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  • Resenha | Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney

    Resenha | Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney

    Teorias da conspiração invadem o imaginário do homem moderno desde sempre. Permeiam boatos, histórias populares e até governos, o que de fato é lamentável. Quando residem na cultura pop, dependendo da qualidade de sua narrativa, podem gerar situações bizarras. Uma das mais famosas delas envolve a suposta morte de Paul McCartney, vocalista e baixista dos Beatles, a maior banda de rock da historia.

    Publicado nos Estados Unidos pela Image Comics, o quadrinho Paul Está Morto: Quando os Beatles Perderam McCartney de Paolo Baron e Ernesto Carbonetti, lançado pela Comix Zone, explora exatamente essa história. Situando-se entre a produção do disco Revolver e o posterior, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, a trama acompanha a teoria de que o baixista faleceu e foi substituído por um sósia.

    Entre todos os elementos visuais, o que mais chama a atenção são as cores, gritantes e incomuns. Variam entre as tonalidades utilizadas na capa e material de divulgação do referido disco de 1967, dando vazão à lisergia das viagens de ácido que os músicos protagonizavam quando não estavam em estúdio, já que eram regrados quanto a isso. Abrir o gibi e passear os olhos sobre a arte é extremamente prazeroso. A arte compensa boa parte das outras fragilidades da obra.

    A ambientação dos bastidores, da forma como a banda compõe e como se esmeram dentro do estúdio são fatores com alto grau de verossimilhança. Os desenhos de John, Paul, Ringo e George parecem caricaturais em alguns momentos, mas em outros se aproximam demais das facetas reais, demonstrando como houve um intenso trabalho de pesquisa da parte dos autores para retratar o quarteto de Liverpool em revista.

    Há uma sinergia entre os artistas, Carbonetti e Baron, que são apresentados nos créditos como letrista e harmonista. Um comentário válido, pois a forma como texto e desenho se misturam é bastante afinada. A atmosfera da dupla transborda intimidade e isso se vê até nas conversas desesperadas dos Beatles remanescentes. Esse comentário poderia servir como metalinguagem para a própria banda, embora a história não se preocupe em fortalecer essa ideia.

    Os momentos com o substituto William Campbell Shears tem um tom diferente em cores, como se fossem parte do mesmo universo mas em dimensões diferentes. Aqui se resgata uma sensação de dúvida, misturada à angústia e alívio pela sorte de acharem alguém tão parecido com o recém perdido baixista. Desse modo, o pesado fantasma da perda poderia ser driblado e a conspiração cresce.

    O final de Paul Está Morto é um pouco inesperado e abrupto, quebra algumas das expectativas que o próprio gibi construiu em suas páginas anteriores. Apesar de referências a eventos reais como a bronca da banda Pink Floyd por conta de um estúdio destruído por Lennon, não há nesse desfecho a mesma força e poder do restante da trama. Para os fãs da banda certamente essa é uma obra que vale conferir para matar a curiosidade, e seus maiores acertos estão exatamente quando o drama tenta ser simples e direto.

  • 11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    O expressionismo alemão foi sem dúvida um dos movimentos artísticos mais influentes no início do século passado, especialmente quando o assunto é cinema. Essencialmente, seus artistas procuravam um sentido mais profundo na realidade, sacrificando o realismo figurativo em pro do emocional a partir de formas distorcidas e principalmente exageradas. Dessa forma, a percepção subjetiva da vida levou ao controle objetivo pela maneira como as coisas são descritas, agora focadas num mundo interno ao invés de externo.

    Nu Junto a cadeira de Vine, Edward Munch (1929)

    É difícil apontar os aspectos mais importantes do expressionismo no cinema, mas é relativamente fácil de encontrar trabalhos que se encaixam na sua premissa básica. Então através das do que foi definido entre os anos 10 aos 30 por mestres alemães como Fritz Lang, F.W Murnau e Robert Wiene, realizadores de outros tempos, lugares e contextos deram sua contribuição a sétima arte de maneiras similares.

    Esse artigo procura explorar alguns pontos e analisar exemplos do expressionismo alemão que não foram feitos no ápice de seu movimento, mas compartilham seu estilo, estética e temática com esse rico movimento do cinema.

