Bem-vindos a bordo. Rafael Moreira (@_rmc), Filipe Pereira (@filipepereiral), Jackson Good (@jacksgood), Bruno Gaspar e Flávio Vieira (@flaviopvieira) retornam para mais um papo sobre editores, política e muito mais.
Duração: 100 min. Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira Trilha Sonora: Rafael Moreira e Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
A versão estendida do filme codirigido pelo mexicano Robert Rodriguez e o roteirista de quadrinhos Frank Miller começa com a história do Bastardo Amarelo, narrada em primeira pessoa pelo policial Hartigan, de Bruce Willis, característica que remete à obra original de Miller e os típicos policiais noir. Hartigan é o herói falido, o homem capaz de morrer a qualquer momento, graças a velhice e seu problema cardíaco que se agrava. Constantemente ele tem que convencer a si mesmo que é capaz de superar seus problemas.
A historia é violenta, mas tem um lirismo impar. A escolha da dupla de diretores pela filmagem que destaca o preto e branco, com pequenas notas coloridas – em especial o vermelho, seja do sangue, do batom das beldades ou dos vestidos. Por sua vez, no decorrer do longa, alguns personagens também ganham cores. O simbolismo indica de maneira sentimental quem é especial e quem é descartável. Dos filmes que Rodriguez dirigiu ate então, esse pode não ser aquele que possui o melhor roteiro (difícil ignorar a trilogia Mariachi e seu tom épico), mas certamente é o mais prosaico e filosófico. Incrível como uma história urbana e moderna, localizada em uma cidade imunda e repleta de pecados poderia falar tanto sobre os detalhes da intimidade do homem e da dificuldade dele em envelhecer e perceber que é falível. Tal qual as peças de Shakespeare, o amor, seja sexual ou paternal é acompanhado de dois fatores: a violência, vista não só neste tomo com Hartigan, mas em todos os outros capítulos, assim como o segundo fator, a tragédia, que recai sobre o protagonista.
Em O Cliente Tem Sempre Razão existe a cena que antes abria o filme, com o personagem de Josh Hartnett, assassinando as duas mulheres interpretadas por Marley Shelton (The Customer) e Alexis Bledel (Becky). Um exterminador de anjos. Essas duas cenas foram as que mais perderam, pois fora do contexto em que eram apresentadas, elas não fazem sentido, em uma perdendo a força e na outra antecipa boa parte da história que virá.
O Difícil Adeus tem Marv, de Mickey Rourke, como protagonista. O ogro, que só tinha relações sexuais por dinheiro tem em suas mãos Goldie (Jaime King) , uma mulher que se entrega e ainda é uma deusa para seus olhos. De novo as cores determinam o que é especial, a colcha onde o amor se estabeleceu, os cabelos ruivos da musa e sua pele, ainda que morta. A obsessão de Marv é só uma: encontrar o responsável pelo assassinato de Goldie. Marv se vê entorpecido pelos fantasmas de sua própria mente.
A Grande Matança tem um início despretensioso, com Shellie (Brittany Murphy) discutindo com seu ex, Jackie Boy (Benicio Del Toro), onde o sujeito era violento com a garota, que agora está acompanhada de Dwight (Clive Owen). Em comum com as outras histórias, existe a questão do herói se deparar com um vilão bobo, mas influente, fato que só vai ser revelado mais tarde, após introduzir à Cidade Velha e suas habitantes, as meninas de Gail (Rosario Dawson). A figura esquisita de Jackie faz lembrar um monstro dos filmes de horror do expressionismo alemão.
Jackie Boy é morto por um golpe de espada. Na cidade antiga a guerra se instalaria e na ânsia por resolver o problema que ele mesmo trouxe, Dwight tenta em vão solucionar o problema sozinho, mesmo que existam evidências suficientes para provar seu fracasso. No caminho, ele demonstra uma predileção para a insanidade ou para mediunidade, conversando com um detetive morto. Após esses eventos, o justiceira revela suas tendências suicidas, mas ele ainda tem missões a cumprir.
