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  • Crítica | Metrópolis

    Crítica | Metrópolis

    Metrópolis talvez seja a obra máxima de sua época, e sua exibição hoje beira o desafio, visto que é difícil achar uma cópia que faça jus ao original. Os rolos de filmes originalmente exibidos em 1927 foram restaurados, a partir de uma cópia encontrada na Argentina e finalmente se pode apreciar ao menos em parte qual era a ideia que o austríaco Fritz Lang tinha para a adaptação do livro de  Thea von Harbou, escritora que inclusive escreveu o roteiro da adaptação.

    A história se passa um século após a produção do filme, em 2026, e a grande e bonita cidade de Metrópolis esconde nos seus subterrâneos um segredo terrível, ela é movida pela trabalho braçal da classe operária, homens pobres que não tem ninguém a não ser eles mesmos. A ideia de futuro de Harbou era pessimista, ou realista se o intérprete da obra for mais pragmático, e não encara a humanidade como espécie benevolente ao ponto de conseguir se livrar da condição escravocrata que cercou sua história.

    Não demora a se explorar como é a rotina de quem vive na parte de cima de Metropolis. O dono do lugar, Joh Fredersen (Alfred Abel) tem um filho, chamado Freder (Gustav Fröhlich), um garoto mimado que passa seus dias praticando esportes e flertando com belas moças. Logo, uma misteriosa mulher aparece, Maria (Brigitte Helm), e ela carrega os filhos dos trabalhadores consigo, para que pudessem conhecer a superfície. Entre o choque da realidade completamente diversa da sua e contemplar uma mulher igualmente diferente das que vê, Freder se apaixona e decide ir até a cidade dos trabalhadores. Logo se depara com as condições degradantes de trabalho.

    Lang faz uso de maquetes muito bem pensadas para registrar as imagens panorâmicas das cidades. A sofisticação dos cenários unidos a narrativa de extrema dramaticidade típica do expressionismo alemão fortificam a denúncia sobre os perigos do avanço desenfreado do homem rumo a urbanização e coisificação dos outros homens, sobretudo, os mais pobres. Mesmo que os personagens abastados afirmem que as configurações de mundo são assim desde antes de nascerem, o conhecimento sobre a história evidencia que eles só estão ali como classe dominante por que no passado se utilizou de mão de obra escrava estrangeira, portanto, a utilização do sistema de castas é só uma propagação dessa atitude exploratória.

    É curioso como o roteiro de Harbou referencia figuras míticas religiosas, fazendo paralelos com a mitologia judaico-cristã mas também com a Babilônica e Celta ao mesmo tempo, evocando um pensamento utópico de luta de classes. A trama envolvendo a construção do Maschinenmensch (ou máquina-homem) é muito curiosa, porque novamente trata de uma questão que em sua gênese é pessoal, afinal seu criador, o doutor Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) só queria trazer sua amada de volta – a mulher que foi casada com Fredersen, e que morreu ao dar a luz a Freder – mas evolui para um quadro que viola o sagrado. Apesar de não ser um filme exatamente cristão e de misturar mitos, o filme demonstra que criatura se virará contra seu criador, e assim passará a dar ordens.

    Isaac Asimov acusava a literatura de Mary Shelley de ter criado na população geral uma ojeriza por robôs, fato que ele chama de Complexo de Frankesntein. Essa sensação seria agravada pela versão protagonizada por Boris Karloff nos anos trinta, via Universal, mas em partes, a sensação de que os robôs dominariam seus criadores também encontra origem aqui em Metrópolis, embora tanto nela quanto na obra de Shelley houvesse margem para o entendimento de que a malevolência das criaturas mecânicas é herdada de seus criadores, e não o contrário. Tanto Maschinenmensch quanto o Moderno Prometheus tem esse caráter, possivelmente a Skynet de O Exterminador do Futuro e as máquinas de Matrix também o tenham.

    Próximo ao final, o filme lembra o clássico de Gillo PontecorvoQueimada, lançado anos depois e que claramente tem como uma de suas referencias o cinema de Fritz Lang. Metrópolis é uma obra prima, mas ainda assim é um filme fruto de seu tempo, uma época em que os produtos cinematográficos buscavam um final feliz. Uma conciliação. Desse modo, o acordo entre a liderança dos trabalhadores e o capitalista é de certa forma aceitável, ainda que claramente não faça sentido. Ainda assim, pela inventividade genial e pioneira de Fritz Lang, a obra entra certamente para a história do cinema não só como exemplar a ser visto mas também como influência para inúmeras gerações de cineastas.

    https://www.youtube.com/watch?v=on2H8Qt5fgA

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  • Crítica | Em Pedaços

    Crítica | Em Pedaços

    “O povo é o mito da burguesia”, disse certa vez Glauber Rocha referindo-se aos lugares sociais que cada um de nós ocupamos, o que isso implica na nossa vivência e, por consequência, o peso das nossas ideologias amigas ou não formuladas a partir de qual classe econômica pertencemos, fatalmente falando. Pra começo de conversa, é cruel e muito direto reconhecer um estudo de personagem e situação como Em Pedaços, filme alemão com uma atriz muito reconhecida em Hollywood após Bastardos Inglórios, a ótima e expressiva Diane Kruger, se baseando na importância da ‘casta’ popular de uma cidadã europeia posta numa condição limite, uma vez que essa perde marido e filho pequeno numa explosão aparentemente sem explicação alguma.

    Um ataque de cunho xenofóbico e/ou terrorista talvez, ninguém sabe, uma vez que a família estava longe de ser burguesa ou estrangeira, com a violência irrompendo de forma cada vez mais niilista ao redor do mundo – quando a normalidade implode, os mais pobres são sempre os primeiros a sentir. O drama então se torna real na vida de Katia Sekerci, aqui na pele de Kruger num show de atuação ignorada pelas badaladas e narcisistas premiações americanas – típico. Sua vida após o choque inicial se transforma, e como presenciávamos essa metamorfose psicológica em primeira pessoa, acompanhamos seus passos numa investigação própria, rumo a chave do seu sofrimento. Encarnamos pouco a pouco os fragmentos de uma mãe e esposa em luto e que se recusa a não vestir um trabalho detetivesco ao invés de encarar o conformismo que apenas cultiva uma dor muito grande ao coração oceânico de uma mãe.

    Contudo, ao mesmo tempo que sentimos a cada segundo a urgência e o pesar da situação, Em Pedaços é um filme que claramente se beneficiaria de vários elementos mais ricos e mais profundos e objetivos do neorrealismo italiano, aquele movimento cinematográfico dos anos 40 e 50 repleto de grandes figuras maternas a formar um mural de dramatização sobre questões muito semelhantes que Katia, sua família e agentes policiais precisam enfrentar em busca de uma solução – e principalmente, de culpados! O filme de Fatih Akin busca um naturalismo e a discussão sobre justiça e uso de drogas de forma muito focada e deveras intensa, sempre usando de closes como se investigasse nessas faces o segredo do universo. O longa de fato alcança suas presunções seja através de cenas interessantes de tribunal (quase documentais), seja através de mil e um diálogos conservados por uma iluminação, ambientação e performances absolutamente reais em sua encenação clara, e solta.

    Eis aqui um suspense dramático que não se envergonha de carregar o máximo de naturalidades possíveis, e que se revela da metade ao fim não apenas um exercício dramático bem maduro e autoconsciente, mas uma desconstrução minuciosa do quadro psicológico de uma mulher abalada por um acidente que a afeta como um trem descarrilhado e que, para tentar juntar a lógica das coisas que foi espatifada nos trilhos da sua vida, Katia começa a duvidar se vale mesmo quase tudo. É bacana afinal, se valendo muito do talento de Kruger pra isso, o quanto Akin gera e aborda circunstâncias que vão revelando uma personalidade que ainda não conhecíamos de uma mulher tão normal no início, e que jogada aos extremos pode criar e desenvolver aspectos impressionantes para que seu luto não seja em vão.

    Em Pedaços se vale dessa justifica acima de tudo e segue construindo de forma semi hipnótica seu discurso sobre justiça e xenofobia até o seu ótimo e conclusivo final, evitando discutir política propriamente dita e construir polêmicas fajutas sem nunca apelar tampouco para sentimentalismos, ou abstracionismos baratos, esse último sendo a arma dos diretores que não tem capacidade ou coragem melhor dizendo de realizar grandes obras a habitar a nossa seletiva memória afetiva.

