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  • TOP 10 – O Trabalhador no Cinema

    TOP 10 – O Trabalhador no Cinema

    Il Quarto Stato

    Enxergar o cinema em sua tridimensionalidade arte, meio de comunicação e indústria, não significa dizer ao mesmo tempo que esses vieses de análises funcionem exclusivamente de modo separado ou  postular que cada uma dessas dimensões sejam homogêneas entre si.

    Essa análise não só permitiria nos fazer ver o acúmulo de elementos para se pensar o cinema sob diferentes facetas, sejam elas sociais, políticas, ou meramente revolucionária sob um aspecto técnico cinematográfico, como também do caráter estratégico que esse cinema pode ter como ferramenta potente para o esclarecimento de seus espectadores. No caso em tela, é evidente que a intenção deste texto é dual, seja como o cinema funciona ou como elemento esclarecedor da situação da classe trabalhadora.

    Assim, é importante pensar o cinema de cineastas como Chaplin, Eisenstein, Costa-Gavras e tantos outros como um processo de construção de cinema onde enxergava no espectador uma parte concreta de uma intervenção e ferramenta para mudança real da sociedade. Uma ótica desse universo de não mais pensar no artista como um criador inspirado, mas como um trabalhador a serviço de uma outra sociedade, que não mais despeja seus conhecimento a serviço do seu próprio eu, mas sob a ótica de construção de superação da sociedade atual, e também da própria forma de arte tradicional.

    Dessa forma, retornamos ao trabalhador para analisarmos o cinema sob essa tridimensionalidade de elementos catalisadores de politização da luta de classes, e também do cinema como forma de superação da arte, posta hoje em favor de uma sociedade emancipadora. Por conta disso, me reuni ao amigo Filipe Pereira para a construção da lista abaixo envolvendo o cinema e o trabalhador.

    A Greve (Serguei Eisenstein, 1924) – Flávio Vieira

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    Serguei Eisenstein foi um dos primeiros cineastas a analisar o modo de construção artística aliado a função social de seu trabalho, obviamente, sempre utilizando o contexto do meio onde viveu,: a União Soviética pré e pós revolução, o que determinou o forte cunho político de toda sua obra. A Greve torna evidente a preocupação do cineasta com as questões operárias, a luta entre capital x trabalho, como também da própria cultura proletária e organização independente. Além disso, importante relembrar que Eisenstein foi pioneiro na linguagem, estética, montagem e teoria cinematográfica.

    Dois Dias, Uma Noite (Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, 2014) – Filipe Pereira

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    O filme dos irmãos Dardenne trata prioritariamente sobre a questão da depressão, utilizando a personagem Sandra – magistralmente interpretada por uma propositalmente modificada Marion Cotillard – como maior exemplo dos malefícios da doença. No entanto, o background mostra o agravo e manifestação da doença após uma demissão, fruto da total insensibilidade de seu patrão que, como um barão industrial, corta-a do quadro de funcionários e divide aos empregados um bônus que serviria de resolução para a permanência de Sandra. Sua epopeia ao tentar modificar a situação é prodigiosa em mostra-la como uma párea. O modo como alguns é tratada se assemelha a de alguem com uma doença contagiosa, repulsa mais caracterizada pela demissão do que pela depressão. Ao final, Sandra nota o ardil de seu antigo superior, mas não o culpa, ao contrário, utiliza o fato como trampolim para sair da letargia mental em que se encontrava, finalmente desenvolvendo uma expressão que não fosse de total miséria existencial. Símbolo da vitória não só sobre sua condição, mas também a quebra do paradigma de “escravidão assalariada”.

    O Corte (Costa-Gavras, 2005) – Flávio Vieira

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    Costa-Gavras é conhecido pelo seu trabalho ao retratar temas pungentes em um cinema mais político, principalmente ligado a questões envolvendo a luta de classes. Em  O Corte isso fica mais uma vez evidente. Sempre preciso, e por vezes impiedoso, Gavras não poupa o espectador e mostra o impacto da perda de um emprego na sociedade atual e o drama familiar decorrente disso. Está tudo ali: perda de identidade, baixa auto-estima, impessoalidade, desespero, decadência financeira, o efeito desagregador no seio familiar, como também a opressão de uma entrevista de emprego e a atmosfera de competitividade reinante num ambiente corporativo.

