Tag: Quadrinhos Italianos

  • Resenha | Dragonero: O Caçador de Dragões

    Resenha | Dragonero: O Caçador de Dragões

    Dragonero: O Caçador de Dragões é a série de fantasia da editora Bonelli criada por Luca Enoch e Stefano Vieti com desenhos de Giuseppe Matteoni. Essa edição especial lançada pela editora Mythos é o ponto de partida da história originalmente publicada na revista Romanzi e Fumetti em junho de 2007, introduzindo o personagem central e seus comparsas em um mundo cujo cenário remete a alta fantasia com elementos de aventuras de RPG de mesa.

    A história começa fora de Erondar, a terra civilizada além da barreira do Valo, onde se separa o Império da Terra dos Dragões. Este mundo possui figuras fantásticas como elfos, anões, orcs e humanos, figuras conhecidas pelo leitor de outras obras tanto clássicas, como Irmãos Grimm, como mais contemporâneas com J.R.R. Tolkien. Antes do leitor conhecer o protagonista são apresentados típicos personagens de aventuras de fantasia: um mago com receito de tecnologias recém-chegadas no reino, uma bela guerreira que organiza investigações contra tecnocratas, um caçador, um mensageiro imperial, um monstro civilizado, além de um chamado a aventura bem típico dos jogos de roleplay de mesa.

    Depois do começo truncado, a história flui bem. Uma mensagem imperial chega a Ian, um bravo guerreiro e caçador que, por sua vez, morava com Gmor, um orc que reside no subterrâneo de sua casa. A química entre os dois é inegável, são dois amigos, muito bem humorados e que aparentemente tiveram muitas aventuras até então, e é exatamente essa química que diferencia essa de outras histórias genéricas.

    A construção dos cenários é bem feita, as planícies são bonitas e as cavernas idem e isso  ajuda a tornar esse mundo um lugar rico e palpável. Tudo é bem detalhado e se encaixa bem, e as criaturas são bem compostas, resultando em lutas emocionantes e bem longas. Dentre os personagens, Gmor é a alma de Dragonero. Ele é engraçado, tem ótimas tiradas e lida bem até com o preconceito ligado aos membros de sua raça. Os elfos nesta versão são bem diferentes, parecem mais com o que se espera de um alienígena do que belos homens e mulheres com poucas diferenças físicas dos humanos, e a diferença entre as espécies é bem demarcada já nessa edição inicial.

    Ao ganhar a alcunha de Dragonero, Ian lamenta ter matado um ser inteligente. Ele não é um simples bárbaro, e ao seu ver isso era algo incivilizado. O código ético dele tem bastante semelhanças com o cimério Conan de Robert E. Howard e com paladinos das aventuras de capa e espada, resultando em uma história simples, direta e bastante divertida,  com roteiros e desenhos que, se não são extraordinários, ao menos cooperam com toda a aura de fantasia escapista típica dos filmes de matinê dos anos 80 e 90.

  • Resenha | Giovaníssima

    Resenha | Giovaníssima

    Quando Nelson Rodrigues ditou, na famosa citação do gênio brasileiro, que “toda nudez será castigada”, muitos levaram a sério sem saber o mal que estavam fazendo a eles mesmos. Mas na época dos nudes, sites picantes, e aplicativos de “encontros”, quem ainda se importa com esse castigo? Muitos e é por isso que Giovaníssima veio para acabar de vez com os que ainda resistem a libertação sexual, e assim arrastar a todos para esse microcosmo dos prazeres mundanos de se revirar os olhos, cuja punição pode ser muito mais gostosa do que Rodrigues já cogitou. Bem-vindos a dimensão de Giovanna Casotto, a ilustradora italiana que leva até o mais sisudo dos marmanjos a uivar com o simples desenho do pé feminino, da boca vermelha a salivar, e de outras partes que exclamam um desejo sobre-humano de serem deliciosamente degustadas.

    Se as lolitas de Milo Manara transbordam uma sensualidade acidental, as mulheres de Giovanna conhecem muito bem o seu poder de sedução. Assim, suas histórias expõem, sem pudor algum e absoluto refinamento gráfico (seus traços e a escolha precisa das cores são visualmente orgásticos), o quanto de malícia pode existir numa figura feminina dona de si e pronta para o êxtase. Não, elas não são apenas femme fatales: elas são tudo o que elas se permitem Ser, Obter, e Sentir. Arquétipos da libertação sexual e do rompimento da hipocrisia que rege a maioria das pessoas e seus relacionamentos. Pode-se afirmar que as mulheres de Giovanna aplicam o feminismo na entrega da carne, no gozar da vida, na aventura da libertinagem que, ao homem, quase nunca é condenada pela sociedade, mas que à mulher apedrejam há milênios.

    Em Giovaníssima, temos dez contos eróticos recheados de sarcasmo, ora flertando com uma assassina de aluguel, ora nos convidando a uma tarde de puro tesão na praia. É o jogo de se brincar com os regozijos que tantos afogam, mas que agora se tornam uma experiência ultra realista para ninguém botar defeito. Se ao leitor desavisado tudo isso é pornografia, talvez um delírio vulgar com ares de fantasia sexual traduzida em quadrinhos, a arte publicada no Brasil pela editora Veneta (para maiores de 18 anos) serve para explorar, na mais elegante das excitações visuais, a força irresistível e triunfante de uma sexualidade feminina sem amarras para irromper e se encarnar, sempre com a boca bem cheia e lábios bem encharcados, entre quatro paredes efervescentes. Por que se podar? Se as donas de casas têm medo de ser feliz, aqui elas temem o tédio.

  • Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: O Crime Negado

    Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: O Crime Negado

    Iniciado em media res, técnica literária em que a narrativa se desenvolve a partir do meio da história, a ação marca o início da 17ª trama de Júlia – Aventuras de uma Criminóloga. Após uma ótima perseguição que se encerra no metrô, o assassino Murphy é pego pela equipe de Garden City. Procurado por uma série de estupros seguidos de morte, o homem nega um dos crimes do qual é acusado, e Júlia será a responsável por descobrir quem imitou seu modus operandi.