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  • 11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    11 Filmes Inspirados pelo Expressionismo Alemão

    O expressionismo alemão foi sem dúvida um dos movimentos artísticos mais influentes no início do século passado, especialmente quando o assunto é cinema. Essencialmente, seus artistas procuravam um sentido mais profundo na realidade, sacrificando o realismo figurativo em pro do emocional a partir de formas distorcidas e principalmente exageradas. Dessa forma, a percepção subjetiva da vida levou ao controle objetivo pela maneira como as coisas são descritas, agora focadas num mundo interno ao invés de externo.

    Nu Junto a cadeira de Vine, Edward Munch (1929)

    É difícil apontar os aspectos mais importantes do expressionismo no cinema, mas é relativamente fácil de encontrar trabalhos que se encaixam na sua premissa básica. Então através das do que foi definido entre os anos 10 aos 30 por mestres alemães como Fritz Lang, F.W Murnau e Robert Wiene, realizadores de outros tempos, lugares e contextos deram sua contribuição a sétima arte de maneiras similares.

    Esse artigo procura explorar alguns pontos e analisar exemplos do expressionismo alemão que não foram feitos no ápice de seu movimento, mas compartilham seu estilo, estética e temática com esse rico movimento do cinema.

    Os tradicionais Noir e Neo-Noir foram deliberadamente retirados dessa lista (principalmente filmes como M, O Vampiro de Dusseldorf). Essa lista propõe uma abordagem mais diversa, do experimentalismo francês a blockbusters de Hollywood.

    10. Pi (Darren Aronofsky, 1998)

    De diversas maneiras Pi ecoa com o trabalho do expressionista alemão Paul Wegener, especialmente quando revemos a trilogia Der Golem, uma serie sobre uma criatura monstruosa criada por um místico Judeu (o rabino Juda Loew ben Besaliel) para defender os Judeus do Império Romano.

    A esquerda, o rabino de  Arronofsky; A direita, o rabino de Wegener

    A exposição exagerada do preto e branco de fotografia de Pi entrega um pacote de luz e contraste que se assemelha muito a estética de chiaroscuro nos filmes de Wegener. As sombras e luz saturadas parecem espelhar a condição instável e obsessiva do protagonista Max da mesma maneira que Wegener a usa para acentuar a criatura quase Frankenstein que é a natureza do Golem.

    O filme de Aronofsky não só se assemelha visualmente a obra de Wegener, mas em temática também. O Golem narra em três partes a natureza destrutiva da criação se não criada e tratada com responsabilidade, enquanto Pi mostra o terror do uso de profundo conhecimento formal para intenções sociopolíticas, com um uso místico dela se aproximando a ciência.

    Isso se tornar cada vez mais visível quando percebemos na comparação que o lar no rabino na série Golem é uma caverna profunda, repleta de mistérios escritos em hebraico, enquanto o apartamento de Max é um local de estudo, mobilhado com computadores enormes, com paredes cobertas por números e símbolos matemáticos. Para o leigo, os inscritos matemáticos são tão ocultos quanto inscritos numa linguá pouco usada.

    A esquerda, lar do Rabino em o Golem; A Esquerda, o Apartamento de Max

    Um dos cenários principais na série Golem é a cidade medieval de praga, representada como sombria, um local de tensão claustrofóbica, uma opção visual recorrente na estética de cidades no expressionismo alemão. Em Pi, a cidade de Nova York parece muitas vezes mimetizar a desordem da vida urbana, com diversos enquadramentos debaixo da terra, fazendo aquela ambientação cosmopolita sufocante e distorcida. Sendo assim, podemos considerar que Pi representa o medo inerente ao desconhecido da ciência. Ainda mais quando o aplicamos a nosso momento na era pós moderna.

    9. The Wall (Alan Parker, 1982)

    Pink Floyd não é uma banda que possa ser comparada visualmente a alguma outra coisa. Da sua psicodélica cheia de luz ao seu tom mais sombrio dos anos 70 aos 80, as ambições experimentais da banda sempre estiveram agregadas a diferentes fundamentos em movimentos artísticos que não só na música.

    Em 1982, Pink Floyd lançou o filme The Wall; um estudo de personagem de Pink, um rockstar que se perdeu durante a vida nas drogas, instabilidade emocional e problemas com a família, The Wall reflete fortemente elementos principais presentes dentro do expressionismo quanto no surrealismo.

    Começando com o próprio poster do filme que se assemelha ao grito, obra mais famosa do pintor Edward Munch, um dos marcos do expressionismo. A pintura do rosto gritando, representando o desespero de Pink prepara o terreno para a abordagem do longa e seus temas recorrentes: loucura e opressão.

    Através de uma narrativa não linear, o protagonista vai cada vez mas se afogando em loucura. A falta de diálogos em geral compeliram o diretor Alan Parker a compensar o silêncio em pura narrativa visual, muitas vezes abusando do imagético expressionista para transmitir sua mensagem.

    Esse tema e a maneira como é destrinchado podem facilmente ser assimilado ao clássico de 1920 dirigido por Robert Wiene, “O Gabinete do Dr. Caligari”, o filme possui alguns paralelos com The Wall:

    O Uso de paisagens distorcidas e oníricas para expressar as divagações da mente

    O exagero negativo para as figuras de autoridade

    E ainda um similar uso de sombras nos closes:

    Esses exemplos não são os únicos elementos do expressionismo presentes nessa obra: o uso simbólico de espelhos como pontos de reflexão e o claro abstracionismo também se mostram como pontos chaves para comparação.

    Superfícies que refletem são uma mise-en-scène para os antigos diretores do expressionismo e eram usada frequentemente. a primeira vista, o espelho é usado como janela para o desejo de Pink se libertar da inevitável vida adulta; ele se encara profundamente, e raspa todo o pelo do seu corpo, uma maneira catártica ao desejo de renascer. Outro objeto que reflete presente no longa inteiro é a televisão, a tela em que Pink tenta incessantemente escapar da sua realidade. O Antropomorfismo é particularmente tangível. As flores em formato de vagina que ficam se mordendo e serpentes cantantes são exemplos de não humanos agindo como humanos.

    8. Nosferatu, O Vampiro da Noite (Werner Herzog, 1979)

    A filmografia de Werner Herzog foi claramente influenciada de maneira geral pelo expressionismo alemão. O clima inquietante de Os Anões também começam pequenos (1985), o surrealismo sobrenatural de Aguire, A Cólera dos deuses (1972), e o suspense noir do preto e branco de Meu Filho, Meu Filho, Olha o que fizeste? (2009) são exemplos do recorrente, emocional, do subjetivo oferecidos em temáticas violentas sobre um pano de fundo tanto romântico quanto sombrio.

    Nosferatu, o vampiro da noite”, uma refilmagem estilosa da obra de F.W Murnau de 1922, paga uma homenagem ao movimento expressionista como um todo. Uma carta de amor ao gênero, o longa de Herzog super a tarefa de transmitir todo o clima sombrio e teatral da atmosfera que habita no longa original para um filme moderno, colorido e com vozes.

    O Nosferatu de Herzog também toma uma liberdade poética, e foca a maior parte do tempo na natureza solitária do conde amaldiçoado do que na sua natureza mórbida como no original. O uso da luz e sombra, maquiagem e atuação gestual serve para mostrar a mensagem que os vampiros são tanto vitimas quanto culpador, devidos a sua condição.

    7. O Homem Elefante (David Lynch, 1980)

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    A tragica biográfia transformada em conto de fadas, depois em trágica novamente. O longa de Lynch de estilo comumente surreal se rende a um roteiro um pouco mais tradicional, focado muito mais no desenvolvimento do personagem e na seguinte pergunta: O que te torna um monstro?

    O monstro é um arquétipo muito presente no expressionismo alemão. Do Vampiro de Murnau ao esquizofrênico Cesare no Gabinete do Dr Caligari, o que é ser um monstro acaba se tornando um ponto de vista.

    Seguindo a tradição de livros românticos, parece que é algo recorrente nos expressionistas o desejo de convidar o espectador a sentir empatia pelo monstro. Em muitos casos o monstro é um incompreendido invalido social, transformado em algo por uma percepção moral num mal violento.

    The-Elephant-Man

    John Merrick, o Homem Elefante. O homem possui uma doença que deformou seu rosto e esticou sua pele lhe proporcionando uma aparência grotesca. nesse forasteiro monstruoso esconde um doce e inteligente interior. Talvez o mais sensível dos personagens do filme, Merrick desenvolve um gosto por intelectualidade e procura evitar se comunicar com outros humanos.

