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  • Resenha | Juiz Dredd: Heavy Metal

    Resenha | Juiz Dredd: Heavy Metal

    O agente Dredd não tem tempo pra interrogatórios, mesmo sendo o policial Juiz de Mega-City Um. Sempre com os dentes cerrados e o queixo repleto de cicatrizes, tem no seu capacete em forma de X o seu segundo símbolo mais forte, logo depois da violência pra maiores de 18 anos que lhe é tão característica. Aqui, é fogo contra fogo o tempo todo, já que o cenário é pós-apocalíptico e a diplomacia não é mais permitida entre os seres-humanos há muitos séculos. Tudo virou martírio e safadeza, metralhadoras e zumbis, e a única lei é a da bala – o futuro repetindo um passado de cowboys e cangaceiros sem perdão, muito menos jurisdição. É em Juiz Dredd: Heavy Metal que as coisas ficam feias pra valer.

    Se em Assassinos Seriais, Dredd enfrentou todo tipo de maníaco psicótico que cruzou seu caminho, e em Sobrenatural a sua inteligência foi testada por combater forças que ele não pode tocar, nem esmurrar, em Heavy Metal Dredd parece andar literalmente num inferno de almas encarnadas, num pesadelo que nem Batman nem Spawn gostariam de experimentar. Nesta edição de capa dura da Mythos Editora, a Mega-City do Juiz nunca pareceu tão animalesca e grotesca, vestindo de uma vez por todas a face mais diabólica do terror policial urbana, em uma dezenas de histórias ambientadas nessa metrópole esquecida por Deus nas quais a paranoia reina incessante. Um mundo de crimes, luxúria e danação em narrações que só podem ser embaladas pelo mais brutal som de heavy metal, caso haja algum que se compare a força de certos momentos. Dredd está certo: aqui, ou você mata ou bebe do seu próprio sangue.

    Gotham City parece a Disney no fim de tarde perto dos domínios vigiados por Dredd. Em O Fã, talvez a melhor histórica do encadernado (um primor gráfico feito sob medida aos mais exigentes colecionadores), temos uma celebridade do rock sequestrada por assassinos bestiais junto do seu maior fã, um adolescente de roupas coloridas e que vive entusiasmado com tudo – tudo, mesmo. Talvez seja esse conto o exemplo mais sagaz e irônico da adrenalina que permeia Heavy Metal, num turbilhão de loucuras que só encontram na figura de Dredd um possível limite – e o fim, geralmente escorrendo pela parede ou numa morte involuntária. Na perversa e absurda A Lenda de Johnny Motoqueiro, dois motoqueiros apostam corrida um com o outro, e é claro que tudo dá errado e cabe a Dredd acalmar os ânimos deles. Eis uma violência (aqui, exagerada) que nasce de dentro do instinto de competição do homem, e que seja qual for o ambiente, sempre se manifesta e faz a razão de refém, em largas ou pequenas doses.

    Todavia, se o propósito de Heavy Metal é extremista quanto a essência do caos que a humanidade, sem a esperança de um futuro melhor, permite-se extravasar e se auto destruir, artistas como John Wagner, Alan Grant, Simon Bisley e John Hickleston montam um mural surreal de dar inveja a qualquer história do Motoqueiro Fantasma, com ilustrações chocantes e um suspense bem construído página a página, feito as imagens perturbadoras de A Guitarra Mais Perigosa do Mundo, o suspense de O Grande Alvo e, é claro, o clima infernal de Chimpassinos, em que velhinhas moralistas se conectam aos cérebros de macacos gigantes para cometerem as maiores atrocidades com quem elas consideram imoral, enquanto ficam sentadas em suas poltronas fofinhas. Ser o Dredd não é fácil, mas pelo menos ele tem estilo, muita lenda pra contar e sempre sobrevive no final, igual o John Constantine. Esses dois juntos iam botar pra quebrar.

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  • Resenha | Juiz Dredd: Sobrenatural

    Resenha | Juiz Dredd: Sobrenatural

    “Os mortos julgam os seus.”

