Tag: Kevin Spacey

  • Crítica | Beleza Americana

    Crítica | Beleza Americana

    O filme de Sam Mendes, lançado em 1999, abre com um vídeo caseiro. Nele, dois personagens conversam, com um deles focado pela câmera. Um conteúdo dedicado às agruras dos adolescentes dos anos noventa e com a inconformidade do sujeito ordinário. Logo entra a narração de Kevin Spacey, seu personagem Lester Burnham fala a respeito de sua vida monótona e tediosa, poetizando sobre seus últimos momentos.

    Beleza Americana é um filme de linguagem direta. Não é difícil entender seus dramas. Os personagens são realistas apesar de exagerados. Além disso, são ricos em sentimento e psicologicamente complexos, principalmente a família Burnham, que além de Spacey, é representada por Annette Bening e Thora Birch. Lester, Carolyn e Jane vivem no subúrbio e são bastante frustrados com a vida que levam.

    Os Burnham formam o trio perfeito, como uma trindade simbólica do americano médio. Unidos aos coadjuvantes, ainda tem uma infinidade de estereótipos em cena: o militar inseguro sexualmente e enrustido, o casal gay super simpático, o garoto esquisito e bonito que se vale das aparências para lucrar e seguir sua vidinha medíocre, a falsa menina fogosa, etc.

    Todos cooperam para essa mini fábula moderna e cínica sobre a vida do americano comum. O fio condutor dessa trama é Lester, um sujeito fraco de mente, que se deixa levar por qualquer vento e circunstância, alguém volúvel que está cansado de se enxergar um perdedor. Sua atitude disruptora mira quebrar essa bolha de monotonia, e sua jornada passa a ser a do homem simples que tenta sair da letargia e da rotina de jantares enfadonhos e programas sociais em que a falsidade impera. Apesar de ser bastante tolo, parece estar acima dos outros personagens. Ao contrário de sua esposa, Carolyn, ele percebe sua miséria existencial e aparentemente aceita-a.

    O roteiro de Alan Ball sobrevoa o estado letárgico geral, tanto na condição catatônica de Barbara (Allison Janney), como na hipocrisia de seu marido (auto engano como representação da letargia) até chegar no sujeito ordinário cansado de ser servil. A geração baby boomer, segundo a fábula, está fadada a ser estática, enquanto a geração posterior busca ser diferente a todo custo. Mendes conduz bem um mundo de aparências em uma vizinhança pequena, fazendo esse micro universo ser crível principalmente por conta de sua direção de atores.

    Ao passo que o roteiro fala a respeito de observar a vida passivamente, também se discute manipulação entre parentes. O embate de pais e filhos é todo pautado nisso. O embate entre Wes Bentley e Chris Cooper consiste no controle que o garoto tem junto ao pai. O rapaz faz o adulto acreditar que domina seus sentimentos e seu  temor, deliberadamente finge acreditar na disciplina pregada pela figura de autoridade. A brincadeira com a expectativa de terceiros é quase um hobby dos homens, independente da idade ou da postura de cada um dos personagens. Todos eles sofrem desse mal, e o comentário de Ball e Mendes é de que a sociedade americana é torta e essencialmente falsa, viciada nesse tipo de manipulação.

    Perto do final, a casa dos Burnham se torna o centro gravitacional de toda a problemática dos suburbanos, um ímã magnético figurativo que atrai a tragédia. Os personagens se aproximam de Lester e lhe exigem afeto, mesmo os que não têm qualquer laço afetivo. Simples ou medíocre, o personagem central travessa a barreira de ser comum logo após perceber que seu objeto de desejo, a ninfeta que ele tanto desejou, é apenas uma adolescente virginal que projetava mentiras. Sua reação comedida o faz perceber o quanto era bobo e comum a busca pelo objetivo inalcançável, até mesmo isso é um fetiche comum.

    Quando hesita em cena, também expia um pecado que não cometeu. Mesmo se não rompesse a perfeição do chefe de família ideal, ele ainda pareceria um sujeito impuro dentro da fábula cristã. Quando alcança essa compreensão, porém, seu fim é rápido, praticamente indolor. Ressaltado pelas flores vermelhas que povoaram suas fantasias. A riqueza de Beleza Americana mora nesse argumento poético e metalinguístico. O homem apenas deseja o que não lhe cabe, romantizando a vida de maneira tola.

  • Crítica | Tempo de Matar

    Crítica | Tempo de Matar

    Após um considerável sucesso adaptando John Grisham em 1994, com O Cliente, o diretor Joel Schumacher se volta novamente para outro livro do autor, dessa vez, trazendo Tempo de Matar, uma história sobre justiça, vingança e intolerância racial. A trama tem início com dois rapazes brancos passeando de carro pelas ruas de Canton, Mississipi, causando terror entre pessoas de minorias étnicas. Dentro de seu veículo há signos e símbolos neonazistas, além da bandeira dos Estados Confederados da América. Ao passo que mostra os dois sujeitos, a trama também apresenta o advogado idealista Jack Tyler Brigance, de Matthew McConaughey (em um dos seus primeiros papéis sérios e de destaque), além de membros da família Lee Hailey, que estão entre os negros atacados pela primeira dupla.

