Tag: filmes jurídicos

  • Crítica | Tempo de Matar

    Crítica | Tempo de Matar

    Após um considerável sucesso adaptando John Grisham em 1994, com O Cliente, o diretor Joel Schumacher se volta novamente para outro livro do autor, dessa vez, trazendo Tempo de Matar, uma história sobre justiça, vingança e intolerância racial. A trama tem início com dois rapazes brancos passeando de carro pelas ruas de Canton, Mississipi, causando terror entre pessoas de minorias étnicas. Dentro de seu veículo há signos e símbolos neonazistas, além da bandeira dos Estados Confederados da América. Ao passo que mostra os dois sujeitos, a trama também apresenta o advogado idealista Jack Tyler Brigance, de Matthew McConaughey (em um dos seus primeiros papéis sérios e de destaque), além de membros da família Lee Hailey, que estão entre os negros atacados pela primeira dupla.

    O roteiro de Akiva Goldsman não demora quase a estabelecer sua ação, mostrando uma criança sendo vitimada pelos personagens da maneira mais baixa e cruel possível, além é claro da repercussão com os familiares da pequena Tonya (Rae’Ven Kelly), em especial, seu pai,  Carl Lee Hailey (Samuel L. Jackson), que se sente indignado e impotente diante do que ocorreu com um dos membros de sua família que, a priori, deveria ser protegido por ele.

    A virada no roteiro acontece com pouco mais de vinte minutos, com o revide de Carl aos homens que violaram sua vida e família, e é seguida de uma tomada sentimental, onde os personagens da força policial se vêem obrigados a executar uma ordem que não queriam. O filme lida com questões espinhosas e bem caras nos tempos atuais, especialmente, no tocante a volta de manifestações de supremacistas brancos nos EUA.

    Schumacher não tem receio em apresentar uma história crua, não tem receio em mostrar um conflito aberto em clima de guerra civil, como era comum décadas antes de 1996. O roteiro trata a história de forma cíclica, aparentemente a humanidade tende a repetir alguns conflitos, de tempos em tempos, e isso faz sentido, tanto que movimentos de afirmação dos direitos da população negra precisam retornar como no ano de 2020, após mais um de muitos atos por parte de forças do Estado punirem a população por conta única e exclusivamente do tom da pele. Embora a realidade não tenha tantas licenças poéticas quanto o que ocorre no longa de Schumacher.

    Tempo de Matar tem uma crítica voraz ao modo como uma parte dos Estados Unidos têm lidado com a segregação racial e as diferenças culturais entre os povos, e ainda que apele para a fantasia em alguns pontos, Schumacher consegue tirar ótimos momentos de seu elenco. Jackson, McConaughey, Kevin Spacey e até Sandra Bullock têm boas participações e que ajudam a entender o filme como uma fábula jurídica e de entraves raciais, ainda que infelizmente o quadro político atual recoloque o filme numa posição de mais pragmatismo que uma obra escapista sobre preconceito.

  • Crítica | O Cliente

    Crítica | O Cliente

    Joel Schumacher, dentre os diretores de cinema, talvez tenha sido o que melhor entendeu a literatura de John Grisham – o que não é pouca coisa, já que diretores de alto calibre já haviam feito filmes baseados em seus livros, como Alan J. Pakula, Francis Ford Coppola, Robert Altman e Sidney Pollack. O Cliente começa seguindo os passos de Mark Sway (Brad Renfiro), de 11 anos, e seu irmão caçula, crianças que vivem seus dias entre brincadeiras, com um certo flerte com a delinquência juvenil, como foi em Os Garotos Perdidos.

    Esses aspectos logo se revelam um despiste, uma variação do MacGuffin que Alfred Hitchcock tanto utilizava, já que toda a inteiração entre os meninos resulta no testemunho de um suicídio que os meninos acompanham. Eles testemunham uma movimentação estranha de Jerome ‘Romey’ Clifford (Walter Olkewicz), um advogado que se entorpece com barbitúricos para dar um fim à sua vida, não sem antes contar segredos sobre a morte de um político e o envolvimento de um mafioso. Já no início a tensão é jogada num nível bastante alto, estabelecendo uma situação de perigo urgente.