    As histórias pós-apocalípticas do Juiz Dredd em sua famosa cidade de Mega-City Um, rodeada por um mundo de zumbis além de suas muralhas, carregam um gosto de fatalidade que pode ser notado, inclusive, no forte erotismo letal que parece punir os cidadãos (e jovens) de maior luxúria, tanto quanto a fúria da justiça cega – simbolizada pelo capacete do X vermelho, tapando os olhos do Juiz. Uma alegoria da sobrevivência urbana em zonas extremamente violentas, e com o aval de uma deliciosa ficção científica bem distópica que, em Juiz Dredd – Sobrenatural, flerta com demônios e fenômenos inexplicáveis para complicar as investigações pelo submundo do crime. Entre os maiores e mais perturbadores inimigos do Juiz, nem todos vivem na Terra ao alcance de seus punhos e suas balas. Às vezes, a escuridão prevalece.

    Com um misto de horror e imaginação científica no maior estilo Blade Runner, com carros voadores, androides e uma paranoia instalada no comportamento das pessoas, as histórias de Sobrenatural testam a resistência do policial mais casca dura de Mega- City Um, a Megona, revirando e sendo capturado por forças ocultas e toda a sorte de bizarrices e armadilhas espetaculares que nem o seu aparato tecnológico, e nem as leis humanas de punição conseguem lidar, ou reprimir seus efeitos. Em O Satanista, o leitor de cara já é seduzido por uma trama de um culto de adoração a Satã e canibalismo, num suspense muito bem construído (e inventivo) fazendo-nos duvidar se, realmente, o Juiz durão vai viver pra contar essa estória. Como lidar com as trevas quando o mundano já se embrenhou em nós, nos tornando céticos para que, de repente, o fantástico venha à tona? Dredd subestima as sombras; não dá pra bater no tinhoso.

    Em O Julgamento, uma entidade misteriosa, cuja imagem lembra a de Dredd, promove sentenças públicas e o castigo (e a vingança) a todos os rebeldes e meliantes, até ela ficar fora de controle e ameaçar ainda mais a vida na metrópole futurista. Eis a mais bela história do encadernado da editora Mythos, contando aqui com as cores e o traço muito expressivo de Ian Gibson para compor cenas eletrizantes de pura perseguição policial, e um terror gótico que aumenta ao longo das páginas, e casa muito bem com esses contos de “polícia e ladrão”. O Julgamento nos introduz a policial Anderson, parceira de Dredd e com poderes paranormais que vem a calhar, mas nem Anderson é o suficiente para conter a fúria de seres de mundos inferiores. Em O Aniversariante e na sombria Chapa Astral, histórias de sacrifício humano e almas penadas compõe um mural colorido de poderosos delírios extra físicos, já que raça humana é inútil diante de poderes bárbaros e pagãos que riem dos nossos sistemas, e da nossa fé.

    Sobrenatural reúne 13 histórias (olha a numerologia) que enriquecem a mitologia do Juiz Dredd, já que a cidade que protege é um purgatório e ele, o seu guardião mais implacável, mas nenhuma tem o impacto de The Walking Dredd. Nenhuma trama desta coleção vai tão longe ao explorar os extremos do terror e a perfeita junção com o humor que pode ter nas histórias em quadrinhos, ao retratar a bestialidade humana sem limites. No que parece um pesadelo, Dredd e seus parceiros agentes da lei estão presos numa operação na Terra Maldita, um inferno que existe fora dos já mencionados portões de Mega-City Um, quando um zumbi morde e infecta o Juiz em trabalho. Mesmo assim, e sem perder o senso de justiça, o Juiz faz todo o possível para chegar até seu ‘Lar, Doce Lar’ e ser vacinado, antes que seja vire um dos descerebrados selvagens que amam vísceras, e políticos tão desumanos quanto eles. Um exemplo de resistência a dialogar com os nossos tempos. Nada mais necessário.

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  • Resenha | Juiz Dredd: Assassinos Seriais

    Resenha | Juiz Dredd: Assassinos Seriais

    Mega-City Um é, provavelmente, o único lugar que pode rivalizar com Gotham City para o título de pior megalópole para se morar. Um ninho irreversível de crimes e imoralidade chocante aonde habitam os piores tipos da humanidade, atraídos pela podridão urbana que torna a cidade a personagem principal da histórias do “herói” Juiz Dredd. É lá, nessa Gotham ainda mais decadente e perturbadora que aquela que temos nas páginas e filmes clássicos da DC, em que assassinos se sentem livres para atuar feito crianças na Disney, num ciclo de horrores que se auto alimenta ao atrair a escória da Terra para os domínios da cidade, em um futuro distópico e pervertido, em meados dos anos 2090. Já que tudo virou profano, é preciso haver na prática o peso da justiça no mundano reino dos homens, e somente um deles (e seu icônico capacete) consegue alcançá-la num inferno sem leis, quiçá a salvação nunca antes prometida.