    O roteiro de Akiva Goldsman não demora quase a estabelecer sua ação, mostrando uma criança sendo vitimada pelos personagens da maneira mais baixa e cruel possível, além é claro da repercussão com os familiares da pequena Tonya (Rae’Ven Kelly), em especial, seu pai,  Carl Lee Hailey (Samuel L. Jackson), que se sente indignado e impotente diante do que ocorreu com um dos membros de sua família que, a priori, deveria ser protegido por ele.

    A virada no roteiro acontece com pouco mais de vinte minutos, com o revide de Carl aos homens que violaram sua vida e família, e é seguida de uma tomada sentimental, onde os personagens da força policial se vêem obrigados a executar uma ordem que não queriam. O filme lida com questões espinhosas e bem caras nos tempos atuais, especialmente, no tocante a volta de manifestações de supremacistas brancos nos EUA.

    Schumacher não tem receio em apresentar uma história crua, não tem receio em mostrar um conflito aberto em clima de guerra civil, como era comum décadas antes de 1996. O roteiro trata a história de forma cíclica, aparentemente a humanidade tende a repetir alguns conflitos, de tempos em tempos, e isso faz sentido, tanto que movimentos de afirmação dos direitos da população negra precisam retornar como no ano de 2020, após mais um de muitos atos por parte de forças do Estado punirem a população por conta única e exclusivamente do tom da pele. Embora a realidade não tenha tantas licenças poéticas quanto o que ocorre no longa de Schumacher.

    Tempo de Matar tem uma crítica voraz ao modo como uma parte dos Estados Unidos têm lidado com a segregação racial e as diferenças culturais entre os povos, e ainda que apele para a fantasia em alguns pontos, Schumacher consegue tirar ótimos momentos de seu elenco. Jackson, McConaughey, Kevin Spacey e até Sandra Bullock têm boas participações e que ajudam a entender o filme como uma fábula jurídica e de entraves raciais, ainda que infelizmente o quadro político atual recoloque o filme numa posição de mais pragmatismo que uma obra escapista sobre preconceito.

  • Crítica | Todo o Dinheiro do Mundo

    Crítica | Todo o Dinheiro do Mundo

    Mais do que qualquer polêmica a respeito da vida de Jean Paul Getty, Ridley Scott se viu no olho de um furacão completamente inesperado: as graves denúncias de assédio sexual e comportamento inadequados envolvendo figurões de Hollywood como Harvey Weinstein e o ator Kevin Spacey, que iria viver o excêntrico bilionário, tendo inclusive suas cenas já filmadas. O diretor e a equipe correram contra o tempo e gastaram enormes quantias de dinheiro para refilmar as cenas com o ator, substituindo pelo excelente e veterano Christopher Plummer (o que depois abriu espaço para outra polêmica, onde Mark Wahlberg havia recebido U$ 1,5 milhões para refazer interpretando o funcionário faz tudo de Getty, Fletcher Chase, enquanto sua colega Michelle Williams, sem saber disso, recebeu apenas US$ 80 por dia apenas para cobrir despesas).

    Correndo contra o tempo e com a data do filme já estabelecida, Scott precisava demonstrar em uma situação ainda mais difícil que ainda é um grande cineasta, pois vem de uma sucessão de filmes com mais fracassos do que sucessos. Dentro deste contexto, Todo o Dinheiro do Mundo se situa bem no meio de ambos. Se não é algo inovador e cheio de energia como Alien: O Oitavo Passageiro, tampouco é um fracasso retumbante como Êxodo: Deuses e Reis, Prometeus ou Alien: Covenant.

    O longa conta a história do sequestro do neto de Getty (Plummer), bilionário do ramo do petróleo e conhecido por sua fama de sovina e também pela exímia arte de escapar do imposto de renda das mais variadas formas, usando inclusive o hábito de comprar várias e raras peças de arte para realizar tal feito. Seu neto, John Paul Getty III (Charlie Plummer) andava tranquilamente pelas ruas da Itália quando é jogado em uma Kombi e vai parar em um cativeiro de sequestradores italianos rústicos do interior do país, sem saberem muito o que estava fazendo. A distância familiar entre o filho do magnata, John Paul Getty II (Andrew Buchan) e seu pai era enorme, causando em si várias sequelas psicológicas. Ambos se aproximam, mediados por sua esposa Abigail Harris (Michelle Williams) apenas por uma imensa necessidade financeira.

    O filme não se importa em momento algum em vilanizar Getty como o velho rico sovina e excêntrico (onde o filme ganha e muito com a participação de Plummer), assim como os outros personagens também são praticamente unidimensionais e seguem um fluxo muito previsível de acontecimentos e decisões, característica comum nas produções recentes de Scott. Getty se recusa a pagar o pedido inicial dos sequestradores, de U$ 17 milhões, o que deixa os bandidos nervosos, enquanto as atrapalhadas investigações de Chase e da polícia italiana apontam para uma brincadeira do próprio Getty Jr. em conluio com as brigadas vermelhas, o que também se mostra falso.