    Então, em contrapartida, o inescrupuloso dono do show Bytes. Um desagradável e mesquinho homem que destrata e força Merrick a ser exposto num circo, como um animal de zoológico, como a criatura mais secreta da terra. Apesar de sua crueldade, ele não era em essência um homem mau. Suas decisões e comportamento foram resultados de anos de pobreza e aspereza, derramada sobre um homem que sucumbiu ao desejo de usar a violência e abusar de seu acesso ao cuidador do hospital e vigiar pessoas.

    The Elephant Man

    No fim, o Homem Elefante é cercado de crítica social sobre a natureza do homem. Personagem não são apenas indivíduos, eles são formatos a partir do meio em que habitam, não sendo exatamente bom ou mau, apenas um caleidoscópio moral.

    Em função de focar no chiaroscuro, Lynch optou por uma alta e expressiva estética. A filmografia em PB é sólida no uso de luz e sombra, novamente perfomances teatrais e ângulos de câmera dão ao filme uma sensação de pré segunda guerra.

    6. Mephisto (István Szabó, 1981)

    Mephisto (1981)

    A peça Fausto de Goethe é um marco tanto na literatura romântica quanto na cultura alemã em geral. A trágica narrativa de um alquimista ambicioso que entrega sua alma ao demônio em troca de conhecimento foi recontada em várias outras mídias; O poema de Lord Byron Manfred, as muitas canções de Robert Johnson e o balé de 1848 de Jules Perrot são alguns dos muitos exemplos que podem ser citados.

    O conto soturno e dramático da obra dá o tom natural para uma adaptação dentro do expressionismo alemão. Obscuro, temas místicos e a incessante procura de significado através do poder, e o sentimento geral de desconforto inerente ao enredo foram então representados pelas lentes sombrias de  F.W Murnau, in 1926.

    O longa de István Szabó’s dirigido em 1981, Mephisto, traz influências tanto da obra escrita por Goethe quanto do movimento expressionista. O longa conta a história de Hendrik Höfgen, um promissor ator de teatro nos anos 30, que começa a colaborar com o partido nazista procurando fama e fortuna, e conseguir o papel de Fausto.

    Mephisto se relaciona ao expressionismo muito além de uma simples refilmagem. O plot do longa de Murnau em si é uma adaptação do romance de Klaus Mann que conta a história de Gustav Gründgens, (um ator mais velho muito influente que apareceu em filmes como M, o vampiro de Dusseldorf, dirigido com Fritz Lang em 1937).

    Höfgen, a contraparte de Gründgens na refilmagem é intepretado pelo ator Klaus Brandauer de maneira muito histérica, que procura mimetizar a maneira exagerada com que os atores no expressionismo atuavam. Isso fica acentuado na cena em que os personagens estão encenando.

    Gustav Gründgens como Mephisto

    Klaus Brandauer como Hofgen (Caracterizado como Mephisto)

    A narrativa, a atuação e finalmente as cenas metalinguisticas são claras referências ao expressionismo de muitas maneiras. A refilmagem de Albeit Szabó oferece um trabalho mais conciso e realista quanto a sua identidade visual.

    5. Dark City (Alex Proyas,1998)

    Hollywood parece ser a única rerefência para faroestes mainstream hoje em dia. Do mais alto orçamento, mais assistido e mais relembrado pelas audiência casual de algum lugar de Los Angeles. Porém, nem sempre foi assim. No início deo século passado França e Alemanha também detinham poderosas industrias de cinema especialmente devido ao protecionismo dos dois governos. Para citar dois exemplos, a francesa Gaumont Film Company e a alemã Babelsberg Studio eram ambas competidoras saudaveis e tão promissoras quanto a Warner Brothers na época.

    Após a segunda guerra, o cinema americano virou a norma, com os competidores franceses e alemães mudando o curso de ambos para mercados de Nicho. A audiência convencional se acostumou a certas estruturas estéticas e estilos visuais definidos por hollywood.

    Dark City de Alex Proyas desafiou essa padronização americana desdo inicio. Apesar de ser produzido pela New Line, o filme foi concebido para fugir da tradição americana (menos no valor de efeitos especiais) em razão de reviver o expressionismo alemão.

    Era como se a era de ouro de Babelsberg, patrão de diretores como Robert Wiene e Fritz Lang, tivesse vendo a luz do dia denovo um pouco antes da virada do século. CGI, maquiagens de técnica contemporânea e câmeras de alta definição contrastavam com os antigos métodos de filmagem no set.

    Uma cidade que nunca faz dia parece um motivo ingênuo para sempre manter o filme na escuridão. Dessa forma, as luzes e sombras podem ser onipresentes, da mesma maneira que um filme PB deveria ser. A arquitetura em si faz uma homenagem a Metrópolis de Fritz Lang: A tecnologia, arranha céus banhados com tons de cinza e claro, um prédio maior ainda no centro.

    Os estranhos parecem evocar muito da vibe noir que M, o Vampiro de Dusseldorf (1931) trazia. Chapéus Fedora pretos, casacos pretos, e uma atitude de desdém.

    O prédio ao centro do filme de Proyas com uma cabeça de metal gigante mimetiza a máquina coração de Fredersen do clássico de 27.

    Dark City é um incrível exemplo e exercicio de estilo e efeitos especiais, que depois influenciaram filmes como a trilogia Matrix e tantos outros longas.

    4. O Último Combate (Luc Besson, 1983)

    Apesar de ser a primeira produção de Luc Besson, feita com apenas 24 anos, O Último combate é um trabalho consideravelmente substancial. Focado nos instintos primitivos e necessidades humanas que extrapolam quando a sociedade entre em colapso.

    Fica claro que, de uma visão teórica do filme, que Besson deixou-se influenciar por duas escolas de cinema: O expressionismo alemão e a Nouvelle Vague. A mistura de dois estilos improváveis de filmar resultaram num trabalho muito autêntico.

    Temos a primeira vista a escolha nada tradicional de terreno. Enquanto muitos filmes pós apocalípticos se desenvolvem em cima de desastres nucleares, epidemias globais ou qualquer outra explicação cientifica para o desgaste do planeta, esse filme francês lida com um evento muito mais metafísico: E se pessoas simplesmente ficassem sem nenhuma língua para comunicação? Com essa imersão ja proposta o diretor então molda a estrutura e o sentimento geral da obra. Primeiro de tudo, o filme é mudo, já que ninguém mais se comunica, os atores tem que trabalhar sem nenhum tipo de discuso, apenas linguagem facial e corporal.

    O segundo ponto é a imagem. Em razão de experimentas tipo de luz e sombra, Besson optou por explorar as escolas de Fritz Lang e Jean-Luc Godard, fazendo do filme então PB. Isso também parece refletir numa escolha metalinguística, com propósito de demonstrar as escolhas morais que resultaram no plano em que a trama se passa, tons de cinza parecem os ideias para o filme.

    De uma maneira mais direta, é possível dizer que o diretor usou tanto a Nouvelle Vague para edição etérea para o plot quanto misturou isso ao chiaroscuro expressionista adicionando o cinema mudo a proposta desse mundo.

    3. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)

    “Uma mulher tentando se tornar estrela em Hollywood, ao mesmo tempo se encontra se tornando uma detetive e adentrando num mundo perigoso.”

    Com essa premissa, David Lynch lapidou uma obra prima da narrativa não linear, surrealista e experimenta. A trama toda é moldada em cima de um sonho, sem nenhum tipo de sequência concreta de eventos. Lynch alcança o tom de seu longa através de uma fusão das estéticas surrealistas e expressionistas. Essa fusão e perceptível logo na abertura do filme, onde casais dançam freneticamente o swing num cenário roxo.

    Tirando o contexto absurdo da cena, existem sombras nessa cena: silhuetas de casais dançando são parte integral do plano, e é difícil definir qual silhueta pertence a quem, e logo terminar com um saturado close no rosto de nossa protagonista na tela, rindo. O filme então corta para as ruas de Los Angeles.

    Essa passagem uma um tratamento antigo de sombras como uma mise-en-scène, pioneirismo dos mestres da Babelsberg, mas também adiciona uma pinta de surrealismo. O corte abrupto para o branco e brilhante personagem e então para um cena em que o preto predomina e guia o espectador a adentrar ao mundo de luz e sombras certamente já marca sua abertura como essencial para o conceito do filme como um todo.

    Os closes nos atores gerando catárticas cenas de emoção são um recurso também varias vezes revisitado durante o filme, especialmente em uma das cenas finais, onde as atrizes se derramam em lágrimas.