    Os tradicionais Noir e Neo-Noir foram deliberadamente retirados dessa lista (principalmente filmes como M, O Vampiro de Dusseldorf). Essa lista propõe uma abordagem mais diversa, do experimentalismo francês a blockbusters de Hollywood.

    10. Pi (Darren Aronofsky, 1998)

    De diversas maneiras Pi ecoa com o trabalho do expressionista alemão Paul Wegener, especialmente quando revemos a trilogia Der Golem, uma serie sobre uma criatura monstruosa criada por um místico Judeu (o rabino Juda Loew ben Besaliel) para defender os Judeus do Império Romano.

    A esquerda, o rabino de  Arronofsky; A direita, o rabino de Wegener

    A exposição exagerada do preto e branco de fotografia de Pi entrega um pacote de luz e contraste que se assemelha muito a estética de chiaroscuro nos filmes de Wegener. As sombras e luz saturadas parecem espelhar a condição instável e obsessiva do protagonista Max da mesma maneira que Wegener a usa para acentuar a criatura quase Frankenstein que é a natureza do Golem.

    O filme de Aronofsky não só se assemelha visualmente a obra de Wegener, mas em temática também. O Golem narra em três partes a natureza destrutiva da criação se não criada e tratada com responsabilidade, enquanto Pi mostra o terror do uso de profundo conhecimento formal para intenções sociopolíticas, com um uso místico dela se aproximando a ciência.

    Isso se tornar cada vez mais visível quando percebemos na comparação que o lar no rabino na série Golem é uma caverna profunda, repleta de mistérios escritos em hebraico, enquanto o apartamento de Max é um local de estudo, mobilhado com computadores enormes, com paredes cobertas por números e símbolos matemáticos. Para o leigo, os inscritos matemáticos são tão ocultos quanto inscritos numa linguá pouco usada.

    A esquerda, lar do Rabino em o Golem; A Esquerda, o Apartamento de Max

    Um dos cenários principais na série Golem é a cidade medieval de praga, representada como sombria, um local de tensão claustrofóbica, uma opção visual recorrente na estética de cidades no expressionismo alemão. Em Pi, a cidade de Nova York parece muitas vezes mimetizar a desordem da vida urbana, com diversos enquadramentos debaixo da terra, fazendo aquela ambientação cosmopolita sufocante e distorcida. Sendo assim, podemos considerar que Pi representa o medo inerente ao desconhecido da ciência. Ainda mais quando o aplicamos a nosso momento na era pós moderna.

    9. The Wall (Alan Parker, 1982)

    Pink Floyd não é uma banda que possa ser comparada visualmente a alguma outra coisa. Da sua psicodélica cheia de luz ao seu tom mais sombrio dos anos 70 aos 80, as ambições experimentais da banda sempre estiveram agregadas a diferentes fundamentos em movimentos artísticos que não só na música.

    Em 1982, Pink Floyd lançou o filme The Wall; um estudo de personagem de Pink, um rockstar que se perdeu durante a vida nas drogas, instabilidade emocional e problemas com a família, The Wall reflete fortemente elementos principais presentes dentro do expressionismo quanto no surrealismo.

    Começando com o próprio poster do filme que se assemelha ao grito, obra mais famosa do pintor Edward Munch, um dos marcos do expressionismo. A pintura do rosto gritando, representando o desespero de Pink prepara o terreno para a abordagem do longa e seus temas recorrentes: loucura e opressão.

    Através de uma narrativa não linear, o protagonista vai cada vez mas se afogando em loucura. A falta de diálogos em geral compeliram o diretor Alan Parker a compensar o silêncio em pura narrativa visual, muitas vezes abusando do imagético expressionista para transmitir sua mensagem.

    Esse tema e a maneira como é destrinchado podem facilmente ser assimilado ao clássico de 1920 dirigido por Robert Wiene, “O Gabinete do Dr. Caligari”, o filme possui alguns paralelos com The Wall:

    O Uso de paisagens distorcidas e oníricas para expressar as divagações da mente

    O exagero negativo para as figuras de autoridade

    E ainda um similar uso de sombras nos closes:

    Esses exemplos não são os únicos elementos do expressionismo presentes nessa obra: o uso simbólico de espelhos como pontos de reflexão e o claro abstracionismo também se mostram como pontos chaves para comparação.