    Literariamente falando, a presença de um serial killer sempre é um motivo de destaque na narrativa policial. Em Julia, não poderia ser diferente, já que sua estreia foi marcada por uma assassina, Myrna, grande vilã, presente em muitas narrativas futuras. Mesmo que os roteiros apresentem uma gama de crimes investigados, uma trama com um assassino serial sempre conquista a atenção rapidamente.

    Em Crime Negado, porém, não é o assassino e sua pulsão o grande foco. Mas sim, a procura pelo autor do sexto crime. Em outras palavras, a narrativa demonstra como o senso de justiça não se estabelece por aproximação ou no atacado. Cada crime merece punição específica.

    Como costumeiro nos roteiros de Giancarlo Berardi, a condução da trama e os personagem em cena são ecos da sociedade. Como Julia sempre traça um perfil psicológico tanto de agressores, quanto das vítimas, o leitor contempla um panorama das relações sociais e lados obscuros de cada um, resultado em narrativas ricas que fogem do escapismo. Nessa trama, os fetiches são combustíveis que tanto podem relevar o crime, quanto esboçam que há sempre segredos guardados na intimidade.

    Essa história foi também o último trabalho desenhado pelo argentino Gustavo Trigo, uma produção inacabada devido a sua morte. Assim, o capista Marcus Soldi e Eni finalizaram as artes para a publicação.

  • Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: A Sombra do Tempo

    Resenha | Júlia – Aventuras de uma Criminóloga: A Sombra do Tempo

    Republicado pela Mythos em formato italiano em 2019, Julia – Aventuras de uma Criminóloga segue em publicação em lançamento em grupos de cinco edições por vez. Dessa forma, a 16ª aventura ao lado de mais quatro novos números demonstram como uma das melhores séries lançadas no país adquiriu maior destaque a altura das sempre excelentes narrativas de Giancarlo Berardi.

    Em A Sombra do Tempo, o passado é gatilho para as ações do presente ao apresentar uma mulher com visões sobre um assassinato. Sem saber ao certo a origem dessas visões, a mulher pede ajuda ao seu psiquiatra que convida Júlia para analisar o caso. Fatos cuja resposta estão escondidas no inconsciente.

    Há muito dinamismo nas cenas, principalmente na qualidade entre contrapor pequenas cenas que entrelaçam a narrativa. Elementos que trazem profundidade aos personagens, mesmo que periféricos, fortificando a trama como um relato de cunho realista na medida do possível. Enfocando tanto o núcleo familiar da mulher com visões, bem como a narrativa detetivesca com Julia, observamos um equilíbrio narrativo que foge de uma trama meramente escapista. Não há intenção em apressar os fatos, mas apresenta-los com calma, dentro do espaço de páginas da edição, sem acelerá-los, simulando a vida real em que nem tudo acontece de prontidão.

    Sempre que possível, as pesquisas de Berardi feitas para cada número de Júlia são transmitidas aos leitores por seus personagens. Nessa edição, é a definição freudiana do inconsciente, um espaço de afastamento da consciência, que surge como elemento. Em algum lugar do passado, a personagem viveu um possível trauma de morte ou codificou mentalmente alguma ação agressiva a partir da personificação dessa sua visão. É nessa transição da matéria inconsciente para a realidade que reside a grande revelação da trama.

    Como cada edição de Júlia apresenta uma história fechada, novos leitores podem conhecê-la iniciando a leitura em qualquer edição. Sempre com bons roteiros, Julia é sempre uma boa leitura, bem desenvolvida na ação e nas tramas policiais.

  • Resenha | Diabolik – Volume 2

    Resenha | Diabolik – Volume 2

    “Se tentou o mesmo truque, desta vez não vai funcionar!”

    Além de ser um personagem fascinante, Diabolik é uma criação boa demais para viver no anonimato fora da Itália. Publicado recentemente no Brasil pela Editora 85, Diabolik – Volume 1, cujo financiamento coletivo para o projeto rendeu volumes de pura exuberância gráfica, o cuidado nacional para com os quadrinhos deste anti-herói europeu, a maior ameaça de Clerville, é evidente. Assim, toda a mitologia policial e de mistério foi preservada em português, em um preto-e-branco tão charmoso quanto as próprias narrativas trágicas de crime, romance e aventura, muito bem elaboradas pela dupla Ângela e Luciana Giussani – “nos sentimos mais biógrafas, que criadoras.”, como elas mesmas afirmam, em busca do realismo e da veracidade dos seus roteiros.

    Agora, temos histórias eletrizantes e que tornam-no mais humano, menos infalível apesar de sua mente absurda, capaz de feitos incríveis para alcançar um bracelete escondido a sete chaves, ou uma retaliação mortal a quem tentar lhe matar. Em Tudo de Novo, um roubo dá totalmente errado, e Diabolik é perseguido mais do que nunca para pagar (com juros) por seus feitos. A frase “Há sempre um peixe maior” nunca foi tão verdadeira assim e é difícil para o leitor não acompanhar com um fôlego só as estripulias de Diabolik para salvar sua pele – o crime não compensa, e parece que agora ele vai aprender isso. A mesma coisa se diz de Sob Assédio, sobre um golpe de reprodução de notas de dinheiro que Eva e Diabolik estão monitorando de perto, mas sob um grande perigo.

    Mas eles não estão sozinhos nessa, já que outra mestre dos disfarces está atrás desta ‘riqueza infinita’, e parece estar levando a melhor, em um conto de armadilhas e ciladas deliciosamente imprevisível. E para complicar ainda mais, em Com a Morte no Corpo, o título já sugere o que vem para o casal de pilantras. Ao entrarem escondidos na festa de uma condessa, em um belíssimo castelo em Clerville, ambos são envenenados misteriosamente e transformados em armas biológicas para fins ainda mais obscuros. Com a vida por um fio, eles não tem tempo para chorar, e começam a investigar um tratamento e as causas desse atentado, pois diante da morte, a vingança é o combustível para suas ações. Alguém tem que pagar por isso.

