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  • Metrópolis | O precursor do Sci-Fi completa 90 anos

    Metrópolis | O precursor do Sci-Fi completa 90 anos

    Hoje em 1927, Metrópolis era lançado nos cinemas alemães e logo iria percorrer o mundo todo. Se trata do primeiro filme no World Register Memory da Unesco e considerado como uma obra prima da sétima arte, o filme de Fritz Lang dividiu a crítica no seu lançamento original e foi mal recebido em bilheteria. Mas quais seriam as outras facetas dessa obra!?

    Quando o diretor nascido em Vienna em 1890, decidiu fazer Metrópolis, o mesmo já era reconhecido como um renomado realizador de cinema, um workaholic de forte personalidade estabelecido em Berlim desdo fim da primeira guerra mundial. Casado desde 1922 com a escritora, roteirista e atriz Thea Von Harbou, que iria escrever todos os seus roteiros até sua fuga da Alemanha em 1933. Fritz Lang já havia feito filmes ambiciosos como Dr. Mabuse, O Jogador (1922) e Anel dos Nibelungos  (1924). O diretor se tornou um dos grandes nomes do cinema alemão que depois se espalhou pela Europa, época essa que Berlim vivia um período próspero de vanguardas artísticas como o teatro de Bertolt Brecht e todo o expressionismo inspirado previamente pelas obras de Edward Munch, assim como filmes importantes, realizados com grande financiamento técnico da UFA (Universum Film AG), uma grande produtora daqueles anos, que produziria Metrópolis.

    As gravações duraram quase um ano e custou 36.000 mil dólares além do orçamento previsto, que seria depois gerenciado de maneira imprudente por um diretor que era comumente criticado pela sua falta de empatia com o elenco. Dificuldade absurda de filmagem, mobilização e uma magnifica técnica deram nascimento ao filme que Lang diz ter gostado de filmar, mas que ele mesmo se arrepende pelo cenário pobremente estruturado.

    Na trama é narrada a estória da cidade de Metrópolis, que ao mesmo tempo que ricos vivem em luxuosos arranha céus e ignoram tudo o que ocorre nas partes mais baixas da cidade que os mantêm vivos, onde milhares de trabalhadores, escravos do maquinários e completamente desumanizados. Quando Freder, o filho do mestre de Metrópolis se apaixona por Maria, uma pobre trabalhadora, ele percebe a desigualdade social em que sua casta próspera. Falhando em convencer seu pai, ele vai até a parte baixa da cidade onde a revolta nasce. Mas enquanto todo o filme pousa na sobrevivência da população desprezada pelos poderosos, o fim culmina a possibilidade de um acordo entre as duas partes graças a mediação de Freder e Maria que os unirão “o coração será capaz de realizar a união entre cabeça e braços”.

    Apesar disso, o diretor afirma que depois ele considerou o cenário deplorável do longa, com uma lição de moral muito simples e irreal. Uma moral que é perseguida de acordo com a sensibilidade política de cada um. De acordo com uma entrevista feita por Nöel Simsolo, o jovem diretor búlgaro Slatan Dudow, que colaborou durante as filmagens largou o projeto no meio devido a suas convicções Marxistas que não poderiam aceitar a moralidade proposta no fim do filme. Mas Fritz Lang reconheceu por outro lado sua fascinação pelos efeitos técnicos e visuais alcançados por um filme considerado precursor da ficção cientifica. Como “exploradores” Fritz Lang e seus colaboradores experimentaram e criaram sem saber todo um gênero que seria explorado e criado no futuro, vale o exemplo star trekiano do videofone que é usado para comunicação.