    Superfícies que refletem são uma mise-en-scène para os antigos diretores do expressionismo e eram usada frequentemente. a primeira vista, o espelho é usado como janela para o desejo de Pink se libertar da inevitável vida adulta; ele se encara profundamente, e raspa todo o pelo do seu corpo, uma maneira catártica ao desejo de renascer. Outro objeto que reflete presente no longa inteiro é a televisão, a tela em que Pink tenta incessantemente escapar da sua realidade. O Antropomorfismo é particularmente tangível. As flores em formato de vagina que ficam se mordendo e serpentes cantantes são exemplos de não humanos agindo como humanos.

    8. Nosferatu, O Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979)

    A filmografia de Werner Herzog foi claramente influenciada de maneira geral pelo expressionismo alemão. O clima inquietante de Os Anões também começam pequenos (1985), o surrealismo sobrenatural de Aguire, A Cólera dos deuses (1972), e o suspense noir do preto e branco de Meu Filho, Meu Filho, Olha o que fizeste? (2009) são exemplos do recorrente, emocional, do subjetivo oferecidos em temáticas violentas sobre um pano de fundo tanto romântico quanto sombrio.

    Nosferatu, o vampiro da noite”, uma refilmagem estilosa da obra de F.W Murnau de 1922, paga uma homenagem ao movimento expressionista como um todo. Uma carta de amor ao gênero, o longa de Herzog super a tarefa de transmitir todo o clima sombrio e teatral da atmosfera que habita no longa original para um filme moderno, colorido e com vozes.

    O Nosferatu de Herzog também toma uma liberdade poética, e foca a maior parte do tempo na natureza solitária do conde amaldiçoado do que na sua natureza mórbida como no original. O uso da luz e sombra, maquiagem e atuação gestual serve para mostrar a mensagem que os vampiros são tanto vitimas quanto culpador, devidos a sua condição.

    7. O Homem Elefante (David Lynch, 1980)

    the-elephant-man

    A tragica biográfia transformada em conto de fadas, depois em trágica novamente. O longa de Lynch de estilo comumente surreal se rende a um roteiro um pouco mais tradicional, focado muito mais no desenvolvimento do personagem e na seguinte pergunta: O que te torna um monstro?

    O monstro é um arquétipo muito presente no expressionismo alemão. Do Vampiro de Murnau ao esquizofrênico Cesare no Gabinete do Dr Caligari, o que é ser um monstro acaba se tornando um ponto de vista.

    Seguindo a tradição de livros românticos, parece que é algo recorrente nos expressionistas o desejo de convidar o espectador a sentir empatia pelo monstro. Em muitos casos o monstro é um incompreendido invalido social, transformado em algo por uma percepção moral num mal violento.

    The-Elephant-Man

    John Merrick, o Homem Elefante. O homem possui uma doença que deformou seu rosto e esticou sua pele lhe proporcionando uma aparência grotesca. nesse forasteiro monstruoso esconde um doce e inteligente interior. Talvez o mais sensível dos personagens do filme, Merrick desenvolve um gosto por intelectualidade e procura evitar se comunicar com outros humanos.

    Então, em contrapartida, o inescrupuloso dono do show Bytes. Um desagradável e mesquinho homem que destrata e força Merrick a ser exposto num circo, como um animal de zoológico, como a criatura mais secreta da terra. Apesar de sua crueldade, ele não era em essência um homem mau. Suas decisões e comportamento foram resultados de anos de pobreza e aspereza, derramada sobre um homem que sucumbiu ao desejo de usar a violência e abusar de seu acesso ao cuidador do hospital e vigiar pessoas.

    The Elephant Man

    No fim, o Homem Elefante é cercado de crítica social sobre a natureza do homem. Personagem não são apenas indivíduos, eles são formatos a partir do meio em que habitam, não sendo exatamente bom ou mau, apenas um caleidoscópio moral.