    Só que há honra entre ladrões, se depender de Diabolik. Na ótima Um dos Três, o mascarado negro planeja invadir uma mansão e roubar um colar de esmeraldas para o aniversário de Eva. Mas alguém passa na sua frente e rapta a joia, matando a filha de um grande empresário que testemunha o roubo. Nisso, Diabolik começa a ser perseguido por um crime que não cometeu. Enquanto também há “inocentes” pagando por isso, e nem mesmo ele, o homem que nenhum alarme detecta, pode deixar que essa injustiça aconteça. Eis a história mais divertida e bem arquitetada deste Volume 2, uma vez que as outras parecem se complicar um pouco mais que o necessário. No geral, um ótimo livro, ideal para os amantes de ficção criminal.

  • VortCast 99 | Mythos: Os Bastidores de uma Editora

    VortCast 99 | Mythos: Os Bastidores de uma Editora

    Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira (@filipepereiral) e Thiago Augusto Corrêa recebem Joana Russo, gerente de marketing da Editora Mythos, para mais um programa da série de entrevistas com editoras brasileiras. Abordando os materiais publicados pela editora a equipe descobre os bastidores de produção e analisa os movimentos do mercado editorial brasileiro.

    Edição: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira e Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Resenha | Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4

    Resenha | Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4

    De Gianfranco Manfredi e Giulio de Vita, Tex Graphic Novel: Desafio no Montana – Volume 4 é mais uma história da série em quadrinhos protagonizado pelo cowboy da Editora Sergio Bonelli. Dessa vez, o cenário é o noroeste americano, em uma planície gelada, e tem um tom que foge um bocado do otimismo que é comum as histórias clássicas.

    O texto de Manfredi trata do passado de Tex Willer, quando ele ainda era um fora da lei e errante, no longínquo ano de 1858. O futuro herói passeia sozinho, não tem companhia exceto seus pensamentos exibidos nos balões,  que parecem só estar lá para determinar ao leitor de que ele não enlouqueceu. O protagonista está atrás de Birdie, seu velho amigo, que se mudou para aquele lugar.

    As cores de Matteo Vattani ajudam a valorizar a arte de Vita. Os momentos que mostram uma luta contra um urso e a matança aos nativos americanos ganham muito mais força com a utilização das cores. O personagem está mais áspero, menos sentimental, é ríspido com as pessoas, agindo na maior parte do tempo de modo passivo agressivo. Essa demonstração pode referenciar um desconforto dele, além da óbvia imaturidade, pois fora de seu quente habitat, ele não seria o mesmo.

    Manfredi é o criador de Mágico Vento e Face Oculta, e a iniciativa dessas graphic novel possibilitam que autores diferentes deem sua visão sobre o ranger e seu passado. Fato é que por mais que o roteiro carregue elementos típicos das histórias do personagem, é a arte que mais chama a atenção. As paisagens são carregadas de um caráter esplendoroso, e as sequências de ação são ótimas. A pavimentação do jovem Tex foi bem pensada, e esse acaba sendo um bom aperitivo ao que seria a publicação de Tex Willer, que conta as histórias do personagem novo, antes de ser a lenda de O Herói e Lenda e demais histórias clássicas.

    O final da história é seco, agressivo e direto, e mesmo que as escolhas sobre passagem de tempo sejam estranhas (há uma cor diferente entre passado e presente), Desafio no Montana tem pontos mais altos que baixos, com elementos que pavimentam o leitor no tom que seria empregado nas publicações a respeito da juventude do cowboy, com um tom bem mais cínico nesta versão que Manfredi defende para o futuro agente da lei.

  • Resenha | Diabolik – Volume 1

    Resenha | Diabolik – Volume 1

    O Brasil vem sendo privilegiado em seus lançamentos editoriais. Afinal, não é todo dia que temos um Diabolik primorosamente traduzido, e publicado em uma edição caprichada a fim de apresentar o clássico personagem italiano para uma nova geração do outro lado do atlântico. Sendo que aqui o que impera é Turma da Mônica e super-heróis, é sempre bom termos acesso a figuras que fogem dessa infantilidade colorida, tão generalizada na América (digo, o continente). A Editora 85 nos transporta em 4 histórias de suspense direto para a essência dos quadrinhos policiais de Diabolik. Puro noir, puro Bogart, e nisso, nos mostra um anti-herói misterioso e traidor, que vive dos seus roubos aos ricos e de proteger sua amada (e parceira) Eva Kant dos lobos em seu caminho.

    E é claro que, às vezes, é ela quem o salva, já que nenhum plano é perfeito. Diabolik é ladrão astuto, espécie de Robin Hood italiano cujo faro para joias e ouro é afiado. Especialista em invadir mansões e arrombar cofres (de forma imperceptível), ele e Eva se gabam por nunca serem pegos pela polícia da cidade de Clerville, mesmo vivendo na cola do inspetor Ginko, o único oficial que chega perto do criminoso escondido num cativeiro – planejando seus próximos golpes. É nessa briga de gato e rato que mini romances policiais se desenrolam, numa clara homenagem de Ângela e Luciana Giussani ao gênero literário tão popularizado por Agatha Christie e cia. desde 2015 na Itália. Num quarteto de histórias reunidos neste volume 1, Diabolik mostra-se mais um Batman sem moral do que um Zorro moderno. Ou seja, um estrategista genial que mata só em último caso, mas que não evita assaltar bancos e viver com Eva do seu lucro.

    Sombras de metalinguagem faz-se presente em Escrito no Sangue, quando a morte de uma escritora de livros policiais envolve o anti-herói numa narrativa de vingança e reviravoltas muito inspiradas, para fazer qualquer leitor não desgrudar dos seus mistérios. Assim também é em Obrigado a Matar, a história mais divertida deste volume 1 em que para resgatar Eva das garras de um poderoso criminoso europeu, Diabolik se vê obrigado a fazer três serviços no submundo dos mafiosos italianos em troca da vida da única pessoa que o “homem dos mil disfarces” se importa. Na dramático Por Poucas Horas, temos um homem e sua amante tramando um roubo de joias de sua mulher, uma grande escultora, sem saber que Diabolik e Eva também estão (muito) de olho nas pedras preciosas da artista. Finalmente, O Bracelete Perdido assume de vez o lado investigativo dessas histórias, num conto em que o casal do crime expõe, de forma definitiva, a mente criminosa que usam para um roubo mirabolante, e cheio de camadas. Onze Homens e Um Segredo, versão a dois.