    Schumacher resolve bem sua obra, estabelecendo o caráter de thriller com uma trilha sonora incidental conduzida por Howard Shore, e com temáticas interessantes o suficiente para atrair a atenção do público nos primeiros 15 minutos, algo bastante típico da literatura de Grisham, como o próprio O Cliente. Ao mesmo tempo que apresenta figuras caricatas, como a do gangster Barry ‘the Blade’ Muldano (Anthony LaPaglia), toda a estrutura de vida dos Sway é mostrada de forma pragmática, como pessoas sem dinheiro, e portanto, sem muito direito à defesa ou cuidados médicos adequados.

    Dentro do elenco, destaque para Will Patton, Mary-Louise Parker, William H. Macy, além da advogada e quase protagonista Reggie Love (Susan Sarandon), e o promotor e celebridade, Roy Foltrigg (Tommy Lee Jones). A história se desenrola de forma fluida e com uma bela construção de suspense e perigo constante de maneira gradual. Schumacher sabe exatamente quando intervir com sua câmera, dosando bem suas intervenções e a simples vazão aos escritos originais, aliás, aqui também se percebe uma atuação bastante assertiva de Jones, que faz um personagem tridimensional, bem o inverso do que seria o seu Harvey ‘Duas Caras’ Dent em Batman Eternamente. O dueto com Susan Sarandon funciona muitíssimo bem, desde sua abordagem machista inicial até o desenvolvimento da trama e a apresentação de novas camadas no texto e interpretação.

    O filme acerta o tom na parte emocional envolvendo o elenco infantil. Outro fator bem encaixado é a tentativa falaciosa de deslegitimar as vítimas por parte da promotoria, com a tentativa de tirar a guarda do rapaz por conta do passado de dependente químico da mãe, além de abrir possibilidade para leituras mais profundas, uma vez que a catatonia do garoto Rick (David Speck) pode representar a letargia da sociedade diante de cenas de violência tão fortes como as que ocorrem no dia a dia das zonas urbanas pelo mundo.

    O último terço não é tão potente quanto o começo, o modo os fatos se desenrolam soam fantasiosos demais, e a fidelidade que o diretor tem ao retratar o texto base tem seu preço. Ainda assim, O Cliente causa furor, seja pelas atuações de Sarandon, Lee Jones e Renfiro ou pelo alto grau de tensão com que é conduzido.

  • 10 Grandes Filmes de Tribunal

    10 Grandes Filmes de Tribunal

    Um quarto de casal. Um ringue de luta. Uma corte de tribunal. O que todos esses espaços guardariam em comum além de serem palcos perfeitos para conflitos de (quase) todo tipo? Entre o certo e o errado, e sob a égide das leis de cada país e sociedade, o Cinema vem acompanhando e traduzindo na ficção justiças e injustiças que brotam das suas histórias, e se articulam nas relações humanas.

    Fúria (Fritz Lang, 1936)

    Anos depois de O Vampiro de Dusseldorf, o deus Fritz Lang (ele merece ser chamado assim) rodou esse Fúria, outro manifesto da injustiça que pode infectar a reputação de um sistema judiciário dependendo do caso, mas com um adendo que faz toda a diferença: A direção de Lang, faraônica, dramática e firme como poucas, resultando numa grande e curta obra tão ciente de todo o seu imenso potencial apresentado.

    A Mocidade de Lincoln (John Ford, 1939)

    Nunca pensei ver Henry Fonda, lenda de Hollywood como Lincoln, e a metamorfose na tela é perfeita, refletindo outros júbilos igualmente maravilhosos do todo. John Ford opta pela exploração da formação de um povo, trilhando assim a formação e o destino de um mito nacional. Vale não só pelas cenas na corte, mas vai muito além disso. Filmaço.

    Testemunha de Acusação (Billy Wilder, 1957)

    Billy Wilder adaptando Agatha Christie. Previsível seria afirmar o quanto Wilder era versátil em absolutamente tudo o que produziu, em todos os gêneros, e sob todos os propósitos. Aqui, podemos ver os mais clássicos arquétipos de tribunal acerca do poder de um veterano criminalista que nunca perde um caso, e de todas as reviravoltas que podem habitar o decorrer de uma sentença. Orgulhosamente cinematográfico, conta com um dos melhores finais, diálogos e atuações de um filme da sua gloriosa época.

    12 Homens e uma Sentença (Sidney Lumet, 1957)

    Quando foi preciso uma dúzia de homens trancados numa sala para decidir a culpa ou a inocência de um homem, eis então o palco já citado nesse artigo para o cineasta Sidney Lumet entregar uma das mais poderosas narrativas investigativas da história do Cinema em geral. Obra-prima absoluta e atemporal.