    O Duplo (Richard Ayoade, 2013) – Filipe Pereira

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    Baseado no romance de Dostoievski, o filme de Richard Ayoade apresenta um micro universo sombrio e mecânico, semelhante as distopias vistas em Brazil e em outros filmes de Terry Gilliam. O cenário é uma tela em branco para a narração das desventuras de Simon (Jesse Eisenberg) que vê sua vaga no trabalho ser aos poucos tomadas por uma pessoa cujas expressões são idênticas as suas. A citada contra parte, chamada de James, rouba benefícios, atas e a confiança de seu opressor chefe, utilizando seus esforços para mostrar o quão obsoleto e descartável Simon é para a vida e, consequentemente, para o mercado, fazendo dele uma peça completamente desimportante e substituível da engrenagem, encerrando a profecia de mercantilização da vida humana, com o capital tratando o homem como o ser diminuto, cuja proposição proveio dele mesmo.

    Roger e Eu (Michael Moore, 1989) – Flávio Vieira

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    Nos idos de 1989, o forte tom de denúncia e crítica à sociedade moderna, com toques refinados de sarcasmo já eram presentes no primeiro trabalho do polêmico Michael Moore, Roger & Eu. O documentário traz Moore em sua saga ao tentar dialogar com Roger Smith, presidente da General Motors,  responsável pelo fechamento de onze indústrias da GM, o que acarretou em mais de 30.000 desempregados na cidade natal de Moore, Flint. O documentarista é incisivo ao ilustrar a perversidade inerente à logica incessante da busca pelo lucro, a concentração de riqueza nas mãos de um pequeno grupo e as desigualdades sociais que se alastram ao redor do globo.

    O ABC da Greve (Leon Hirszman, 1990) – Filipe Pereira

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    Acompanhando as greves ocorridas no estado de São Paulo pelos idos de 1979, O ABC da Greve reverberava as reclamações da classe operária por maiores direitos trabalhistas, apoiando veemente o fortalecimento dos sindicatos. A experiência do diretor e roteirista Leon Hirzsman em dramas passados nos anos pós chumbo, como em Eles Não Usam Black Tie já mostrava a indignação com o modo como o Regime Militar tratava o proletariado, fazendo deste documentário uma obra pessoal para o cineasta. Lançado postumamente, o filme serve para quebrar o silêncio que os militares tentavam impor aos líderes do movimento que propunham os mesmo direitos que os poderosos sempre tiveram, comumente associados a opressão daqueles que causaram medo e terror aos mais necessitados. O grito e o canto de revolta merece ser mais propagado dado que o filme é completamente subestimado pela critica de cinema brasileira, mesmo hoje.

    Os Companheiros (Mario Monicelli, 1963) – Flávio Vieira

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    Mario Monicelli, cineasta italiano conhecido pelo O Incrível Exército de Brancaleone (1966), abordou a questão sindical no longa metragem, Os Companheiros, três anos antes de sua produção mais conhecida. O diretor transporta sua história para um grande centro industrial da Europa do início do século XX, onde trabalhadores se submetem a uma extenuante jornada de trabalho de 14 horas. A trama se desenvolve após um trabalhador fatigado se descuidar no maquinário utilizado para seu labor e perder sua mão. O ponto de ruptura se dá com a chegada de um professor na cidade, interpretado pelo grande Marcelo Mastroiani, que passa a formar um processo de mobilização e organização desses trabalhadores. Os Companheiros é um filme que nos ganha pela simplicidade, mas não deixa de nos mostrar a dureza decorrente dessas relações de trabalho e a luta por uma vida digna e uma sociedade mais justa.