    Lynch nos entrega uma obra mais que bem executada. Das cenas de perseguição, remetendo aos filmes noir, até o climax no bizarro Clube Silencio, o diretor permeia cada enquadramento com onírico, as vezes com lúz e as vezes duvidoso. Essa oscilação entre pesadelo e sonho, luz e sombra identidade e natureza estão no cerne de qualquer experiência expressionista.

    2. O Cremador (Juraj Herz, 1968)

    Esse longa da nova onda de cinema checa dos anos 60 apesar de não dividir estética, temática e estrutura com os seus iguais ele segue ainda caminha da mesma maneira progressiva, trazendo autenticidade e identidade artística para uma indústria que ficou carimbada por ideologia socialista. O Cremador, de Juraj Herz, é uma comedia de humor negro ambientada nos anos 30 na Checoslováquia, a trama segue Karl Kopfrkingl, um cremador que entender seu trabalho com um ponto de vista bastante espiritualístico após entrar em contato com o livro tibetano da morte. Ele mergulha num fanatismo que ao queimar os corpos das pessoas isso facilitaria sua passagem para o além vida. Como seu país foi anexado pelos nazistas, os mesmo utilizam os talentos de Karl para propósitos holocausticos.

    O filme todo PB é focado na mente perturbada de Karl beirando a insanidade. Em função de estruturar o seu desenvolvimento como personagem, o diretor monta a narrativa de maneira subjetiva, estilizando-a de maneira muito expressionista. Dessa maneira, o espectador é sempre colocando numa posição de desconforto, não só pelas viradas de roteiros mas na forma agressiva que a imagem é mostrada.

    Os extremos closes usados na cena de abertura, em que animais são colocados em paralelos com imagens de Karl e sua família são estilosos e elegantes formas de insinuar ao espectador o que ele pode esperar: uma jornada através da mente de um homem louco.

    1. Quase todo o trabalho do Tim Burton

    Burton é talvez o maior diretor mainstream a deixar claro sua profunda influência do expressionismo alemão através de seu trabalho. Sua descrição de Gotham em Batman O Retorno (1992), a estética escolhida para retratar a fábrica em Edward Mãos de Tesoura (1990) e o uso das sombras na narrativa de Noiva Cadaver (2005) são claros exemplos (fora tantos outros) da relação do diretor com esse movimento.

    Suas referências são claras a ponto de nomear um personagem da série do Batman de Max Schreck, nome do ator alemão de Nosferatu (1922). Você também pode encontrar relações no:

    Figurino,

    Cenários

    E até reencenações

    Filme bônus – A Viagem de Alice (Neco Z Alenky), Jan Svankmajer 1987

    Talvez pegar qualquer filme baseado na obra de Lewis Carrol pra compor essa lista seja covardia, mas o longa do Checo Jan Svankmajer sucede a loucura e o surreal através da mente de uma criança nesse conto que as vezes soa terror e vezes fábula de maneira que ele merece sua presença aqui.

    O filme faz uma releitura do primeiro livro das aventuras de Alice misturando Stop-Motion com narração em off e quebra de quarta parede como numa atuação de teatro, mas é na maneira que a decupagem desenrola sua narrativa que podemos ver o brilho expressionista da obra. Logo na primeira cena do filme a continuidade do quarto da pequena Alice é distorcido para liga-lo á um deserto árido com uma escrivaninha como podem ver na imagem logo acima. O longa não chega a ser sombrio visualmente mas mesmo na luz ele sugere uma distorção exagerada do figurativo nos animais e principais personagens da obra de Carrol, e por não contar com uma trilha sonora presente, quase toda a inserção sonora é alta e tenta incomodar de alguma forma.

    É fascinante como a morte é expressa nesta película, os cadáveres e corpos mortos são elementos quase onipresentes, eu diria que esta é praticamente um ensaio sobre a morte reescrito em cima do precursor do nosense na narrativa infantil.

    Fonte: Taste of Cinema

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Metrópolis | O precursor do Sci-Fi completa 90 anos

    Metrópolis | O precursor do Sci-Fi completa 90 anos

    Hoje em 1927, Metrópolis era lançado nos cinemas alemães e logo iria percorrer o mundo todo. Se trata do primeiro filme no World Register Memory da Unesco e considerado como uma obra prima da sétima arte, o filme de Fritz Lang dividiu a crítica no seu lançamento original e foi mal recebido em bilheteria. Mas quais seriam as outras facetas dessa obra!?

    Quando o diretor nascido em Vienna em 1890, decidiu fazer Metrópolis, o mesmo já era reconhecido como um renomado realizador de cinema, um workaholic de forte personalidade estabelecido em Berlim desdo fim da primeira guerra mundial. Casado desde 1922 com a escritora, roteirista e atriz Thea Von Harbou, que iria escrever todos os seus roteiros até sua fuga da Alemanha em 1933. Fritz Lang já havia feito filmes ambiciosos como Dr. Mabuse, O Jogador (1922) e Anel dos Nibelungos  (1924). O diretor se tornou um dos grandes nomes do cinema alemão que depois se espalhou pela Europa, época essa que Berlim vivia um período próspero de vanguardas artísticas como o teatro de Bertolt Brecht e todo o expressionismo inspirado previamente pelas obras de Edward Munch, assim como filmes importantes, realizados com grande financiamento técnico da UFA (Universum Film AG), uma grande produtora daqueles anos, que produziria Metrópolis.

    As gravações duraram quase um ano e custou 36.000 mil dólares além do orçamento previsto, que seria depois gerenciado de maneira imprudente por um diretor que era comumente criticado pela sua falta de empatia com o elenco. Dificuldade absurda de filmagem, mobilização e uma magnifica técnica deram nascimento ao filme que Lang diz ter gostado de filmar, mas que ele mesmo se arrepende pelo cenário pobremente estruturado.

    Na trama é narrada a estória da cidade de Metrópolis, que ao mesmo tempo que ricos vivem em luxuosos arranha céus e ignoram tudo o que ocorre nas partes mais baixas da cidade que os mantêm vivos, onde milhares de trabalhadores, escravos do maquinários e completamente desumanizados. Quando Freder, o filho do mestre de Metrópolis se apaixona por Maria, uma pobre trabalhadora, ele percebe a desigualdade social em que sua casta próspera. Falhando em convencer seu pai, ele vai até a parte baixa da cidade onde a revolta nasce. Mas enquanto todo o filme pousa na sobrevivência da população desprezada pelos poderosos, o fim culmina a possibilidade de um acordo entre as duas partes graças a mediação de Freder e Maria que os unirão “o coração será capaz de realizar a união entre cabeça e braços”.

    Apesar disso, o diretor afirma que depois ele considerou o cenário deplorável do longa, com uma lição de moral muito simples e irreal. Uma moral que é perseguida de acordo com a sensibilidade política de cada um. De acordo com uma entrevista feita por Nöel Simsolo, o jovem diretor búlgaro Slatan Dudow, que colaborou durante as filmagens largou o projeto no meio devido a suas convicções Marxistas que não poderiam aceitar a moralidade proposta no fim do filme. Mas Fritz Lang reconheceu por outro lado sua fascinação pelos efeitos técnicos e visuais alcançados por um filme considerado precursor da ficção cientifica. Como “exploradores” Fritz Lang e seus colaboradores experimentaram e criaram sem saber todo um gênero que seria explorado e criado no futuro, vale o exemplo star trekiano do videofone que é usado para comunicação.

    Em entrevista de 1984, Noël Simsolo retornou ao programa “film Tuesdays” para comentar sobre a recepção do filme. Na verdade ele é considerado um fracasso comercial dividindo a crítica entre a desproporção entre a narrativa e a exposição de elementos visuais. O diretor Luis Bunuel escreveu na época: “Metrópolis não é um único filme. São dois longas presos com um cinto, mas com necessidades espirituais divergentes, um antagonismo extremo. Aqueles que consideram cinema como uma forma discreta de se contar história encontrarão uma grande decepção com Metrópolis. O que nós é falado é trivial, pedante e um romance antiquado. A anetoda é que se você estiver atrás de algo “fotogenicamente-plástico”, então Metrópolis vai realizar todos os seus desejos, você irá se maravilhar como se fosse o livro de imagens mais belo já composto.”

    Ao mesmo tempo, o longa termina adquirindo status de ícone da sétima arte, pela sua beleza visual e poder evocativos retratando um universo social e maquinista. Em entrevista de 1965, Fritz Lang comentou do sucesso que Metrópolis fez ao ser exibido na cinemateca francesa além de seus filmes em geral. Para Jean-François Balmer, Metrópolis é um filme admirável, que centraliza toda a capacidade visual da fotografia cinematográfica.