    Anatomia de um Crime (Otto Preminger, 1959)

    Se Lumet aceitou o cenário reduzido para encapsular todo o drama e o suspense que rondam uma acusação incerta, aqui o mestre Otto Preminger extrapola por vezes o espaço reduzido, ampliando assim com majestade o escopo de uma história adaptada de grandes desconfianças morais, tensão jurídica, ciúme e assassinato. Filmão maior que a vida, incorrigível e provavelmente o clássico maior do seu cineasta.

    O Caso dos Irmãos Naves (Luiz Sérgio Person, 1967)

    Cena do filme O Caso dos Irmãos Naves

    Eis um filme que nos faz visualizar, nitidamente, o enorme abismo cego que existe, no Brasil, entre réu e os juízes super poderosos desse país. No estado mineiro, ao denunciarem um crime, os irmãos Naves são tidos como autor do mesmo, torturados por algo que insistem não ter cometido, sendo que quinze anos depois, a vítima reaparece, chocando a todos. A injustiça vai aos tribunais, e lá faz morada, intimidando os humildes denunciados por um sistema sedento por culpados de qualquer forma.

    O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1968)

    Um dos grandes monumentos do Cinema Novo de Glauber Rocha, e cia., O Bravo Guerreiro é quando a embriaguez do sucesso acontece no âmbito político. Personagens divididas em um forte existencialismo social cultivado em um quebra-cabeça perfeitamente bem estruturado, numa excelente direção de atores. Mais uma ótima produção brasileira subestimada pelo povo que despreza a própria cultura.

    Close-up (Abbas Kiarostami, 1990)

    Se a verdade e a mentira duelam numa corte, para Abbas Kiarostami, nosso finado mestre iraniano, não há desculpa maior e melhor para emaranhar realidade e ficção num julgamento sobre tentativa de fraude de identidade. Mesclando um julgamento real, com a encenação de um crime, Kiarostami nos deixou Close-Up como sendo um dos grandes filmes da década de 90.

    O Leitor (Stephen Daldry, 2008)

    O Oscar o fez vilão em 2009, preferindo indicar O Leitor a Melhor Filme ao invés de O Cavaleiro das Trevas e Walle. Quase dez anos depois da polêmica, sobraram duas coisas deste drama de época sobre afiliações nazistas: A atuação soberba de Kate Winslet, e as tensas cenas impactantes de tribunal, onde a atriz desnuda todo seu enorme talento e entrega uma das grandes performances da década passada.

    O.J.: Made in America (Ezra Edelman, 2016)

    Orenthal James Simpson matou a ex-esposa em 1994. Disso, desdobra-se um mural de temas ao redor da figura do esportista, suas motivações de vida, a fama, o racismo, a justiça que o julga, o próprio sentido de sonho americano, etc., etc., etc… Temos aqui uma verdadeira guerra jurídica registrada sem dó, nem piedade, numa maratona biográfica de épicos e inesquecíveis 467 minutos de duração. Livre de qualquer espetacularização gratuita, O.J. é O clássico moderno dos documentários e dificilmente será superado, nos próximos anos.

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  • Crítica | Roman J. Israel, Esq

    Crítica | Roman J. Israel, Esq

    O cinema de tribunal é um subgênero que fez muito sucesso nos anos 80 e 90, aliando personagens fortes, tramas complexas, conspirações e um senso de justiça e confiança no sistema que todo mocinho precisa ter para passar a mesma ideia para a plateia. Porém, em tempos mais complexos como hoje, onde as fundações das democracias e suas instituições são cada vez mais colocadas em xeque, talvez essa fórmula não funciona mais desse jeito.

    O novo filme do diretor/roteirista Dan Gilroy (responsável pelo excelente O Abutre) Roman J. Israel, Esq. traz Denzel Washington interpretando muito bem um cansado advogado homônimo que deu sua vida inteira para um escritório de luta pelos direitos civis junto de um colega, que falece, e agora sua firma iria ser diluída e incorporada por outra firma tradicional, representada por George Pierce (Colin Farrell), afinal, lutar pelos pobres e negros nos EUA aparentemente não dava dinheiro e a firma estava com déficit.