    Cabra Marcado Para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984) – Filipe Pereira

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    Interrompido durante a instauração do Golpe Militar, Cabra Marcado Para Morrer é um filme simbólico, não só sobre as tratativas da repressão aos mais pobres, pelo braço duro do estado, como também pela disseminação do ódio aos homens do campo. A sabotagem que Eduardo Coutinho acompanha famílias atacadas pelos membros do alto escalão do exército e servem de exemplo do montante de ações que dividiam os membros do campesinato, bem como a perseguição aos formadores dessas ligas equivalente aos sindicatos que habitavam o urbano. Talvez a obra mais conhecida da filmografia de Coutinho, Cabra Marcado exibe o melancólico retrato dos campestres, impotentes diante dos fomentadores do Regime, excluídos e assassinados como se fossem animais indo para o abate.

    As Neves do Kilimanjaro (Robert Guédiguian, 2011)

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    Robert Guédiguian, cineasta francês de origem armênia, utiliza o poema Os Pobres, de Victor Hugo, como ponto central de As Neves do Kilimanjaro. A trama nos apresenta Michel, um sindicalista que acaba demitido por decidir sortear seu nome em uma lista de cortes, por se recusar a receber um tratamento especial pela sua posição junto ao sindicato. Como se isso não fosse o bastante, ao celebrar seu aniversário de casamento ao lado de sua esposa, as personagens são assaltadas e perdem um grande valor em dinheiro, além de uma viagem para Tanzânia que receberam como presente. O filme discute as questões classistas envolvidas nas relações cotidianas e a violência decorrente delas. Apesar de por vezes cruzar a linha entre o moralismo e a moralidade, o filme é um belo exemplo de que as relações sociais são elementos catalisadores de transformações maiores de uma sociedade.

    Como Era Verde Meu Vale (John Ford, 1941) – Filipe Pereira

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    Clássico do cinema norte-americano, Como Era Verde Meu Vale é um dos primeiros filmes da fase áurea do cinema de John Ford. Não à toa, pois usa história simples para apontar as tristes condições do trabalhador popular. Utilizando a ruína da família Morgan, mesmo diante da total dedicação de cada um dos membros. A película mostra uma triste epopeia pela região interiorana dos Estados Unidos, onde os membros do clã se voluntariam para trabalhos que mal pagam seus alimentos. A complexidade dos dramas e sentimentos mostrados em tela são apresentados de modo simples, mas a reflexão pós cenas não é fácil por tratar das dificuldades e dos sonhos de quem uma população que ajudou a construir a nação. Também serve de fonte para discussões mais abrangentes de como a exploração da mais valia só faz aumentar o espectro da miséria financeira e, consequentemente, de alma e espirito também.

    Concluo com o clássico poema de Vinícius de Moraes, O Operário em Construção:

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  • O Cinema e o Trabalhador

    O Cinema e o Trabalhador

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    Imagine este cenário: trabalhadores suados, com sede (sem direito a beber água, para não prejudicarem a produção), num ambiente totalmente fechado, cuja temperatura de 29°C se junta à umidade que impregna o ar.

    Embora essa cena tenha sido exibida em algumas obras da sétima arte, ela também fez parte de várias realidades, como por exemplo no século XVIII, em Manchester, Inglaterra, numa fábrica de algodão. Se no cinema ela dura alguns minutos, no cotidiano desses trabalhadores ela se estendia por 14 horas (às vezes 17), dias, meses e anos seguidos, sem férias, 13º ou qualquer outro direito trabalhista conquistado posteriormente.

    Charles Chaplin, com toda a sua sensibilidade e genialidade, nos aponta a falta de respeito pelo ser humano, e o abuso do patrão sobre o trabalhador, em 1936 com Tempos Modernos. Retratando os primeiros tempos da industrialização e do capitalismo, mostrando-nos as condições sub-humanas a que o “proletariado” era submetido, através do personagem Carlitos, em cenas como a da esteira rolante (cuja velocidade é frequentemente aumentada, a partir das ordens do presidente da fábrica, que se comunica por um telão).