    Em função de focar no chiaroscuro, Lynch optou por uma alta e expressiva estética. A filmografia em PB é sólida no uso de luz e sombra, novamente perfomances teatrais e ângulos de câmera dão ao filme uma sensação de pré segunda guerra.

    6. Mephisto (István Szabó, 1981)

    Mephisto (1981)

    A peça Fausto de Goethe é um marco tanto na literatura romântica quanto na cultura alemã em geral. A trágica narrativa de um alquimista ambicioso que entrega sua alma ao demônio em troca de conhecimento foi recontada em várias outras mídias; O poema de Lord Byron Manfred, as muitas canções de Robert Johnson e o balé de 1848 de Jules Perrot são alguns dos muitos exemplos que podem ser citados.

    O conto soturno e dramático da obra dá o tom natural para uma adaptação dentro do expressionismo alemão. Obscuro, temas místicos e a incessante procura de significado através do poder, e o sentimento geral de desconforto inerente ao enredo foram então representados pelas lentes sombrias de  F.W Murnau, in 1926.

    O longa de István Szabó’s dirigido em 1981, Mephisto, traz influências tanto da obra escrita por Goethe quanto do movimento expressionista. O longa conta a história de Hendrik Höfgen, um promissor ator de teatro nos anos 30, que começa a colaborar com o partido nazista procurando fama e fortuna, e conseguir o papel de Fausto.

    Mephisto se relaciona ao expressionismo muito além de uma simples refilmagem. O plot do longa de Murnau em si é uma adaptação do romance de Klaus Mann que conta a história de Gustav Gründgens, (um ator mais velho muito influente que apareceu em filmes como M, o vampiro de Dusseldorf, dirigido com Fritz Lang em 1937).

    Höfgen, a contraparte de Gründgens na refilmagem é intepretado pelo ator Klaus Brandauer de maneira muito histérica, que procura mimetizar a maneira exagerada com que os atores no expressionismo atuavam. Isso fica acentuado na cena em que os personagens estão encenando.

    Gustav Gründgens como Mephisto

    Klaus Brandauer como Hofgen (Caracterizado como Mephisto)

    A narrativa, a atuação e finalmente as cenas metalinguisticas são claras referências ao expressionismo de muitas maneiras. A refilmagem de Albeit Szabó oferece um trabalho mais conciso e realista quanto a sua identidade visual.

    5. Dark City (Alex Proyas,1998)

    Hollywood parece ser a única rerefência para faroestes mainstream hoje em dia. Do mais alto orçamento, mais assistido e mais relembrado pelas audiência casual de algum lugar de Los Angeles. Porém, nem sempre foi assim. No início deo século passado França e Alemanha também detinham poderosas industrias de cinema especialmente devido ao protecionismo dos dois governos. Para citar dois exemplos, a francesa Gaumont Film Company e a alemã Babelsberg Studio eram ambas competidoras saudaveis e tão promissoras quanto a Warner Brothers na época.

    Após a segunda guerra, o cinema americano virou a norma, com os competidores franceses e alemães mudando o curso de ambos para mercados de Nicho. A audiência convencional se acostumou a certas estruturas estéticas e estilos visuais definidos por hollywood.

    Dark City de Alex Proyas desafiou essa padronização americana desdo inicio. Apesar de ser produzido pela New Line, o filme foi concebido para fugir da tradição americana (menos no valor de efeitos especiais) em razão de reviver o expressionismo alemão.

    Era como se a era de ouro de Babelsberg, patrão de diretores como Robert Wiene e Fritz Lang, tivesse vendo a luz do dia denovo um pouco antes da virada do século. CGI, maquiagens de técnica contemporânea e câmeras de alta definição contrastavam com os antigos métodos de filmagem no set.

    Uma cidade que nunca faz dia parece um motivo ingênuo para sempre manter o filme na escuridão. Dessa forma, as luzes e sombras podem ser onipresentes, da mesma maneira que um filme PB deveria ser. A arquitetura em si faz uma homenagem a Metrópolis de Fritz Lang: A tecnologia, arranha céus banhados com tons de cinza e claro, um prédio maior ainda no centro.