    Porém, o filme não traz para o debate o problema citado no primeiro parágrafo. Aliás, o seu maior problema é que ele parece muitas coisas. Parece que vai abordar a luta judicial pelos direitos civis, ou o cansaço de se dedicar uma vida a isso por parte de quem se propõe a realizar tal tarefa. As vezes parece que vai colocar em confronto as gerações que lutam por direitos civis, ou mesmo confrontar pequenas e honestas firmas contra os grandes escritórios. Ele tenta passar por tudo isso em diversas cenas sem sequência e sem sentido, mas no final tenta abordar unicamente a fragilidade humana através de uma ação do protagonista, que você também espera ter um desenvolvimento maior, mas que não acontece.

    Através de uma moralidade rasteira e um roteiro preguiçoso, acompanhamos toda a trajetória de Roman até tentar se adaptar a esse novo mundo, no que também ele ora parece aprender com seus erros, ora parece entrar em uma espiral ainda maior de ações sem sentido.

    No final, Roman J. Israel, Esq não entrega absolutamente nada ao espectador além de pequenos surtos de ideias que não são desenvolvidas, com uma tentativa de se colar tudo no final com um grande band-aid narrativo e uma música grandiosa, como se tivéssemos acabado de ver uma grande lição em algo ou alguém, mas o que sobra é um grande ponto de interrogação sobre a história, e especialmente, sobre porque Washington escolheu esse filme.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | Sobral: O Homem Que Não Tinha Preço

    Crítica | Sobral: O Homem Que Não Tinha Preço

    O homem q não tinha preço

    A origem latina da palavra “resistência” vem de resistire, que faz lembrar o conceito de “ficar firme, aguentar”, relacionando a manter posição. Em tempos de ditadura militar, em plena efervescência cultural e política mundial, o Brasil vivia aquém, sem liberdade para o povo, sem vazão ao  poder popular. Apesar de mentes envelhecidas nadarem normalmente a favor desta correnteza de mazelas, havia alguém que fazia a contramão desses ideais, destacando a militância no ambiente jurídico.

    Sobral Pinto era um senhor de alta idade que teimava em legislar em favor dos direitos humanos, em um período no qual o conceito era completamente ignorado e tratado como assunto subestimado, uma vez que o regime impunha sua vontade para quem quer que tentasse resistir a ele.

    A pesquisa de Paula Fiuza – diretora e roteirista, interessada pessoalmente pelos assuntos legais dos tempos em que a esquerda somente habitava os porões do regime – leva o espectador ao ano de 1999, quando ocorreu o resgate das fitas com os julgamentos dos presos políticos, os quais o jurista Sobral, que destacava sua tremida e passional voz, ainda teimava em defender; tudo através de um material adquirido por um jovem advogado que visava preencher o espaço de sua tese de conclusão de curso na faculdade. As defesas serviam de inspiração para alguns bons defensores de direitos, além de fornecer a garantia da lei, tão ignorada no absolutismo de farda.

    A intimidade do já idoso protestante realiza-se através dos depoimentos de seus convivas e descendentes, dos que foram bravamente defendidos por ele. A obra também reúne boas imagens da época, com falas do próprio advogado. A briga para fazer da liberdade a bandeira universal teve um episódio especial na união do biografado com Luis Carlos Prestes, mostrando que mesmo o marxista e militante extremo não tem necessidade de conflitos extremos com o comportamento católico praticante do causídico, exemplificando o quanto tem em comum em relação ao discurso socialista e do moderno modo de Jesus tratar os excluídos dos evangelhos.

    O subtítulo do filme reflete a verdade atrás de sua personalidade e trabalho. Não ter preço não era uma expressão, especialmente por poucas vezes cobrar de seus clientes, a maioria formada por gente humilde, de poucas posses. Sobral era um homem do povo, refutava que o chamassem de Vossa Excelência. Por suas virtudes no Direito terem a ver com sua extrema humanidade, contraditas no passional modo de enxergar o futebol e as fases ruins de seu time de coração, o América da Tijuca. A sabedoria do jurista não o salvaguardava do fanatismo do futebol ou do bom humor e sacanice em relação a belas mulheres, inclusive Sônia Braga. Os fatos narrados em relação ao tema, prendem-no à realidade, distanciando-se da ideia de um androide em prol da justiça.