    Simbolizando o fim da impunidade a qualquer custo, em um oceano de criminosos insanos (Batman iria sentir falta do Coringa, aqui), o Juiz Dredd é figura boa demais para ainda não ter ganho, em pleno 2020, uma legítima série da Netflix. Dredd faz parte da polícia especial de Mega-City Um, sendo o mais implacável entre todos os outros agentes. Além de ser um “Cavaleiro das Trevas que mata”, o Juiz não só cumpre sua missão de encontrar e exterminar os valgas (como são chamados os fora-da-lei), como de mandar os piores entre os piores para a ‘Barca’, uma prisão de segurança máxima de onde nem o Houdini conseguiria escapar. Nas ruas, Dredd é polícia, juiz, júri e executor, e a coletânea Assassinos Seriais traz episódios tenebrosos de violência policial que provam as causas dessa ética de trabalho precisar ser seguida à risca.

    Em dez estórias de tirar o fôlego, enquanto expõe o mal que existe nos prédios e becos de Megona, somos apresentados em Psicopata Global a um Facebook de serial-killers, onde todos compartilham seus absurdos, e a unidade técnica da polícia não consegue rastrear a origem do site. Logo em seguida, nos é revelado que o espaço online serve para recrutar os melhores assassinos para lutarem entre si, formando uma elite mortal a trabalho da vilã Amanda, antiga rainha do submundo que se mantém viva através de tratamentos químicos bizarros. Na fantástica Elite Assassina, escrita por Gordon Rennie e toda estilizada em preto e branco para que as explosões brilhem, e o sangue negro jorre numa verdadeira carnificina planejada, chega a hora da competição tomar corpo. Todos agem contra o tempo, e só um pode sair vivo dessa orgia de morte – e é difícil acreditar que haverá um novo dia para Dredd fazer seus julgamentos, depois disso. Ação e terror na medida certa, belissimamente bem ilustrada por Paul Marshall. Bravo.

    Mas talvez seja no conto O Connoisseur que Assassinos Seriais, publicada com absoluta excelência gráfica no Brasil pela Mythos Editora, atinja então o seu ponto mais alto. Após algumas boas e regulares histórias, com vilões de todo tipo atormentando o Juiz e seus bons companheiros de trabalho (a maioria fica pelo caminho, ora por não terem sua experiência, ora por puro azar), conhecemos o Fome. Um psicopata obscuro que, por não sentir nada, mata as pessoas para absorver suas sensações na hora da morte. O mais interessante entre todos os antagonistas, o Fome cruza o caminho do Juiz sem querer, em um simples elevador, e é o único valga de Mega-City que aparenta ter consciência das implicações morais sobre o mal que pratica, ainda que por instinto. Ele precisa sentir a felicidade, o medo, o amor que a ele é transmitido apenas quando essas sensações são retiradas do corpo das pessoas – mas não porque essa transmissão voraz traz consigo algo de real e humano, numa cidade desumana, e sim porque ele existe para isso. Esse é o seu trabalho de destruição no mundo.

    Felizmente, o de Dredd é aplicar a Lei de Talião para quem faz da sua cidade um labiríntico filme de terror, e todas as histórias aqui escolhidas retratam com exatidão a urgência de retaliação que existe nesta realidade desoladora, e que parece viver nas trevas o tempo inteiro. Seu anti-herói é literalmente o que ela precisa: um homem, quase uma entidade, mais preocupado em punir seus algozes que proteger os cidadãos comuns. O Juiz Dredd pode ser visto como um arauto imediato da vingança do bem para com as forças malignas que corromperam sua ordem, e dela retiraram a sua luz, a sua estabilidade. Todavia, a criação de John Wagner e Carlos Ezquerra não é nada maniqueísta, capaz dos atos mais altruístas e cruéis com quem merece, e dialoga com o caos do mundo real, com a justiça dos homens que quase sempre falha em inúmeros casos de grande impacto social. Deixa espaço, ainda, para refletir sobre o papel de monitoramento que a tecnologia cada vez mais tem nas sociedades, uma quebra de privacidade que pode ser usada para as melhores, e piores intenções das instituições públicas, ou privadas. Assassinos Seriais é obra-chave para qualquer colecionador de HQ’s ter em sua estante, só pelo prazer de revisitá-la, de vez em quando.