    Os estranhos parecem evocar muito da vibe noir que M, o Vampiro de Dusseldorf (1931) trazia. Chapéus Fedora pretos, casacos pretos, e uma atitude de desdém.

    O prédio ao centro do filme de Proyas com uma cabeça de metal gigante mimetiza a máquina coração de Fredersen do clássico de 27.

    Dark City é um incrível exemplo e exercicio de estilo e efeitos especiais, que depois influenciaram filmes como a trilogia Matrix e tantos outros longas.

    4. O Último Combate (Luc Besson, 1983)

    Apesar de ser a primeira produção de Luc Besson, feita com apenas 24 anos, O Último combate é um trabalho consideravelmente substancial. Focado nos instintos primitivos e necessidades humanas que extrapolam quando a sociedade entre em colapso.

    Fica claro que, de uma visão teórica do filme, que Besson deixou-se influenciar por duas escolas de cinema: O expressionismo alemão e a Nouvelle Vague. A mistura de dois estilos improváveis de filmar resultaram num trabalho muito autêntico.

    Temos a primeira vista a escolha nada tradicional de terreno. Enquanto muitos filmes pós apocalípticos se desenvolvem em cima de desastres nucleares, epidemias globais ou qualquer outra explicação cientifica para o desgaste do planeta, esse filme francês lida com um evento muito mais metafísico: E se pessoas simplesmente ficassem sem nenhuma língua para comunicação? Com essa imersão ja proposta o diretor então molda a estrutura e o sentimento geral da obra. Primeiro de tudo, o filme é mudo, já que ninguém mais se comunica, os atores tem que trabalhar sem nenhum tipo de discuso, apenas linguagem facial e corporal.

    O segundo ponto é a imagem. Em razão de experimentas tipo de luz e sombra, Besson optou por explorar as escolas de Fritz Lang e Jean-Luc Godard, fazendo do filme então PB. Isso também parece refletir numa escolha metalinguística, com propósito de demonstrar as escolhas morais que resultaram no plano em que a trama se passa, tons de cinza parecem os ideias para o filme.

    De uma maneira mais direta, é possível dizer que o diretor usou tanto a Nouvelle Vague para edição etérea para o plot quanto misturou isso ao chiaroscuro expressionista adicionando o cinema mudo a proposta desse mundo.

    3. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)

    “Uma mulher tentando se tornar estrela em Hollywood, ao mesmo tempo se encontra se tornando uma detetive e adentrando num mundo perigoso.”

    Com essa premissa, David Lynch lapidou uma obra prima da narrativa não linear, surrealista e experimenta. A trama toda é moldada em cima de um sonho, sem nenhum tipo de sequência concreta de eventos. Lynch alcança o tom de seu longa através de uma fusão das estéticas surrealistas e expressionistas. Essa fusão e perceptível logo na abertura do filme, onde casais dançam freneticamente o swing num cenário roxo.

    Tirando o contexto absurdo da cena, existem sombras nessa cena: silhuetas de casais dançando são parte integral do plano, e é difícil definir qual silhueta pertence a quem, e logo terminar com um saturado close no rosto de nossa protagonista na tela, rindo. O filme então corta para as ruas de Los Angeles.

    Essa passagem uma um tratamento antigo de sombras como uma mise-en-scène, pioneirismo dos mestres da Babelsberg, mas também adiciona uma pinta de surrealismo. O corte abrupto para o branco e brilhante personagem e então para um cena em que o preto predomina e guia o espectador a adentrar ao mundo de luz e sombras certamente já marca sua abertura como essencial para o conceito do filme como um todo.

    Os closes nos atores gerando catárticas cenas de emoção são um recurso também varias vezes revisitado durante o filme, especialmente em uma das cenas finais, onde as atrizes se derramam em lágrimas.

    Lynch nos entrega uma obra mais que bem executada. Das cenas de perseguição, remetendo aos filmes noir, até o climax no bizarro Clube Silencio, o diretor permeia cada enquadramento com onírico, as vezes com lúz e as vezes duvidoso. Essa oscilação entre pesadelo e sonho, luz e sombra identidade e natureza estão no cerne de qualquer experiência expressionista.