    O que acaba tornando mais curioso o cinema mudo como um todo é a capacidade de você poder mudar um aspecto dele até hoje que é sua trilha sonora, durante o festival Endeavours de documentários o compositor eletrônico Paul Searless entregou uma trilha a Metrópolis que assim como a de Cliff Martinez para The Knick consegue que algo que não se encaixa em momento algum ao longa fazer todo sentido no contexto da produção ( o video está legendado).

    Vale relembrar que esse longa está em domínio público e você pode assistir a sua versão restaurada no youtube com legendas em português aqui no link abaixo:

    https://www.youtube.com/watch?v=QkHOwwPKZ78

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Adeus, Lenin!

    Crítica | Adeus, Lenin!

    1_zoomResponsável por liderar a safra recente de filmes alemães como Barbara e A Vida dos Outros, que se propuseram a revisitar o passado da ocupação soviética, Adeus, Lenin! se tornou uma grata surpresa pela originalidade da história em um filme que reverencia o próprio cinema.

    A mãe socialista de dois jovens alemães orientais entra em coma meses antes do Muro de Berlim cair e o país se reunificar, e quando acorda seu filho faz de tudo para protegê-la do choque criando uma nova realidade.

    O bom roteiro do diretor Wolgand Becker em parcecia com Bernd Lichtenberg, Achim von Borries, Hendrik Handloegten e Christoph Silber tem como premissa discutir a diegese do próprio cinema de ficção através de uma fábula sobre o tempo. A narrativa precisou encontrar um tom levemente fantástico para que fosse possível construir situações pouco realistas e chegar em uma das duas grandes discussões que o filme se propõe.

    Da mesma forma que nós espectadores só aceitamos entrar em um universo irreal onde pessoas se passam por outras se certos elementos forem verossímeis, o mesmo vale para a mãe de Alex. Para que ela aceite a nova realidade proposta pelo filho, ele tem de criar diversos elementos que façam com que seja verossímil, entre eles a produção de programas de TV, emular embalagens de produtos que não existem mais e etc.

    O tempo é a outra grande discussão do roteiro, e ela surge nas vezes em que a mãe entra em choque com a realidade quebrando a proposta por Alex, forçando soluções narrativas interessantes, como nos casos em que ela saía do quarto com o símbolo da Coca-Cola à vista. Esse embate trazem à tona os motivos nobres de Alex: a princípio seus atos se revelam pensando em preservar a mãe de ter um novo ataque cardíaco, mas através da grande revelação no terceiro ato, quem sempre esteve preso ao passado e não aceita as novas transformações do mundo é ele.

    Por último, o revisionismo histórico sobre o trauma soviético a que o filme se propõe é essencial e reabriu as discussões sobre a outra grande ferida no passado alemão. Apesar de ser uma comédia, o roteiro abraça os problemas tanto da ocupação soviética sob o governo socialista, que cerceava os direitos humanos e dava poucas opções de liberdade e consumo, quanto da mudança radical para o capitalismo, que aumentou o desemprego de funcionários e causou o fechamento de lojas.

    A direção de Wolfgang Becker é sólida e mantém o clima de comédia o filme todo, levemente alternando com o drama quando da necessidade do roteiro. Os leves toques de fantasia nas sequências em que Alex produz a nova realidade para a mãe são o ponto alto do filme, junto com a direção de atores.

    O ótimo Daniel Brühl foi a grande revelação na época interpretando o jovem Alex; Katrin Sass como a mãe, e as participações menores de Maria Simon, sendo a irmã Ariane e Chulpan Khamatova o seu interesse amoroso, Lara, trouxeram qualidade à obra.

    A fotografia de Martin Kukula é levemente fantasiosa e abusa do marrom e principalmente de tons secos que remetem ao passado. A edição de Peter R. Adam mantém o bom ritmo e as duas horas passam sem serem percebidas. Por ser um filme de época, o departamento de arte se destaca bastante graças ao ótimo trabalho de Matthias Klemme como supervisor, no desenho de produção de Lothar Holler, e dos figurinos de Aenne Plaumann.

    Adeus, Lenin! é um dos filmes que se tornou referência nos anos 2000 e traz tantas discussões relevantes que transforma seu tema universal e atemporal.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Barbara

    Crítica | Barbara

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    Barbara segue na esteira de filmes alemães recentes como Adeus, Lenin! e A Vida Dos Outros que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre o período para tentar entender o seu impacto no país até hoje.

    Na Alemanha Oriental dos anos 80, uma médica é transferida para uma cidade do interior por causa dos seus planos de fugir do país.

    O roteiro sólido do diretor Christian Petzold em parceria com Harun Farocki acerta ao focar no desconforto da protagonista ao chegar na nova casa. O contraste vem através das cenas de amor escondidas com o seu amante e a frieza no trato com os colegas de trabalho com suas falas curtas e rápidas. Barbara é obrigada a passar por sessões de constrangimento nas visitas dos oficiais do governo, além de ser monitorada pelo colega de trabalho, e é obrigada a lidar com uma paciente que sobreviveu a um campo de concentração de trabalhos forçados. Tendo em vista o lema comunista da obrigação do trabalhador em devolver para a pátria o que lhe foi investido, a premissa do roteiro é bem clara neste ponto: o preço da liberdade.

    Ao mostrar a dificuldade burocrática de se conseguir equipamentos e na incompetência dos médicos locais, a decadência daquela cidade do interior representa o retrocesso que foi para a Alemanha estar parcialmente dividida sob ocupação soviética. O local só se transforma depois que a protagonista chega. Sua presença traz mais humanidade ao hospital, a eficiência no trato com os pacientes aumenta significativamente. A sua humanidade deixa o final do roteiro bonito e comovente.

    Christian Petzold é um diretor competente. A sua habilidade mantém a uniformidade da narrativa, e ao mostrar tempos mortos, seu objetivo é claro retratar a melancolia e tristeza da protagonista, além de ressaltar o regresso do local, que parece que estacionou no tempo. Outro trunfo é a direção de atores, Petzold consegue extrair boas atuações de seu elenco.

    Nina Hoss é o grande nome do filme. A sua boa atuação contida consegue expressar o desconforto de estar ali. A vontade de viver existe, porém está paralisada. Destaque ainda para Ronald Zehrfeld, que interpreta seu colega de trabalho.

    A fotografia de Hans Fromm é uniforme e competente, porém não se sobressai em nenhum momento, da mesma forma que a edição de Bettina Böhler deixa o filme em um bom ritmo e só.

    Barbara vale a pena por fazer parte de um movimento (se é que se pode chamar assim) de filmes que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre um dos períodos mais difíceis que dividiu um país por mais de 50 anos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | O Esgrimista

    Crítica | O Esgrimista

    Baseado em uma história real, O Esgrimista tem feito sucesso por onde passa, se tornando o filme estoniano (co-produzido pela Finlândia e Alemanha) de maior sucesso.

    Fugindo do serviço secreto soviético de Leningrado, o esgrimista estoniano Endel Nelis volta ao país e se esconde em uma escola de ensino básico, onde começa a dar aula de educação física. Ao ensinar esgrima para os jovens, ele começa a lhes dar alguma esperança.

    O roteiro da finlandesa Anna Heinämaa preferiu usar uma narrativa épica, além de copiar a estrutura de filmes comerciais onde o embate entre um revolucionário (o professor) enfrenta o conservador (o coordenador da escola). O roteiro só não fica pobre em originalidade por causa dos personagens infantis (e do contraste entre idade com o professor), além do universo do treinamento e competição da esgrima, um esporte que poucos conhecem.

    Retratada como um esporte de pouco interesse para o regime, a esgrima, além de não ser considerada educativa para crianças, era perigosa. Além disso, ela também era vista como um esporte medieval, fazendo uma alusão ao passado comunista e soviético da Estônia.

    Para reforçar esta visão obtusa, a ambientação em uma cidade distante e quase abandonada, onde seus habitantes são regidos por um excesso de burocracia dentro de uma ditadura, foi pontual. O roteiro mostra claramente que havia mais divisão do que igualdade naquele microcosmo da sociedade soviética.