    Logo entramos em uma longa e cansativa jornada pelo crime organizado da Itália, que vende o jovem herdeiro na tentativa de angariar mais dinheiro, em um jogo de gato e rato que não levanta muitas emoções e não faz o espectador imaginar nada além do que está vendo na tela, mesmo a produção do longa sendo visualmente impecável, com a fotografia, cenários e figurinos muito mais convincentes que a história em si.

    Ao tratar de um caso já conhecido de crime envolvendo celebridades, Scott poderia ter adotado outras fórmulas menos óbvias, mas ao que parece, sua criatividade realmente está em crise, e cada vez menos podemos esperar algo inovador do cineasta, pois o que sobra após assistir ao filme é justamente continuar pensando mais sobre a polêmica da troca de atores e a diferença de pagamento entre eles do que a história que acabamos de ver.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

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  • Crítica | Em Ritmo de Fuga

    Crítica | Em Ritmo de Fuga

    Trauma é comumente definido como um dano, físico ou emocional, que ocorre como resultado de algum acontecimento forte na vida do indivíduo. No caso do trauma emocional, a represália pode incluir sequelas sentimentais e até corporais. O novo filme de Edgar Wright usa em sua premissa um protagonista que sofre desse mal, graças a um evento do passado que vitimou seus pais. Em Ritmo de Fuga (Baby Driver) conta a história de Baby (Ansol Elgort), um garoto solitário, calado, que dirige para criminosos em troca do perdão de uma dívida que tem com Doc, personagem interpretado por Kevin Spacey.

    O rapaz cuja jornada o espectador acompanha possui uma estranha obsessão por música, igualando-o de certa forma ao mesmo ideal visto no personagem de Chris Pratt, em Guardiões das Galáxias também na ligação afetiva e nostálgica com a figura materna. Apesar disso, seu modus operandi lembra demais as referências que Nicolas Winding Refn utilizou em Drive, inclusive no reverenciar aos grandes filmes antigos, tanto de assalto quanto de corrida. A diferença básica entre esse e o filme do dinamarquês é a disposição de cores e a atmosfera alto astral que Wright emprega em seu filme, resultando em um produto repleto de suspense e perseguições, sem descuidar, é claro, de uma diversão desenfreada.

    Além de conduzir cenas de fuga absurdamente bem feitas e eletrizantes – fator esse muito exitoso graças especialmente a edição de som  e  a fotografia de Bill Pope – há também um cuidado em apresentar personagens que, mesmo com pouco tempo de tela, se exacerbam em carisma. Griff (Jon Bernthal), Buddy (Jon Hamm), Darling (Eiza González) e Batts (Jamie Foxx) roubam a cena sempre que interagem com Baby, seja no planejamento das contravenções, como também na ação. Mesmo Elgort supera o estigma de menino vitimado, de A Culpa É Das Estrelas, para apresentar uma nova faceta, de um garoto que mesmo do alto de seu silêncio e jeito abobalhado, consegue atingir seus objetivos, ainda que tenha que perverter seu próprio código ético em alguns momentos.

    Um dos pontos mais positivos no longa é a utilização livre dos clichês. Apesar de conter ali inúmeros arquétipos batidos, como o do negro sábio e indefeso em Joseph (CJ Jones), e da garota bela em perigo vista em Debora (Lily James), há um arco de quedas e recomeços por meio de eventos de ações extremamente inesperadas e entrópicas. A montanha de absurdos que se avolumam em torno de Baby tornam suas escolhas em eventos mais graves ainda, e fazem refletir não só sobre os rumos que o rapaz é obrigado a tomar, como também sobre a inexorabilidade do destino trágico que o cerca, sendo este, mal comparando, uma versão mais jovem de outros tantos protagonistas trágicos, como o Michael Corleone, de O Poderoso Chefão Parte 3, ao menos na questão das intenções de não estar mais presente naquele ambiente hostil.

    O maior indício físico do trauma que ocorre com Baby se manifesta no zumbido em seu ouvido, que é abafada pelas músicas que seus iPods executam. A perspectiva sonora que Wright propõe além de inserir o público no mundo novo ali estabelecido, também gera uma simpatia praticamente automática entre interlocutor e receptor. As idas e vindas desse som podem ser encarados apenas como a perspectiva do personagem sendo utilizada ou não, mas abre-se também a possibilidade de interpretação de que aquela situação incômoda somente ataque o personagem-título quando ele está executando as atividades das quais ele não deseja mais participar, reforçando a ideia de que um menino tão doce não pertence aquele ambiente repleto de adrenalina e maldade, ainda que consiga se sair bem quando é cobrado de si uma atitude mais enérgica. Essa dualidade deixa Em Ritmo de Fuga em um patamar nunca antes visto na carreira e filmografia de Wright, elevando-o a um lugar que antes não se pensava de seu cinema, agradando o nicho que sempre foi o seu, mas indo além desse público.