  • Resenha | A Entrevista

    Resenha | A Entrevista

    Perdido em uma vida modorrenta e preso em um casamento fracassado, o psicólogo italiano Raniero vê sua vida mudar da água para o vinho quando conhece uma jovem e misteriosa paciente chamada Dora, que o leva por uma jornada de autoconhecimento e reflexão sem precedentes, colocando em dúvida as noções tradicionais de relacionamento e de liberdade sexual que sempre nortearam a vida certinha e nada ousada do protagonista.

    Ambientada na Itália em um futuro próximo, a trama gira em torno de temas como sexualidade, monogamia, vida extraterrestre, telepatia e o inclemente avançar da tecnologia na vida em sociedade, para estruturar seu enredo a partir da constante contraposição de pontos de vista entre os personagens, que por vezes se pegam em um jogo de interlocução que evocam mesmo o clima de uma entrevista.

    Embarcando em uma proposta narrativa que opera de modo fragmentário, Manuele Fior faz uso do silêncio com a mesma sutileza com a qual lida nas sequências conversacionais, forjando uma intrincada teia de eventos que atordoam e surpreendem a todo instante, contrabalanceando o impacto das interações com a aura etérea que paira sob o enredo, através de enquadramentos panorâmicos que atuam no controle do ritmo da narrativa.

    A arte, fortemente estruturada entre preto, branco e as variações de tonalidade que existem entre os dois, alterna planos abertos e fechados e em um engendrado uso dos tons de cinza para dar e retirar a iluminação necessária ao longo dos painéis, conferindo assim uma atmosfera sobrenatural e sombria para a história, artifício este que potencializa o suspense da trama ao mesmo tempo em que oferece camadas de significação no campo diegetico, ao se utilizar da ambientação típica das ficções científicas para explorar a profundidade inerente às emoções humanas.

    Autor de Cinco Mil Quilômetros por Segundo, o quadrinista italiano novamente investe em uma história sobre sentimentos e sobre a natureza complicada das relações interpessoais, mas agora foge do convencional ao entregar um trabalho inventivo e surpreendente, tanto a nível de roteiro quanto em relação à narrativa visual elíptica que adota ao inserir, de forma melindrosamente diluída no enredo, uma crítica à dependência do ser humano em relação às novas demandas impostas pela tecnologia e pela aparentemente incontrolável necessidade de romper com as convenções, algo que marca a história humana ao longo dos tempos, em contraste com a necessidade que os seres humanos têm de se conectar uns com os outros.

    O roteiro de Fior lembra em larga medida o eixo temático utilizado pelo seriado televisivo Black Mirror, que se notabilizou ao longo da última década por seu uso alegórico da tecnologia para versar sobre a complexidade do ser humano.

    Traduzida por Michele Vartuli, “A entrevista” é a segunda obra de Manuele Fior trazida ao país pela Editora Mino, cativando pela prosa envolvente e pela arte expressiva do autor, capaz de criar personagens inesperadamente relacionáveis e marcantes, lançados em situações incômodas e incomuns.

  • Resenha | Nick Raider: Golpe de Cena

    Resenha | Nick Raider: Golpe de Cena

    Segundo volume das aventuras do detetive criado por Claudio Nizzi, Golpe de Cena traz o detetive Nick Raider às voltas com uma trama que tem um ponto de partida um tanto quanto curioso: durante o roubo de selos raros, um ladrão é surpreendido pelo dono da coleção e sua esposa. Após uma briga, o bandido acaba acidentalmente matando o colecionador e foge em pânico. Porém, o que deveria ser somente um furto, acaba se tornando uma investigação de homicídio, ao passo que as evidências apontam para a esposa do colecionador, pois o ladrão não deixou nenhuma pista e somente ela presenciou o crime.

    Com roteiro de Giuseppe Ferradino, Nick Raider mais uma vez abraça suas inspirações hollywoodianas, com uma trama rocambolesca, mas que vai se amarrando à medida que os fatos ocorrem. Elementos clássicos e recorrentes se encontram presentes na história e o protagonista se demonstra sempre obstinado na resolução do caso, nem que pra isso tenha que questionar seus superiores e agir à margem da lei, principalmente quando isso envolve uma donzela em perigo.

    Entretanto, um elemento clássico das histórias de Nick Raider não aparece aqui: o lado galanteador do detetive. Nick é retratado um pouco mais distante pelo roteiro de Ferradino, o que é algo interessante, pois aumenta a seriedade do personagem em detrimento da sua habitual (e divertida) canastrice. Outro ponto bem interessante do roteiro é o tratamento dado à Marvin, parceiro de Nick. Claramente inspirado no detetive Axel Foley, interpretado por Eddie Murphy em Um Tira da Pesada, o detetive Marvin Brown aqui participa mais diretamente da trama, deixando de ser apenas um alívio cômico, e infelizmente, alvo de piadas racistas do protagonista (algo bastante questionável à época da publicação, mas ainda recorrente em diversas mídias).

    Há de se ressaltar também, a ótima arte de Gustavo Trigo, repleta de dinamismo e detalhismo, e que trazem uma ótima noção de movimento e proporcionam prazer aos olhos do leitor. Golpe de Cena é mais uma história divertida e de fácil leitura apesar das viradas de roteiro que acontecem no seu desenrolar. Mais um bom exemplar da editora italiana Sergio Bonelli Editore lançado pela Editora Mythos.

    Compre: Nick Raider – Golpe de Cena.

  • Resenha | Júlia – Graphic Novel: O Caso do Criminólogo Assassino

    Resenha | Júlia – Graphic Novel: O Caso do Criminólogo Assassino

    Publicado pela Editora Mythos desde 2004, a série Júlia ou J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga é uma das séries de maior qualidade em publicação no mercado editorial brasileiro. Desde o ano passado, a HQ tem ganhado um merecido destaque em uma reedição em novo formato e novo papel. A iniciativa dá prosseguimento a um investimento feito pela editora para popularizar títulos da editora italiana Bonelli. Saem o formatinho e o papel jornal, e entra o formato italiano e papel offset. Inicialmente, Dylan Dog e Martin Mystere foram lançados no formato, em seguida uma edição limitada de Tex, pavimentando o espaço para Júlia.