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    Na cena onde o protagonista parece ser “engolido” pela engrenagem, faz-se uma alusão à despersonalização do individuo, assim como naquela em que ele testa uma máquina para alimentar o trabalhador, evitando assim, que este perca tempo se alimentando, já que o propósito era efetivar e maximizar o lucro, produzir mais em menos tempo e pelo menor custo.

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    Uma imagem que não poderia passar desapercebida é quando o ingênuo Carlitos pega uma bandeira sinalizadora que cai acidentalmente de um caminhão e, ao tentar chamar atenção do motorista,  é confundido com o líder de uma passeata e levado pelos policiais. Chaplin nos conta sobre a consciência das condições precárias impostas ao empregados, sua vontade de mudar isso, e a repressão que as autoridades exerciam.

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    Foi uma manifestação, em Chicago (Estados Unidos), em 1886, na luta por mais salários e a redução da jornada de trabalho, que originou o feriado comemorado no 1° de maio. Além de ser um destacado pólo industrial, esta cidade figurava no cenário mundial como um dos maiores centros sindicais. No primeiro dia do mês de maio, na penúltima década do século XIX, milhares de pessoas foram à ruas manifestar seu descontentamento, iniciando-se também, nos EUA, uma greve geral. Nos dias que se seguiram imediatamente, estabeleceu-se um clima de violência, ferindo dezenas de pessoas e matando algumas. Mas o ato que marcou definitivamente esta data, foi a prisão de 8 líderes, sentenciados ao enforcamento.

    No entanto, nem todo o trabalhador se propõe a lutar, de imediato, pelos direitos da sua classe. Alguns porque se acomodam, construindo um imaginário de que é essa a sua condição da sociedade. Outros porque o próprio sistema capitalista, de consumo, acaba colocando-os num impasse ideológico.

    É este impasse, o grau de precariedade das condições de trabalho (considerando esta força como mercadoria) e todas as relações de produção num universo capitalista, que o diretor Elio Petri tenta explicar em A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971).

    Este filme italiano tem como protagonista Lulu (Gian Maria Volonté), um operário-padrão aplaudido pelos superiores e hostilizado pelos colegas de trabalho, que o identificam como alienado, entregue ao sistema. Até que Lulu Massa perde um dedo numa máquina, e começa a despertar para a exploração que lhes é imposta, começando uma luta interna de ideais.

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    Movimentos grevistas e repressão aos mesmos, também são questões abordadas em Germinal (1993) de Claude Berri, baseado no romance homônimo de Emile Zola (1881).

    Nenhuma palavra me pareceu tão justa quanto “abordadas”, porque os temas citados acima são tratados, por incrível que pareça, de uma forma mais superficial, dando ênfase realmente à diferença entre a burguesia e os trabalhadores, sendo que os primeiros vivem emersos em sua alienação, futilidades e opulente suntuosidade, como é mostrado na maioria das cenas que os retrata, em volta de uma mesa mais do que generosa. Já os segundos, vivem em condições, para as quais a palavra “miseráveis” ainda seria atenuante, chegando a oferecer sexo em troca de comida, e permanecendo numa situação sem qualquer individualidade, sem qualquer traço de personificação, num núcleo familiar descaraterizado, onde funcionam como meros fatores de contabilidade.

    Despida de qualquer ideologia pré-concebida, a sua luta é pela sobrevivência, a sua revolta é motivada pelo princípio da ação/reação (à exploração), e o próprio conceito de justiça acaba sendo deteriorado pela força das necessidades básicas, como nos mostra a cena em que o personagem de Gerard Depardieu (Toussaint) come a sopa que deveria ser o alimento do seu filho.