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  • Crítica | Elvis & Nixon

    Crítica | Elvis & Nixon

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    A história por vezes nos traz, além dos grandes acontecimentos, pequenos eventos que se não serviram para mudar muita coisa, ao menos nos deixarão pistas para compreender melhor uma época e um sentimento. É mais ou menos neste contexto da micro história que o novo filme da diretora Liza Johnson, Elvis & Nixon trabalha. Com um tom claramente humorístico e uma narrativa simples, a história é leve e atraente, tamanho os absurdos envolvidos: Um presidente com a mentalidade em outra época resistindo ao encontro do maior ícone da música daquele tempo, mas que também mostrava dificuldades em entender os novos tempos.

    Em meio a revolução sexual, Woodstock, hippies, os Beatles de cabelos compridos, os Panteras Negras se organizando e Muhammad Ali recusando ir a guerra, Elvis era o símbolo do artista do bem, dos bons costumes e pró-EUA. Ao menos em sua cabeça. Seu plano era se reunir com Richard Nixon e obter uma credencial oficial de uma agencia governamental anti-drogas e ir disfarçado atrás de outros artistas, pois as drogas estariam corrompendo os jovens do país, e por isso eles estavam se revoltando.

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    Essa análise simplista é muito utilizada até hoje por muita gente, mas ganha um caráter cômico ao ser incorporada por Elvis Presley tamanha a sua inocência ao achar que, desta forma, iria contribuir para diminuir o uso de drogas no país (porém sua ex-esposa Priscilla Presley afirmou depois em uma biografia que o objetivo de Elvis com essa credencial era poder andar livremente com suas próprias drogas e armas de fogo).

    Michael Shannon entrega uma ótima performance como Elvis, com seus trejeitos absurdos e voz introspectiva, lutando para ser ao mesmo tempo o astro que todos queriam ser e se manter a criança inocente do interior do Tennessee. Seus companheiros Jerry (Alex Pettyfer) e Sonny (Johnny Knoxville) o ajudam na relação conturbada com o mundo exterior. Jerry aliás é uma figura interessante, pois ao mesmo tempo que gosta de Elvis, não quer mais ser escravo de seus caprichos, lutando ao mesmo tempo para manter Elvis e sua noiva felizes. Kevin Spacey como Nixon também está muito bem, mas Spacey na pele de um presidente soa mais como uma piada interna, referenciando-se ao seu icônico papel em House of Cards. Colin Hanks e Evan Peters como os assessores Krogh e Chapin (que mais tarde seriam implicados criminalmente no caso Watergate) também se mostram figuras interessantes, ao tentar associar a presidência a um ícone do rock. O que na época era extremamente ousado hoje viraria quase regra nas campanhas políticas.

    Porém, o maior mérito de Elvis & Nixon é justamente trabalhar na linha tênue do real e do absurdo que duas das maiores imagens da época se reunindo para tratar de quase nada. Duas figuras em seu auge de popularidade e poder, que alguns anos mais tarde iriam se ver em meio a um escândalo e morte acidental por drogas, como não é incomum dentre moralistas do tipo. Uma história que foi negada por muito tempo pela casa grande, hoje se tornou cult, tendo seu registro fotográfico como sendo o mais requisitado no Arquivo Nacional, virando broche, imã de geladeira, camiseta e tudo mais. É justamente ao tentar entender esse fenômeno de forma honesta que o filme acerta, afinal, os anos 1970 eram uma época louca que tudo estava mudando e muitos lutavam para tudo permanecer o mesmo. Ambos falharam em seu projeto, mas onde cada um falhou cabe somente a cada um de nós dizer.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Superman: O Retorno

    Crítica | Superman: O Retorno

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    Após longos anos sem qualquer representação áudio visual no cinema, depois da fracassada tentativa de realizar uma nova abordagem do herói no Superman Lives pensado por Tim Burton, o projeto de reativar a saga do azulão em tela grande recairia sobre o promissor Bryan Singer, que já havia reimaginado os X-Men sob uma ótica interessante. A produção dessa vez seria de Jon Peters, que retornaria à posição que ocupou em Batman de 1989, substituindo os Salkind na empreitada de prosseguir o legado do herói.

    O filme inicia-se com um recordatório sobre o fim de Krypton, fato que explicaria em parte tanto o hiato do personagem quanto a ausência de versões feitas para o cinema. Com momento posterior ao prelúdio e a abertura ao estilo da versão do Superman 1978 de Richard Donner, e a reintrodução de Lex Luthor.

    Apesar de ser a afirmação não oficial, a produção de Singer somente levaria em conta os filmes produzidos por Donner, compondo assim a parte posterior a Superman II – Donner Cut. O desenrolar do roteiro de Singer, Michael Dougherty e Dan Harris mostra herói e vilão redescobrindo origens, com Clark (Brandon Routh) retornando à fazenda em Pequenópolis, como um alienígena novamente, e com Luthor descobrindo as instalações da Fortaleza da Solidão, descobrindo as origens de seu opositor.