    No entanto, a grande força do roteiro reside no protagonista. Endel é um personagem denso não somente pelo passado obscuro que ele reluta em nos revelar, mas também pela dúvida que carrega entre fugir do passado ou criar uma nova vida ajudando as crianças daquela escola. E a virada mais interessante do roteiro está no fato de que é justamente a vida nova, as crianças, que o ajuda a enfrentar o passado de que ele tanto foge em Leningrado. É a mensagem do roteiro de que, para se poder viver plenamente o presente e se programar para o futuro, é preciso se estabelecer com o passado.

    A direção do também finlandês Klaus Härö consegue melhorar o roteiro dentro da sua proposta melodramática. O seu domínio de narrativa consegue ambientar bem o espectador desde o início e se sobressai nas cenas de intimidade entre o protagonista e a professora, em especial nas cenas em que ele ensina a ela a esgrima, também durante as aulas com as crianças, e na sequência final que, apesar de clichê, manteve a proposta épica. A direção de atores mantém as caricaturas, deixando o filme uniforme.

    A atuação não teve nenhum grande destaque fora o protagonista, interpretado por Märt Avandi. Ele fez o que lhe pediram, porém poderia ter dado maior expressão facial nas cenas com maior peso dramáticio, ter passado a angústia que o seu personagem sentia dentro da narrativa.

    A fotografia de época de Tuomo Hutri teve pouca saturação nos tons de marrom e amarelo. Ela se torna interessante na estação de trem: o excesso de fumaça vira a metáfora para o místico, o desconhecido, o medo que gera as mudanças nas nossas vidas. A luz branca na sequência final das lutas representa o sonho que foi para as crianças chegarem até ali.

    O filme tem um bom ritmo, a edição de Ueli Christen e Tambet Tasuja é invisível. A construção épica na sequência final da luta trouxe clichês à tona, foi aqui onde a edição mais trabalhou.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Labirinto de Mentiras

    Crítica | Labirinto de Mentiras

    Labirinto de Mentiras 1

    O concorrente alemão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro não traz muito alarde consigo. Apesar de recorrer ao plano de fundo histórico da Segunda Guerra Mundial, o longa-metragem dirigido por Guilio Ricciarelli elabora uma narrativa leve e sem apelos dramáticos, pela perspectiva mais negativa possível do resgate histórico.

    O filme nos traz Johann Radmann (Alexander Fehling, rosto familiar em Bastardos Inglórios), um jovem promotor que inicialmente, possui um trabalho monótono e pragmático. Sua rotina profissional e pessoal se transforma quando encontra com o jornalista Thomas Gnielka (André Szymanski). A partir de pequenas reuniões, informações e buscas, Johann se vê em meio ao começo dos processos investigativos dos crimes cometidos em Auschwitz, o campo de concentração responsável por massacrar a população judia durante a década de 40, período do conflito.

    Aos poucos, o filme vai dando pequenas pinceladas sobre os fatos que estavam acontecendo treze anos depois do fim dos confrontos. Os processos de antinazismo, a implementação gradual de órgãos americanos na desassociação da influência nazista na sociedade alemã, as divergências dos apoiadores e de quem foi contrário ao regime.

    Outro ponto interessante e um triunfo a ser exaltado é a falta de tendencialidade. O filme não caracteriza o lado nazista como o mais perverso do mundo, o vilão a ser enfrentado sobre todos os custos. Ele sai da ideia opinativa e se baseia em conceitos explicativos e demonstrativos. Há dados, estatísticas, questões técnicas e jurídicas que dão base nos argumentos levantados pelos promotores responsáveis pelas prisões dos agentes nazistas. Mesmo que no final o protagonista tenha seu breakout e desenvolva paranoia a partir de uma infeliz descoberta, este arquétipo não é manifestado no decorrer do longa.

    Guilio estreia de maneira inquietante e elaborativa. Demonstra um jogo de câmeras interessante, planos sequências desbravando pequenos interiores e associando-os às características e situações atuais dos personagens em cena. Há uma intuição construtiva por parte da direção que permite interpretar as nuances pessoais a partir de análises visuais.

    Orgânico, bem calculado, filmado, produzido e com um tema histórico importante, Labirinto de Mentiras é um curioso registro ficcional do início do julgamento de Frankfurt e do combate ao que remanescia do nazismo na derrotada Alemanha.

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    Texto de autoria de Adolfo Molina Neto.

  • Crítica | Phoenix

    Crítica | Phoenix

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    Nina Hoss dá vida à bela Nelly Lenz, cujas feições singelas foram “modificadas” quando encarcerada no campo de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial. As ataduras que cobrem seu rosto escondem cicatrizes que fizeram de si um monstro sob a superfície da pele, com curativos que escondem suas dores, tanto no ego quanto na carne. Em Phoenix, filme de Christian Petzold, a melancolia é valorizada como um sentimento nobre, fruto do torpor das vítimas do Holocausto.

    A retirada dos curativos revela uma mulher desconfigurada, com medo e receio de encarar de frente o mundo, não encontrando sequer a própria identidade ao se olhar no espelho. O sentimento tem a função de resumir os malefícios que o descaso dos arianos causou no povo judeu, quando o deboche e a redução, tanto da população quanto da religião em si, eram aspectos absolutamente subalternos diante do genocídio e da limpeza étnica promovidos. Os acontecimentos que não traziam a morte não deixavam de ser tão assustadores quanto os que puseram fim em tantas vidas, ao contrário, fortaleciam a sensação de que os sobreviventes eram na realidade mortos viventes.

    A readaptação de Lenz à vida normal é feita de modo bem vagaroso, assim como seu retorno ao convívio com os que lhe eram caros no passado. O reencontro da moça com seu antigo marido, Johannes ‘Johnny” (Ronald Zehrfeld), é feito de um modo bastante emocional, agravado quando ele não a reconhece graças aos ferimentos no rosto de sua cônjuge. Aos poucos, ambos retomam uma relação, mas de modo bastante diferente do que ela esperava, reconstruindo todo o desconcertante casamento apesar de todo o teatro arquitetado pelo par masculino.

    A discussão presente no roteiro de Petzold aborda o horror e barbárie dos nazistas, mas em momento algum dá valor ou voz aos opressores, pelo contrário: a jornada de edificação é exclusiva dos personagens que tiveram seus direitos e liberdades cerceados. A evolução de caráter e de carisma visa reconstruir uma vida digna, como uma reforma faz em reerguer uma casa. O espectro de restabelecimento sentimental e moral é visto pelos que estão em volta como algo negativo, fazendo um eco incrivelmente atual com a dificuldade que minorias secularmente segregadas têm de fazer valer seus direitos, excluídas às vezes até por seus semelhantes.

    Johannes e Lenz “sofrem” uma tentativa de reconciliação, acompanhados de alguns poucos  chegados, que presentes estão para assistir ao reenlace dos dois, mas que pragmaticamente nada têm a ver com os dramas vividos tanto pelo casal quanto pelas partes em separado. São apenas espectadores que se munem de uma hipocrisia atroz, a qual em suma revela a fraqueza de sua índole. O canto de Lenz libera a aflição de sua alma, e incrivelmente só encontra reverberação no rosto do “marido”, com um enfoque especial da câmera em cada expressão facial deste, embasbacado por ter percebido a verdade tão tardiamente.

    O resultado final de Phoenix é um retrato sensível da parte de um realizador alemão, que assume para si a culpa pelos atentados aos inocentes nos anos 1930 e 1940, tomando o pecado nacional como se fosse exclusivamente seu. Algo semelhante ao sacrifício na crucificação de Jesus Cristo, perdoando os descendentes da antiga Alemanha nazista. O tom poético do filme presenteia a plateia, mas faz ainda mais sentido àqueles que, ou sofreram as agruras do Holocausto, ou guardam em seu sangue a marca da barbárie imposta aos povos de origem semita.

  • Crítica | Deus Branco

    Crítica | Deus Branco

    deus branco

    Esse é um “filme de cachorro” que não vai passar na Sessão da Tarde; tampouco despercebido. Deus Branco é o clássico moderno que não encontra espaço na TV aberta brasileira (e em boa parte da mundial) para ser reconhecido por tudo o que pode ser. Um manifesto positivo, cheio de conflitos enquanto Cinema, em prol da força que uma amizade sem interesses ou segundas intenções carrega em si, no desenrolar de uma trama de estrutura clássica e soluções surpreendentes para todos os tipos de público. Mas se o perfil da plateia é tão amplo, por que a televisão atual não alcança a mínima propriedade de exibir um dos melhores filmes da década, até agora? Porque a programação hoje em dia não dialoga, em qualquer nível de reflexão, ou combina a frente do grande feito de Kornél Mundruczó, cultuado em Cannes 2014 junto de Mapa para as Estrelas, Leviatã, Timbuktu, entre outros, mas sendo de longe o melhor exemplar de Cinema em estado bruto no festival, contando uma história da forma mais competente e ainda divertida possível, porém com ambições maiores do que apaziguar nossos corações com a graça e a tragédia que habita este mundo, apesar de facilmente conseguir esse objetivo conosco. É impossível ficar indiferente e não se admirar com a escala que tudo vai tomando, ao longo da exibição.