    Júlia Graphic Novel é mais um desdobramento do sucesso da republicação da personagem. Uma edição de luxo, parte do selo Prime, que dá sequência à série de aventuras especiais publicadas originalmente na revista italiana Julia Almanacco Del Giallo. Depois de dez especiais em preto e branco – alguns publicados no país em edição extra e outras na edição bimestral – a série finalmente ganhou uma edição especial colorida na Itália em 2015.

    O espaço-temporal é o que diferencia as aventuras especiais de Júlia da tradicional. Nessas narrativas especiais, a personagem central ainda é uma estudante de criminologia, revelando um brilhantismo precoce em suas participações investigativas ao lado do mentor, o professor Cross. Porém,  a estrutura narrativa em que a personagem descreve parte da ação como um diário e os roteiros apurados de Giancarlo Berardi se mantêm constantes.

    O caso do criminólogo assassino expõe uma das vertentes mais tradicionais da narrativa policial: a investigação de um crime de assassinato. Embora Júlia não seja limitada a apenas esse estilo, fator que sempre traz dinamismo às varias vertentes abordadas, sem dúvida o assassinato é uma das mais cativantes.

    Convidada por seu professor a uma convenção de criminólogos, Júlia é posta no centro da ação quando um dos participantes é assassinado. A trama expõe a clássica estrutura do caso do crime do quarto fechado. Formalmente, o estilo infere um crime relativamente impossível, mas também se desdobra em assassinatos que envolvem um grupo específico de pessoas que estão presas ou situadas em um mesmo ambiente. A intenção é ampliar o mistério e instigar o leitor. Afinal, um dos presentes na narrativa é o culpado. No caso dessa trama, os personagens estão em uma vila para a conferência de criminólogos e não podem sair do local enquanto o culpado não for descoberto.

    Após mais de 200 roteiros de Júlia na época da publicação desse especial, o roteirista Berardi não perde a mão. Trabalha cada caso com afinco, desenvolvendo tramas críveis e soluções possíveis para as tramas. Seus personagens, mesmo aqueles que entram em cena brevemente, parecem fundamentais. Se destacam em cena como se fossem reais devido a verossimilhança, transformando as investigações em grandes narrativas sobre o gênero.

    Embora as narrativas utilizem recursos que se desdobram sempre com Júlia no centro da ação e da resolução do caso, não há desequilíbrio nas bases investigativas, dando vazão a uma tradição narrativa policial que preza pela credulidade. Aos poucos, a trama vai apresentado cada personagem que poderia ter alguma rusga com o assassinado, revelando motivos escondidos por detrás da civilidade das aparências, sem exageros.

    A edição faz parte do Prime Edition da Mythos com capa dura e papel de qualidade. Como as tramas são auto-contidas, a narrativa funciona tanto para novos quanto cativo leitores. Na Itália, há mais cinco edições no formato. Sem dúvida, se a edição for um sucesso, haverá também continuidade em nossas terras.

    Compre: Julia Graphic Novel – O Caso do Criminólogo Assassino.

  • Resenha | Squeak The Mouse

    Resenha | Squeak The Mouse

    Massimo Mattioli é um quadrinista italiano famoso por suas histórias humorísticas que reúnem elementos típicos dos desenhos animados americanos, contudo, com uma perversão maior. Conhecido por ser um dos fundadores das revistas Cannibale, que depois se tornou a Frigidaire, que deu origem a Squeak The Mouse, uma revista pra lá de anárquica e contestadora.

    Parte de uma geração de quadrinistas italianos que desafiavam convenções do gênero e da cultura de sua época, Mattioli faz referencias a filmes de terror clássicos, citados por meio de imagens ou nominalmente. Outro aspecto que chama a atenção é a sexualidade explícita, mostrando mulheres (reais) nuas, animais antropomorfizados em situações insalubres, ao lado de aparições de personagens de desenhos animados famosos, como Mickey, Pato Donald, Gato Felix, entre outros.

    Outro fator interessante se dá com a morte dos personagens quando são atacados. A volta dos mortos varia entre a ressurreição comum dos personagens, como em Picapau ou Tom e Jerry, e outras em que a carne dos animais é reposta como em um filme da franquia Hellraiser ou Re-Animator.

    A noção cronológica também foge do usual, como se o tempo fosse contado de um modo diferente, correndo dentro de sua própria lógica, emulando o curto período de vida dos animais de estimação. As mortes e esquartejamentos chocam tanto que não há como levar toda a trama a sério, pois a perversão moral coloca a revista num patamar de caráter contracultural que só encontra eco nos quadrinhos nas outras obras abordadas em suas revistas de origem, como Ranxerox de Tanino Liberatore ou na produção de Milo Manara e outros artistas, ao mesmo tempo, dentro da publicação não há qualquer necessidade em contextualizar o cenário de perversão ou de produzir uma crítica profunda sobre a sociedade. Existe crítica, mas ela recai sobre o consumo e o fetiche mercadológico que reside no entretenimento de massa, e em quanto a sociedade ocidental é fissurada em sexo e violência, e isso é mais que suficiente para dar estofo e inteligência à obra.

    A cronologia das histórias também serve de comentário metalinguístico, aludindo a quanto o colecionismo e apego a cronologia não faz sentido no consumo de histórias. O ritmo do roteiro é frenético, todo mundo que morre volta, mesmo entre os personagens secundários, e voltam com muita volúpia por sangue de uma forma tão violentamente extrema que o escracho causa estranhamento, e incômodo em alguns pontos.

    Squeak The Mouse foi publicado pela Editora Veneta e editado por Rogerio de Campos, o mesmo que responsável pela saudosa Revista Animal, que também publicou os quadrinhos de Mattioli entre 1987 e 1991. Campos tem por tradição trazer trabalhos que fogem da obviedade dos quadrinhos convencionais, desde seu início profissional, e no caso de Mattioli há uma fuga da lógica cultural burguesa, onde se debocha da vontade infinita dos norte-americanos em explorar um gênero ou estória até seus últimos frutos, sem pensar de maneira inteligente sobre as conseqüências dessas super-explorações.

    Compre: Squeak The Mouse.