    A trama gira em torno de uma família de mineiros, cujo chefe, Toussaint, estimulado e em parceria com um operário recém chegado, Étienne (Renaud) com experiência em revoltas e contestações, resolve criar um “fundo de resistência”, como plano para a uma condição de sobrevivência, e todo este processo acaba levando a maiores tensões. Apesar de o próprio título, germinal, referir-se ao desenvolvimento da gestação e maturação dos movimentos grevistas desse período, e de haver algumas pinceladas dos discursos de Marx e Engels, esta obra aprofunda-se efetivamente é nas relações humanas, e nos mecanismos que condicionam e provocam comportamentos. Há na obra uma evidente intenção em mostrar os contrates, o que é favorecido também pela brilhante fotografia de Yves Angelo (quando contrapõe a luz dos aposentos burgueses ao opaco sombrio das minas e “casas” dos trabalhadores).

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    Mas se você, prefere não mergulhar em ideologias declaradas ou supostas e, em vez disso, deixar-se emocionar em alguns momentos, e entregar-se a reflexões sobre superação e ética, em outros, num contexto mais atual, aqui vão duas sugestões que também englobam a luta no mercado de trabalho, e os malabarismos necessários às adaptações, internas e externas, que este nos exige.

    “Há coisas que acontecem na vida e há coisas que você faz acontecer. É a diferença entre ter um plano e não ter.”

    Esta é uma das premissas que norteou Chris Gardner, um homem que viu afundar um negócio onde investira todo o seu dinheiro, afundou-se em dívidas, foi abandonado pela esposa, dormiu por algum tempo em banheiros públicos e abrigos para moradores de rua, e teve que cuidar sozinho de seu filho de cinco anos. Mas Chris é obstinado, e torna-se dono de uma grande corretora e, consequentemente de milhões de dólares.

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    A história real foi registrado num livro e, posteriormente, transformada em filme, sob a direção de Gabriele Muccino e a brilhante atuação de Will Smith, contracenando com seu próprio filho, Jaden Smith. À Procura da Felicidade (2006), apesar de trazer alguns pontos dramatizados ou açucarados pelo roteirista Steven Conrad, não deixa de emocionar e encorajar alguns daqueles que não conseguem ver um luz no final do túnel.

    Mas sejamos realistas! Claro que persistência e foco são essenciais, no entanto, não há tantos Chris por aí! Sabemos da crise de desemprego numa escala global. Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, sempre atentos para os temas em pauta, sabem disso, e os trazem esta questão, com o roteiro e a direção de Dois Dias, Uma Noite (2014).

    A história passa-se na Bélgica, e tudo se inicia quando Sandra (Marion Cotillard) é despertada pelo som do celular. A cena é praticamente um monólogo, pois não se ouve quem está do outro lado da linha, mas a forma como Marion se expressa diante da câmera, satisfaz plenamente a intensão dos diretores em seu enfoque psicológico.

    Quando se preparava para retornar ao trabalho, após um afastamento ocasionado por uma depressão, que parece superada, Sandra fica sabendo que seus colegas haviam aceitado a proposta da empresa em substituir a sua vaga por um bônus de mil dólares. Diante disso, ela tem apenas o fim de semana para fazê-los mudar de ideia, e começa uma maratona de visitas a cada um. Aqui, os irmãos Dardenne discutem a questão social.

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    As relações humanas são abordadas fora do núcleo familiar, embora a família seja usada como pretexto para a priorização do bônus, por parte dos outros funcionários. Este dilema sustenta o teor moral e ético da trama, e os conflitos externos, desencadeados pela fragilidade do mercado de trabalho, e pelo peso do seu retorno monetário, tornam-se reveladores de conflitos internos vividos pelos personagens.

    O tema central destes filmes é o trabalho… Será? Essas histórias (e todos os recursos cinematográficos que atuam como agentes simbólicos) nos levam a uma reflexão sobre algo que exige a busca pelo equilíbrio entre a razão e a emoção: as relações humanas, culturais e sociais!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

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  • Crítica | Metrópolis

    Crítica | Metrópolis

    Metrópolis talvez seja a obra máxima de sua época, e sua exibição hoje beira o desafio, visto que é difícil achar uma cópia que faça jus ao original. Os rolos de filmes originalmente exibidos em 1927 foram restaurados, a partir de uma cópia encontrada na Argentina e finalmente se pode apreciar ao menos em parte qual era a ideia que o austríaco Fritz Lang tinha para a adaptação do livro de  Thea von Harbou, escritora que inclusive escreveu o roteiro da adaptação.