    Em entrevista de 1984, Noël Simsolo retornou ao programa “film Tuesdays” para comentar sobre a recepção do filme. Na verdade ele é considerado um fracasso comercial dividindo a crítica entre a desproporção entre a narrativa e a exposição de elementos visuais. O diretor Luis Bunuel escreveu na época: “Metrópolis não é um único filme. São dois longas presos com um cinto, mas com necessidades espirituais divergentes, um antagonismo extremo. Aqueles que consideram cinema como uma forma discreta de se contar história encontrarão uma grande decepção com Metrópolis. O que nós é falado é trivial, pedante e um romance antiquado. A anetoda é que se você estiver atrás de algo “fotogenicamente-plástico”, então Metrópolis vai realizar todos os seus desejos, você irá se maravilhar como se fosse o livro de imagens mais belo já composto.”

    Ao mesmo tempo, o longa termina adquirindo status de ícone da sétima arte, pela sua beleza visual e poder evocativos retratando um universo social e maquinista. Em entrevista de 1965, Fritz Lang comentou do sucesso que Metrópolis fez ao ser exibido na cinemateca francesa além de seus filmes em geral. Para Jean-François Balmer, Metrópolis é um filme admirável, que centraliza toda a capacidade visual da fotografia cinematográfica.

    O que acaba tornando mais curioso o cinema mudo como um todo é a capacidade de você poder mudar um aspecto dele até hoje que é sua trilha sonora, durante o festival Endeavours de documentários o compositor eletrônico Paul Searless entregou uma trilha a Metrópolis que assim como a de Cliff Martinez para The Knick consegue que algo que não se encaixa em momento algum ao longa fazer todo sentido no contexto da produção ( o video está legendado).

    Vale relembrar que esse longa está em domínio público e você pode assistir a sua versão restaurada no youtube com legendas em português aqui no link abaixo:

    https://www.youtube.com/watch?v=QkHOwwPKZ78

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Tempos Modernos

    Crítica | Tempos Modernos

    Lançado em 1936, após três anos de produção, Tempos Modernos é uma das grandes obras de Charlie Chaplin, densa como arte e significativa como retrato de uma época, sobre a potência do capitalismo e as forças opostas entre trabalhadores e donos dos meios de produção. Estruturas criticadas pela narrativa que ainda reflete movimentos vividos no presente.

    Antes do lançamento de O Artista, a produção era considerada o último filme mudo americano. Uma escolha narrativa proposital de Chaplin, que utiliza habilmente a voz somente através de objetos eletrônicos, representando o avanço tecnológico. Seria também o último filme com a marcante personagem de Carlitos, o vagabundo mambembe que, de maneira bem-humorada, representava um tipo marginalizado que sobrevivia por suas peripécias. Um ícone que se confunde com o seu criador, sendo uma das maiores figuras do cinema, sem dúvida. Reconhecendo que a personagem era uma clássica representação do humor físico, o vagabundo perderia a eloquência dos gestos apurados pela interpretação física do ator. Assim, o vagabundo sai de cena em um grande retrato crítico.

    O tema de Tempos Modernos é introduzido por uma frase exibida em cena, configurando a relação analítica entre a sociedade e a indústria, e estabelecendo a análise da importância do indivíduo diante do mundo capitalista. Um mote representando a história que seria apresentada e bem justificada na primeira cena do longa, com ovelhas correndo por um corredor estreito para, em seguida, um corte de cena mostrar um grande grupo de trabalhadores saindo de um metrô. Em ambas a cenas, é possível notar, além do simbolismo óbvio, um único personagem destoante: uma ovelha negra e um homem trajando chapéu preto, respectivamente. Uma primeira provocação de Chaplin sobre o individualismo na sociedade que, em ambas cenas, não parece ter nenhum significado diante da multidão coletiva.

    A obra é uma das mais poéticas e críticas do autor, e se vale da narrativa pela imagem do cinema mudo como ênfase para retratar acontecimentos envolvendo o vagabundo. Atos que podem ser vistos como episódios, desenvolvidos em pequenas partes, que poderiam figurar em curtas-metragens mas que, formatados sob um mesmo tema, estabelecem uma crítica contra a Revolução Industrial e a Grande Depressão americana.