  • Resenha | Câmera Indiscreta

    Resenha | Câmera Indiscreta

    Milo Manara é um autor polêmico, seus quadrinhos normalmente tratam de erotismo, sobretudo tomando o nu feminino ou como norte ou como algo tão natural que precisa sempre ser retratado em papel e nanquim. O compilado Câmera Indiscreta não é diferente, reunindo algumas pequenas historias que tem em comum uma brincadeira com questões fotográficas, além da obvia referencia ao nome do filme de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta, fazendo um comentário de metalinguagem aliando sua arte ao  fazer cinematográfico. No Brasil, o quadrinho foi trazido pela Editora Veneta, que vem trazendo algumas historias de autores italianos.

    No Prologo desta edição, Manara fala sobre o diretor italiano  Federico Fellini, que seria o primeiro personagem homenageado neste encadernado, e na dificuldade que o “grande mentiroso”  tinha com questões publicitárias.Incrivelmente, a maior parte das historietas lida com o volúvel e fútil ambiente e  cenário de bastidores da propaganda, quando não, fazem homenagens a artistas famosos.

    É engraçado o inicio fazer pouco uso do corpo da mulher como instrumento narrativo, em Publicidade e Fase Azul, mesmo 3X (que trata de libido e observação de fora, no caso, um alienígena), não há uma utilização tão larga ou alardeada da figura da mulher como um objeto. Esse certamente serve como argumento para despistar a pecha de autor tarado normalmente atribuída a Milo.

    Se nota – além claro das falas do prefácio – uma obsessão e admiração pelo também quadrinista Moebius, seja  no traço inicial dele, como na fluidez com que suas páginas correm, ainda que para Manara, não haja muito como imitar o artista francês. A compilação é formada por revistas da França e Itália, entre elas, a mesma Frigidaire onde Mattioli fez Squeak The Mouse. A sexualidade é mostrada de maneira hermética, com propósitos narrativos diversos, não é gratuita. A primeira vez que mostra sexo, brinca com questões espirituais e de tragedias.

    A historia que dá titulo a publicação é maior que as outras compiladas. A coincidência de assunto envolve o voyeurismo e o nu da mulher como alvo de critica, não pelo fato de se sentir natural sem roupas, mas a mercantilização e depravação provinda desse tipo de consumo. Aqui, abre-se a discussão sobre a pornografia, se ela se origina do desejo por ver gente nua ou se ter acesso a isso causa nas pessoas a necessidade desse tipo de fetiche em mercadoria.

    O foco em Mel (personagem protagonista da ultima historia) dá vazão a algumas manifestações bem estranhas de modos de fazer pornô, mas  mesmo que haja  muita insinuação do sexo, não há tanta exposição da relação em sim, não de forma explicita ou “hardcore”. Manara foge de pecha de só mostrar nudez gratuita, o fato de não ter vergonha de mostrar o  sexo e a lascívia não é sinônimo de perversão, e a função desses aspectos de nudez e sexo tem sentidos e intenções diferentes, compilados aqui até para agredir e desagradar a tara das pessoas, para incomodar falsos moralismos e nisso, há um acerto tremendo.

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  • Resenha | Tex Graphic Novel: O Herói e a Lenda – Volume 1

    Resenha | Tex Graphic Novel: O Herói e a Lenda – Volume 1

    Meu avô foi a primeira pessoa que me falou sobre Tex Willer. Apesar de ávido leitor de livros, as histórias do personagem criado em 1948 por Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini talvez sejam os únicos quadrinhos que ele leu. Não me recordo dele falando de algum outro. Li algumas vezes quando era bem novo as revistas que tinham na minha casa e depois nunca mais. Até que recebi O Herói e a Lenda. Antes de ler, procurei algumas histórias icônicas do personagem para melhor compreender todo o seu universo, afinal, meu contato com os fumetti do Tex se deu na infância. Fica difícil lembrar de coisas lidas há mais de 20 anos e uma breve recapitulação foi necessária para que ao menos eu pudesse compreender melhor a graphic novel de Paolo Serpieri.

    A primeira coisa que percebi, foi que essa história se diferenciava dos tradicionais fumetti da Bonelli. Tex aqui é bem mais violento e mata os seus inimigos sem o “romantismo” de salvar uma vida em perigo ou a sua própria. Confesso que foi um choque, mas dentro do contexto da história, funciona muito bem. As ilustrações do mestre Serpieri são de uma beleza e precisão ímpar, visto que são anatomicamente perfeitos e enchem os olhos do leitor. O autor intercala beleza e brutalidade numa naturalidade que impressiona. As cenas de batalha então são quase storyboards ultra detalhados de algum faroeste dirigido por um John Huston ou um Sergio Leone. Quando retrata ambientes fechados, insere o leitor no local, provocando um verdadeiro deleite visual.

    Tudo isso casa perfeitamente com o roteiro do próprio autor. Seu roteiro é rápido e preciso, mas nem por isso apressado. Usando metalinguagem de uma forma muito interessante, Serpieri introduz um velho Kit Carson retratando sua história para um jovem jornalista. Porém, em nenhum momento Paolo deixa claro se aquele ali é o verdadeiro Kit amigo de Tex, um impostor, se a história é verdadeira ou mesmo se estamos diante do Kit Carson histórico que viveu no século XIX. O autor provoca questionamentos sobre as versões da verdade e a forma de cada um enxergar de forma peculiar os eventos que testemunham. Serpieri joga com a figura do narrador não confiável de uma forma que intriga e instiga o leitor, ao mesmo tempo que não esquece das características principais de Tex Willer. Pros leitores mais antigos é uma experiência fascinante, pois abandona o caráter um tanto quanto ingênuo e paladino do personagem e abraça com força uma personalidade de múltiplas facetas que não ofende a sua mística, apenas o torna mais humano. A moral e a ética de Tex permanecem ali, só estão mais palatáveis.

    Ainda que no editorial escrito por Mauro Boselli exista um esforço para delinear que essa é uma história que acontece em uma espécie de universo alternativo, Tex: O Herói e a Lenda é mais do que obrigatória para os fãs do personagem. Além de tudo que foi ressaltado acima, a graphic novel conta um ótimo texto introdutório que enumera fatos históricos, além da história brilhantemente contada que possui um final tão bom que serve para potencializar tudo o que foi lido.

