Tag: Christian Petzold

  • Crítica | Barbara

    Crítica | Barbara

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    Barbara segue na esteira de filmes alemães recentes como Adeus, Lenin! e A Vida Dos Outros que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre o período para tentar entender o seu impacto no país até hoje.

    Na Alemanha Oriental dos anos 80, uma médica é transferida para uma cidade do interior por causa dos seus planos de fugir do país.

    O roteiro sólido do diretor Christian Petzold em parceria com Harun Farocki acerta ao focar no desconforto da protagonista ao chegar na nova casa. O contraste vem através das cenas de amor escondidas com o seu amante e a frieza no trato com os colegas de trabalho com suas falas curtas e rápidas. Barbara é obrigada a passar por sessões de constrangimento nas visitas dos oficiais do governo, além de ser monitorada pelo colega de trabalho, e é obrigada a lidar com uma paciente que sobreviveu a um campo de concentração de trabalhos forçados. Tendo em vista o lema comunista da obrigação do trabalhador em devolver para a pátria o que lhe foi investido, a premissa do roteiro é bem clara neste ponto: o preço da liberdade.

    Ao mostrar a dificuldade burocrática de se conseguir equipamentos e na incompetência dos médicos locais, a decadência daquela cidade do interior representa o retrocesso que foi para a Alemanha estar parcialmente dividida sob ocupação soviética. O local só se transforma depois que a protagonista chega. Sua presença traz mais humanidade ao hospital, a eficiência no trato com os pacientes aumenta significativamente. A sua humanidade deixa o final do roteiro bonito e comovente.

    Christian Petzold é um diretor competente. A sua habilidade mantém a uniformidade da narrativa, e ao mostrar tempos mortos, seu objetivo é claro retratar a melancolia e tristeza da protagonista, além de ressaltar o regresso do local, que parece que estacionou no tempo. Outro trunfo é a direção de atores, Petzold consegue extrair boas atuações de seu elenco.

    Nina Hoss é o grande nome do filme. A sua boa atuação contida consegue expressar o desconforto de estar ali. A vontade de viver existe, porém está paralisada. Destaque ainda para Ronald Zehrfeld, que interpreta seu colega de trabalho.

    A fotografia de Hans Fromm é uniforme e competente, porém não se sobressai em nenhum momento, da mesma forma que a edição de Bettina Böhler deixa o filme em um bom ritmo e só.

    Barbara vale a pena por fazer parte de um movimento (se é que se pode chamar assim) de filmes que se propõem a fazer uma revisitação histórica sobre um dos períodos mais difíceis que dividiu um país por mais de 50 anos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Phoenix

    Crítica | Phoenix

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    Nina Hoss dá vida à bela Nelly Lenz, cujas feições singelas foram “modificadas” quando encarcerada no campo de concentração nazista na Segunda Guerra Mundial. As ataduras que cobrem seu rosto escondem cicatrizes que fizeram de si um monstro sob a superfície da pele, com curativos que escondem suas dores, tanto no ego quanto na carne. Em Phoenix, filme de Christian Petzold, a melancolia é valorizada como um sentimento nobre, fruto do torpor das vítimas do Holocausto.

    A retirada dos curativos revela uma mulher desconfigurada, com medo e receio de encarar de frente o mundo, não encontrando sequer a própria identidade ao se olhar no espelho. O sentimento tem a função de resumir os malefícios que o descaso dos arianos causou no povo judeu, quando o deboche e a redução, tanto da população quanto da religião em si, eram aspectos absolutamente subalternos diante do genocídio e da limpeza étnica promovidos. Os acontecimentos que não traziam a morte não deixavam de ser tão assustadores quanto os que puseram fim em tantas vidas, ao contrário, fortaleciam a sensação de que os sobreviventes eram na realidade mortos viventes.

    A readaptação de Lenz à vida normal é feita de modo bem vagaroso, assim como seu retorno ao convívio com os que lhe eram caros no passado. O reencontro da moça com seu antigo marido, Johannes ‘Johnny” (Ronald Zehrfeld), é feito de um modo bastante emocional, agravado quando ele não a reconhece graças aos ferimentos no rosto de sua cônjuge. Aos poucos, ambos retomam uma relação, mas de modo bastante diferente do que ela esperava, reconstruindo todo o desconcertante casamento apesar de todo o teatro arquitetado pelo par masculino.

    A discussão presente no roteiro de Petzold aborda o horror e barbárie dos nazistas, mas em momento algum dá valor ou voz aos opressores, pelo contrário: a jornada de edificação é exclusiva dos personagens que tiveram seus direitos e liberdades cerceados. A evolução de caráter e de carisma visa reconstruir uma vida digna, como uma reforma faz em reerguer uma casa. O espectro de restabelecimento sentimental e moral é visto pelos que estão em volta como algo negativo, fazendo um eco incrivelmente atual com a dificuldade que minorias secularmente segregadas têm de fazer valer seus direitos, excluídas às vezes até por seus semelhantes.

    Johannes e Lenz “sofrem” uma tentativa de reconciliação, acompanhados de alguns poucos  chegados, que presentes estão para assistir ao reenlace dos dois, mas que pragmaticamente nada têm a ver com os dramas vividos tanto pelo casal quanto pelas partes em separado. São apenas espectadores que se munem de uma hipocrisia atroz, a qual em suma revela a fraqueza de sua índole. O canto de Lenz libera a aflição de sua alma, e incrivelmente só encontra reverberação no rosto do “marido”, com um enfoque especial da câmera em cada expressão facial deste, embasbacado por ter percebido a verdade tão tardiamente.

    O resultado final de Phoenix é um retrato sensível da parte de um realizador alemão, que assume para si a culpa pelos atentados aos inocentes nos anos 1930 e 1940, tomando o pecado nacional como se fosse exclusivamente seu. Algo semelhante ao sacrifício na crucificação de Jesus Cristo, perdoando os descendentes da antiga Alemanha nazista. O tom poético do filme presenteia a plateia, mas faz ainda mais sentido àqueles que, ou sofreram as agruras do Holocausto, ou guardam em seu sangue a marca da barbárie imposta aos povos de origem semita.