    2. O Cremador (Juraj Herz, 1968)

    Esse longa da nova onda de cinema checa dos anos 60 apesar de não dividir estética, temática e estrutura com os seus iguais ele segue ainda caminha da mesma maneira progressiva, trazendo autenticidade e identidade artística para uma indústria que ficou carimbada por ideologia socialista. O Cremador, de Juraj Herz, é uma comedia de humor negro ambientada nos anos 30 na Checoslováquia, a trama segue Karl Kopfrkingl, um cremador que entender seu trabalho com um ponto de vista bastante espiritualístico após entrar em contato com o livro tibetano da morte. Ele mergulha num fanatismo que ao queimar os corpos das pessoas isso facilitaria sua passagem para o além vida. Como seu país foi anexado pelos nazistas, os mesmo utilizam os talentos de Karl para propósitos holocausticos.

    O filme todo PB é focado na mente perturbada de Karl beirando a insanidade. Em função de estruturar o seu desenvolvimento como personagem, o diretor monta a narrativa de maneira subjetiva, estilizando-a de maneira muito expressionista. Dessa maneira, o espectador é sempre colocando numa posição de desconforto, não só pelas viradas de roteiros mas na forma agressiva que a imagem é mostrada.

    Os extremos closes usados na cena de abertura, em que animais são colocados em paralelos com imagens de Karl e sua família são estilosos e elegantes formas de insinuar ao espectador o que ele pode esperar: uma jornada através da mente de um homem louco.

    1. Quase todo o trabalho do Tim Burton

    Burton é talvez o maior diretor mainstream a deixar claro sua profunda influência do expressionismo alemão através de seu trabalho. Sua descrição de Gotham em Batman O Retorno (1992), a estética escolhida para retratar a fábrica em Edward Mãos de Tesoura (1990) e o uso das sombras na narrativa de Noiva Cadaver (2005) são claros exemplos (fora tantos outros) da relação do diretor com esse movimento.

    Suas referências são claras a ponto de nomear um personagem da série do Batman de Max Schreck, nome do ator alemão de Nosferatu (1922). Você também pode encontrar relações no:

    Figurino,

    Cenários

    E até reencenações

    Filme bônus – A Viagem de Alice (Neco Z Alenky), Jan Svankmajer 1987

    Talvez pegar qualquer filme baseado na obra de Lewis Carrol pra compor essa lista seja covardia, mas o longa do Checo Jan Svankmajer sucede a loucura e o surreal através da mente de uma criança nesse conto que as vezes soa terror e vezes fábula de maneira que ele merece sua presença aqui.

    O filme faz uma releitura do primeiro livro das aventuras de Alice misturando Stop-Motion com narração em off e quebra de quarta parede como numa atuação de teatro, mas é na maneira que a decupagem desenrola sua narrativa que podemos ver o brilho expressionista da obra. Logo na primeira cena do filme a continuidade do quarto da pequena Alice é distorcido para liga-lo á um deserto árido com uma escrivaninha como podem ver na imagem logo acima. O longa não chega a ser sombrio visualmente mas mesmo na luz ele sugere uma distorção exagerada do figurativo nos animais e principais personagens da obra de Carrol, e por não contar com uma trilha sonora presente, quase toda a inserção sonora é alta e tenta incomodar de alguma forma.

    É fascinante como a morte é expressa nesta película, os cadáveres e corpos mortos são elementos quase onipresentes, eu diria que esta é praticamente um ensaio sobre a morte reescrito em cima do precursor do nosense na narrativa infantil.

    Fonte: Taste of Cinema

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Roger Waters: The Wall

    Crítica | Roger Waters: The Wall

    Roger Waters - The Wall - poster

    O álbum The Wall lançado pelo Pink Floyd dava continuidade à tendência de álbuns conceituais da banda de rock progressivo e se tornou um dos pilares da banda, ainda hoje considerado um dos 100 melhores discos de todos os tempos tanto pela lista da Billboard quanto a da Rolling Stones. A ideia da obra surgiu na turnê In The Flash, quando Rogers Waters, sentindo uma desconexão com seu público, criou o conceito da parede que o separa de seus ouvintes, gerando, assim, este álbum dedicado a um traumático e metafórico trajeto de isolamento.