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  • Resenha | Zagor Especial 40 Anos

    Resenha | Zagor Especial 40 Anos

    A Odisseia se estabeleceu na cultura ocidental como uma das narrativas fundamentais da literatura mundial. Sendo um dos principais poemas épicos da Grécia Antiga, de autoria atribuída a Homero, a trama narra o retorno de Odisseu ao seu lar, Ítaca, após a Guerra de Troia, e inspirou incontáveis produções artísticas ao longo dos séculos, desde peças de teatro a livros, filmes e histórias em quadrinhos.

    Zagor, herói do gênero western criado pelos italianos Sergio Bonelli (sob o pseudônimo de Guido Nolitta) e Gallieno Ferri, despontou nas bancas da Velha Bota no começo dos anos 60, consolidando o personagem como um dos ícones do fumetti, temo pelo qual os quadrinhos são conhecidos na Itália. O “Espírito da Machadinha” angariou fãs ao redor do mundo, de maneira que em 2018 completou-se 40 anos desde sua primeira aparição nas bancas brasileiras. Para celebrar a marca, a Mythos Editora publicou uma edição especial de Zagor, na qual apresenta a história favorita de seu lendário criador, Sergio Bonelli, intitulada “Odisseia americana”.

    A história, inspirada claramente no texto épico de Homero, coloca Zagor e seu fiel parceiro Chico às voltas com uma perigosa empreitada: acompanhar um rico empresário, Homerus Bannington Júnior, em sua tresloucada expedição ao longo do rio Tallapoosa até o lago Cherokee, com o objetivo de vivenciar uma aventura de tamanho impacto que o inspire para conceber sua própria poesia épica, mantendo a tradição de poetas da família.

    A premissa, que soa absurda, é levada a cabo ao longo das 228 páginas, estabelecendo Zagor e a tripulação do barco Athena como partícipes de um jogo de vida ou morte, através de uma jornada recheada de perigos inesperados. O percurso ganha ares épicos ao se desvelar em um ambiente que foge em muito daquilo que conhecemos como “mundo real”. Bonelli e Ferri inserem elementos fantásticos ao longo da jornada, como tribos de gorilas antropomorfos, vulcões ativos que surgem sem mais nem menos, solos áridos que se modificam, criando deslizamentos e nevoeiros que roubam a lucidez até mesmo do mais sábio dos homens. Afinal de contas, não há como se reclamar de emoção nessa jornada!

    A tribo de macacos antropomorfos remonta às clássicas aventuras de Tarzan e dos filmes de faroeste, em uma perspectiva claramente colonialista e que animaliza o desconhecido, o “incivilizado”, e dignifica o herói branco, civilizado e libertador. Essa sequência, analisada com as lentes do presente, pode ser interpretada de modo problemático, mas acaba passando batido durante uma leitura descompromissada.

    Logo em seguida, temos uma série de absurdos típicos das histórias de fantasia de décadas atrás, quando um vulcão entra em erupção e leva o solo a absurdas transformações que desafiam as leis da física, apenas com o intuito de gerar um deslizamento de pedras extremamente perigoso, que leva os personagens a retornarem às águas do rio Tallapoosa para escaparem daquele terreno inóspito.

    O rio, sempre representado à luz do dia, ganha contornos apavorantes ao cair da noite, remetendo a uma espécie de Apocalypse Now, imergindo em uma névoa sinistra, que pouco a pouco leva embora a sanidade da tripulação dos restos do Athena. Contudo, Zagor não é Ben Willard e não sucumbe à loucura, permanecendo incólume  diante do perigo, quando ninguém mais poderia salvá-los diante da maldita expedição.

    A narrativa de Bonelli é extremamente fluida, o que causa espanto ao constatarmos que “Odisseia Americana” se trata de uma história publicada em 1972. O escritor trabalha muito bem o humor ao longo da trama, dosando bem seu texto, caminhando entre a leveza da aventura pueril e o peso das trágicas consequências dos atos dos personagens. A arte de Ferri obedece aos padrões estéticos da época, fazendo uso de diagramações de páginas rígidas e traços extremamente refinados e detalhados, tornando impossível passar as páginas sem se prender aos quadros para observar a precisão que a arte possui. A dramaticidade contida no traço de Ferri salta aos olhos nas sequências de mortes da narrativa, conferindo peso para os momentos tensos da história, bem como apresentando expressividade e leveza nos momentos de descontração da história.

    Ao observarmos a concepção de personagem, percebe-se que Bonelli e Ferri pensaram Zagor como um típico herói clássico, tal qual Flash Gordon, Tex (criado pelo pai de Sergio, Gian Luigi Bonelli), Príncipe Valente, Tarzan etc. Com bondade, inteligência e absurdas habilidades atléticas, o herói virtuoso acaba se tornando um arquétipo comum do meio, o que torna ainda mais criteriosa a análise em cima desse tipo de personagem. Bonelli logra êxito nessa empreitada, apresentando uma excelente história de aventura com ares épicos, inserindo Zagor e sua inseparável machadinha por uma jornada de intensos percalços, nessa odisseia em solo americano.

    Publicado pela Mythos, Zagor Especial 40 Anos saiu em capa cartão, contendo as já supracitadas 228 páginas em cores.

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  • Resenha | Nathan Never: Os Olhos de um Estranho

    Resenha | Nathan Never: Os Olhos de um Estranho

    De todos os títulos relançados da Sergio Bonelli Editore pela Mythos, Nathan Never foi o que mais me despertou interesse. Incrivelmente, foi o que eu mais negligenciei por algum estranho motivo que eu não sei explicar até o momento que eu escrevo essa resenha. Entretanto, posso afirmar que foi disparado o melhor fumetti que eu li. Digo isso porque apesar de leitor ávido de quadrinhos, nunca fui familiarizado com os quadrinhos italianos da Bonelli. Só que esse novo mundo que me foi apresentado é por demais interessante, e dentre eles, Never foi o que mais me agradou.

    Criado por Michele Medda, Antonio Serra e Bepi Vigna, as histórias de Never são ambientadas em um futuro mais ou menos distópico em que o combate ao crime é feito por agências policiais e corporações privadas de detetives, como a Agência Alfa onde Nathan trabalha. Na trama de Os Olhos de um Estranho, o Agente Alfa investiga o assassinato de Hannah Owens, uma mulher solitária e introvertida que levava uma vida aparentemente comum. Com a ajuda de Sigmund Baginov, Never descobre que outras mulheres com perfil semelhante ao de Hannah também foram mortas da mesma forma que ela. A partir daí, Nathan descobre que o caso pode ser mais complicado do que imaginava.