    Desde as primeiras cenas, percebe-se que no universo da história a crueldade do ser humano não possui limites, também. A partir das discussões sobre o lugar que um cão de raça toma na rotina de uma família, o bicho é separado a força de sua dona, a menina Lili, de treze anos, que o considerava um irmão. Indo atrás dele, se dá conta do mundo implacável que em alguns anos terá que enfrentar como mulher, mas não poderia nem sonhar (assim como nós, o público) com o que aconteceria do simples ato de revolta da dona, e principalmente, do seu cão, que em certo momento, já não é mais dela: É do mundo, tornando-se fruto da necessidade de sobreviver. Deus Branco é uma fábula bruta e sensível, ao mesmo tempo, na qual O Flautista de Hamelin encontra O Planeta dos Macacos, aonde, se a ruindade do animal humano é infinita, cabe ao cachorro expressar aspectos de “humanidade”, como companheirismo e benevolência, cada vez menos ligados às pessoas e mais voltados ao comportamento de cães e gatos. O filme não quer provocar vergonha, ainda que possa, mas a nossa reflexão, ainda que inconsciente.

    O excluído quer se tornar o opressor, porque sim. Porque quer ter vingança, quer sentar do outro lado da mesa e jogar com as cartas que o excluíram, se sente no merecimento disso, pois provavelmente passou por muito para chegar ali. O que move as sociedades é o sexo, e o sexo, bendito seja Oscar Wilde, é poder, afinal. No fenômeno (esquecido) dos rolezinhos, em 2013, dos jovens de favelas em São Paulo que queriam ser notados em shoppings de luxo, atraindo a repulsa provocada na mídia que defendeu passivamente, é claro, a volta daquela “gente diferenciada” ao portões da favela, canil humano por razões muito mais cruéis do que se pensa, estava pulsante uma revolta ancestral de exclusão, ostentando agora o tênis Nike que os playboys usam, sem se importar com isso. Quem não tem liberdade se importa, e vê até o valor do conceito. É normal, e constitui-se em todos os cantos do mundo, até mesmo em Budapeste, na Hungria, sendo “a volta dos que não foram”, a volta dos que não sumiram na carrocinha que apaga tantos sonhos do mundo, o clímax sócio e antropológico de uma fábula que de ingênua, orgulhosamente não ostenta nada.

    Também foi Wilde quem aponta: “O descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou nação”, e nesse caso, de um cão. Vários, centenas de indigentes, desde pitbulls a beagles, que como milhares de homens e mulheres (não registrados no filme) obrigados a pertencer a uma condição inglória, se apoiam no soberbo caráter metafórico da obra alemã (revestida por um tratamento ímpar na importância de cada arco na história, e na manipulação do impacto que cada um pode ter) e andam os vira-latas pelas cidades, rumo ao fim do arco-íris nunca prometido, mas sonhado, à procura de um bem-estar que foge deles, fadado ao alcance da mão que circo e pão nos dá.

    A natureza do ser que caça recusa-se ser caçada, ser vítima, e nesse inconformismo que faz o animal mostrar dentes e garras, constitui-se um filme poderoso e à flor da pele, onde João e Maria escapam da casa da Bruxa, e só não a liquidam se forem contidos pela descoberta que só a música e o amor, essa redenção brega que ainda funciona, salvam o mundo e concebem às raças em conflito o sentar, o equilíbrio de forças, e o tempo para repensar se a paz ainda é possível no convívio entre as diferenças. Deus Branco é uma fábula retumbante, e que usa da selvageria das espécies para discursar sobre a humanidade – e a volta dos rolezinhos, por favor. Grande filme.

  • Crítica | As Maravilhas

    Crítica | As Maravilhas

    As Maravilhas 1

    O  bucólico mundo da aldeia interiorana de Úmbria é muito bem flagrada pelas câmeras de Alice Rohrwacher. Com o raiar do sol, Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) acorda seu pai, Wolfgang (Sam Louwyck), para cuidar da chácara e do serviço de apicultor. Após também despertar suas irmãs, a menina anda pela propriedade, até achar uma movimentação estranha, próxima dos rochedos onde corre uma cachoeira. Em meio ao brilho do sol, ela nota uma figura igualmente iluminada, olhando meramente para cada passo da artista que protagoniza a gravação de um programa de TV. Milly Catena (Monica Belluci) é o resumo de tudo o que Gelsomina e suas irmãs jamais serão, uma cidadã do mundo, livre para viver exatamente o que quer.

    A rigidez da criação que seu pai impõe faz o quarteto de filhas gastar cada minuto nos outros cuidados típicos da fazenda, como o cultivo de leguminosas, flores e frutos. O comportamento assemelha-se demais a um regime escravo, remetendo ao conceitos do clássico dos irmãos Taviani, Pai Patrão, no qual a figura patriarcal é dona de qualquer direito e esforço de seus rebentos, utilizando-se deles ao seu bel prazer.

    A proximidade entre as locações das gravações e o sítio faz a menina protagonista enxergar no show um oásis, uma ilha paradisíaca se comparada à morada desértica em que vive, concentrando no local possivelmente a única fonte de tranquilidade, alento e alívio de sua árdua existência. No entanto, o roteiro faz questão de mostrar todo o esforço que Wolfgang faz para manter as contas em dia e a rotina de sua família em ordem, assemelhando demais à estrutura familiar e a opressão entre pai e filho do recente Árvore da Vida, mostrando que a a rigidez de caráter não esconde a preocupação entre os iguais.

    É curioso notar toda a contemplação presente na película, com cortes secos que resultam em imediatos entreveros e conflitos existenciais, seguidos de qualquer introdução mínima, como se aspectos tão distintos tivessem habitação harmônica dentro do universo contido na ilha/aldeia, algo previsto na calmaria do trabalho braçal, seguindo o tratamento aos insetos capazes de matar um homem adulto.

    As semelhanças narrativas com o recente fenômeno pernambucano O Som ao Redor são muitas, especialmente por flagrar o ócio e observar a falta de movimentação da rotina, ainda que o escopo de As Maravilhas não esteja voltado para o urbano, e sim para o cidadão interiorano. Em determinados momentos, a obra serve de entretenimento ao cidadão cosmopolita, um motivo de deboche e riso, semelhante à chacota feita com arquétipos como os de Jeca Tatu de Monteiro Lobato.

    A exibição dos herdeiros de Wolfgang tenta compensar a vergonha do homem em estar no palco, mas o número perigoso, envolvendo as abelhas que provêm o sustento do clãs, não serve para nada, além de fomentar o quão grotescas e pitorescas são as pessoas que habitam o picadeiro, diante dos olhos dos civilizados espectadores. O final da fita remete à mesma escuridão presente no começo do filme, que antes anunciava a chegada dos integrantes do programa e que no fim despede as pessoas da aldeia daquela rotina com potencial de glamourização. Mesmo sem o brilho dos holofotes e sem as condições mínimas de conforto, é possível desejar a felicidade encontrada no alento por dias melhores, ao mesmo tempo não descarta a desesperança como modo de vida.

  • Crítica | 14 Estações de Maria

    Crítica | 14 Estações de Maria

    14 Estações

    Uma classe de catecismo liderada pelo padre Webber (Florian Stetter), um devotado e atencioso homem que passa seus ensinamentos católicos para os infantes. Este é o primeiro cenário educacional e formador de caráter de Maria (Lea Van Acken), a protagonista da jornada vista no filme do alemão da Bavaria Dietrich Bruggemann, que insiste em posicionar sua câmera de maneira contemplativa, com um plano americano focado em uma mesa, em estilo semi-documental, oprimindo seu espectador como o jovem padre faz ao impor suas verdades e crenças para as incautas crianças.

    A realidade da Fraternidade São Pio XII tem na rigidez dos preceitos e no discurso militar de seus fiéis sua base, mesmo que o caráter destes ainda não esteja formado. Seu ideário fundamentalista religioso entra em conflito com praticamente todos os aspectos normativos da modernidade, e todos os movimentos visam integrar os atos dos personagens com caricaturas de pinturas bíblicas famosas. O roteiro é dividido em estações, como os atos teatrais, cada uma mostrando uma faceta do cotidiano de Maria, em busca de um destino dos mais comuns, ao menos em tentativa.