    A influência da religião fez Sobral se autopunir quando cometeu o pecado da infidelidade conjugal: a renúncia ao próprio ofício de procurador e a diversões sãs, como partilhar dos estádios de futebol em dias de jogos e sessões de cinema. A marca do erro se fixou em sua alma, revelando o lado conservador do advogado, que só teve sossego sobre o caso quando conseguiu o perdão de sua esposa.

    Segundo as falas dos depoentes, Sobral apoiou o movimento “revolucionário” dos militares, por medo igual do possível regime vermelho. A partir do momento em que a constituição passou a ser transgredida, o jurista mudaria de lado. A fala é dada em gritos, com a voz claramente alterada em razão da passionalidade, possivelmente pela indignação consigo próprio ao ter caído no engodo dos que viria a combater. Nem mesmo sua verve e inteligência foram capazes de identificar a tomada de poder ilegítima: mesmo apoiando o golpe em 1964, houve o ato de lançar uma carta de repúdio a Castelo Branco por assumir a presidência mesmo sendo o chefe do exército, o que era também inconstitucional.

    A falta de concessões às convicções que tinha e que defendia fazia dele uma personalidade sui generis, algo descoberto em sua integridade anos depois dos seus feitos junto ao romantismo, ao extraordinário trabalho que fazia para o povo de modo geral. Os créditos finais passam-se em uma homenagem no terreiro de samba, ao lado de seu amigo João Nogueira, que canta os feitos de seu amigo e mentor, popularizando uma figura de integridade ímpar, que a câmera de Paula Fiuza busca honrar. Às vezes não dando tanta vazão ao conservadorismo conhecido do advogado, a obra ressalta o viés de luta de seus convivas e o altruísmo que fala mais alto que qualquer pragmatismo pseudo-revolucionário, mostrando um Sobral como o jurista do qual o povo precisava.

  • Crítica | Meu Primo Vinny

    Crítica | Meu Primo Vinny

    Os filmes de tribunal sempre tiveram seu público. Em geral, são filmes dotados de grande carga dramática, tramas intrincadas e pautados nas relações e emoções humanas. Um grande exemplo do gênero é o clássico 12 Homens e Uma Sentença, magistralmente dirigido pelo mestre Sidney Lumet e estrelado por Henry Fonda, em uma de suas mais marcantes interpretações. São poucos os exemplos de comédias ambientadas em um tribunal, e Meu Primo Vinny é disparado a melhor fita de todas.

    Trabalho mais relevante da carreira do diretor Jonathan Lynn, com roteiro de Dale Launer, o filme conta a história de Bill Gambini e Stan Rothstein, dois jovens de Nova York que, ao viajar pela região rural do estado do Alabama, acabam sendo julgados por um assassinato que não cometeram. Por não ter muito dinheiro, Bill resolve recorrer ao seu primo Vinny Gambini, um advogado recém-formado, que não possui nenhuma experiência, para defendê-lo perante o grande júri.

    O diretor Jonathan Lynn conduz com competência o filme, e o roteiro de Dale Launer é muito divertido, uma vez que centra boa parte das piadas no grande contraste cultural entre os nova-iorquinos Vinny e sua namorada Mona Lisa, e os habitantes da ficcional Beechum County. Os diálogos e situações são excepcionais, e algumas situações um pouco mais absurdas, como a dificuldade de dormir que Vinny enfrenta, são muito engraçadas. A cidade também é muito bem filmada, e suas locações são mostradas em detalhes, ajudando a detalhar o “mundo estranho” ao qual o local pertence. Além do mais, o filme consegue fazer uma reprodução bastante fiel dos procedimentos que circundam um júri popular nos EUA.

    Joe Pesci dá um show como Vinny Gambini. Apesar de ser baixinho, seu jeito estranho histriônico e seu timing de comédia o agigantam na tela. Suas interações com o conservador juiz, interpretado por Fred Gwynne, e as cenas em que ele interroga as testemunhas são ótimas. Os jovens Bill e Stan são interpretados com competência pelo eterno Karate Kid, Ralph Macchio, e Mitchell Whitfield. Porém, o grande show é de Marisa Tomei. Esbanjando charme e comicidade, a atriz consegue uma atuação natural e extremamente engraçada, sendo responsável pelos melhores momentos do filme e pelo clímax surpreendente. Os boatos maldosos de que Jack Palance teria lido errado o envelope que premiou Marisa com o Oscar de melhor atriz coadjuvante não merecem eco. Sua performance foi sim merecedora do prêmio.