    Compre: Juiz Dredd – Assassinos Seriais.

  • Crítica | Dredd

    Crítica | Dredd

    Dredd

    Sem fazer muito alarde em um ano no qual adaptações de quadrinhos dominaram a cena cinematográfica, chega essa nova versão do Juiz Dredd, policial casca-grossa dos quadrinhos ingleses. Conhecido pelo grande público graças ao filme de 1995 estrelado por Sylvester Stallone, desta vez o personagem ganhou um filme quase independente e de baixo orçamento. O que para os fãs foi uma boa notícia, pois possibilitou uma interpretação mais fiel às origens, que não fez concessões quanto à ultra-violência (a censura é 18 anos) e a marca registrada de NUNCA tirar o capacete.

    Na trama, vemos um futuro pós-apocalíptico (existe outro tipo de futuro, aliás?) onde as metrópoles cresceram tanto que a criminalidade e o caos social chegaram a níveis alarmantes. A solução foi ampliar os poderes da força policial, os oficiais (chamados de Juízes) agora tem autoridade para julgar os crimes e aplicar as respectivas sentenças no momento da prisão dos suspeitos. Nesse cenário, Dredd é o mais temido juiz de Mega City One (cidade com 800 milhões de habitantes), e num belo dia tem a missão de avaliar a novata Anderson, que não passou nos testes para o cargo de juíza mas ganha uma chance graças a seus poderes telepáticos. Em sua primeira missão juntos, eles acabam presos em um gigantesco condomínio governado pela traficante Ma-Ma, que obviamente ordena a morte dos juízes.

    Filmes do gênero, que apresentam uma realidade diferente da nossa, tendem a ser grandiosos, no sentido de contar uma história que vai alterar aquele status quo. Por isso mesmo, um dos elementos mais interessantes de Dredd é seu caráter episódico. Não vemos uma história de origem, nem um grande evento destinado a mudar a vida do protagonista. É simplesmente um dia de trabalho em que as coisas deram mais errado do que o habitual. Essa simplicidade de proposta, que alguns podem erroneamente enxergar como ponto negativo, se revela um alento de originalidade.

    Também digna de nota é a inteligência do filme em usar suas limitações. Grande parte da ação acontece em cenários simples, e a pobreza do local justifica a fotografia escura. A exceção são os momentos em que algum personagem usa a droga slo mo, que reduz a percepção da passagem do tempo. Desculpa perfeita pra empregar câmera lenta e cores vivas, com um 3D muito bem utilizado, simbolizando a fuga daquele mundo sujo e cru. Pelo menos até o momento em que as balas implacáveis de Dredd arregaçam os corpos dos vilões, com uma riqueza de detalhes que chega a ser gore.

    Apesar de prejudicado pela falta de queixo, Karl Urban faz um trabalho interessantíssimo como o protagonista. Focado inteiramente na base da expressão “bucal” (pois nem dá pra chamar de facial) e da voz sempre no mesmo tom baixo e rouco, ele constrói o personagem mergulhando na caricatura que ele é nos quadrinhos. E mesmo com o personagem não tendo desenvolvimento nenhum, chama a atenção sua praticidade e profissionalismo diante de todas as situações, por mais desesperadoras que pareçam. Ele não perde o controle e responde emocionalmente, mas se limita a aplicar a lei. Ou melhor, ELE É A LEI. Olivia Thirlby surpreende no papel da rookie juíza Anderson, pois apesar de ser uma gracinha ela convence enquanto durona. Já Lena Headey, conhecida por suas limitações, até ensaia algo interessante com sua canastrice aplicada a uma vilã também caricata, mas não fica só na sugestão mesmo, sua Ma-Ma não consegue assustar de fato.

    Pra não dizer que o filme é perfeito, fez falta uma maior ênfase à fodacidade de Dredd. Fica apenas subentendido que ele é o pica das galáxias daquela cidade. Algo sem dúvida perdoável diante de todos os méritos que a produção teve. Por isso mesmo, não deixa de ser lamentável, ainda que previsível, o péssimo desempenho na bilheteria, tanto nos EUA quanto no Brasil (o único lugar onde o filme se deu razoavelmente bem foi no Reino Unido, terra natal do personagem). Com uma continuação praticamente inviabilizada, o que resta é que essa ótima experiência tenha seu valor reconhecido ao menos dentro de seu nicho.

    Texto de autoria de Jackson Good.