    O texto de Dietrich e Ann Bruggerman é verborrágico, não por conter diálogos estupendos, mas por ser uma história narrada através das muitas conversas de conteúdo constrangedor que oprimem e humilham Maria na maioria dos eventos. A partir de um momento, ela mesmo reproduz tais diálogos inquisidores, acusando conceitos cotidianos de sofrerem influência satânica e demoníaca, mesmo em ambientes distantes de sua paróquia, como em sua escola, no convívio com outros pré-adolescentes.

    Logo, os adultos à sua volta começam a discutir os métodos e escolhas que Maria fez para sua vida. Sua mãe é a figura de pai/patrão, como no clássico dos irmão Taviani. Sua postura autoritária recalca a menina, aumentando o escopo de proibição a níveis cada vez mais absurdos, massificando a sensação de isolamento. Já na escola, seus professores a indagam sobre os diálogos que trava com seus colegas, sempre remetendo a pactos e eventos ligados ao diabo. Em um ambiente “normal”, ela se sente coibida, tornando-se tão passiva e agressiva quanto os que passam sua fé a ela, reclamando da constante exacerbação do pecado e da banalização da santidade.

    A renúncia ao carnal, e consequentemente a qualquer impulso de vontade própria, é o norte da jovem, mesmo antes dela ter ciência real dos votos que faz. A massificação do fundamentalismo é mostrada detalhadamente, esmiuçada pelo inquisitivo pelo realizador, que não guarda pudores ao mostrar o processo de canonização de humanos ainda em formação.

    À medida que os estágios avançam, a credulidade cega faz condenar a curta existência de Maria, pautando-se na paranoia cristã, pontuada no cúmulo da interferência do padre dando uma hóstia para a menina enquanto ela convalescia, atrapalhando todo o processo. A misteriosa enfermidade parece ter mais causas em desgosto e sem sentimentos vãos do que uma raiz científica.

    A entrega de Maria é semelhante a de sua figura heroica, que se rendeu aos desígnios divinos para espiar os pecados da humanidade. No entanto, o sentimento presente na despedida da personagem-título vem para culpar e não perdoar, tudo através do silêncio e da métrica lenta do filme, características que são fruto da agonia desesperadora da protagonista, que nem em seus últimos momentos tem alívio e liberdade para viver como quer. 14 Estações de Maria é um interessante exercício narrativo que usa os aspectos estilísticos para maximizar o drama de sua heroína, remetendo ao inexorável destino do qual foge, comum a muitos dos escravizados pelo julgamento religioso.

  • Crítica | O Médico Alemão

    Crítica | O Médico Alemão

    wakolda

    Apesar de não conter em si um caráter tão explícito, logo no início de O Médico Alemão (Wakolda) a diretora argentina Lucia Puenzo utiliza os olhares sutis dos personagens para demonstrar que algo não está de acordo com a regra e a ordem. O cenário árido é incômodo às vistas dos personagens, tal como o calor que insiste em queimar a epiderme dos viajantes que cortam a estrada da Patagônia.

    A trama acompanha a verídica história da família que atravessou o caminho de Josef Mengele (Àlex Brendemühl), conhecido como Todesengel, “O Anjo da Morte“, médico responsável pela área de Auschwitz-Birkenau e que fazia terríveis experimentos com crianças judias durante a Segunda Guerra Mundial. A lenda sobre ele reza que seu fim de vida foi peregrinando pela América do Sul. A trajetória do clã acaba tendo a verossimilhança aplacada graças à iluminação chapada, ao estilo de folhetins televisivos. Os tons de cor clara passam a ser um incômodo. A tentativa de guardar o mistério para a parcela do público que não conhece a história poderia ser um artifício melhor construído, e não o é graças a um descuido excessivo por parte da realizadora.

    Pela natureza do seu trabalho de geneticista, Josef se vê na obrigação de indagar a mãe da família, Eva (Natalia Oreiro), sobre a condição da falta de crescimento da pequena Lilith (Florencia Bado). Além de ser o elemento catalisador da discussão dentro do filme, a garota também é a figura de mais fácil identificação com o público, por ser uma menina indefesa, injustamente presa a um estado de saúde precário. As figuras responsáveis por Lilith são reticentes quanto ao estudo de sua condição, não tendo qualquer receio de declarar isto ao médico – mesmo sem saber de sua história pregressa. Quando dá-se início aos exames, a desconfiança fica estampada no rosto dos membros do clã.

    O vislumbre para a possível solução da crônica deficiência da menina não ilude muito os seus pais, mas faz a menina sonhar, de modo intenso, o desenvolvimento de seu corpo. A fabricação de bonecas pelo patriarca serve de paralelo para a construção de membros que são postos em seu lugar de modo mecânico, remetendo à artificialidade com que se “constrói” o novo corpo de Lilith. As cenas no interior dos armazéns, com mulheres montando os brinquedos de modo industrial, têm um tom um pouco macabro se comparado com o modo deveras otimista que a moça enxerga o mundo ao seu redor.

    Apesar da premissa interessante, o roteiro de Puenzo pouco envolve o público, até por não haver crença de que Mengele pudesse ser um alguém livre de suspeitas ou um benfeitor. As atitudes da família em deixá-lo tratar a caçula são estranhas, considerando a paranoia do pai. O modo como tais questões são conduzidas tornam-se incoerentes, dado que a atitude e a postura do personagem não coincidem. Nem mesmo a justificativa de um possível desespero, que faria a família procurar soluções drásticas, torna a história mais palatável.

    Nos instantes finais, Lilith é quem percebe que algo está enormemente errado consigo. Há mais atitude nela do que em seus predecessores familiares, mas sua reação é tardia. O médico prossegue seus experimentos e, ao final do filme, foge, tendo apenas uma mensagem pré-créditos que discorre um pouco sobre como Mengele prosseguiu usando crianças como cobaias de seus temíveis testes genéticos, cujos boatos apontam uma praia brasileira como última passagem do assassino incógnito. O filme falha em propor um caráter conspiratório ao público e tampouco comove, graças à fraca composição de background dos protagonistas. O Médico Alemão torna-se algo descartável principalmente quando comparado com o que poderia ter sido.

  • Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    Crítica | O Dia em que Eu não nasci

    O Dia em que Eu não nasci

    Logo no início do filme somos apresentados a Maria Falkenmayer (Jessica Schwarz), uma garota alemã que, em escala no aeroporto de Buenos Aires em sua viagem pela América do Sul, ao ouvir uma canção de ninar desaba em lágrimas sem sequer saber o motivo. Compelida a descobrir o que significava aquele sentimento misterioso que havia surgido dentro de si, Maria resolve se aventurar na capital argentina sem nem ao menos perceber que está entrando em uma jornada perturbadora de autoconhecimento.

    O inexplicável leva a protagonista a descobrir que seus pais biológicos na realidade são argentinos e que eles foram vítimas da ditadura no país, ocorrida em meados dos anos 80. Anton Falkenmayer (Michael Gwisdek) tenta convencê-la a aceitar a realidade e desistir de sua busca pelo seu passado, mas não encontra êxito, pois Maria está obstinada em saber a verdade.

    Um filme que explora a obscuridade da verdade do começo ao fim. O espectador está tão perdido quanto a protagonista do filme, que também se atrai em querer saber a verdade. Jessica Schwarz ganha destaque em sua atuação, cujo expressivo semblante consegue carregar as emoções que estão contidas por toda a extensão da projeção. As filmagens sempre feitas próximas ao corpo da atriz ajudam a fazer com que o espectador se apegue cada vez mais aos sentimentos e à forma que Maria age.

    Não é possível falar de O dia em que eu não nasci sem dar grandioso destaque para a ambientação de suas filmagens, mescladas com uma trilha sonora melancólica que ,por mais clichê que seja em filmes do gênero, se encaixa perfeitamente na atmosfera do filme dirigido por Florian Micoud Cossen.

    É perceptível uma certa crítica à falta de informações que muitos países possuem (inclusive o próprio Brasil) em períodos de autoritarismo por que passam. Fantasmas desses tempos obscuros que são carregados por várias pessoas no mundo todo, incluindo Maria.

    O dia em que eu não nasci é um filme encantador que faz com que nos percamos nas ruas da Argentina junto com a protagonista do filme. Uma verdadeira imersão ao desconhecido.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.