    Fãs de filmes de tribunal ou de comédia serão bem agradados por este Meu Primo Vinny, uma comédia esperta, de diálogos divertidos, situações engraçadas e que não apela pra escatologia em nenhum momento, fato esse que a torna praticamente obrigatória.

  • Crítica | O Juiz

    Crítica | O Juiz

    Filmes de tribunal sempre foram recorrentes na história do cinema. O ótimo 12 Homens e Uma Sentença, de 1957, provou que é possível fazer um filme com assuntos jurídicos ser interessante para o público. Mas foi em 1993 que o gênero explodiu com A Firma, estrelado por Tom Cruise e Gene Hackman. Hollywood viu no autor John Grisham uma fonte quase inesgotável de roteiros vindo de seus livros. Grisham, até hoje, é bastante respeitado pelos seus romances extremamente competentes, recheados de intrigas, mistérios e com histórias bem diferentes umas das outras. Com isso, pudemos assistir a O Dossiê Pelicano, O Cliente, Tempo de Matar, A Câmara de Gás, O Homem que Fazia Chover, Até Que a Morte Nos Separe e, mais recentemente, O Júri, todas adaptações dos livros do autor.

    Quando O Juiz foi anunciado, os atores estavam no primeiro estágio de negociação. O astro Robert Downey Jr., além de confirmar presença como protagonista, assina também como produtor executivo e, para contrabalancear com ele, o nome de Jack Nicholson chegou a ser cogitado. Infelizmente, as negociações não avançaram e coube ao veterano Robert Duvall dar vida ao juiz Joseph Palmer, ou juiz Palmer, como é chamado.

    O que difere O Juiz das adaptações de Grisham é que o filme tem uma premissa extremamente simples, e até mesmo clichê. Porém, o diretor e roteirista David Dobkin, que tem no currículo filmes como Bater Ou Correr em Londres e Penetras Bons de Bico, surpreende ao inserir um humor pouco convencional à trama, além de outras situações extremamente sutis que acabam funcionando por completo.

    Hank Palmer (Downey Jr.) é um advogado bem-sucedido que há anos abandonou sua cidade natal por não se dar bem com seu pai, o juiz Palmer (Duvall). Embora Hank more numa mansão e seja casado com uma bela jogadora de vôlei, ele se vê no meio de seu próprio divórcio e, para piorar a situação, durante um julgamento, recebe uma ligação de que sua mãe havia morrido. Era hora de retornar à sua cidade depois de tantos anos. Era hora de confrontar o seu pai depois de tantos anos.

    A sutileza do diretor já é percebida logo quando Hank chega ao velório. Somos apresentados ao seu caçula e especial irmão, Dale (Jeremy Strong), e o irmão mais velho, Glen (Vincent D’Onofrio). O juiz Palmer, ao chegar, cumprimenta todos, menos seu filho, mostrando que nem o luto da esposa amoleceu seu coração. Aliás, a maneira como Hank é tratado pelo pai faz que ele resolva ir embora no dia seguinte ao funeral, sendo que, dentro do avião, ele fica sabendo que seu pai foi acusado de homicídio por ter atropelado um ex-condenado que agora está solto.

    Com o sucesso de Homem de Ferro, Downey Jr. resolveu de vez assumir a identidade de Tony Stark, tanto que nas junkets de divulgação do filme do ferroso, o astro ia praticamente vestido como o gênio, bilionário, playboy e filantropo da Marvel, usando o mesmo cavanhaque e os mesmos ternos, algo que faz até hoje. Essa fusão entre ator e personagem atrapalha o primeiro ato de O Juiz, pois não se enxerga Downey Jr. como Hank Palmer, mas sim como Tony Stark.

    Isso muda quando Hank decide ficar e ajudar seu pai. Ele encontra na sua antiga bicicleta e numa camiseta surrada do Metallica um propósito para poder relembrar a sua infância e sua adolescência, revendo, inclusive, seu antigo amor, Samantha (Vera Farmiga), que hoje é dona de um restaurante e mãe solteira de uma bela jovem, que morde o cabelo da mesma forma que a filha de Hank.

    A química entre Downey Jr. e Robert Duvall funciona bastante, rendendo ótimos momentos de tensão e drama, o que pode levar o telespectador a diversas emoções. Aos poucos, também conhecemos o motivo pelo qual os dois se odeiam e como isso interfere diretamente no curso do processo e do julgamento do juiz Palmer.