    Desde seu lançamento em 1979, o álbum se transformou em uma turnê de sucesso, um disco ao vivo, uma animação idealizada por Alan Parker e um futuro musical da Broadway. Em 2010, Roger Waters, o mentor por trás do álbum, desenvolveu um novo show utilizando os recursos tecnológicos vigentes para produzir um espetáculo que desse vazão ao conceito de sua ópera rock e ampliasse seu significado em narrativas visuais que interagiam com as músicas. A turnê The Wall foi apresentada mundialmente nos três anos seguintes, com direito a quatro apresentações no Brasil em 2012.

    Filmado em três shows produzidos especialmente para esta versão, além de um show com a participação do público, Roger Waters – The Wall é um espetáculo cuja magnitude é justificada por esta nova grande produção. Em 1990, Waters já havia feito uma gravação deste show em Berlim e, ao refilmá-lo anos depois, dialoga com a evolução da tecnologia a favor de sua história em um show definitivo.

    O conceito teatral por detrás da obra se apresenta desde o início, antes da abertura do show. Uma parede cenográfica construída nas laterais no palco é o cenário que introduz o público a trajetória de Pink, o alter-ego de Waters no álbum conceitual. A metáfora narrativa sobre a evolução de um ser humano passando por fases de dor e perda inicialmente, a do pai morto no fronte de guerra, e delineando outras opressões como o protecionismo materno e o conflito das relações amorosas.

    Roger-Waters-The-Wall-Live-315-photo-credit-Wembley-Stadium

    A abertura do show, bem como início do álbum, é uma quebra de expectativa que rompe a barreira de um show tradicional. Um ditador entra em cena acompanhado de seu exército, informando que a diversão será diferente daquela imaginava pelo público. Não contente com a natural teatralidade do álbum, há a inclusão de uma pequena narrativa diluída durante o show sobre a perda de seu pai na guerra. A batalha é vista pelo viés social, da destruição causada nas famílias que perderam seu patriarca e o quanto isto causou marcas em uma geração. É este o marco zero de Pink que atravessa sua história. Nesta narrativa filmada exclusivamente para esta edição, Waters ruma a uma jornada pelo país até o local em que seu pai foi morto para prestar homenagens. Mesmo nesta composição simples, a viagem se adensa pela história do álbum se integrando a sua metáfora.

    A parede é esta representação de insatisfações. Conforme cresce e é construída durante o espetáculo, se universaliza a partir da dor da personagem. O trauma é interno, simbólico, invisível mas ainda pulsa forte e adquire uma tônica crítica contra o imperialismo americano e da cultura de massa. O cenário é como personagem sempre mutável, graças às diversas projeções que estão expostas. Assim, a jornada de autoconhecimento de Pink é compartilhada com o público, a princípio, na destruição de todos os conceitos conhecidos para, após um surto que o divide entre juiz e acusado, destruir o isolamento da parede e voltar a se reintegrar.

    Walters revoluciona ao compor um show em que o público perde o contato com a banda. Um convite à reflexão do motivo pelo qual há a parede em cena. Infelizmente, a edição lançada no país pela Paramount Pictures segue a tendência dos lançamentos de shows do país em que não há legendas em português nas canções, somente nas intervenções do cantor. Um erro de concepção da empresa ao ser incapaz de observar que, além de um show, a narrativa de The Wall possui uma história contada por suas letras. Dessa maneira, mesmo quem conhece o álbum de longa data, terá que rememorar as letras para conectá-las ao espetáculo. Um erro que poderia ser suprimido se se compreendesse que mais que um show, trata-se de um álbum-show conceitual.

    Rogers Waters – The Wall foi lançado em DVD e Blu-Ray no país, sendo o último lançado em edição especial com luva, cards e um pôster. A edição apresenta poucos extras sobre bastidores e dois documentários expandindo a história inédita filmada especialmente para esta versão. Infelizmente, ainda falta um documentário que apresente toda a espantosa tecnologia por trás da produção, em que Waters eleva um incrível álbum a um conceito artístico múltiplo que transforma esta apresentação em uma das versões definitivas de The Wall.

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