    Singer tenta equilibrar sua obra em dois pontos básicos, mostrando uma continuação, com Kal-El buscando suas origens e possíveis sobreviventes de Krypton, e claro, um filme de origem, para situar qualquer espectador desavisado, atento à questão que Stan Lee tanto gostava de citar, que toda história de herói pode ser a primeira história para alguém. A problemática maior é que este quinto volume vive neste limbo, com dificuldade de assumir uma identidade própria, já que somente na exibição do filme não fica exatamente claro o que vale ou não na cronologia, quando o conceito de reboot não era tão comum quanto nesta década.

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    O ambiente do Planeta Diário prossegue muito parecido com o dos anos 1970, claro, acrescido da tecnologia que avançou nos quase 30 anos entre as versões. Outro fator semelhante é a devoção de Jimmy Olsen (Sam Hutington) a Kent, mesmo após sua ausência. O tom de comédia forçosa deixou a maioria dos núcleos resumindo-se somente aos vilões, que ainda assim não são tão necessariamente bobos quanto Hackman e seus capangas. Ainda resta a aura mágica e fantasiosa, em especial nas cenas em que a gravidade é superada, em argumento narrativo que explicita que o mundo onde Superman habita é um campo mais escapista que o comum.

    Não havia na produção um compromisso de retratar a premissa de um modo que fosse explicado racionalmente, em especial levando em conta as leis da física que regem o mundo tangível, mas Superman – O Retorno é ligeiramente menos utópico que os filmes de Richard Lester e Sidney Furie, exceto pelos planos megalomaníacos de Luthor, que parece ter se mantido na linha anacrônica da Era de Ouro dos Quadrinhos, longe de qualquer resquício de modernidade.

    De diferente na abordagem há a relação do mito com Lois Lane. Kate Bosworth faz uma repórter incrédula, que em um primeiro momento se mostra independente e resoluta, escondendo uma profunda mágoa de ter sido abandonada por seu par ideal. O prêmio Pulitzer que recebeu pela matéria O Mundo Não Precisa do Superman já é a mostra de que a mulher seguiu em frente, ou ao menos tentou, atitude ratificada pelo noivado com Richard White (James Marsden), do qual resultou em seu herdeiro Jason (Tristan Lake Leabu), o simpático e frágil filho que carrega consigo. A demora para introduzir a moça na história é sábia, e faz do distanciamento desta com Kent/Superman o artigo mais inteligente do roteiro.

    Há pedaços e falas inteiras retiradas dos filmes anteriores, que podem ser encarados com easter eggs ou como muletas para a dificuldade que Singer tem em seguir em frente. O receio de mexer no patrimônio de herói, que para si era muito caro desde sua infância pobre e conturbada, graças ao fato de ser judeu, órfão e homossexual, acaba por tornar o filme um objeto covarde, que se vale mais da autoria de outros, e não só de Donner. Os pontos altos do filme são as referências à primeira capa de Action & Comics e à narração do programa televisivo dos anos 50 executado por George Reeves.

    A mitologia do personagem mudou ao se basear em outro arquétipo bíblico. Joe Shuster e Jerry Siegel tinham em Moisés o ideal para a construção de seu herói, seguido por quase todas as versões transmídia. A ideia de Singer era parafrasear o messias cristão, o que vai na contramão do judaísmo dos autores e do próprio diretor, que se rebelava mais uma vez contra os dogmas ensinados a si desde o berço. Há muitos outros signos bíblicos, como o salvamento da nave espacial Genesis, que acomodava sua amada, e mais um capítulo do avanço do homem ao espaço inexplorado.

    O modo como Superman – O Retorno é registrado é belíssimo. A fotografia de Newton Tomas Sigel é competente ao reprisar o mundo abstrato pensado pelos Salkind. Destaca-se também a direção de arte de Hugh Bateup, resultando no aspecto mais equilibrado, principalmente quando foge do genérico cenário de Metropolis. O problema é que os aspectos visuais não fazem superar o ritmo demasiado lento, não condizente com a época em que se situa. Este aspecto faz a união entre este universo e o de Batman Begins tornar-se ainda menos passível de uma unidade tardia entre os heróis da DC.

    A crítica mais frequente a Superman – O Retorno é em relação às cenas de ação, atribuindo o clímax ao salvamento aéreo, ocorrido com menos de uma hora de filme. A cena em que o filho de Krypton levanta o pedaço de Terra, repleto da matéria prima que o faz vulnerável é igualmente épica, no entanto, para o herói funcionar, é necessário um inimigo à altura, e isso não ocorre com o Luthor de Spacey, que até se esforça, mas funciona somente como paródia. Não há embate físico, não há medo de que o protagonista pereça, até os laços consanguíneos são mais interessantes do que o destino do messias que retornou para remir a humanidade. A construção do herói clássico parece ser a mais fácil de se construir mas de fato não é, e a aura de fantasia não se sustenta caso os sinais não fossem levados a sério. Como não são, no filme de Singer, resultam-se em um produto muito desequilibrado e sem caráter próprio, com um herói que, ao final de sua jornada, se mostra falido e anacrônico.

  • Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Crítica | Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal

    Meia Noite no Jardim do Bem e do Mal 1

    Bastante diferente da sua filmografia costumeira, Clint Eastwood se aventura ao adaptar o livro de John Berendt, cuja história mistura metalinguagem e apreço por fantasia. Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal inicia-se com o ingresso de John Kelso (John Cusack), um jovem escritor de Nova York, na pequena cidade de Savanah, onde deveria cobrir uma festa de Natal bastante abastada, com “patrocínio” de Jim Williams (Kevin Spacey), o qual visa tornar visíveis para o país inteiro as comemorações locais.

    Kelso é um homem atento, que beira o deslumbre ao observar a incomum rotina dos membros da alta sociedade residentes ali. A todo momento ele toma nota, mostrando estar atento a todos os acontecimentos, por menor ou mais tediosos que sejam os eventos que envolvem os ricos de Savanah.

    A investigação do protagonista mudaria, quando um conflito estranho ocorre em plena festa, em uma discussão envolvendo Williams e o jovem e inconsequente Billy Hanson (Jude Law), com o primeiro alvejando o segundo, em um ato supostamente de legítima defesa. Após o ocorrido, uma intricada trama de tribunal se desenrola, com os dois lados distintos se digladiando, com o importante líder da comunidade se valendo de seu prestígio para se livrar da prisão.

    Enquanto o jornalista enxerga a possibilidade de uma história interessante e além da monotonia da cidade interiorana, os argumentos dos advogados do acusado usam um discurso conservador e simplista, que revela as vias pelas quais passam o ideal do pensamento médio norte-americano.

    O filme possui um grave problema de ritmo, tendo partes excessivamente longas, especialmente na metade de sua duração, que mistura elementos diversos que pouco combinam entre si, gerando uma quantidade enorme de aspectos estranhos ao olhar do público. A atmosfera presente no roteiro de John Lee Hancock (também roteirista de Um Mundo Perfeito e Branca de Neve e O Caçador) apresenta longos períodos mornos que ajudam a fazer o espectador perder o interesse no suspense que deveria predominar na fita.

    O desfecho para os envolvidos no assassinato é misterioso e envolve uma dubiedade de caráter e abordagem que deveriam ter ocorrido no restante do filme, e que se apresentam tardiamente, atrelando um conceito de justiça divina sobre os destinos dos “culpados”. Apelando para uma ação divina não-cristã, fugindo do convencionalmente utilizado nos filmes dos Estados Unidos, ainda assim o filme é muito pouco para um produto dirigido por Clint Eastwood.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Quero Matar Meu Chefe 2 - Poster BR

    Após os acontecimentos de Quero Matar Meu Chefe, o trio protagonista torna-se famoso ao participar de um programa de entretenimento matinal para falar sobre a sensação de ser seu próprio chefe, invertendo o paradigma do episódio original. A direção de Sean Anders diferencia-se demais da do anterior, Seth Gordon, por ter uma linguagem bem mais popular, a começar pelo fracasso de inserir uma tentativa de empreendedorismo de Nick, Dale e Kurt (Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis respectivamente), transformando os três no centro da patetice da fita.

    O novo algoz do grupo é o magnata Bert Hanson (Christoph Waltz), um alto investidor que tem a chave para o sucesso dos protagonistas, podendo alavancar o produto que eles inventaram para, enfim, tirá-los do fardo de ter de trabalhar com patrões. A recusa inicial de seu filho, o jovial Rex Hanson (Chris Pine) é devido ao investimento considerado de alto risco. Logo, a persona de Bert se mostra tão controversa quanto a de seus antigos patrões, emulando a personalidade imbecil e incluindo um golpe financeiro.

    Após uma reunião sem qualquer apelo à realidade, os personagens decidem se vingar de Hanson, pensando em assassinato – artifício impossível para eles, inaptos – ou um sequestro do filho do milionário. Para prosseguir no plano, eles decidem pedir conselho ao único assassino que conhecem, Dave Harken (Kevin Spacey), o qual está preso e faz questão de humilhá-los, tratando-os como os idiotas, o que realmente são, ao agirem de modo tão infantil na parte 2. O comportamento do grupo era o mesmo de pessoas normais, que agem imbecilmente perante as situações nas quais não estão acostumados, como americanos medianos com o objetivo de assassinar pessoas próximas. O que antes era reação normal torna-se um comportamento padrão, o que é claramente desagradável e demasiado óbvio.

    A edição do filme, com narração e destaques dos defeitos dos personagens, é abandonada, fato utilizado principalmente para diferenciar o trabalho de Anders ao de Gordon. Com isso, um dos pontos mais charmosos do primeiro filme se perde, com o formato voltado para uma comédia de erros pura e simples, uma fórmula que lembra muito a de Se Beber, Não Case! Parte II, obra que explora personagens conhecidos do público em situações ainda mais controversas do que as vistas anteriormente.