    Originalmente publicada em Nathan Never nº 9 (fevereiro de 1992), a HQ conta com roteiros de Michele Medda e desenhos de Stefano Casini. É bom observar como o ambiente onde a história é passada guarda enormes semelhanças com Blade Runner: O Caçador de Andróides. Até mesmo o protagonista tem um certo quê de Rick Deckard, o protagonista do filme de Ridley Scott que foi interpretado por Harrison Ford. O ritmo do roteiro é vertiginoso desde o início, ainda que possua uma forte pegada noi Os diálogos são espertos, principalmente na interação do Agente Alfa com alguns ótimos coadjuvantes como Sigmund Baginov e Legs Weaver (declaradamente inspirada em Sigourney Weaver). Os desenhos de Stefano Casini em certos momentos parecem storyboards detalhados de algum filme, com planos que caberiam perfeitamente em uma tela de cinema. Em vários momentos me peguei viajando nos quadrinhos e imaginando tudo em movimento como se fosse um filme.

    Sintetizando em poucas palavras, Nathan Never foi o fumetti mais interessante que li dessa leva que a Mythos relançou e digo sinceramente que me tornei um fã de suas histórias.

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  • Resenha | Nick Raider: A Quarta Testemunha

    Resenha | Nick Raider: A Quarta Testemunha

    Criado por Cláudio Nizzi no ano de 1988, Nick Raider é considerado por muitos uma espécie de Tex urbano e contemporâneo. Detetive idealista, Raider é praticamente uma ilha de honestidade em um ambiente um tanto quanto corrupto, o Departamento de Polícia da cidade de Nova York. Sua concepção é até um tanto clichê, visto que o personagem dirige um Pontiac Firebird com a placa NYC 777. Lendo dessa forma, pode até parece um quadrinho ruim, mas está longe disso. É muito divertido.

    Nesse A Quarta Testemunha, volume 1 lançado pela Editora Mythos, escrito por Giuseppe Ferrandino e desenhado por‎ Gustavo TrigoNick se vê às voltas em uma colaboração com o FBI. O detetive é encarregado de transportar uma bela testemunha de Nova York para Los Angeles para que ela se pronuncie no julgamento do mafioso Joe Bonsanto. Porém, a tarefa não será nada fácil, já que o meliante já conseguiu eliminar outras três testemunhas que poderiam provar sua culpa.

    A história se desenrola como um road movie que em vários momentos me fez lembrar de Fuga à Meia-Noite, clássico oitentista estrelado por Robert De Niro e Charles Grodin. O roteiro é ágil e cheio de situações empolgantes, mas que em certos momentos parecem se resolver de forma apressada. A trama apresenta pontos muitos semelhantes com vários filmes e outras histórias, porém o roteirista pega esses clichês e faz ótimo uso deles. Um ponto muito positivo é colocar a personagem Alice Wilson como uma mulher inteligente que complementa Raider na história ao invés de ser somente a donzela em perigo. Os autores ainda homenageiam Marilyn Monroe e Robert Mitchum, protagonistas de O Rio das Almas Perdidas, o que acaba provocando uma sensação muito gostosa no coração dos cinéfilos saudosistas. Os coadjuvantes amigos do tira Nick também são clichês ambulantes, mas são divertidíssimos e funcionam muito bem na história. Além disso, a classuda arte de Mario Rossi provoca a imersão do leitor na história, já que em certos momentos parecemos estar diante de um caprichado storyboard de um filme.

    Não fosse o ritmo demasiadamente excessivo em vários momentos, esta “A Quarta Testemunha” seria um clássico instantâneo, mas ainda que não seja, é um grande cartão visitas do personagem nessa nova fase das publicações da Mythos.

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  • Resenha | Dylan Dog: Horror Paradise

    Resenha | Dylan Dog: Horror Paradise

    Em 1986, o jornalista e escritor Tiziano Sclavi e o ilustrador Claudio Villa criaram Dylan Dog, o Investigador do Pesadelo. A ascensão foi meteórica e o personagem inspirado nas feições do ator britânico Rupert Everett se tornou um dos mais populares dos quadrinhos italianos. Ao longo dos tempos, o personagem teve suas histórias publicadas em várias editoras no Brasil e após um hiato, está de volta sendo impresso pela Editora Mythos.

    Na história Horror Paradise, originalmente publicada em Dylan Dog n. 48, de setembro de 1990, o Investigador do Pesadelo se vê obrigado a enfrentar os grandes monstros do Cinema após acordar sem memória em uma estranha espaçonave. Ao longo de flashbacks, vamos descobrindo que o ponto de partida pra que Dylan fosse parar ali se deu quando ele começou a investigar um bizarro caso onde diretores de cinema apareceram mortos tal e qual as vítimas dos filmes que dirigiram e as únicas pistas encontradas por Dog foram fitas VHS de películas que jamais foram filmadas.

    Os roteiristas Michele Medda, Antonio Serra e Bepi Vigna criam uma divertida história lotada de referências cinematográficas, utilizando-se de trocadilhos e corruptelas com nomes de grandes cineastas, até paródias de personagens de filmes como Hellraiser: O Renascido do Inferno, Alien: O Oitavo Passageiro, Procura-se Susan Desesperadamente e inúmeros outros.

    Auxiliado pelos ótimos desenhos de Claudio Castellini, a história não é somente um emaranhado de referências. O trio de roteiristas cria uma trama de mistério que envolve o leitor, com um tom que emula tanto o seriado Supernatural (ainda que tenha sido concebida bem antes da criação da série) quanto o clássico Scooby-Doo, com o mistério se revelando ao mesmo tempo pro Detetive e pro leitor.

    A única ressalva fica por conta da nada atraente capa, que ainda que mostre algumas das criaturas do cinema que desfilam na história, acaba por preterir o protagonista, mas para o reinício das publicações do personagem aqui no Brasil, a Editora Mythos acertou em cheio com uma ótima história para resgatar os antigos leitores e cativar novos.

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