    A habilidade narrativa de Chaplin, responsável pela direção e roteiro, é impressionante. O domínio da técnica gera uma multiplicidade narrativa para diversas cenas, mantendo o cômico como toante ao mesmo tempo em que a crítica é interpretada pelo público. A imagem mais icônica desta obra, o homem sendo engolido pela máquina, é um exemplo de sua genialidade. De maneira quase infantil, mantendo a vertente do riso, o público compreende a crítica sobre a modificação estrutural da sociedade, na qual o homem não é maior do que o império do capitalismo industrial.

    O vagabundo é um personagem de humor inserido em um difícil contexto da história da América. Chaplin equilibra com perfeição a marginalidade dramática e mantém a comédia em cenas bem delineadas e simples, e com significado. A imagem era a única – ou maior – forma de mensagem dos filmes mudos. Em comparação a filmes contemporâneos – principalmente os lançamentos de verão –, há muito mais uso de cenas simbólicas e interpretativas, que evitam o óbvio mas retratam com eficiência como o trabalho era visto na época.
    Os excessos da jornada de trabalho geram uma das primeiras cenas cômicas. Trabalhando na linha de produção em um trabalho de repetição contínua de movimentos, o vagabundo se condiciona ao esforço manual e enlouquece, vendo em qualquer lugar parafusos para apertar. A comédia adquire o ar crítico sem precisar ser agressiva. A mensagem é recebida claramente pelo público, e o riso se estabelece de maneira fácil.

    Em seus longas-metragens envolvendo a personagem, Chaplin sempre narrava uma história múltipla, dando vazão ao elemento dramático sem perder o cômico. Além disso, explorava personagens femininos que estabeleciam uma jornada em paralelo a do vagabundo para, posteriormente, instaurar um caminho mútuo. Como a vendedora de flores em Luzes da Cidade, uma órfã representa outro tipo marginalizado pela sociedade, a menor cujo pai está desempregado e vaga pela cidade à procura de alimento. O pai da garota se torna uma baixa em um protesto por melhores salários. Mesmo que esta morte não seja explícita, reconhecemos dois tipos em cena: o grupo que luta por maiores direitos e outro que reprime com violência este grupo.

    Como engrenagens de uma máquina, o roteiro se articula com perfeição entre ambas protagonistas e suas peripécias para continuar vivendo. O vagabundo como operário, a órfã como ladra; cada um sobrevivendo como pode. Chaplin produz candura no encontro das personagens, que reconhecem sua marginalidade, sem retirar as gags cômicas, mantendo a firmeza nos dois frontes: drama e comédia, sem perder força em nenhum dos dois, mesmo após 79 anos.

    Além do retrato urbano, o filme é lembrado por sua canções também compostas por Chaplin, um talento múltiplo do artista que se dedicava também às trilhas de suas produções. A Canção Sem Sentido, cantada pelo personagem em seu trabalho como garçom, é o momento mais cênico da produção e, novamente, varia drama e comédia. O público sabe que é necessário para o vagabundo cantar em seu emprego, uma exigência para ser contratado. Diante da necessidade, a personagem realiza uma apresentação quase circense, como um palhaço em frente às câmeras apresentando um número. Mesmo sem compreendermos a canção inteligível feita com partes em italiano e francês, o gestual de Chaplin narra uma história e, novamente, sua precisão de humor físico e pantomima transformam a cena em um dos grandes momentos da película.

    A canção Smile, inicialmente concebida como instrumental e, décadas depois, acrescida de uma bonita letra, é um dos temas que se apresentam no decorrer do longa, e resume melodiosamente a mensagem de esperança por detrás de toda frieza mecânica da sociedade. Mesmo com todas as peripécias vistas em cena, as personagens voltam ao ponto de partida como dois vagabundos desempregados, mas reconfigurados em outra situação: estão unidos. Chaplin deixa uma mensagem poética simples e precisa sobre a necessidade de enfrentar as adversidades de frente e, mesmo em momentos ruins, sorrir. Ao lado da garota, sai de cena rumo a lugar algum, um momento presente em obras anteriores mas, dessa vez, carregado de poesia e melancolia: a despedida de um grande personagem em um grande filme crítico.