    Aliás, a relação entre todos os personagens e suas boas subtramas acaba deixando a trama principal em segundo plano, o que faz com que um dos personagens fundamentais, o promotor Dwight Dickham (Billy Bob Thornton), fique meio apagado, o que de certa forma não chega a ser ruim, já que o filme, como dito, tem uma premissa bastante simples. E isso talvez seja mérito do diretor por escrever e filmar ótimas cenas que intercalam drama junto ao humor de forma sutil e delicada sem ficar chato ou fora do lugar. Não há nenhuma cena cômica que não se encaixe.

    O Juiz, por ter participado de festivais, poderá ser um dos nomes do Oscar em 2015, rendendo indicações para Downey Jr. como melhor ator, Robert Duvall, como melhor ator coadjuvante, e talvez para melhor roteiro e direção.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | 12 Homens e uma Sentença

    Crítica | 12 Homens e uma Sentença

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    Doze Homens e uma Sentença é um desses filmes que ficará marcado e dificilmente esquecido por quem o viu.

    Repleto de diálogos brilhantes, belas interpretações e um excelente trabalho de direção e fotografia, Sete Homens e uma Sentença é certamente um dos maiores filmes de tribunais já feito, e que apesar de ter sido filmado em 1957, continua com uma popularidade até os dias atuais.

    Dirigido por um mestre do cinema, Sidney Lumet nos apresenta uma história simples, focado quase inteiramente na decisão de um júri composto por 12 pessoas responsáveis pelo julgamento de um garoto, acusado de matar o próprio pai. O filme não tem rodeios, é direto, com personagens extremamente realistas e fortes, os diálogos durante a sequência são de deixar qualquer um embasbacado.

    O elenco conta com ninguém menos que Henry Fonda no papel do único homem entre os doze que duvida da culpa do garoto pela morte do pai, e se vê diante da tarefa hercúlea de provar para os demais que as coisas não são tão óbvias quanto todos pensam e a cada sequência, Fonda desenvolve uma resistência muito bem fundamentada que aos poucos vai convencendo os demais jurados. Álias, Henry Fonda foi o responsável pela produção do filme, ao assistir a peça para TV, exibida pela CBS em 1954. Percebendo o potencial do roteiro e um papel que o atraiu imediatamente, Fonda arcou com a produção do filme do próprio bolso.

    Fonda contratou Sidney Lumet, um diretor veterano de TV, mas que até então não tinha trabalhado com cinema, e Boris Kaufmann, diretor de fotografia, um especialista em trabalhar com espaços pequenos e claustrofóbicos. Toda história é filmada dentro da sala de júri, com exceção da primeira e última cena, ao chamar Lumet e Kaufmann, Fonda conseguiu o que queria, rodar o filme todo em uma pequena sala, criando assim a tensão que precisava, e sem deixar o ritmo cair em nenhum momento. Lumet vai descontruindo toda cena do crime com maestria e qualquer desatenção pode perder o brilho que o filme merece, claro que sem o roteiro de Reginald Rose, nada disso seria possível.

    Já no início da sequência, após todas as provas serem apresentadas durante o julgamento – provas essas quase irrefutáveis da culpabilidade do réu – O presidente do júri se volta aos demais, indagando-os quem considerava o réu culpado. Todo o júri prontamente ergue as mãos, exceto um deles, personagem esse interpretado por Henry Fonda, conforme já falado. Durante toda a sequência é visível a todos o peso que este homem tem nas costas, ao decidir pela vida de um garoto. E o filme consegue retratar essa guerra psicológica com grande esmero. Todo o decorrer do filme trabalha o modo como o personagem argumenta e todas as recomposições de cenas do crime vão sendo montadas com tamanha inteligência e perspicácia que só nos resta bater palmas.

    Cada ator deixa sua marca no filme, e todos ali trabalham muito acima da média do que vemos por aí, criando uma dinâmica incrível entre todos os 12 atores em tela, e tudo isso dentro de uma sala fechada em uma calorenta tarde da semana. As personalidades de cada um dos jurados vêm a tona, preconceitos raciais, entre outras coisas. Uma humanização dos personagens que provém de um julgamento que seja sensato e justo, de acordo a cada um deles. Uma verdadeira obra-prima cinematográfica.