    A história se passa um século após a produção do filme, em 2026, e a grande e bonita cidade de Metrópolis esconde nos seus subterrâneos um segredo terrível, ela é movida pela trabalho braçal da classe operária, homens pobres que não tem ninguém a não ser eles mesmos. A ideia de futuro de Harbou era pessimista, ou realista se o intérprete da obra for mais pragmático, e não encara a humanidade como espécie benevolente ao ponto de conseguir se livrar da condição escravocrata que cercou sua história.

    Não demora a se explorar como é a rotina de quem vive na parte de cima de Metropolis. O dono do lugar, Joh Fredersen (Alfred Abel) tem um filho, chamado Freder (Gustav Fröhlich), um garoto mimado que passa seus dias praticando esportes e flertando com belas moças. Logo, uma misteriosa mulher aparece, Maria (Brigitte Helm), e ela carrega os filhos dos trabalhadores consigo, para que pudessem conhecer a superfície. Entre o choque da realidade completamente diversa da sua e contemplar uma mulher igualmente diferente das que vê, Freder se apaixona e decide ir até a cidade dos trabalhadores. Logo se depara com as condições degradantes de trabalho.

    Lang faz uso de maquetes muito bem pensadas para registrar as imagens panorâmicas das cidades. A sofisticação dos cenários unidos a narrativa de extrema dramaticidade típica do expressionismo alemão fortificam a denúncia sobre os perigos do avanço desenfreado do homem rumo a urbanização e coisificação dos outros homens, sobretudo, os mais pobres. Mesmo que os personagens abastados afirmem que as configurações de mundo são assim desde antes de nascerem, o conhecimento sobre a história evidencia que eles só estão ali como classe dominante por que no passado se utilizou de mão de obra escrava estrangeira, portanto, a utilização do sistema de castas é só uma propagação dessa atitude exploratória.

    É curioso como o roteiro de Harbou referencia figuras míticas religiosas, fazendo paralelos com a mitologia judaico-cristã mas também com a Babilônica e Celta ao mesmo tempo, evocando um pensamento utópico de luta de classes. A trama envolvendo a construção do Maschinenmensch (ou máquina-homem) é muito curiosa, porque novamente trata de uma questão que em sua gênese é pessoal, afinal seu criador, o doutor Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) só queria trazer sua amada de volta – a mulher que foi casada com Fredersen, e que morreu ao dar a luz a Freder – mas evolui para um quadro que viola o sagrado. Apesar de não ser um filme exatamente cristão e de misturar mitos, o filme demonstra que criatura se virará contra seu criador, e assim passará a dar ordens.

    Isaac Asimov acusava a literatura de Mary Shelley de ter criado na população geral uma ojeriza por robôs, fato que ele chama de Complexo de Frankesntein. Essa sensação seria agravada pela versão protagonizada por Boris Karloff nos anos trinta, via Universal, mas em partes, a sensação de que os robôs dominariam seus criadores também encontra origem aqui em Metrópolis, embora tanto nela quanto na obra de Shelley houvesse margem para o entendimento de que a malevolência das criaturas mecânicas é herdada de seus criadores, e não o contrário. Tanto Maschinenmensch quanto o Moderno Prometheus tem esse caráter, possivelmente a Skynet de O Exterminador do Futuro e as máquinas de Matrix também o tenham.