    Apesar da tentativa de explorar outra vertente, não há nada de inovador na produção, pelo contrário. Quase todas as situações são repetidas, desde o já comum comportamento de Jason Bateman, que faz de Nick ainda mais parecido com o inseguro protagonista de Arrested Development, Michael Bluth, até os absurdos mostrados em tela. Mesmos as reviravoltas, que visam perverter os arquétipos de vilões e mocinhos, soam bastante forçadas. Sequer a pseudo-mudança de gênero para um filme de assalto, debochando de filmes recentes, como Truque de Mestre, salva o roteiro da mediocridade em que estacionou.

    O último dos plot twists até chega a surpreender, uma vez que os elementos antes mostrados não faziam desta reviravolta algo plenamente previsível. Alguns dos dramas vividos no final de Quero Matar Meu Chefe são reativados, com direito à repetição de papéis de Jamie Foxx como Motherfucker Jones, e Jennifer Aniston como a ninfomaníaca Julia Harris. Apesar deste ser o momento mais engraçado e nonsense do filme, não chega ao ápice de justificar os excessos dos quase 110 minutos de exibição, que, retirada a quantidade exorbitante de excedentes, mal completaria uma hora de exibição.

    Quero Matar Meu Chefe 2 é bastante inferior ao seu antecessor, como já de esperar, mas falha demais ao tentar fugir de um estereótipo para se prender em um ainda mais vexatório e repetitivo, em que até a química dos três interpretes é decrescida apenas para fortalecer o estabelecimento de uma franquia, isentando o produto final de qualquer substância e conteúdo relevante.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe

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    A tônica do discurso de Nick Hendricks (Jason Bateman) reprisa-se na “fatalidade” dos outros dois protagonistas, cuja única diferença é na dor causada por seus “superiores”. O foco da edição modernosa, cuja narração muito acrescenta ao conteúdo, é uma ode ao desconforto, um conformismo moderado, mas incomodado com algo básico: os desmandos de seu chefe, o autoritário Steve Wibie (Kevin Spacey). A causa do infortúnio de Dale Arbus (Charlie Day) é sua consultora, uma dentista fogosa chamada Julia Harris, vivida por Jennifer Aniston, exalando sexualidade para o pobre rapaz que quer manter-se fiel ao seu compromisso. As agruras de Kurt Buckman (Jason Sudeikis) não são exatamente relacionadas ao seu chefe, mas ao filho mimado e megalomaníaco deste, Bobby Pellitt (um Colin Farrell fazendo o melhor papel de sua vida), que repentinamente torna-se o responsável pela empresa em razão da doença de seu pai.

    O trio de atraentes homens de meia-idade tem uma autêntica encruzilhada dramática: trabalhar em suas respectivas carreiras em ambientes hostis, cujas oportunidades de crescimento são escassas, não importando seu alto nível de comprometimento e esforço em realizar um bom trabalho.

    Apesar dos múltiplos repertórios e das diferenças de personalidade que incorrem a cada um deles, na essência, o mesmo destino catastrófico recai sobre a existência deles. Dos sacripantas que ordenam a miséria na vida dos funcionários exemplares. A escolha básica deveria ser entre manter suas dignidades intactas, saindo do serviço e da miséria financeira, mais calamitosa ainda em tempos de crise, o que inviabiliza qualquer chance de saírem de seus postos. A única alternativa é fugir completamente da norma padrão, contratando um assassino de aluguel para se desfazer do incômodo que os acomete.

    Claro que, em se tratando de três espécimes sem qualquer experiência, o simples ato de procurar alguém para fazer o trabalho sujo teria que ser aventuresco, repleto de situações nonsenses. Após fracassar algumas vezes em arranjar um assassino, o trio é orientado a verificar os hábitos de seus mandantes para eles mesmos cometerem homicídio, com a responsabilidade trocada de acordo com o vínculo empregatício dos homens. Todo o estratagema é uma desculpa para se inserirem na intimidade completamente louca dos excêntricos próceres.

    As referências farsescas a filmes clássicos são diversas, desde Pulp Fiction até a despretensiosa comédia Trovão Tropical. A histeria causada pela falta de traquejo de Nick, Dale e Kurt só não é mais engraçada que todo o entorno de Bobby Pellitt. Nenhum aspecto de sua desfaçatez é minimamente aceitável para uma pessoa adulta. Todo o conjunto de ações de Bobby revela uma personalidade machista e fajuta, caricata ao extremo, tão ignóbil que ele se torna extremamente engraçado.

    O carisma dos “vilões”, tal como a completa falta de confiança que Harken sente de si mesmo e da esposa, faz de Quero Matar Meu Chefe um filme diferenciado. A experiência de Seth Gordon em comandar comédias televisivas faz com que ele seja a escolha perfeita para fazer transitarem suas piadas em núcleos diferentes, dando o mesmo nível de importância para cada uma das causas. O carisma, roteiro e loucuras da trama fazem com que a obra seja muito superior às comédias que percorreram os cinemas em 2011.

  • Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Crítica | Se7en: Os Sete Crimes Capitais

    Por vezes, o cinema é acometido por coincidências relativas a lançamentos de filmes sobre temas parecidos na mesma época. Nos anos 90, vimos uma sequência de filmes de investigação criminal sobre serial killers que foram sucesso de público, desde produções excelentes como O Silêncio dos Inocentes, até genéricos como Beijos que Matam e O Colecionador de Ossos. Em 1995, o então novato diretor David Fincher também se arrisca nessa empreitada com o filme Se7en – Os Sete Crimes Capitais, tendo Andrew Kevin Walker como roteirista.

    O filme se inicia apresentando primeiramente a cidade, que não é nomeada, mas que é representada como um local extremamente urbanizado e decadente, onde a chuva não dava trégua e caía intensamente, contribuindo para dar um peso dramático extra ao ambiente. Com uma atmosfera noir, a cidade possui construções degradadas, becos velhos e sujos, lixo no chão e um submundo onde a lei não costuma entrar, lembrando muito as diversas composições de Gotham no cinema, em especial as de Tim Burton.

    Os personagens principais são os detetives da polícia local, William Somerset (Morgan Freeman) e David Mills (em limitada, porém honesta e emotiva interpretação de Brad Pitt), sendo que este último acaba de se mudar para a cidade por causa da vaga de detetive, mostrando uma ambição fora do comum. Ávido por participar, sua personalidade contrasta com a paciência e calma de Somerset, que, por conhecer a fundo a escuridão da cidade e seus habitantes, não consegue mais se empolgar com nada.

    Ao serem chamados para atender uma morte incomum (um obeso que morreu de tanto comer), ambos logo chegam à conclusão de homicídio ao analisar a cena, onde o homem morto estava preso, o que é confirmado pela autópsia. Após outro corpo, de um importante advogado da cidade, ser encontrado com a inscrição “AVAREZA”, levando-os a encontrar a palavra “GULA” no corpo do caso anterior, fica claro a Somerset que mais assassinatos parecidos virão, e que, por isso, quer abandonar o caso, já que está próximo de se aposentar, enquanto Mills quer assumir o caso de todo jeito.

    Fincher escolhe contrastar a escuridão e violência do mundo, mostrados através de seus assassinatos, com a vida particular de Mills, na qual sua esposa Tracy (Gwyneth Paltrow) luta para se adaptar a uma cidade hostil e a um apartamento perto da linha de trem que treme cada vez que surge uma locomotiva. Tracy é responsável, inclusive, por unir Somerset a Mills, convidando este para jantar em sua casa. A partir dali, a relação entre os dois passa a ser mais harmoniosa. A câmera de Fincher, aqui, já consegue mostrar algumas das características que irão marcar seu estilo, como a composição das cores em tons pastéis e a escuridão sempre rodeando cada cena, como se estivesse o tempo toda pronta para engolir os protagonistas. Além da preferência por temas obscuros que envolvem a humanidade, que irá ser debatida em toda a sua filmografia subsequente.

    Quando os detetives resolvem suas questões pessoais, a investigação assume o foco ao tomarem destaque as passagens citadas pelo assassino em seus crimes, fazendo com que os policiais busquem os livros da biblioteca pública e quem os emprestou. Assim, chegam, de forma um pouco fácil demais, ao apartamento do assassino, que foge espetacularmente, mas não sem antes de ferir seriamente Mills, que, possesso, passa a cometer erros de julgamento que irão ter seu impacto mais tarde no desenrolar da história.

    Se7en consegue compor uma investigação criminal clássica, mas não se resume unicamente a isso, pois a obra também traz à tona a discussão de que não basta somente encontrar e prender o assassino, mas sim tentar entender o que está por trás de tamanha perversidade e como evitar que mais iguais a ele surjam. Nesse ponto, o filme dialoga com um espírito cansado e desgostoso em relação à modernidade  algo que os irmãos Coen expõem em Onde os Fracos Não Têm Vez –, um sentimento ao qual qualquer pessoa atualmente consegue se relacionar.

    Dentro desta lógica, o que menos importa é justamente o resultado da investigação, tanto que o assassino (interpretado por Kevin Spacey) se entrega após ter realizado suas ações, e a explicação por trás das razões de seus crimes soa terrivelmente familiar para nós, já que a indiferença e o egoísmo das pessoas do cotidiano isolam todos em seus mundos, e somente algo chocante pode tirá-los da realidade. A atração magnética de sua personalidade lembra o icônico Hannibal Lecter, e a nossa mórbida curiosidade em saber o que move tais mentes em direção a atos tão horrendos nos faz desejar que as explanações do assassino não parem.

    As constantes citações ao “Inferno” de Dante e a outros clássicos da literatura que flertam com a escuridão da alma humana deixam clara a mensagem que Se7en e seu assassino querem passar, a da eterna danação da espécie humana ao lidar com nossos demônios. A cena final, impactante, ecoa até hoje nas mentes dos fãs de cinema como uma das mais marcantes de todos os tempos, afirmação que possui tanto verdade quanto exagero.

    Portanto, Se7en é melhor apreciado se relativamente afastado do clássico gênero policial e encarado como uma jornada por dentro da própria humanidade, e apesar de não se aprofundar muito nos temas que se propõe, por si só já garante um destaque frente às produções semelhantes do período.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.