio nas bases investigativas, dando vazão a uma tradição narrativa policial que preza pela credulidade. Aos poucos, a trama vai apresentado cada personagem que poderia ter alguma rusga com o assassinado, revelando motivos escondidos por detrás da civilidade das aparências, sem exageros.

    A edição faz parte do Prime Edition da Mythos com capa dura e papel de qualidade. Como as tramas são auto-contidas, a narrativa funciona tanto para novos quanto cativo leitores. Na Itália, há mais cinco edições no formato. Sem dúvida, se a edição for um sucesso, haverá também continuidade em nossas terras.

    Compre: Julia Graphic Novel – O Caso do Criminólogo Assassino.

  • Resenha | Juiz Dredd: Assassinos Seriais

    Resenha | Juiz Dredd: Assassinos Seriais

    Mega-City Um é, provavelmente, o único lugar que pode rivalizar com Gotham City para o título de pior megalópole para se morar. Um ninho irreversível de crimes e imoralidade chocante aonde habitam os piores tipos da humanidade, atraídos pela podridão urbana que torna a cidade a personagem principal da histórias do “herói” Juiz Dredd. É lá, nessa Gotham ainda mais decadente e perturbadora que aquela que temos nas páginas e filmes clássicos da DC, em que assassinos se sentem livres para atuar feito crianças na Disney, num ciclo de horrores que se auto alimenta ao atrair a escória da Terra para os domínios da cidade, em um futuro distópico e pervertido, em meados dos anos 2090. Já que tudo virou profano, é preciso haver na prática o peso da justiça no mundano reino dos homens, e somente um deles (e seu icônico capacete) consegue alcançá-la num inferno sem leis, quiçá a salvação nunca antes prometida.

    Simbolizando o fim da impunidade a qualquer custo, em um oceano de criminosos insanos (Batman iria sentir falta do Coringa, aqui), o Juiz Dredd é figura boa demais para ainda não ter ganho, em pleno 2020, uma legítima série da Netflix. Dredd faz parte da polícia especial de Mega-City Um, sendo o mais implacável entre todos os outros agentes. Além de ser um “Cavaleiro das Trevas que mata”, o Juiz não só cumpre sua missão de encontrar e exterminar os valgas (como são chamados os fora-da-lei), como de mandar os piores entre os piores para a ‘Barca’, uma prisão de segurança máxima de onde nem o Houdini conseguiria escapar. Nas ruas, Dredd é polícia, juiz, júri e executor, e a coletânea Assassinos Seriais traz episódios tenebrosos de violência policial que provam as causas dessa ética de trabalho precisar ser seguida à risca.

    Em dez estórias de tirar o fôlego, enquanto expõe o mal que existe nos prédios e becos de Megona, somos apresentados em Psicopata Global a um Facebook de serial-killers, onde todos compartilham seus absurdos, e a unidade técnica da polícia não consegue rastrear a origem do site. Logo em seguida, nos é revelado que o espaço online serve para recrutar os melhores assassinos para lutarem entre si, formando uma elite mortal a trabalho da vilã Amanda, antiga rainha do submundo que se mantém viva através de tratamentos químicos bizarros. Na fantástica Elite Assassina, escrita por Gordon Rennie e toda estilizada em preto e branco para que as explosões brilhem, e o sangue negro jorre numa verdadeira carnificina planejada, chega a hora da competição tomar corpo. Todos agem contra o tempo, e só um pode sair vivo dessa orgia de morte – e é difícil acreditar que haverá um novo dia para Dredd fazer seus julgamentos, depois disso. Ação e terror na medida certa, belissimamente bem ilustrada por Paul Marshall. Bravo.

    Mas talvez seja no conto O Connoisseur que Assassinos Seriais, publicada com absoluta excelência gráfica no Brasil pela Mythos Editora, atinja então o seu ponto mais alto. Após algumas boas e regulares histórias, com vilões de todo tipo atormentando o Juiz e seus bons companheiros de trabalho (a maioria fica pelo caminho, ora por não terem sua experiência, ora por puro azar), conhecemos o Fome. Um psicopata obscuro que, por não sentir nada, mata as pessoas para absorver suas sensações na hora da morte. O mais interessante entre todos os antagonistas, o Fome cruza o caminho do Juiz sem querer, em um simples elevador, e é o único valga de Mega-City que aparenta ter consciência das implicações morais sobre o mal que pratica, ainda que por instinto. Ele precisa sentir a felicidade, o medo, o amor que a ele é transmitido apenas quando essas sensações são retiradas do corpo das pessoas – mas não porque essa transmissão voraz traz consigo algo de real e humano, numa cidade desumana, e sim porque ele existe para isso. Esse é o seu trabalho de destruição no mundo.