    Próximo ao final, o filme lembra o clássico de Gillo PontecorvoQueimada, lançado anos depois e que claramente tem como uma de suas referencias o cinema de Fritz Lang. Metrópolis é uma obra prima, mas ainda assim é um filme fruto de seu tempo, uma época em que os produtos cinematográficos buscavam um final feliz. Uma conciliação. Desse modo, o acordo entre a liderança dos trabalhadores e o capitalista é de certa forma aceitável, ainda que claramente não faça sentido. Ainda assim, pela inventividade genial e pioneira de Fritz Lang, a obra entra certamente para a história do cinema não só como exemplar a ser visto mas também como influência para inúmeras gerações de cineastas.

    https://www.youtube.com/watch?v=on2H8Qt5fgA

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  • Crítica | Campo Grande

    Crítica | Campo Grande

    campo garnde 7Apoiado em temas comuns ao cinema e à literatura, Campo Grande de Sandra Kogut usa o abandono de infantes como base para sua história: as dificuldades de gerar vida e de consolidá-la. Rayane (Rayane do Amaral) é uma menina deixada na porta da casa de uma família abastada de Copacabana, e que em sua tenra infância precisa lidar com a rejeição de sua progenitora e da mulher que a recebe, Regina (Carla Ribas), uma senhora que, ao menos aos olhos dos empregados, aparenta grande poder, mas que tem em seu comportamento um forte ranço discriminatório.

    O drama cresce quando surge o irmão mais velho, Ygor (Ygor Manuel). O menino revela a tentativa de ambos de encontrar a matriarca que os abandonou. A jornada dos pequenos envolve primariamente uma busca pelos pontos comuns dos bairros nobres cariocas, sem rumo ou planejamento graças à inexperiência do primogênito, que crê piamente que sua mãe retornará, e que tal regresso será por ali.

    As conclusões entre patronado e serviçais flertam com o tema de Que Horas Ela Volta?, ainda que a contestação no filme de Kogut seja mais incisiva e voltada para o preconceito observado entre áreas nobres do Rio de Janeiro e o subúrbio carioca. Os cenários são reprisados em segundo plano, ambientando as brincadeiras que demonstram a ingenuidade e alienação dos meninos em relação ao caos que os cerca. A falta de conhecimento e ciência do que vivem servem de frescor para sua própria atemorização.

    O debate estabelecido envolve as cercanias das crianças, como a urbanização dos pontos cruciais da antiga Guanabara e a despersonalização do indivíduo, exibindo em tela o quão banal se tornou a presença humana nas grandes cidades, especialmente nos arquétipos de moradores de rua. Ygor é um personagem absolutamente invisível à primeira vista, mesmo por pessoas cuja caracterização e poderio econômico tenham se aproximado dele, basicamente, por ele se assemelhar com os meninos de rua que habitam o asfalto da parte rica da cidade, ignorados também por homens não abastados financeiramente. Tal aspecto levanta mais uma fala secundária, mas ainda assim importante sobre a inexistência dessas pessoas perante os olhos do cidadão comum, do mesmo que se preocupa em ser filantropo com os que estão distantes  (em terras não menos assoladas que o seu derredor) mas que é incapaz de olhar além da vidraça de seus luxuosos carros.

    Ao adentrar o bairro de Campo Grande, Regina se sente habitando um novo mundo, diferente demais do seu próprio universo. A selvageria que ela acreditava existir no bairro suburbano é trocado pelo volume enorme de pessoas transitando entre o asfalto e passarelas, confusão que assusta o humano que não a habita, mas que em momento algum justifica tal desprezo.

    O choque emocional pelo qual passa a mulher é equivalente a um golpe na hipocrisia costumeira de muitos endinheirados, e a transformação por que passa Regina age prodigiosamente nesse sentido, uma vez que o roteiro só a premia com edificação após provar e sentir o mesmo que Ygor e Rayane, atingindo finalmente a real empatia que pretensamente deveria acompanhá-la.

    O desfecho não se permite cair na saída tranquila de dourar a pílula, tampouco os personagens se tornam perfeitos ou plenamente encaixáveis em formas agradáveis ao grande público. Toda a acidez do roteiro de Sandra Kogut e Felipe Sholl está em um subtexto que só é plenamente usufruído caso o espectador se concentre nos detalhes dramáticos. A camada superficial usa uma polidez em formato de despiste ao tratar do detentor da grande renda como ser afável somente com as crianças, que são aquelas ainda capazes de angariar inocência – e, portanto, sem culpa pelo caos que o mundo de Campo Grande apresenta.