O amontoado de cenas de ação no final causa frisson, o ritmo que se acelera deixa o público com expectativa por mais violência gráfica e mortes plasticamente belas. O torpor das belas mulheres é compartilhado com quem assiste, e é uma sensação ruim perceber que o longa acaba, mesmo com 140 minutos de história, pois caberia mais historia e mais episódios como esses, que não encontraram na continuação, Sin City 2: A Dama Fatal um filme que fizesse jus ao original.
O começo, repleto de cortes rápidos, é seguido por uma cena em que Frank Miller faz uma aparição típica de Stan Lee nos filmes da Marvel, aproveitando-se das benesses de ser um criador e também realizador do longa. O início, excessivamente escapista, faz mais referência ao último filme de Miller (The Spirit: O Filme) do que ao Machete de Rodriguez, o que faz acreditar que o criador do texto original teria maior ingerência na direção compartilhada, a despeito de toda a boataria que envolveu a produção do primeiro episódio.
O preâmbulo é feito por Marv, personagem, vivido por Mickey Rourke, que, curiosamente, morreu no episódio anterior. Mais uma vez, uma bela apresentação dos créditos estilizada. Na história paralela de Johnny (Joseph Gordon Levitt), são resgatados plots que envolvem personagens cujo destino já havia sido decidido outrora, envolvendo-os em outros pecados, outros vícios tão torpes quantos os que preconizaram a primeira fita. Sin City parece ser um lugar tão escuso que até mesmo os que não vivem mais no mundo dos vivos costumam visitar a cidade. A pendenga de Johnny com Roark (Powers Boothe) é de cunho pessoal e familiar.
Os subplots se misturam, compartilhando a mesma linha temporal, variante nos núcleos e nos múltiplos amoralismos. A plataforma plural claramente revela momentos mais interessantes com histórias menos apetecedoras. A trama envolvendo Dwight (Josh Brolin) demonstra isto exemplarmente, mesmo que suas cenas sejam de um grafismo agressivo ímpar tanto nos atos violentos quanto no torpor sexual, que causa no personagem um complexo de submissão quase automática à sua musa, Ava (Eva Mendez). Ao menos é nesse período em que é mostrada a cena mais gore e trash do filme, tão digna de nota quanto de gargalhadas.
A sedução típica da dama fatal envolve os personagens e, claro, o espectador, não só pela nudez bem fotografada por Rodriguez, mas também pelo trabalho sonoro, praticamente perfeito, seja na montagem, seja na voz rouca de Green. As curvas femininas continuam obviamente sendo um dos pontos altos do filme, no entanto têm de conviver com constrangedoras cenas em que as belas mulheres se submetem a show-offs e exibições toscas de poderio armamentista, enquanto são reapresentadas às mulheres de Old Town. As soluções sensuais, fora as da personagem-título, são demasiadamente fáceis, apresentando uma desnecessária aura de pastiche, não condizente até mesmo com o universo milleriano. O tremor da perigosa relação entre Ava e Dwight finalmente se cumpre, e de um modo até surpreendente se comparado com o que o roteiro apresentou até então.
A banca continua a aceitar as apostas de Johnny, mesmo após sua quase completa destruição. A designação da disputa quase edipiana termina anticlimática, mas é ramificada, abrindo a chance de Nancy Callahan (Jessica Alba) dar vazão a sua raiva e ao seu desejo de vingança. Em alguns momentos, a atriz até demonstra um pouco mais de dramaticidade se comparada a sua habitual filmografia, mas nada que fuja do ordinário e lugar comum de pautar toda a sua apresentação apenas em sua bela aparência. A cena em que sua personagem chora, à frente da TV, transita entre a empatia do público junto à carismática personagem esbarrando na dificuldade da sua intérprete em passar emoção.
Por mais que o primeiro filme tenha tido um impacto enorme entre os fãs de quadrinhos e do cinema blockbuster violentíssimo, a sensação deixada por este Sin City 2 é o de um filme datado, que deveria ter sido lançado logo após o episódio um, se valendo do hype, mas que não o foi. Tudo na abordagem da película faz pensar que o projeto não era a prioridade de Robert Rodriguez, dado seus outros produtos autorais para a televisão e cinema, além da óbvia demora na produção deste filme. Tudo piorado pela sensação de A Dama Fatal ser um produto requentado, sem muito alma e substância, coisas que sobraram no filme exibido há nove anos.