    Felizmente, o de Dredd é aplicar a Lei de Talião para quem faz da sua cidade um labiríntico filme de terror, e todas as histórias aqui escolhidas retratam com exatidão a urgência de retaliação que existe nesta realidade desoladora, e que parece viver nas trevas o tempo inteiro. Seu anti-herói é literalmente o que ela precisa: um homem, quase uma entidade, mais preocupado em punir seus algozes que proteger os cidadãos comuns. O Juiz Dredd pode ser visto como um arauto imediato da vingança do bem para com as forças malignas que corromperam sua ordem, e dela retiraram a sua luz, a sua estabilidade. Todavia, a criação de John Wagner e Carlos Ezquerra não é nada maniqueísta, capaz dos atos mais altruístas e cruéis com quem merece, e dialoga com o caos do mundo real, com a justiça dos homens que quase sempre falha em inúmeros casos de grande impacto social. Deixa espaço, ainda, para refletir sobre o papel de monitoramento que a tecnologia cada vez mais tem nas sociedades, uma quebra de privacidade que pode ser usada para as melhores, e piores intenções das instituições públicas, ou privadas. Assassinos Seriais é obra-chave para qualquer colecionador de HQ’s ter em sua estante, só pelo prazer de revisitá-la, de vez em quando.

    Compre: Juiz Dredd – Assassinos Seriais.

  • Resenha | Konungar: A Guerra dos Reis

    Resenha | Konungar: A Guerra dos Reis

    Konungar: A Guerra dos Reis retrata uma aventura nórdica, com referenciais à literatura fantástica clássica. Sua história se situa no Reino de Alstavik baseando-se na batalha entre dois irmãos, Rildrig e Sigvald. A narrativa passa basicamente pelo olhar da irmã dos dois, a bela Elfi, que tenta trazer um acordo amistoso entre os dois.

    A arte da publicação é estonteante, assinada por Juzhen, em uma edição em capa dura da Editora Mythos, cujo capricho visual faz aumentar ainda mais o caráter épico da abordagem. Cada detalhe visual visa maximizar a luta do povo desse reino escandinavo, para proteger seu “mundo” do ataque dos celtas. É só uma pena que essa edição não possua textos assessórios a respeito dos artistas responsáveis pela obra e suas carreiras.

    A trama de Sylvain Runberg não demora a mostrar as criaturas mágicas típicas da mitologia nórdica e viking. A ação é franca, com embates de flechas, batalhas de espadas onde homens e monstruosidades entram em combates. Essa linha de frente entra em contraste total com as figuras dos castelos, onde a alta nobreza claramente não tem o mesmo contato com o perigo que a plebe, e isso evidentemente gera choques, embora o intuito da história não seja discutir essa disputa ideológica.

    A hierarquia palacial e estratégica em conflito é bem exemplificada, antes mesmo dos conflitos internos familiares entre nobres. As questões envolvendo os monstros e humanoides são bem mostrados. Os centauros parecem ser um bom motivo para uma possível trégua entre o rei e o irmão exilado, pensada por sua vez por Elfi, embora as intenções dos dois não seja tão maniqueísta quanto a premissa da história parece propagar.

    O encontro de domínios põe em combate figuras irracionais contra bestas acéfalos, e incrivelmente, não são os centauros as criaturas mais bárbaras dessa disputa. É curioso como Juzhen consegue ao mesmo tempo apelar para um visual gore bastante gráfico, ao passo que as imagens de dilacerações e desmembramentos não parecem gratuitas. É difícil descrever em palavras, mas há alguma elegância na escolha onde é colocada a violência ao mostrar os cavalos cortados ao meio, jogados em pequenos quadros nas páginas sem um destaque central. A recriação das paisagens também soam absurdas de tão belas, em especial nos cenários comuns, que parecem reais. Ao mesmo tempo que a arte faz predominar tons escuros, não há receio da reconstrução histórica em mostrar cores vivas nos uniformes e bandeiras de guerra.

    Há claros elementos de livros como os clássicos de J.R.R. Tolkien e Marion Zimmer Bradley, além dos quadrinhos do Conan, em especial os de John Buscema e Roy Thomas, baseado nos contos de Robert Howard, existem elementos até de mesmo Pacto com Lobos, filme francês de Christophe Gans bem menos aclamado do que realmente merece. Ao passo que as mulheres no traço de Juzhen, são tão voluptuosas quanto na maioria dos quadrinhos mainstream, ou seja, modelos com corpos esculturais que reproduzem o padrão estético da década atual e não necessariamente à época que retrata, ainda assim, há espaço no roteiro para discutir violência entre quatro paredes, sobretudo nas relações dessa nobreza. O roteiro trabalha bem com todos esses elementos, e mesmo em seus clichês, há uma boa exploração temática. Essa talvez seja a maior riqueza do texto, que é evidentemente mais escapista e fantasioso do que preocupado em abordar politicamente seu mundo.

    A história é repleta de intrigas e traições. O modo como a trama se desenrola faz perguntar se em nome da ética, traições a nação são justificáveis, mesmo vertendo o pensamento ideológico a época e a cultura nórdica. Konungar: A Guerra dos Reis acaba mostrando pessoas corrompidas pelo poder, e que em meio as agruras da guerra, acabam apelando para medidas drásticas, resultando em um trabalho visual diferenciado da dupla Juzhen e Runberg.

    Compre: Konungar: A Guerra dos Reis.